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INTERAÇÕES ENTRE PLANTAS DANINHAS E CULTIVADAS RELACIONADAS COM A QUALIDADE DA LUZ
Arthur Arrobas Martins Barroso
A população mundial não para de crescer. Nos próximos 50 anos estão previstos
para ocupar a terra cerca de 10 bilhões de pessoas. Para alimentar todos, a produtividade
agrícola deve ser elevada a novos patamares. Existe, porém, um limite de todo o
potencial genético que uma cultura pode expressar. Para garantir então, níveis
satisfatórios de produção, precisam ser controladas pragas, patógenos e plantas
daninhas. Para garantir esse controle, conhecer a biologia de plantas daninhas e as
relações que essas apresentam com as culturas agrícolas se faz essencial, principalmente
sob o ponto de vista da integração e uso das tecnologias disponíveis.
Plantas daninhas ou plantas infestantes são plantas que emergem e convivem
com as culturas agrícolas causando potencial prejuízo em determinado local. São
plantas superiores que interferem nos interesses do homem e do meio ambiente. A
interações que apresentam as plantas, em uma comunidade infestante, podem ser
neutras, positivas ou negativas, sendo essa última a maioria dos casos. Sabe-se que a
presença de plantas daninhas é responsável, por reduzir em média 20% dos alimentos
produzidos no mundo. Se essas plantas não fossem controladas essas perdas seriam
ainda mais elevadas.
Dentre os efeitos negativos que ocorrem no crescimento, desenvolvimento e
produtividade de plantas cultivadas em virtude da convivência com as plantas
infestantes, estão aqueles resultantes de pressões ambientais diretas e indiretas,
denominados de interferência. Dentro da interferência direta, ocorre a competição. A
competição pode ser entendida como a disputa entre plantas por recursos fundamentais
ao crescimento e desenvolvimento vegetal estabelecidos por duas ou mais plantas
crescendo em ambiente comum. Essa competição pode ocorrer por fatores biótipos
como agentes polinizadores ou abióticos como água, luz, nutrientes e espaço. A
competição é resultado de uma interação entre espécies, onde as duas apresentam
desenvolvimento prejudicado.
Dentre as competições existentes, destaca-se a competição por luz, pois essa se
inicia logo nos primeiros dias do desenvolvimento das espécies. Sementes, plântulas e
plantas possuem interações a luz. A radiação solar é determinante na produção agrícola
por diversas vias. Além de ser responsável pela geração de energia na planta e essencial
para o transporte de água e nutrientes nessa, a luz é percebida por fotorreceptores,
induzindo respostas fotomorfogênicas que influenciam a utilização e o aproveitamento
de novos recursos.
A competição por luz entre espécies pode ocorrer quantitativamente e/ou
qualitativamente. Quantitativamente, com relação ao total de luz disponível para as
plantas (radiação fotossinteticamente ativa) e qualitativamente pela qualidade da luz
disponível, sendo essa regulada pela taxa entre a disponibilidade entre luz na vermelha e
vermelha-distante. As folhas mais altas no dossel, com mais clorofila, recebem a
radiação plena, composta pelos comprimentos de onda vermelho e vermelho-distante,
porém são relativamente transparentes ao comprimento vermelho-distante, refletindo
essas para as folhas sombreadas abaixo do dossel.
A competição por luz quantitativa é muito importante na interação entre culturas
e plantas daninhas, porém a disponibilidade dessa é infinita aos vegetais. Além disso,
nos dias atuais, as culturas apresentam elevada eficiência da utilização da luz se
comparada a das plantas daninhas (a soja por exemplo apresenta maior eficiência no uso
da luz do que plantas de leiteiro e picão-preto (Santos et al., 2003)). Vale ressaltar,
porém, que plantas daninhas possuem elevada plasticidade genotípica, podendo se
adaptar a diferentes ambientes, como por exemplo, sob alta luminosidade, onde essas
alteram sua morfologia foliar, apresentando menor área foliar, camada de células mais
espessa, etc.
Ainda com relação aos diferentes ambientes, plantas de fisiologia do tipo C4,
apresentam vantagens fisiológicas frente a plantas C3 em condições de alta
luminosidade e temperaturas, pois sabe-se que quase não transpiram devido a
carboxilação ocorrer primeiramente pela PEP carboxilase, evitando que a Rubisco atue
como oxigenasse. Porém em condições de sombreamento, plantas com fisiologia do tipo
C4, demandam maior energia para a produção de fotoassimilados do que as plantas C3.
Sendo assim, em condições de alta luminosidade, temperatura, e eventuais déficits
hídricos, situações comumente encontradas no verão, período em que são semeadas a
maioria das culturas agrícolas, plantas do tipo C4 levam vantagens competitivas frente a
plantas C3, como por exemplo plantas de capim-colonião sobre plantas de soja. Estima-
se que plantas C4, acumulem o dobro da massa por unidade foliar do que plantas C3 em
um mesmo intervalo de tempo e isso é preocupante ao passo que oito dentre as dez
piores plantas daninhas do mundo apresentem esse tipo de fisiologia (Silva et al., 2007).
Porém, atenta-se para as interações entre plantas relacionadas com a qualidade
da luz. Essa interação negativa denomina-se “inicialismo”. Nesse caso, diferente da
competição, uma espécie é beneficiada em detrimento do prejuízo da outra quando essas
passam a conviver (Bulkholder, 1952; citado por Radosevich et al., 2007). O inicialismo
é uma denominação brasileira originada do latim “initialis”, inicial e “ismo”, referente
ao termo internacional “shade avoidance syndrome”, que quer dizer, síndrome do
escape do sombreamento. Trata-se de uma interação entre plantas composta pela
detecção precoce de vizinho devido a alterações da qualidade da luz, o que começa cedo
na vida do vegetal e é por isso uma das competições iniciais entre as plantas (Vidal et
al., 2010).
A percepção da qualidade de luz em plantas está rela6cionada a presença de
fitocromos que são pigmentos proteicos fotorreceptores que absorvem mais fortemente
a luz na região do vermelho (V) e vermelho-extremo (Ve) (comprimentos de onda de
660 e 720 nm respectivamente). Esses estão presentes no núcleo e no citoplasma de
células em duas conformações possíveis, a forma vermelha (Fv) e a forma vermelha-
extremo (Fve). Esses fitocromos são sintetizados no escuro na forma Fv, que quando
recebe luz, passa a sua forma Fve. Para a forma Fve voltar a Fv, existem duas
possibilidades, a primeira, ocorre pela reversão no escuro (que é um processo lento) e a
outra, pela exposição do Fv a luz vermelha-extremo (processo rápido).
Essa regulação é muito importante para entender o inicialismo e as respostas das
plantas as diferentes qualidades da luz. Quando se tem uma planta vizinha, ou uma
infestação de plantas daninhas, em geral, tem-se reduzida a relação V/Ve. A planta, uma
vez que recebe quantidades maiores de radiação vermelho-extremo (na verdade passa a
ter maior proporções de Fv), passa a entender que está sombreada, e pode ter
modificada sua morfologia e desenvolvimento a favor de evitar esse sombreamento.
Essas respostas em geral incluem alterações morfológicas (fotomorfogenese) como:
elevado crescimento da parte aérea de plantas em detrimento de raízes, alocação de
recursos para porções superiores da planta, aumento de área foliar, aumento da altura de
plantas, mudanças na orientação foliar e redução no perfilhamento e comprimento dos
entre nós em gramíneas.
Tem-se, por exemplo, que o milho convivendo com plantas daninhas (redução
da taxa V/Ve) obteve maior alocação de recursos para o desenvolvimento da sua parte
aérea somado a maior altura de plantas. Outros exemplos ocorrem em cereais como a
aveia, o trigo e o arroz. São passíveis de alterações também as plantas eudicotiledôneas
como trevo, soja, etc. Indiretamente as plantas apresentam também outras alterações,
como a maior suscetibilidade a herbivoria, as tornando mais suscetíveis ao ataque de
insetos pois crescem mais e investem menos em tecidos especializados.
Planta daninhas apresentam duas estratégias para vencer essa “guerra” contra as
plantas cultivadas. Uma delas, é exibir folhas em alturas superiores do que as folhas da
cultura, como ocorre para o leiteiro na soja, ou, mudar seu crescimento verticalmente
distribuindo a área foliar de maneira diferente no dossel de plantas. Plantas daninhas
possuem a capacidade de localizar horizontalmente no dossel a região com elevadas
relações V/Ve permitindo a colonização de ambientes. Diferentemente, plantas de
cuscuta, uma parasita, na busca de uma planta hospedeira, buscam regiões com menor
relação V/Ve.
Sendo assim, essas alterações na qualidade da luz podem prejudicar o
desenvolvimento e a produtividade de culturas agrícolas seja pela mudança no
crescimento da cultura ou da planta daninha. As plantas cultivadas podem ser
prejudicadas frente as plantas daninhas por apresentarem maior sensibilidade aos efeitos
inibitórios da luz ou pela menor capacidade de alterar a qualidade da luz que atinge as
plantas daninhas, bem como as plantas daninhas podem apresentar maior eficácia em
alterar a qualidade da luz disponível as culturas. No início do desenvolvimento da
plântula a qualidade da luz regula a distribuição de fotoassimilados e altera o
desenvolvimento da planta, modificando a habilidade dessa em interagir com outros
vegetais. A alocação de recursos ao desenvolvimento vegetativo irá atrapalhar
futuramente a produção obtida pela planta, diferente do que ocorre para plantas
daninhas, que devido sua plasticidade, se adaptam em estágios futuros de
desenvolvimento. Ainda, a planta apresentando menor crescimento radicular está sujeita
a apresentar menor competitividade na absorção de nutrientes e água se comparadas a
plantas com desenvolvimento pleno. A presença de estresses nesses casos, como um
déficit hídrico seria muito mais prejudicial a planta com menores quantidades de raízes.
Por parte das plantas daninhas, folhas superiores interceptam maiores quantidades de
luz, indisponibilizando a luz vermelha para a fotossíntese da cultura durante seu ciclo de
vida (Merroto Jr. et al., 2009).
Um claro impacto da interação entre espécies e a qualidade da luz dá-se por
exemplo na estimativa do nível de dano econômico (NDE) determinado para diferentes
espécies. Esse nível, representa a densidade mínima necessária de plantas daninhas para
causar efeito prejudicais de produção em culturas, que justifique a aplicação de
herbicidas. Plantas menos sensíveis a redução dos níveis V/Ve, podem apresentar NDE
mais elevados, ao passo que plantas daninhas com maior crescimento, podem sombrear
mais rápido uma cultura, estimulando mais cedo respostas por níveis reduzidos da
relação V/Ve. Além do nível de dano econômico outros modelos de estimativa de
interferência podem ser alterados pela qualidade da luz, como os períodos críticos de
interferência de planta daninha (Swanton et al., 2012). Entender que existe o inicialismo
faz com que aplicações de herbicidas não sejam apenas realizadas em pós-emergência,
quando o produtor espera a emergência da maior quantidade de espécies e plantas
possíveis. Entende-se que incialmente a limitação dos recursos do meio, a competição já
está presente no sistema, o que seria facilmente resolvido pela aplicação de algum
herbicida em pré-emergência (Merroto Jr. Et al., 2009).
Outro ponto importante relacionado a qualidade de luz se dá na germinação de
sementes de plantas daninhas. Neste caso o fitocromo quando exposto a luz direta e alta
relação V/Ve, pode estimular a germinação de sementes enquanto uma baixa relação
V/Ve pode estimular a dormência. Sementes de azevém por exemplo apresentam
reduções de germinação quando a taxa V/Ve é reduzida em 10%. Nesse sentido as
plantas daninhas estão mais adaptadas a entenderem qual melhor momento para se
estabelecerem em uma área, quando recursos como a luz são abundantes. Processos tais
como o plantio direto e consequente deposição de uma camada de palha sobre o solo,
podem inibir a germinação de determinadas espécies e controlar plantas daninhas.
Porém devido a plasticidade já comentada e elevado número de espécies de plantas
daninhas, existem adaptações a esse processo e algumas plantas estão aptas a
germinarem mesmo sob ausência de luz, emergindo e ultrapassando a camada de palha,
mesmo que sob elevadas profundidades de enterrio, como é o caso das plantas de corda-
de-viola ou leiteiro. Ainda a qualidade de luz pode influenciar também o florescimento
e produção de sementes de plantas daninhas que irão alimentar o banco de sementes da
área. Em geral, plantas submetidas a menores relações V/Ve apresentam senescência e
florescimento acelerados.
A regulação desses processos ligados a sinalização de fitocromos está ligada a
um conjunto de fatores de transcrição (phytochrome interacting factores, PIF) e a um
grupo de proteínas supressoras de crescimento denominado “DELLA”. As proteínas PIF
funcionam como sinal para regulação do metabolismo de plantas e as DELLA como
sinalização de giberelina. Com exposição direta a luz, onde ocorre uma elevada relação
V/Ve, o fitocromo está presente em maior proporção na forma FVe. O fitocromos se
complexam então com proteínas PIF que são ligadas as proteínas DELLA, impedindo a
transcrição de genes envolvidos no incremento da elongação de tecidos, mantendo o
crescimento normal da planta. A partir do momento em que ocorre o sombreamento e a
redução na taxa V/Ve, eleva-se a proporção de fitocromos na sua forma Fv. Com
poucos fitocromos na forma Fve, os fatores de transcrição PIF ficam livres. Essa
presença ativa genes responsáveis pelo incremento e elongação de tecidos. Com a
presença constante dessa qualidade de luz, diminui-se a produção de proteínas DELLA
e ocorre produção de giberelina e degradação de proteínas DELLA, aumentando ainda
mais as proteínas PIF livres, tonando o processo cíclico e ocorrendo o alongamento de
tecidos. Além disso a diminuição da relação V/Ve interage com a produção de auxinas e
a redução na sensibilidade de plantas aos jasmonatos (Djakovic-Petrovic et al., 2007;
Ballaré, 2009).
Trabalhos recentes demonstraram que outros processos também são
responsáveis pela sinalização as plantas da presença de plantas vizinhas. Com a redução
da taxa V/Ve, encontra-se também reduzida a presença de antocianinas e a elevação de
lignina, participantes da rota dos fenilpropanoides. Segundo os autores, para biossíntese
de lignina, utilizou-se como substrato a H2O2, que se elevou nos tecidos expostos a luz
refletida. A elevada presença de H2O2 ressalta as consequências negativas do
inicialismo, pois raízes apresentando o acúmulo desses compostos podem ter
prejudicadas seu crescimento e consequentemente a habilidade de exploração do solo
por água e nutrientes (Afifi; Swanton, 2012).
Com base em todo esse conhecimento é possível manipular a fotomorfogenese a
favor das culturas agrícolas. Basicamente pode-se alterar o ambiente de convívio de
plantas, o que funcionaria em pequenas áreas, como hortas. Pode-se por exemplo
revolver o solo durante a noite, evitando exposição de sementes a luz ou o solo
apresentar alguma cobertura. Outra maneira de usar esse conhecimento é o
desenvolvimento de plantas menos sensíveis aos efeitos da qualidade da luz. O atual
conhecimento dos genes que regulam esse processo é um passo adiante para obtenção
de cultivos mais produtivos pela possibilidade de transgenia. Obter culturas insensíveis
ao sombreamento, como se fossem plantas “cegas” garantiria a possibilidade de maiores
produções em menores áreas, possibilitada pelo adensamento de plantas. Um bom
exemplo já realizado de transgenia ocorreu para plantas de batata, que foram adensadas,
e pela insensibilidade ao sombreamento devido a superexpressão de fitocromos,
produziram maior tuberização e peso de tubérculos por área. Além disso o adensamento
de plantas é uma das vias de controle de plantas daninhas, como por exemplo o controle
da produção de bulbos de tiririca em 70% pelo adensamento de plantio do milho
(Ghafar; Watson, 1993).
Com base no que foi discutido, conhecer os efeitos da qualidade da luz nas
interações entre plantas daninhas e cultivadas, é essencial, para melhor estabelecer
programas de manejo dessas plantas. Inserir a qualidade da luz em simulações como a
determinação dos períodos de interferência e dos níveis de danos econômicos, pode
predizer melhor os resultados da competição estabelecida por plantas daninhas já que a
competitividade dessas é afetada por esse fator.
Referências
Afifi, A.; Swanton, C. Early physiological mechanisms of weed competition. Weed
Science, v.60, p.542-551, 2012.
Ballaré, C. L. Illuminated behaviour: phytochrome as a key regulator of light foraging
and plant anti-herbivore defence. Plant Cell and Environment, Oxford, v.32, n.6, p.713-
725, 2009.
Djakovic-Petrovic, T. et al. DELLA protein function in growth responses to canopy
signals. Plant Journal, Oxford, v.51, n.1, p.117-126, 2007
Merotto JR., A. et al.. Perspectives for using light quality knowledge as an advanced
ecophysiological weed management tool. Planta Daninha, Viçosa, v.27, n.2, p.407-419,
2009.
Radosevich, S. et al. Ecology of weeds and invasive plants: Relationship to agriculture
and natural resource management. Hoboken: Wiley, 2007. 454p.
Santos, J. B. et al. Captação e aproveitamento da radiação solar pelas culturas da soja e
do feijão e por plantas dainhas. Bragantia, v.62, n.1, p.147-153, 2003.
Silva, A. A. et al. Biologia de plantas daninhas. In: Silva, A. A.; Silva, J. F. Tópicos em
manejo de plantas daninha. Viçosa, 2007, 318 p.
Swanton, C. J. et al. Light quality and the critical period for weed control in soybean.
Weed Science, v.60, p.86-91, 2012.
Vidal, R. A. INTERAÇÃO NEGATIVA ENTRE PLANTAS: inicialismo, alelopatia e competição. Porto Alegre: Evangraf, 2010. 132p
POTENCIAL DA ALELOPATIA COMO FERRAMENTA NO CONTROLE DE PLANTAS DANINHAS
Arthur Arrobas Martins Barroso
A população mundial não para de crescer. Nos próximos 50 anos estão previstos
para ocupar a terra cerca de 10 bilhões de pessoas. Para alimentar todos a produtividade
agrícola deve ser elevada a novos patamares. Existe, porém, um limite de todo o
potencial genético que uma cultura pode expressar. Para garantir então níveis
satisfatórios de produção, precisam ser controladas pragas, patógenos e plantas
daninhas. Sabe-se que a presença de plantas daninhas é responsável por reduzir em
média 20% dos alimentos produzidos no mundo. Nos Estados Unidos, a interferência de
plantas daninhas causa prejuízos de 28 bilhões de dólares ao ano.
Somado a isso, os custos de controle de plantas daninhas vêm se elevando nos
últimos tempos, principalmente pelo uso inadequado das ferramentas disponíveis. Com
o advento de culturas tolerantes à herbicidas, entre elas, as tolerantes ao glyphosate
(soja, milho e algodão), e o aumento das áreas de plantio direto, aumentou-se o controle
baseado quase que exclusivamente com esse herbicida, sendo repetido nas aplicações o
mesmo mecanismo de ação, selecionando populações de plantas daninhas resistentes.
Esse problema não é novo, e ainda hoje, a cada ano, descobrimos novas espécies
resistentes. Além desse problema, existe uma preocupação cada vez mais alta com o uso
de ferramentas ambientalmente mais aceitáveis, que impactem menos o meio ambiente,
diminuindo a dependência de herbicidas. O uso exclusivo de pesticidas pode ainda
impedir práticas agrícolas específicas, como rotações de culturas devido aos efeitos
residuais no solo.
Uma das outras maneiras possíveis de controlar plantas daninhas é através do
uso da alelopatia. A alelopatia é uma ciência relativamente nova, porém que já
apresenta alguns resultados relevantes no ambiente agrícola. O termo é originado do
grego “allelon” que significa mútuo e “pathos” que significa prejuízo. A definição de
alelopatia passou por várias mudanças, mas foi em 1937 primeiramente definida por
Hans Molish como “interações benéficas e prejudiciais de plantas e microrganismos”.
Mais tarde, Rice, definiu a alelopatia como a interação planta a planta ou
microrganismos através da produção de compostos químicos, que podem resultar em
efeitos inibitórios ou estimulatórios sobre outras plantas e microrganismos. Mais trade,
Whitaker, definiu os compostos químicos resultantes da interação entre planta-planta,
como aleloquímicos. Diferente da competição de plantas daninhas, a alelopatia refere-se
a entrada de determinado composto no meio, enquanto na competição entre plantas,
algum elemento é retirado do meio.
A presença dessas interações entre organismos começou a ser observada em
torno dos anos 30, onde no campo, notavam-se que vegetações prévias estabeleciam um
equilíbrio no solo detendo a germinação e emergência de outras espécies, modificando a
flora local. Foram observadas áreas também onde o cultivo por anos seguidos de uma
mesma cultura, como por exemplo, o tremoço, reduzia nos anos seguintes a produção de
plantas. Sem conhecer o processo, dava-se a esse esgotamento de produção o nome de
“solo cansado”, mas posteriormente descobriu-se que esse prejuízo decorria da presença
de compostos químicos no solo. No Brasil as primeiras observações do fenômeno
ocorreram em 1960 em sistemas de rotação soja/algodão.
Esses aleloquímicos são originados em geral, mas não por regra, derivados de
compostos do metabolismo secundário de plantas, principalmente derivados da via do
ácido chiquímico e do acetato. Em geral esses compostos são produzidos em situações
específicas, tais como a presença de estresses ambientais, pois para sua formação,
demanda-se energia do vegetal. São exemplos de aleloquímicos taninos, alcaloides,
fenóis, lactonas, sesquiterpenos dentre outros. Esses compostos uma vez produzidos
são armazenados na planta e posteriormente liberados no ambiente. Considera-se que
para exercer comprovadamente esse efeito alelopático um composto deve ser produzido,
liberado e exercer efeitos em espécies alvos, o que é na verdade, uma adaptação dos
postulados de Koch.
Todas as partes de uma planta podem apresentar aleloquímicos, desde folhas,
caules, raízes, flores, frutos e até o pólen. O local de presença desses compostos varia
com a natureza desse, porém são mais comumente encontrados nas folhas e raízes. Uma
vez produzidos, esses são liberados seja via lixiviação, onde os aleloquímicos são
movidos com a água da chuva, orvalho ou neblina; via volatilização, no ar; via
exsudação radicular no solo ou via decomposição de tecidos, a qual pode ser
intermediada por microrganismos. Liberados no ambiente, entrarão em contato com
outros organismos e podem modificar diversos processos fisiológicos e metabólicos
desses, afetando processos como fotossíntese, respiração, formação de membranas,
síntese proteica e demais processos, resultando em prejuízos ou estímulos no
crescimento e desenvolvimento do organismo receptor.
Sendo assim os aleloquímicos podem ser utilizados como ferramenta no manejo
de plantas daninhas. Diversas são as possibilidades de uso, que vão desde explorar
microrganismos, plantas cultivadas, e até mesmo as próprias plantas daninhas. A
alelopatia pode ser utilizada no controle de plantas daninhas no cultivo de culturas com
expressão alelopática, na rotação e utilização de culturas de cobertura, na
convivência entre espécies ou na prospecção de aleloquímicos e dos genes
responsáveis pela produção desses em microrganismos e vegetais para utilização de
extratos, manipulação gênica, transgenia e isolamento de bioherbicidas (Trezzi et
al., 2016).
Dentre os potenciais de uso da alelopatia no controle de plantas daninhas,
inicialmente devemos pensar na cultura que se pretende plantar. Deve-se escolher
uma cultivar além de adaptada à região de plantio, que apresente se possível,
liberação de aleloquímicos como mecanismo de defesa. Por exemplo o cultivo de sorgo,
que já tem comprovado efeitos inibitórios na germinação e desenvolvimento de plantas
daninhas originadas de sementes com pequenas quantidades de reserva. As raízes do
sorgo, nos seus estágios iniciais de desenvolvimento, exsudam o “sorgoleone”,
aleloquímico responsável por inibir a respiração mitocondrial e o transporte de
elétrons no FSII de plantas, semelhante a ação de herbicidas como atrazina e diuron.
Outro exemplo é o cultivo do arroz. Sabe-se que existem variações dos níveis de
alelopatia dentre os diferentes cultivares, e que a escolha adequada desse pode facilitar o
manejo de plantas daninhas, inibindo por exemplo o desenvolvimento de plantas como
o capim-arroz.
Com relação as culturas agrícolas, alguns cuidados, devem ser tomados, como
em sistemas onde essa possa estar presente em uma associação com outra(s), por
exemplo, o caso de sistemas de cultivo agrossilvopastoril ou consorciação entre milho e
outras plantas. Conhecer a interação entre as espécies é essencial nesse caso para
garantir o correto manejo das populações evitando assim perdas de produção e o efeito
prejudicial entre espécies as cultivadas. Utilizam-se por exemplo plantas do gênero
Desmodium nas entrelinhas do milho como prática de manejo da erva-de-bruxa (Striga
ssp.). Pensando ainda na cultura e no seu ciclo de vida, deve-se atentar para o cultivo
por anos consecutivos de espécies que posam apresentar autoalelopatia, como por
exemplo o grão de bico ou efeitos supressivos em possíveis rotações de culturas.
Nesse quesito, em escolher corretamente espécie e cultivar, nos últimos anos,
foram selecionadas para várias culturas, como a soja, milho e até a cana-de-açúcar
plantas para obtenção de elevadas produtividades, deixando os melhorista de avaliar
características de agressividade de diferentes cultivares, dentre essas, a liberação desses
compostos alelopáticos. Essa observação é muito pertinente para a cultura da cana-de-
açúcar onde perdeu-se ao longo do tempo a competitividade de cultivares. Em trabalho
realizado nos canaviais paulistas, notou-se que a comunidade infestante presente era
muitas das vezes dependente dos cultivares utilizados, não pelos herbicidas utilizados,
mas devido ao potencial alelopático desses. Isolando-se alguns desses compostos, foram
observados efeitos alelopáticos do “ácido hidroxâmico” no controle de diversas plantas
daninhas como capim-colchão, cordas-de-viola, entre outros (Yamauti, 2104). O
balanço entre o potencial alelopático de uma cultura e sua produtividade é um desafio
constante.
Outra técnica de controle de plantas daninhas através da alelopatia é utilizar a
cobertura morta da planta cultivada no controle dessas em cultivos posteriores. Nesse
caso o efeito alelopático soma-se ao efeito físico e biológico exercido pela palhada. Esse
processo é comumente encontrado no sistema de plantio direto e muito utilizado em
sistemas de produção orgânicos. Tem-se nessa categoria de controle, relatados vários
exemplos de sucesso do efeito benéfico de coberturas na redução da interferência
causada pelas plantas daninhas, como por exemplo, o uso da cobertura de aveia. A
aveia é interessante nesse quesito, pois apresenta a liberação de “escopoletina” que
apresenta efeito inibitório de plantas daninhas como o azevém anual, porém nenhum
efeito sobre plantas de trigo. Aqui o sorgo também pode ser uma opção alelopática, pois
apresenta efeitos alelopáticos derivados da decomposição da sua palhada. Pequenas
quantidades de palha dessa cultura são suficientes para reduzir em até 50% infestações
de plantas daninhas, quantidades mais elevadas podem reduzir essas infestações em
níveis superiores à 90%. Outras culturas podem ser utilizadas, como leguminosas, que
além de reduzir infestações de plantas daninhas irão fixar nitrogênio no solo, como a
mucuna-preta que reduz a infestação de tiririca.
Para esses efeitos, deve-se também atentar as rotações utilizadas. Esse efeito
alelopático, pode muitas vezes interferir negativamente também nas culturas
subsequentes, com vinha ocorrendo no cultivo de soja no sistema aplique e plante após
a dessecação do capim-braquiária. Notou-se após pesquisas que a soja, semeada em até
quinze dias após a dessecação de Brachiaria ruziziensis se mostrou negativa ao
desenvolvimento da cultura dependendo das condições climáticas, devido à presença do
aleloquímico “protodioscina” (Nepomuceno et al., 2017). Outro exemplo conhecido é o
efeito supressor no milho semeado logo após a dessecação do azevém.
Porém não são apenas espécies cultivadas que apresentam potencial alelopático.
Diversos são os registros de espécies daninhas com esse potencial, como por exemplo,
plantas de assa-peixe, cravo de defunto, tiririca, etc. Estudos realizados em Jaboticabal,
mostraram que dentre as substâncias com potencial alelopático encontradas em cravo-
de-defunto (Bidens sulphurea), estão a “Reinosina” e “Santamarina”, lactonas
sesquiterpênicas que apresentaram elevado potencial de controle de plantas de caruru e
capim-colonião em estágios iniciais de desenvolvimento. Conhecer plantas daninhas e
seu potencial alelopático faz parte também do entendimento e manejo da espécie.
Outra linha de controle de plantas daninhas através da alelopatia é pela
prospecção de compostos e genes derivados de organismos responsáveis pelos
efeitos alelopáticos. Conhecer esses produtos pode originar a aplicação de extratos
com esses compostos para o controle de plantas daninhas, possibilitar a manipulação
genética de genes e plantas, geração de transgênicos alelopáticos e
bioherbicidas.
A busca por bioherbicidas pode partir do isolamento de um simples
aleloquímico presente no próprio sistema agrícola, do isolamento de um aleloquímico
presente fora do agrossistema, como por exemplo de uma alga, ou da modificação da
estrutura química de um aleloquímico conhecido para melhorias de características de
interesse desse, tais como meia vida, espectro de ação, etc. A busca por novos
mecanismos de ação no controle de plantas daninhas é fundamental pois raros são os
herbicidas e mecanismos de ação lançados nos dias de hoje.
Milhares de substâncias ainda precisam ter seus mecanismos de ação elucidados
e o potencial de diversidade para isso é ainda pouco explorado. Trabalhando com 30
fitotoxinas isoladas de plantas e microrganismos por exemplo, encontraram-se 23
diferentes mecanismos de ação. São exemplos desses mecanismos: a inibição do
transporte de elétrons do FSII, a interrupção da respiração e síntese de adenosina
trifosfato, a produção de espécies reativas de oxigênio em plantas, a inibição da
síntese de Tubulina, ações sobre a RNA polimerase, dentre outros (Duke et al.,
2012). Em termos práticos, tem-se hoje o herbicida amônio glufosinato, que foi isolado
de bactérias do gênero Streptomyces e os herbicidas mesotrione e tembotrione,
descobertos a partir de aleloquímicos liberados por raízes da árvore escova-de-
garrafa (Callistemon spp). Outro exemplo de aplicação alelopática pode ser a
utilização de extratos brutos de plantas. Tem-se por exemplo no Paquistão, a
aplicação de extratos de raízes de sorgo fermentados, na pós-emergência de plantas
daninhas, o que garante reduções de infestação de até 50% da comunidade infestante.
Por fim tem-se como opção de controle de plantas daninhas o desenvolvimento
de culturas alelopáticas através da transgenia ou manipulação gênica. Uma vez
conhecidos os genes responsáveis pela síntese desses, esses podem ser transferidos a
outras culturas, que irão passar a produzir esses compostos. Um exemplo bem elucidado
de avançado desse processo, está sendo realizado para o próprio “sorgoleone”, por
pesquisadores do USDA, onde passaram a se conhecer os genes responsáveis pela
tradução desse aleloquímico. Segundo os autores, os efeitos do sorgoleone
assemelharam-se aos efeitos causados por herbicidas, como a trifluralina. Também
foram identificados esses genes em plantas de arroz (Baerson et al., 2010; Dayan et
al., 2005). Diversas patentes já estão registradas com essa finalidade. Além da
transgênia, pode-se através de técnicas como a CRISPR, aumentar a expressão de
compostos na planta, ou criar a expressão desses, sem a necessidade de transferência do
gene de outra espécie. Com técnicas de RNAi pode-se ter o efeito inverso, silenciando
os genes produtores dessa alelopatia, permitindo rotações de culturas antes não
possíveis.
Apesar de todos esses aspectos “animadores” o caminho a ser trilhado no uso da
alelopatia no controle de plantas daninhas ainda é longo. Primeiro, trata-se de uma
ciência nova. Todo o processo de prospecção, isolamento e caracterização de um
aleloquímico bem como a comprovação dos seus efeitos no campo, leva tempo e muita
das vezes a molécula isolada apresenta impedimentos a seu uso, como elevada
toxicidade a mamíferos, problemas com baixas meia-vida no ambiente, alta adsorção ao
solo, alta volatilidade e elevada especificidade de controle. Porém existem motivos de
sobra para acreditar cada vez mais na alelopatia. Diversos são os casos comprovados e
relatados hoje na literatura do uso de aleloquímicos. Além disso, está mais caro a síntese
e registro de novos herbicidas e a descoberta de novos mecanismos de ação originados
de moléculas sintéticas, investindo as empresas cada vez mais em produtos biológicos e
naturais (não só pelos custos, mas também pelo apelo ambiental da sociedade). Ainda, o
avanço da tecnologia permite que equipamentos e processos necessários para análises
do funcionamento desses compostos estejam evoluindo e sendo barateadas, a próprio
exemplo da tecnologia CRISPR. Por fim não se pode acreditar que o uso da alelopatia
como ferramenta de controle de plantas daninhas vá solucionar todo o problema se
aplicada sozinha. A alelopatia deve fazer parte de um pacote de medidas de controle de
em um manejo integrado de plantas daninhas.
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