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4 A fronteira entre os saberes
4.1. O didático infantil na Cultura Pós-Moderna
Como discutido anteriormente o que hoje chamamos de literatura infantil
não era, inicialmente, destinado às crianças. Os livros infantis que conhecemos
atualmente foram adaptações de conteúdo e forma produzidas para o público
adulto – os contos populares e o livro ilustrado. O livro infantil nasceu para a
formação da criança, baseado no novo conceito de infância formado a partir de
idéias iluministas. A criança medieval, que por volta dos sete anos já ingressava
numa vida de trabalho longe dos pais, passa gradativamente a freqüentar a escola
e a viver sob a proteção dos mesmos. Daí surge a necessidade de publicações
voltadas para esse público.
Se remontarmos a história do livro infantil no Brasil, verificaremos que ela
surge a partir da Proclamação da República, momento em que a escola passa a
exercer a responsabilidade da instrução. Mas a publicação de livros editados no
Brasil para o público infantil começou com a criação, em 1919, de uma editora
brasileira chamada “Monteiro Lobato & CIA.” (Pondé, 1984).
Na década de trinta o Programa de Educação Básica, proposto pelo governo
de Getúlio Vargas auxiliou na elaboração de uma coleção didática muito
importante chamada Brasiliana que abordava a história do Brasil. Isso ajudou
muito a ampliação do mercado de livros didáticos no nosso país. E na base desse
mercado está a intencionalidade pedagógica, ou seja, o saber através do estudo
(começando pelo aprendizado da leitura) que era visto como o caminho ideal no
preparo do indivíduo para a vida, com ser e como cidadão (Coelho, 1991, p. 241).
Com a criação da Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional em
1964, houve um grande impulso na área de livros didáticos do Brasil com a ênfase
dada à leitura. Segundo Nelly Novaes Coelho em Panorama Histórico da
Literatura Infantil/Juvenil (1991, p. 257), “a leitura, como habilidade formadora
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básica, é colocada como ponto de apoio das múltiplas atividades propostas aos
alunos durante o processo de aprendizagem”.
Mas é na década de setenta, com a reforma do ensino, cuja proposta era
eliminar o exame seletivo e ampliar o acesso das crianças à escola, que o livro vai
adquirir maior importância e divulgação. A publicação de obras infantis é
impulsionada, gerando edições com maior qualidade gráfica e estética
(Zilberman,1985).
A partir dos anos oitenta, com o crescimento da escolarização, há também
um aumento de publicações para as crianças. Essa produção, encarada como
produto de consumo, de modo geral vai variar de acordo com a moda e o gosto,
perdendo seu sentido crítico e sua qualidade. Apesar disso, alguns escritores
demonstraram interesse em produzir obras de qualidade, que representassem o
universo infantil, que fossem atrativas e que incentivassem a formação do senso
crítico (Zilberman,1985). E o setor de livros didáticos foi aumentando seu espaço
até tornar-se o principal segmento da indústria editorial do país.
O que podemos observar, então, é que “a literatura para crianças está e
sempre esteve ligada aos sistemas de educação imperantes no grupo social”
(Coelho, 1991, p. 63) e que o livro didático infantil começa no momento em que
infância e escola se associam.
Porém no mundo contemporâneo, dentre as várias questões da Cultura Pós-
Moderna, surge uma crítica a essa associação; pois nem tudo que é voltado para o
público infantil precisa ser exclusivamente didático. Pode-se misturar o didático
com várias outras coisas como o lúdico e o divertido. Jean-François Lyotard, com
a publicação A Condição Pós-Moderna (1979) afirma que o saber está aberto e
em permanente construção, além de estar interligado com outros saberes.
De acordo com Nelly Novaes Coelho em seu livro Literatura Infantil:
teoria, análise, didática (1991, p. 264) nos dias de hoje não há um ideal absoluto
de Literatura Infantil. “Ideal será aquela que corresponder a uma necessidade
profunda do tipo de leitor a que ela se destina, em consonância com a época que
ele está vivendo”.
A autora também afirma que o principal objetivo dos livros infantis “é
excitar o interesse do leitor”. Esse leitor é um ser em formação, que está passando
pelo processo de aprendizagem inicial da vida, daí o caráter pedagógico da
literatura infantil. Mas acima de tudo é preciso dar ênfase no caráter lúdico.
A fronteira entre os saberes 69
Segundo a autora “aquilo que não divertir, emocionar ou interessar o pequeno
leitor, não poderá também transmitir-lhe nenhuma experiência duradoura ou
fecunda”.
Talvez uma boa maneira de despertar o interesse das crianças pela leitura
seria explorar a transferência do texto para diversas expressões no campo da arte,
tais como: teatro, dança, pintura, desenho, oficinas de arte, entre outros. A arte
pelos seus recursos visuais, sonoros e táteis possibilita um maior conhecimento do
mundo e da cultura, facilitando a chegada do livro ao leitor através de outros
canais mais diretos, pouco utilizados (Yunes, Carvalho, 1984).
A construção do discurso didático deve integrar a linguagem textual e
imagética, além de todo o contexto que ele abrange, buscando harmonia entre
forma e conteúdo. Acompanhando tendências mais gerais da comunicação na
sociedade contemporânea, mas ao mesmo tempo guardando uma correspondência
com uma característica inerente ao texto científico, o livro didático é organizado a
partir de uma diversidade de linguagens, como a verbal (texto escrito), a
matemática (equações, gráficos, notações), a imagética (desenhos, fotografias,
mapas, diagramas). Utilizando-se de uma linguagem híbrida, o livro didático
contemporâneo deve explorar devidamente as relações entre ciência, cultura e
cotidiano.
Além disso, é preciso também entender que a leitura não pode ser vista
apenas como o domínio mecânico do código escrito, mas também como uma das
formas de se interpretar a realidade. Daí a necessidade dessa leitura mesclar
diferentes linguagens, além de envolver prazer e diversão, para que possa dar
conta do maior número possível de leituras do mundo. E com isso fazer com que
as crianças reflitam sobre a realidade em que vivem e ajudem a transformá-la.
E é exatamente esse objetivo que pretendo atingir: o de despertar o interesse
do leitor pelos conteúdos apresentados pelo IBGE, utilizando várias linguagens,
estimulando a aprendizagem e facilitando a compreensão e apreensão de novos
conteúdos, muitas vezes complexos.
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4.2. Exemplos Pós-Modernos de novas associações entre função didática e novas funções
Uma das características da sociedade na Cultura Pós-Moderna é o uso do
saber e da informação como mercadorias básicas. Como já foi dito no capítulo
anterior a fonte de todas as fontes é a informação e a ciência nada mais é que o
modo de organizar, estocar e distribuir essa informação. Segundo Lyotard, em A
Condição Pós-Moderna (2006, p.5), no cenário da Cultura Pós-Moderna, “sob a
forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já
é e será um desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo
poder.” A informação é uma fonte de poder, uma vez que permite analisar fatores
do passado, compreender o presente, e principalmente, antever o futuro. Ela
transmite e gera novos conhecimentos e atualmente, o contorno da economia
mundial é traçado pela quantidade de informação possuída, veiculada e divulgada,
resultante da produção científica e tecnológica. Então, não há sentido em possuir
informação e não poder comunicá-la. Sendo assim, a comunicação eficiente da
informação é uma tarefa de extrema importância e a facilidade de acesso a ela é
fundamental para originar novas idéias e inventos. Um sistema de informação de
boa qualidade, isto é, com acesso rápido às informações, com garantia de
integridade e veracidade e com garantia de segurança de acesso, deve ser um
instrumento que integre a sociedade aos avanços científicos e tecnológicos, de
forma participativa. Deve, também, beneficiar a maioria da população,
fundamentando-se nas diferenças regionais, culturais, e econômicas, que
condicionam expectativas e necessidades distintas. Neste sentido, esse sistema de
informação deve ser flexível o bastante para permitir a participação dos mais
diversos setores da sociedade brasileira. Os órgãos produtores de informação
estão sempre empenhados em criar acessos entre os usuários e as informações. E é
com essa preocupação de atender às necessidades dos mais diversos segmentos da
sociedade civil, que o IBGE (principal provedor de dados do Brasil) está sempre
buscando melhorar o acesso as informações coletadas pelo Instituto, através de
diferentes mídias.
Com essa mercantilização do saber ou comercialização do conhecimento
surge a sociedade da informação onde as mensagens precisam ser de fácil acesso.
Lyotard, em A Condição Pós-Moderna (2006, p.6) afirma que: “... a sociedade
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não existe e não progride a não ser que as mensagens que nela circulem sejam
ricas em informação e fáceis de decodificar.”
E como vivemos numa sociedade em que a informação circula em maior
quantidade e velocidade, em decorrência dos avanços das telecomunicações,
somos constantemente submetidos a uma grande quantidade de informações
visuais difundidas principalmente pelas mais diversas mídias como: cinema, TV,
outdoors, cartazes, faixas, jornais, revistas, livros, folhetos, páginas da web, etc..
Essas mídias, com as quais o sujeito contemporâneo se relaciona com
familiaridade e regularidade, modificam nossa linguagem, nosso comportamento,
nossa cultura. E são essas imagens que provêm em grande parte da quantidade de
informação que recebemos que, nos permitem dizer que no mundo
contemporâneo muito do nosso conhecimento é adquirido visualmente (Strunk,
1989). Como já foi dito no capítulo anterior, nossa cultura, antes dominada pela
linguagem verbal impressa, já se deslocou sensivelmente para o nível icônico.
Ou seja, além da permeabilidade entre a função didática e a literária,
apresentada no início desse capítulo, diversas outras mesclas caracterizam a
produção de conhecimento na Cultura Pós-Moderna. Portanto, existe hoje um
esforço para adaptação de conteúdos considerados complexos em formas mais
simples e objetivas, facilitando seu entendimento por todos. Entre esses esforços
descrevo aqui alguns tipos de projetos que demonstram essa diversidade de uso,
como as cartilhas educativas, as campanhas publicitárias informacionais e os
infográficos, que servirão de estudo para o desenvolvimento da minha pesquisa.
Presente desde há muito na prática da alfabetização (Barbosa, 1990), a
cartilha é um recurso didático que foi incorporado ao processo de ensino da leitura
e é considerada muito importante nas relações entre professores e alunos. Usada
muitas vezes como único recurso ou apenas como material complementar, ela tem
sido um instrumento indispensável em sala de aula.
Porém, atualmente ela está se deslocando e ocupando novos espaços.
Devido as suas características didático-lingüísticas, as cartilhas vêm sendo usadas
com o intuito de difundir o conhecimento sobre um determinado tema, buscando
responder às perguntas mais freqüentes e tornando o assunto abordado fácil de ser
assimilado. Nos dias de hoje podemos encontrar os mais diferentes tipos de
cartilhas abordando os mais variados assuntos como, por exemplo:
A fronteira entre os saberes 72
• cartilhas que orientam banhistas sobre ventos, correnteza, dunas e
segurança nas praias (ex: Dicas para um verão seguro, Importância das
dunas e sua vegetação ambas lançadas pelo Centro de Ciências
Tecnológicas da Terra e do Mar – CTTMar, em 2002);
• cartilhas que abordam diferentes aspectos da questão ambiental como:
erosão, água, proteção de nascentes, reciclagem, lixo, agenda 21, entre
outros (ex: Conhecendo o PAN-Brasil: Programa de Ação Nacional de
Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, lançada pelo
Ministério do Meio Ambiente em 2006);
• cartilhas com dicas na área de saúde como: antidrogas, antifumo, assédio
sexual, Dengue, AIDS, idosos, deficientes físicos, alimentação,
amamentação, etc. (ex: Cartilha da Amamentação, lançada pelo Ministério
da Saúde em 2008);
• cartilhas que abordam assuntos ligados aos direitos e deveres do cidadão
como: direito do consumidor, da cidadania, assédio moral, contra “golpe
do empréstimo” (ex: Consumidor: defenda-se, lançada pela Câmara dos
Deputados em 2003);
• cartilhas que falam sobre direitos e deveres de determinada classe como:
servidores públicos, empregadas domésticas, aposentados, crianças,
adolescentes, etc. (ex: Cartilha da Alimentação da Criança e do
Adolescente, lançada pela Fiocruz, em 2007).
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Figura 9 – Cartilha da amamentação (http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/campanhas_publicitarias/campanha_detalhes.cfm?co_seq_campanha=2085)
A busca por estratégias de ensino que facilitem e estimulem a participação
do leitor tornando o repasse do conhecimento uma atividade interessante, deve ser
uma preocupação, além de merecer especial atenção por parte das autoridades e
dos educadores. O que não se pode esquecer é que o uso de cartilhas como
material didático de apoio é recomendável, mas sua escolha deve ser cuidadosa,
para se evitar a simples transmissão de conceitos teóricos, apresentados muitas
vezes de forma fragmentada e que, apesar do grande valor científico, podem não
ter relação com as vivências do indivíduo, nem representar a realidade do
ambiente que o cerca (Amâncio, 2002). É desejável que as metodologias a serem
utilizadas levem em conta a vivência e a realidade do leitor, contribuindo desta
forma, para que o ensino se transforme num processo de preparação integral do
indivíduo para a vida em sociedade, através da conscientização de que os aspectos
abordados façam parte do seu ambiente e não de uma esfera distante e separada do
local onde ele vive (Amâncio, 2002).
E a questão do acesso a esses materiais didáticos diversificados se torna
fundamental, principalmente em regiões onde predominam as camadas menos
favorecidas da população e onde o acesso aos livros continua sendo um dos
maiores desafios no nosso país. Sendo assim, a distribuição gratuita de cartilhas é
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uma excelente ferramenta para a abordagem de alguns assuntos e a discussão de
alguns problemas.
De acordo com Lazara Amâncio, em seu livro Cartilhas para que? (2002)
as cartilhas devem apresentar uma estrutura simples, com alto grau de
uniformidade e unidade temática, com textos coerentes com seu propósito, com
afinidade entre texto e ilustração que o acompanha e com desenvolvimento pleno
de personagens, tramas e temas. Sua linguagem textual e imagética deve ser
apresentada com forte teor de informação, comunicação e interação; facilitando
assim o entendimento de um determinado assunto e levando em conta os valores
culturais, regionais e as características do leitor como: idade, experiência,
realidade lingüística e grau de interesse.
Consideradas como um gênero de livro didático as cartilhas me parecem ser
um material de estudo de grande importância para o desenvolvimento da minha
pesquisa.
De acordo com os autores Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa em
Dicionário de Comunicação (1985), Campanha Publicitária é o termo utilizado
pelos profissionais da área de publicidade para explicar o conjunto de peças
criadas, produzidas e veiculadas de maneira coordenada, de acordo com
determinados objetivos de propaganda de um produto ou serviço, marca, empresa
ou qualquer órgão público ou privado. Uma campanha pode ser constituída de
uma só peça, ou pode ser composta por várias peças como anúncios em jornais e
revistas, filmes para TV, jingles e spots para rádio, outdoors, cartazes, filipetas,
banners, camisetas, bonés, entre muitas outras. Cada uma dessas peças apresenta
funções e características próprias e sua criação baseia-se geralmente num mesmo
tema ou idéia. Ela pode ser utilizada para vender um produto, um serviço, uma
idéia ou uma marca (publicidade institucional). Pode ser utilizada também, para
informar, instruir ou educar o público alvo ou até mesmo uma população inteira.
E é esse tipo de campanha publicitária, a educativa e informacional, que servirá de
base para o meu estudo.
Como vimos anteriormente o sujeito contemporâneo, principalmente o que
habita as grandes cidades, está submetido diariamente a um incontável número de
representações visuais, quase sempre a serviço da publicidade. Essas imagens são
difundidas pelas mais diversas mídias visuais tais como cinema, televisão, jornais,
revistas, cartilhas, internet, mídia externa (engloba todas as possibilidades de
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canais de comunicação ao ar livre e ambiente externo como outdoors, busdoors,
back-lights, etc.), que são explorados de acordo com um planejamento prévio de
ações obtidas por dados colhidos numa pesquisa de mercado, no decorrer de um
período. Essas representações visuais estão o tempo todo competindo entre si pelo
convencimento do sujeito com as proposições de significação que elas veiculam.
Muitas delas se apresentam seguindo tendências e características visuais ditas pós-
modernas por utilizarem em seu design características muito especiais como:
heterogeneidade, contradição, transitoriedade, aleatoriedade.
A principal característica de uma campanha publicitária é que, seja qual for
o meio ou ação explorada, as peças que a constituem devem preservar uma
identidade entre si, uma uniformidade tanto editorial (textos) quanto visual, para
causar interação entre eles com objetivo de aumentar o impacto da campanha.
Texto e imagens devem ser claros, objetivos, de fácil compreensão para prender a
atenção de imediato e alcançar um determinado impacto social. Principalmente
quando se trata de campanhas que mesclam a função publicitária com conteúdos
didáticos, como as campanhas públicas de vacinação (combate à Tuberculose, à
Varíola, à Rubéola, à Paralisia Infantil, ao Sarampo, etc.), antidrogas (combate ao
fumo, à bebida alcoólica), doação (de órgãos, de sangue), amamentação, combate
à Dengue, entre outras. Nelas deve ocorrer o convencimento e a comunicação em
massa, bem como o esclarecimento a respeito das doenças e das vacinas utilizadas
para combatê-las. É muito importante, então, que haja uma diferenciação das
práticas simbólicas, discursivas e de seus contextos situacionais, condições
cognitivas e culturais, para que não ocorram visões unilaterais, isoladas do
contexto quotidiano dos comunitários. É preciso haver uma aproximação da
população envolvida, atribuindo a esta funções de elaboração dos materiais
educativos e comunicativos - supondo que, assim, sua cultura estará mais bem
representada – ou, então, usando formas tradicionais das culturas regionais.
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Figura 10 – Peças publicitárias da primeira parte da campanha de vacinação contra a paralisia infantil e a rubéola (2008) (http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/campanhas_publicitarias/campanha_detalhes.cfm?co_seq_campanha=2306)
O termo infográfico vem do inglês informational graphics que surgiu nos
EUA no início da década de 80 e o seu uso revolucionou o layout das páginas de
jornais, revistas e sites do mundo contemporâneo. Mais tarde o termo atingiu a
Europa, e na Espanha resultou no termo infografìa que foi adotado na língua
portuguesa como infografia (De Pablos, 1999). Os infográficos nada mais são que
representações visuais da informação, usados onde esta precisa ser explicada de
forma mais dinâmica, como em mapas, gráficos e manuais técnicos, educativos ou
científicos. São usados para explicar, por meio de ilustrações, diagramas e textos,
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fatos que o texto ou a foto por si só não conseguem detalhar com a mesma
eficiência. Os infográficos vêm atender a uma nova geração - os leitores
contemporâneos - que é predominantemente visual e quer entender tudo de forma
prática e rápida.
Segundo Alberto Cairo - especialista em design e em artes visuais, professor
de jornalismo na Universidade da Carolina do Norte, EUA – “infografia significa
a apresentação visual de dados, sejam dados estatísticos, mapas ou diagramas.”
(http://jpn.icicom.up.pt/2006/07/11/infografia_nao_e_uma_linguagem_do_futuro
_e_do..., acesso em 12/4/2008) Autor do livro eletrônico “Sailing to the future:
infographics in the internet era” (2005), Cairo afirma também que a infografia
consiste no uso de ferramentas do Design Gráfico, da Ilustração, da Cartografia e
da Estatística Representacional onde o verbal e o visual estão interligados. Os
infográficos organizam a informação, facilitam a comunicação, ampliam o
potencial de compreensão pelos leitores, permitem uma visão geral dos
acontecimentos e detalham informações menos familiares ao público. Como são
considerados uma ajuda para se pensar e entender, eles devem ser atrativos,
claros, simples de entender e rápidos de ler, além de condensar num pequeno
espaço, uma enorme quantidade de informações.
Os infográficos utilizam a linguagem imagética e a linguagem textual na sua
proposta de comunicação. E é exatamente o que acontece com os livros infantis
contemporâneos, objeto da minha pesquisa: as duas linguagens (verbal e visual)
costumam atuar simultaneamente. Entretanto, nos infográficos é a linguagem
textual que está a serviço da imagem e não o contrário como acontecera até então;
onde a linguagem imagética atuava como mera ilustração de textos. Partindo da
história dos registros lingüísticos, é possível destacar o predomínio do
logocentrismo sobre a cultura da imagem (Coelho, 1997). Com o surgimento do
alfabeto, rompe-se com os sistemas pictóricos e distingui-se o desenho da escrita.
Desta forma, o pensamento lingüístico vem a prevalecer sobre o pensamento
imagético, estabelecendo o domínio da lógica da inscrição simbólica sobre o
pensamento figurativo (Coelho, 1997). Porém, nos modernos meios de
comunicação, o visual predomina e o verbal tem função de acréscimo e não é
diferente com os infográficos. Neles a imagem deixa de ter somente o papel de
ilustrar o texto escrito, mas apresenta-se como a própria informação,
protagonizando, o processo de comunicação.
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Em alguns casos, o infográfico seria até capaz de substituir o próprio texto
diante do poder de comunicação da linguagem imagética, mas, se por um lado
sabemos que a informação seria apreendida pelo leitor mais rapidamente por meio
da linguagem visual, por outro lado, para que o infográfico seja eficaz no seu
propósito de comunicação, ele depende também de um texto objetivo, claro,
subdividido em itens e com linguagem direta.
Figura 11 – Infográfico de Nigel Holmes Fonte: Digital Diagrams. BOUNFORD (2000, p. 156)
De acordo com Nichani e Rajamanickam (2003) os infográficos podem ser
classificados em:
1. Narrativos - Explicam algo possibilitando ao leitor envolver-se com o
propósito apresentado.
Ex: Histórias (factuais, ficcionais, partidárias) contadas a partir de um
ponto de vista. Incluem anedotas, histórias pessoais, de negócios, estudos
de casos etc.
2. Instrutivos - Explicam algo habilitando o leitor a seguir seqüencialmente
o conteúdo.
Ex: Instruções passo a passo que expliquem como as coisas funcionam
ou como os eventos acontecem.
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3. Exploratórios - Dão ao usuário a oportunidade de explorar e descobrir o
conteúdo e suas invenções.
Ex: Qualquer narrativa que permita ao usuário explorar ativamente o
conteúdo para compreender o seu sentido.
4. Simulatórios - Permitem ao usuário a experiência de um fenômeno do
mundo real.
Ex: Qualquer narrativa que permita ao usuário viver a experiência de um
acontecimento como se estivesse nele.
Essa classificação baseia-se na intenção comunicativa do produto e tem
como objetivo garantir a eficiência do infográfico na apresentação de diferentes
tipos de conteúdo.
Na estrutura básica de um infográfico deve haver: título, texto, corpo e fonte
(Leturia, 1998), responder às questões básicas de construção da notícia e conter
elementos de uma narração (Borrás e Caritá, 2000). O título deve expressar o
conteúdo de todo o infográfico; o texto deve servir para situar e explicar o
conteúdo do desenho; o corpo é a própria informação visual; as imagens, fotos ou
figuras devem vir acompanhadas por números ou flechas e a fonte garante a
veracidade da informação.
Segundo Elio Leturia (1998) os infográficos podem ser divididos em 4
tipos:
1. Diagramas – são os mais completos que existem. Servem para mostrar
como ocorreu um acontecimento, como é algo por dentro ou como
funciona alguma coisa. Necessitam de legendas para complementar a
informação gráfica que oferecem.
2. Mapas – podem por si só ser o infográfico ou ser parte de um diagrama
que nos mostra onde ocorreu um determinado acontecimento.
3. Gráficos – são as formas mais simples de explicar um fato utilizando
vários dados, números e estatísticas. Existem três tipos fundamentais de
gráficos: o de barra, o de pizza e o de linha.
4. Tabelas – são utilizadas para o cruzamento de dados – geralmente
descritivos – que não poderiam ser comparados com facilidade de outra
forma.
A fronteira entre os saberes 80
O importante é que o infográfico contemporâneo é um produto que deixa
transparecer em si a sociedade na qual está inserido e onde é produzido. É um
produto que tende ao consumo instantâneo (leitura rápida), propício a um pronto
descarte (amanhã saíra uma versão atualizada do infográfico de hoje), que
incorpora os avanços científicos de sua era (contém conhecimentos de arte,
neurociências, ergonomia), induz a uma forma de pensar (apreensão objetiva,
matematizada e irredutível da realidade), expressa o tempo e o espaço
contemporâneos (compacto, preciso, veloz), confere valor ao indivíduo que o
consome (inteligente, ágil, moderno, informado) e traz bem-estar ao consumidor
(confortável, satisfeito), incentivando-o a comprar mais e sempre. Um produto
que, enfim, compreende valores ideológicos da sociedade que o produz, valendo-
se dos aspectos estéticos e funcionais para tanto.
Podemos concluir, então, que esses aspectos não se encontram apenas nos
infográficos, mas também se encontram nas outras peças contemporâneas citadas
a cima: nos livros didáticos, nas cartilhas educativas e nas campanhas publicitárias
informacionais. São aspectos encontrados nos produtos híbridos e performáticos
das novas formas de pensar, que dão conta de diversas questões ao mesmo tempo.
Como foi dito no capítulo 3 dessa dissertação, são produtos que se transmutam e
que estimulam todos os sentidos. Produtos que são como as pessoas de sua era e
espelham a sociedade que os produz.
É nesse contexto que insiro a obra de Italo Calvino, Seis propostas para o
próximo milênio onde o autor apresenta seis aspectos da literatura que para ele
mereciam ser preservados no curso do próximo milênio: leveza, rapidez,
exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Aspectos estes que são
também defendidos como as bases para tornar um texto rico e interessante em seu
conteúdo, agradável para a leitura e inesquecível como experiência para quem o
lê. E que já pude identificar nas peças apresentadas acima como, por exemplo:
leveza (compacto, preciso), rapidez (leitura instantânea), exatidão (visual nítido e
linguagem precisa), visibilidade (qualidade das imagens e legibilidade do texto),
multiplicidade (que incorpora diversos saberes) e consistência (homogeneidade
dos elementos que constituem). Nos próximos capítulos desenvolverei mais esses
aspectos.
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