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1A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS COMO RECURSO DIDÁTICO PARA A
FORMAÇÃO DE LEITORES
Professora PDE: Nelci Santini Dambrós1
Orientadora: Greice da Silva Castela2
Resumo
Este artigo é fruto do trabalho final de curso do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) e tem como objeto de estudo a importância do ato de contar/ler histórias no espaço escolar, fatores preponderantes para despertar o gosto e o hábito da leitura literária e consequentemente contribuir para o letramento dos alunos. Acredita-se que essa atividade se constitui em um importante instrumento de formação de leitores, pois utiliza a impostação de voz e a expressão corporal do contador, elementos estes capazes de envolver o público espectador, já que as boas histórias não encantam apenas pelo enredo, mas também pela beleza das palavras. Este trabalho foi elaborado a partir da leitura de várias versões da fábula “A Cigarra e a Formiga”, complementado com atividades de oralidade, contação de histórias, produção textual, compreensão leitora e pesquisas, a fim de contribuir no processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Assim, acredita-se que a leitura realizada no espaço escolar passará a ser vista como uma atividade estimulante e prazerosa, e não mais como uma prática obrigatória e sem sentido, pois possibilita ao leitor/ouvinte viver um mundo fantástico, refletir criticamente sobre si e sobre o mundo que o cerca, bem como entrar em contato com a vasta cultura da humanidade. Enfim, os resultados das atividades propostas aos alunos de quinta série de uma escola estadual situada na área rural do município de Santa Izabel do Oeste, comprovam que toda criança adora ouvir histórias e estas serviram de motivação para novas leituras.
Palavras-chave: contação de histórias; formação de leitores; fábula.
Abstract:
1Pós-graduada em Língua Portuguesa. Graduada em Letras pela Universidade de Passo Fundo. Professora de Língua Portuguesa na Escola Estadual São Judas Tadeu e professora PDE.2Doutora em Letras Neolatinas. Professora Adjunta na Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
2This article is the final work of the course of the Educational Development Program ( EDP) and has object of study the importance of the act of to tell/to read stories at school, the preponderant factors to awake the taste and habit of literacy reading and consequently to contribute for the literacy of the students. To make respected that this activity constitutes in an important instrument for formation of readers, because it uses the impostation of voice and body language of the counter these elements are able to engage the viewing public, already that good stories don't fascinate only by the plot, but also for the beauty of the words. This work was elaborated from a reading of several versions of the fable “The Grasshopper and the Ant”, supplemented with oral activities, stories telling, textual production, reading comprehension and researches in order to contribute in the teaching and learning process of the students. So, to make respected that the reading realized at the school space will be seen as an stimulating and pleasurable activity and no more like a obligatory and meaningless practice, since it allows to the reader/listener to live in a fantastic world, to reflect critically about himself and about the world around him, and get contact with the vast culture of mankind. Finally, the result of the activities offered to students from fifth grade in a public school situated in the rural zone of the community of Sta Izabel do Oeste, prove that every child loves to hear stories and these served as motivation for new readings.
Keywords: story telling; formation of readers; fable.
1 INTRODUÇÃO
Contar histórias é uma atividade que faz parte da história da humanidade e
remonta a tempos remotos. Esse ato sempre desempenhou um importante papel na
sociedade. Esteve presente nas rodas de família, nas lições passadas pelos mais
velhos aos mais jovens, como forma de partilhar experiências e mesmo como fonte
de preservação da cultura e disseminação dos costumes de um povo.
Hoje, em plena era digital, surge a figura do Contador de Histórias, presença
marcante em feiras de livros, exposições, livrarias, escolas, hospitais, e um
importante papel: motivar as novas gerações, entre outras coisas, a gostarem de ler.
Nesse contexto, o professor contador de histórias desponta como uma
alternativa altamente eficaz de promover atividades de leitura no espaço escolar a
fim de formar leitores mais proficientes.
Esse hábito milenar, embora não seja uma prática efetiva nas escolas, vem
3
sendo resgatado por alguns professores amantes da literatura como recurso
pedagógico para o desenvolvimento do gosto pela leitura e aprimoramento das
habilidades de oralidade, leitura e escrita, pois acredita-se que as atividades de
ouvir e recontar precedem a formação do leitor.
Sendo assim, o ensino e a aprendizagem de leitura são grandes desafios da
escola, que deve buscar estratégias a fim de que essa prática deixe de ser um
entrave à aprendizagem e passe a ser um elemento fundamental na aquisição da
aprendizagem significativa.
Por isso, nesse trabalho, fruto da participação no Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE), desenvolvido com alunos de 5ª série de uma
Escola Estadual localizada na zona rural de Santa Izabel do Oeste – Paraná,
oriundos de famílias com baixo poder aquisitivo e pouco acesso literário fora da
escola, buscou-se, por meio de várias versões clássicas e modernas da fábula “A
Cigarra e a Formiga”, estabelecer intertextualidade entre as narrativas e a realidade
dos alunos a fim de que as mesmas fossem mais do que materiais para estudo,
verdadeiros instrumentos de análise entre as realidades sociais em questão, de
forma que estas pudessem contribuir para a formação de leitores capazes de se
inserirem no mundo como sujeitos aptos a lerem as entrelinhas, de forma
contextualizada, realizando atividades de oralidade, escrita, compreensão leitora,
com enfrentamento às questões que subjazem ao texto.
A experiência aqui relatada advém da paixão pelos livros em geral,
principalmente literários, e da necessidade de se levar até os alunos textos
agradáveis, desenvolvendo o lúdico, e com os quais fosse possível desenvolver
atividades de oralidade, leitura, escrita, escuta e reflexão, como também tornar a
leitura um hábito prazeroso, envolvendo as famílias nesse trabalho de resgate e
contação de histórias.
Relataremos, ao longo do texto, o percurso realizado durante a
participação no PDE: o embasamento teórico sobre leitura, contação de histórias e
gênero textual fábula, a elaboração do material didático, as discussões realizadas
sobre ele no Grupo de Trabalho em Rede (GTR) e sua aplicação na escola.
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2 LEITURA: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS
É inegável que ler não figura entre as atividades preferidas por uma grande
maioria dos brasileiros, mas o costume de mergulhar em páginas repletas de
palavras, cores, formas, que constroem um universo amplo e surpreendente de
personalidades, acontecimentos, revelações, sensações, pode ser adquirido à
medida que essas habilidades são desenvolvidas.
Nesse contexto, a figura do professor, na escola, torna-se preponderante para
que o aluno desenvolva o gosto pela leitura, que tem o poder de acender a
imaginação, tanto quanto inspirar e emocionar mediante a identificação com os
personagens. É nessa viagem que experiências bem sucedidas podem acontecer.
Mas, antes de se falar em aspectos referentes ao ensino e à criação do hábito
e do gosto pela leitura é importante defini-la.
Segundo as Diretrizes Curriculares da Educação (DCEs)
compreende-se a leitura como um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem ( DCEs, 2008, p.56).
Compreendido em seu sentido amplo, o ato de ler é muito mais do que a
apreensão da realidade somente através da leitura do texto escrito. Quando se fala
em leitura, considera-se tal ato como um processo dinâmico e ativo, em que
acontece uma interação entre leitor e texto.
Leffa (1999, p.13) apresenta as três concepções de leitura: a ascendente, a
descendente e a conciliadora. Na concepção ascendente de leitura, o leitor extrai do
texto o que o autor deixou escrito. Na concepção descendente, dá-se ênfase ao
leitor, que atribui ao texto um significado, mas há o risco de se usar o texto apenas
como pretexto para que o leitor diga o que sabe e opina sobre um assunto. Por fim,
na concepção conciliadora de leitura, defendida pelo autor, para compreendermos o
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ato da leitura precisamos considerar o leitor, o texto, o autor e o processo de
interação entre eles e o contexto. Assim dá-se a interação, capaz de provocar
mudanças no leitor.
Enfim, para que as transformações ocorram, a escola deve proporcionar
momentos de leitura em torno de uma diversidade de textos, mediados pelo
professor, a fim de que o aluno compreenda os enunciados e também tenha
possibilidade de construir o seu. Tem que se destacar a influência do professor/leitor
na sua prática docente:
Se a relação do professor com o texto não tiver significado, se ele não for um bom leitor, são grandes as chances de que ele seja um mau professor. O primeiro requisito, portanto, para que o contato aluno/texto seja menos doloroso possível é que o mestre não seja um mau leitor, que goste de ler e pratique a leitura (LAJOLO, 1986, p. 53-54).
Em sua obra, “Como incentivar o hábito de leitura”, Bamberger (1986) faz um
questionamento sobre como proporcionar às pessoas o direito de ler.
Questionamento esse que deveria preocupar a todos que se dizem responsáveis
pelo ensino, pois a leitura desempenha importante papel no desenvolvimento
integral do educando, dela dependendo grande parcela na sua realização pessoal e
profissional.
Ao professor, cabe a transformação da leitura na escola, conforme nos
descreve Daniel Pennac:
Ele era a caixa de ressonância natural de todos os livros, a encarnação do texto, o livro feito homem. Por sua voz, descobríamos de repente que aquilo tudo tinha sido escrito para nós. Essa descoberta surgia após uma interminável escolaridade em que o ensino das Letras nos havia mantido a uma respeitosa distância dos livros. O que fazia ele a mais do que os nossos outros professores? Não muito. Sob certos aspectos, fazia muito menos. Só que não nos entregava a literatura num conta-gotas analítico, ele servia a nós em copos transbordantes, generosamente... E nós compreendíamos tudo que ele nos lia. Nós o escutávamos. Nenhuma explicação do texto seria mais luminosa do que o som da sua voz quando ele antecipava a intenção do autor, acentuava um subentendido, revelava uma alusão [...] (PENNAC, 2008, p.80).
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Também para Solé (1998, p. 43), o interesse pela prática da leitura no aluno
pode ser desenvolvido pelo professor. Para ela “o interesse se cria, se suscita e se
educa”, ao professor cabe demonstrar motivação e capacidade de criar formas
atrativas de explorar as múltiplas leituras presentes no texto.
Essa autora, discorrendo sobre compreensão leitora e aprendizagem
significativa, defende que um dos maiores desafios da escola é fazer com que a
leitura seja ensinada aos alunos, pois se uma pessoa entende o que lê então está
aprendendo com o texto. Segundo a autora, “na leitura ocorre um processo de
aprendizagem não intencional, mesmo quando os objetivos do leitor possuem outras
características, como no caso, de ler por prazer (...) em maior ou menor grau,
sempre aprendemos algo com a leitura“ (SOLÉ, 1998, p. 46).
Para que essa “aprendizagem significativa” da leitura ocorra, a autora destaca
que nenhuma tarefa nesse sentido deve ser iniciada antes que os alunos se sintam
motivados para tal. Segundo Solé, “ler é uma atividade voluntária e prazerosa” e “as
crianças e os professores devem estar motivados para aprender e ensinar a ler”. Por
isso, essa atividade deve ter significado para o leitor que pode, assim, “compreender
e compartilhar“ (SOLÉ, 1998, p.90).
Toda atividade com leitura deve ser significativa para quem a pratica. Dentre
os objetivos destacados para que a leitura seja um processo portador de
significados, Solé (1998) apresenta alguns que determinam de que forma um leitor
deve se situar frente a ela. A pergunta que norteia esses objetivos é: “Para que vou
ler?” Os objetivos de leitura podem ser vários e determinam a forma como a leitura
será realizada. Por exemplo, é bem diferente realizar a leitura para se obter
informação e a leitura como deleite, feita para satisfazer um prazer pessoal ao ler
um texto literário.
A autora destaca ainda que “quem lê deve ser capaz de interrogar-se sobre
sua própria compreensão, estabelecer relações entre o que lê e o que faz parte do
seu acervo pessoal (…) o ensino de estratégias de compreensão contribuem para
dotar os alunos dos recursos necessários para a construção do aprender” ( SOLÉ,
1998, p. 72).
Então, todo processo de desenvolvimento de estratégias de leitura deve estar
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pautado em objetivos claros e definidos, tanto para o professor quanto para o aluno
para que esse, na ausência do professor, possa usá-las com propriedade e
independência adquirindo, assim, a “competência leitora” defendida por Solé.
Enfim, para que a “competência leitora” seja efetivada, é preciso que a prática
pedagógica se organize em torno de diferentes tipos de leitura, ou abarquem
atividades de oralidade, leitura e escrita como “práticas discursivas”, constituindo-se,
assim, o “discurso como prática social”, conteúdo estruturante da Língua
Portuguesa, defendido pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado
do Paraná (2008).
3 A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E O GÊNERO TEXTUAL FÁBULAS:
a narrativa sempre foi: [...] uma tendência definidora do ser humano: da escrita rupestre entremeada de sons guturais à elaboração da linguagem narrativa, observamos que o homem conta a história de si mesmo e do mundo. A necessidade dos ancestrais de reunirem-se à volta do fogo para se guarnecerem do frio e das feras está acompanhada do pressentimento de que algo poderia ser revelado na fala do sacerdote. E, na atualidade, não é com outro pressentimento que o homem rodeia o aparelho de televisão, à espera de um sacerdote dessacralizado da mídia: todos aguardamos notícias, revelações, reconstruções de eventos, através das narrativas.(GOMES e PEREIRA, 1992. p. 112).
A formação de leitores proficientes, tarefa fundamental da escola, deve estar
pautada em vastas experiências de linguagem com textos das mais variadas esferas
sociais de circulação como, literária/artística, escolar, cotidiana, publicitária,
midiática, jurídica, imprensa, entre outros.
No contexto literário, as fábulas figuram como um dos gêneros preferidos
pelas crianças em geral, pela relação de proximidade com os personagens e pelas
referidas lições de moral que primam por disseminar ensinamentos aos leitores no
decorrer dos anos.
Conforme descreve Lajolo (2005), fábulas são pequenas narrativas de
tradição oral que trazem como personagens animais ou criaturas imaginárias que
dialogam no texto e representam traços do caráter humano, os quais podem ser
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positivos ou negativos.
Nas fábulas, os animais personificam seres humanos; o tempo é
indeterminado (Certa vez...), o que torna o texto sempre atual, servindo de lição para
qualquer época e a narrativa é sempre em terceira pessoa.
Quase sempre, no finalzinho das fábulas aparece uma frase destacada
chamada de MORAL DA HISTÓRIA, como uma espécie de simbolismo ao leitor
sobre o que a história “quer dizer” ou a que tipo humano ela se refere. Por isso é
importante a reflexão sobre a situação apresentada e a relação que se pode fazer
com a realidade.
Segundo Smolka (1994), um dado curioso na história da transmissão das
fábulas é que, na Idade Média, a importância que se dava à lição moral das histórias
era tamanha que os copistas registravam-nas em letras vermelhas ou douradas,
enquanto o texto era em preto. Todavia, em alguns casos, era deixado um espaço
em branco para a respectiva lição moral, começando-se outra história. Assim, em
raras ocasiões foram esquecidas essas lições. No entanto, muitas vezes essa moral
pode estar implícita nas últimas linhas do texto.
Para Lajolo (2005), é comum nessas histórias a disputa entre forte e fraco,
bom e ruim, o esperto e o ingênuo etc., dando-nos a entender que a esperteza
sempre vence a ingenuidade, a pureza. Por exemplo, a raposa simboliza a
esperteza, a astúcia, por isso, alguns políticos são ironicamente chamados de
raposas pela forma com que conseguem ludibriar as pessoas, agindo em benefício
próprio.
Mas a lição maior desse gênero textual não se dá, pura e simplesmente, pela
aceitação da “moral da história”, mas sim pela análise e compreensão do modo
como certos personagens saem vencedores em detrimento de outros. Com as
fábulas, aprende-se, por exemplo, a reconhecer como age um adulador e assim a
nos precaver contra certas atitudes, desconfiar de certas pessoas e a tomar cuidado
com a forma com que se utiliza a linguagem para tirar vantagem sobre alguém.
Assim, a fábula passa a ser uma excelente aliada na prática da reflexão sobre
o comportamento humano e as vicissitudes da vida, e não uma mera forma
de impor “verdades” às pessoas.
Vários escritores dedicaram-se às narrativas fabulosas, mas três merecem
destaque: Esopo, La Fontaine e Monteiro Lobato.
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Considerado o pai da fábula, Esopo teria vivido no século VI a.C.. Segundo
Cardoso (1991), essa figura lendária teria nascido em alguma cidade da Anatólia.
Sua vida é entremeada por diversas versões incertas e por vezes contraditórias,
sendo a mais antiga descrita por Heródoto. Segundo esse historiador, e também na
opinião de Plutarco, Esopo era um escravo feio, gago e corcunda, porém dotado de
grande inteligência o qual, ao obter sua liberdade, viajou pela Ásia, Egito e Grécia.
Durante essas andanças, tornou-se amigo do rei Creso, da Lídia, que lhe
entregou oferendas a fim de que as levasse até o templo de Delfos. No entanto,
percebendo a cobiça dos sacerdotes, não entregou o dinheiro enviado pelo
monarca, limitando-se a fazer sacrifício aos deuses. Tomados de cólera os
sacerdotes decidiram se vingar de sua atitude acusando-o de roubo. Nessas
circunstâncias o ex-escravo foi preso e condenado a ser jogado do alto de um
penhasco.
Outra versão aponta Esopo como natural da Trácia, contemporâneo do Rei
Amásis, do Egito. Teria sido libertado por Xanto, a quem servira, mas continuou a
frequentar a casa do seu ex-senhor apesar das frequentes viagens por diferentes
países no intuito de adquirir conhecimentos.
Porém, de acordo com estudos, tudo indica que foi no Oriente que Esopo
começou a desenvolver o gosto pelas narrativas fabulosas, que posteriormente
foram disseminadas pela Grécia. Ele nunca as escreveu, apenas as repetia ao povo,
que apreciava essas criações alegóricas, as quais passaram para o papel somente
duzentos anos após sua morte, reunidas às de outros fabulistas, que também
inventavam histórias de tradição oral, mas que da mesma forma permaneceram sob
autoria desconhecida.
O romano Fedro teria registrado as fábulas de Esopo, pois se declarava um
grande admirador dessa forma de arte popular, que de acordo com Cardoso,
“...agitou a sociedade de sua época, ironizando as pessoas de maior projeção no
Império Romano” (CARDOSO, 1991, p. 19).
Esopo tornou-se tão famoso que suas histórias de animais, lidas e
apreciadas até hoje, despertam encantamento em crianças e adultos e servem de
ensinamento e crítica a certos vícios humanos.
São atribuídas a Esopo mais de trezentas fábulas, entre elas, “A raposa e as
uvas”, “A águia e a coruja”, “O leão e o rato”, e a obra prima desse gênio da
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literatura oral, “A cigarra e a formiga”, cujo estudo aprofundou-se neste trabalho.
O século XVII viu nascer, na França, Jean de La Fontaine, que, para Souza
(2004), é um dos mais importantes poetas e fabulistas da modernidade, pois além
de criar suas próprias histórias, reescreveu em versos diversas fábulas atribuídas a
Esopo. La Fontaine caracterizou-se por sua maneira sutil de criticar o
comportamento humano e denunciar toda forma de injustiça e as mazelas vividas na
sociedade da época, utilizando-se de animais, os quais, segundo ele, serviam para
“instruir os homens” (SOUZA, 2004, p.87).
O autor, além de tornar as fábulas de Esopo mais atuais, escreveu as
próprias. A partir dessa época, várias histórias escritas para adultos foram
adaptadas para crianças, retirando-se delas os elementos violentos e os aspectos
nocivos à educação.
Ainda, La Fontaine, de acordo com Souza, caracterizou-se por sua
originalidade, a qual
reside, assim, na sua forma de expressão, e isto foi o suficiente para que ele caísse ainda mais nas graças da alta sociedade francesa, já que em boa parte dos casos, os figurões não compreendiam o teor incisivo da mensagem sutilmente transmitida pelas fábulas (SOUZA, 2004, p.88).
No Brasil, no fim do século XIX, o escritor Monteiro Lobato escreveu novas
versões para algumas fábulas de Esopo, dentre elas, “A formiga boa” e “A formiga
má”, além de criar várias obras literárias, como “Urupês”.
Conforme narra Catinari (2006), Lobato nasceu em Taubaté no dia 18 de
abril de 1882 e por isso, nesse dia, passou a ser comemorado o Dia Nacional do
Livro Infantil, homenagem a um escritor que, segundo o próprio, dedicou-se,
principalmente, em criar uma literatura infantil brasileira, pois descobrira nos livros
do avô que a infância era uma fase da vida para a qual não se escrevia no Brasil.
Com esse público, Lobato teve muitas alegrias. Adorava ler as cartas
recebidas de crianças e acreditava que a mudança no país viria a partir delas, por
isso dedicou-se em fazer esse tipo de literatura. O resultado, todos já conhecem.
Conseguiu transportar crianças e adultos ao maravilhoso sítio de Dona
Benta.
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Juca, como era conhecido desde criança, gostava de brincar com sabugos
de milho e legumes com suas irmãs, talvez resida aí a essência da criação de
personagens como “Visconde de Sabugosa” e tantos outros que povoam o universo
infantil de suas obras, principalmente a turma do “Sítio do Pica-pau Amarelo,obra
prima desse escritor. Assim, a literatura brasileira ganha, com Monteiro Lobato, uma
elevada dose de personagens envoltos em aventuras fantásticas, que agradam a
todos os públicos.
A obra desse autor compõe-se de 30 volumes e é considerado um ícone da
literatura brasileira. O autor destaca-se como criador dos primeiros livros nacionais
infantis e também como revelador de Jeca Tatu, o homem simples do interior
brasileiro. Monteiro Lobato faleceu em 4 de julho de 1948, aos 66 anos de idade.
(CATINARI, 2006).
Enfim, a fábula é um gênero literário universal, encontrado em muitas
culturas e que atravessou vários períodos históricos. Essa universalidade resulta
de uma evidente ligação com a cultura popular, a qual inexiste sem narrativas e tem
se mantido viva através dos tempos.
4 CONTRIBUIÇÕES DO GRUPO DE TRABALHO EM REDE (GTR) PARA ESSE TRABALHO
O GTR, Grupo de Trabalho em Rede, é um ambiente virtual interativo que
proporciona aos participantes aprofundamento teórico, discussões e troca de
experiências entre docentes e entre professores e tutores da rede estadual do
estado do Paraná. Nesse espaço colaborativo foram promovidos debates e
discussões acerca do Projeto de Intervenção Pedagógica e do Material Didático
produzido durante os estudos do PDE e sua aplicabilidade na escola. Participaram
desse estudo 13 educadores.
Durante as discussões nesse ambiente constatou-se que a relação do livro
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com o aluno não está tendo um encaminhamento metodológico adequado por parte
de muitos professores, uma vez que o resultado das leituras tem servido quase
sempre, tão somente como pretexto para avaliações e não como uma atividade que
desperte prazer no leitor. Segundo um dos docentes participantes, “a relação
narrativa/leitor precisa ser repensada e redirecionada para que o aluno se sinta
motivado a ler, embarcando, assim, em muitas viagens fantásticas, descobrindo a
diversidade cultural presente nos livros”.
De acordo com depoimentos de participantes no trabalho, houve
unanimidade quanto à importância de se contar/ler histórias no espaço escolar, “
atividade que deveria ser iniciada na família, como prática diária na construção de
uma “identidade/afinidade” com as narrativas, muito antes da aquisição da leitura e
da escrita.
Além disso, afirmou-se que “o contato, desde muito cedo, com obras
literárias, sejam elas com ou sem textos, o manuseio de livros de imagens ou
mesmo a escuta de histórias narradas pelos membros familiares representam um
importante instrumento na aquisição do hábito de ler, que vai além da
decodificação”.
Corroborando com a ideia de que a leitura pode ser adquirida desde cedo,
cita-se Bamberger (1995, p.13) “a leitura é um dos meios mais eficazes de
desenvolvimento sistemático da linguagem e da personalidade. Trabalhar com a
linguagem é trabalhar com o homem”.
Além disso, os docentes apontaram que o professor “deveria incluir em seu
planejamento atividades de leitura/escuta de histórias a fim de formar mais leitores
competentes, capazes de interagir com o texto e provocar mudanças no meio social
em que vivem e principalmente formar alunos capazes de desfrutar da beleza
estética presente na literatura de qualidade”.
Na concepção de outro participante, “os educadores deveriam utilizar as
histórias para divertir, estimular a imaginação, podendo também, de forma
agradável, promover debates sobre temas contemporâneos, educar, instruir, incutir
valores – tão necessários atualmente - suscitar discussões acerca de temáticas
13
polêmicas aumentando o interesse pela aula, aprender sem perceber que a
atividade tem “cara de aula”. Dessa forma é possível resolver conflitos,
autoconhecer-se e assim, ser capaz de resolver problemas pessoais de forma mais
segura e autônoma, mediante a identificação com os problemas enfrentados pelos
personagens”.
O hábito de se contar histórias por muito tempo foi relacionado a uma
imagem familiar, interiorana, distante da sociedade moderna, mas esse costume
milenar, ao contrário do que muitos pensam, não foi substituído somente pelo
aparecimento da televisão, computador, celular...”A TV foi apenas um dos muitos
fatores. A desagregação familiar, dos valores, costumes e principalmente da noção
de que família é reunião de pessoas, sentimentos, propagação de saberes
acumulados, é o fator preponderante para que esse hábito tenha se perdido com o
passar do tempo. Os valores, os encontros de família foram sendo substituídos
por objetos”, afirma uma das participantes do fórum de discussão.
Questionados sobre o papel do professor mediador de narrativas contadas
ou lidas “é indispensável que o professor também seja um leitor assíduo, que ame
os livros e demonstre isso perante os alunos. Se o professor não passar isso a eles,
dificilmente vai formar alunos leitores. Ao mestre cabe auto formar-se nesse assunto
uma vez que os cursos de formação de docentes pouco preparam o professor para
o enfrentamento a essas questões”.
Então, “contar ou ler histórias no espaço escolar deve ser um ato amoroso,
uma forma divertida de aprender brincando e se deliciando com a s palavras, os
personagens, o envolvimento do contador. Esse momento deve ser a hora da
“brincadeira de aprender” com textos - afirma uma das alunas.”
Enfim, reiterando o que já foi afirmado, o GTR apontou que ao professor
cabe a boa mediação entre alunos e livros, ser o promotor da fantasia ao indicar a
obra a ser lida e apreciada, pois se o contato do aluno com o livro não acontecer de
forma afetiva, tampouco será efetiva.
5 O MATERIAL DIDÁTICO PRODUZIDO E SUA IMPLEMENTAÇÃO NA ESCOLA
14
Esse trabalho foi desenvolvido em uma escola estadual, situada na área rural
do município de Santa Izabel do Oeste, Paraná, com uma turma de 5ª série, cuja
faixa etária varia entre 10 e 15 anos. A turma é formada por 18 alunos, sendo 9
meninos e 9 meninas e caracteriza-se por possuir pouco contato com textos
literários fora da escola - por parte da maioria dos meninos - dificuldades na
oralidade, compreensão e no registro de informações de maneira coerente e coesa.
A fábula escolhida para o desenvolvimento do trabalho foi “A cigarra e a
formiga”. Utilizamos versões da história de Esopo, La Fontaine, Monteiro Lobato e
outros textos atuais como “Sem barra”, de José Paulo Paes, e “ A cigarra e a
formiga” adaptada por Vaz Nunes. Por meio de pesquisa feita pelos alunos, outras
versões foram aparecendo, como “A cigarra e a formiga” , cordel de Severino José,
ilustração para a Cigarra e a formiga, de Gustave Doré, “A cigarra e a formiga” de
José de Nicola , “A cigarra e a formiga”, poema de Elias José, a música “Formiga
Bossa Nova”, por Adriana Calcanhotto e tantas outras disponíveis na Internet.
A implementação do material didático teve início com um questionário
elaborado pela professora para que os alunos o levassem para casa e
respondessem, com a ajuda dos familiares, com relação ao ato de se contar
histórias na atualidade. Dos 18 alunos questionados, todos afirmaram gostar de
ouvir histórias, mas indicaram que essa prática não é mais uma atividade vivenciada
na maioria dos lares. Como motivo da não contação/leitura de histórias, a “falta de
tempo dos pais”, a televisão, o videogame e a desagregação das famílias figuram
como os principais motivos. Apenas duas alunas afirmaram que algum membro da
família ( pai, avô) ainda conta histórias para os irmãos menores.
Essas afirmações revelam que os alunos gostam de ouvir uma boa história,
mas que essa prática tem sido esquecida ou pouco praticada, tanto em casa quanto
nas escolas. Desse modo, essas falam parecem reiterar a afirmação de Busatto de
que “para a atual sociedade de consumo, contar histórias pode ser interpretado
como perda de tempo” (BUSATTO, 2007, p.20).
Quanto a histórias marcantes ouvidas ou lidas na escola, duas alunas
mencionaram “Chapeuzinho Vermelho”, outra citou “Os três amigos”, um aluno
lembrou de “histórias de assombração” contadas pelos familiares e os demais
disseram não se recordar de nenhuma. O desconhecimento das narrativas, foi algo
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surpreendente.
No que se refere à contribuição das narrativas orais na sua formação pessoal
e na aquisição do gosto pela leitura, as respostas foram: “a gente aprende”, “essas
histórias nos ensinam coisas pra vida”, “os contadores contam com tantos detalhes
que a gente fica fascinado”, “a gente se distrai escutando e também lendo”,
viajamos sem sair do lugar e conhecemos um pouco do mundo”. As fábulas não
foram citadas nessa pesquisa. Essas respostas mostram o interesse deles por essa
prática. E, todas as respostas indicam que a leitura é vista como algo agradável,
“uma necessidade inerente ao homem de se comunicar por meio da fala estética”
(BUSATTO, 2007, p.25).
Nossa atividade de contação de histórias iniciou com a narração da história
“A formiguinha aventureira” adaptada para esse fim, que conta a história de uma
formiguinha que cansada da rotina vivida no formigueiro, resolve sair pelo mundo
para ser independente e viver novas aventuras. Durante a fuga, escuta ruídos
vindos de um formigueiro e se surpreende com o que presencia: formigas
acorrentadas, crianças, doentes e velhas que trabalham como “prisioneiras” da
rainha Ditadurajá. Consegue libertá-las daquele lugar e constroem outro formigueiro
onde todos trabalham em harmonia. É declarada Rainha das Formigas e se casa
com a formiguinha Delírio e a partir desse episódio outros formigueiros declaram
guerra à exploração e ao trabalho escravo, depondo suas “rainhas” e servindo de
exemplo até para as abelhas. E, assim, todas as formigas vivem felizes para
sempre.
A partir dessa narrativa, os alunos foram questionados quanto à relação
dessa história com outras que eles conheciam. Houve citações da história “Irmão
Urso” pela proximidade da temática - ajuda ao próximo - com a história narrada.
Ao serem indagados sobre o comportamento da formiga que preferiu deixar
um lugar tranquilo, que lhe proporcionava comida, segurança, mas falta de
liberdade, em troca de uma vida livre e desregrada. 15 alunos declararam-na
“ingrata”, “mal-agradecida” com sua família, porque preferiu sair em busca do
desconhecido, podendo “se dar mal”, “correr perigo”, “ se arrepender”, “ter de voltar
para casa”; apenas 3 viram-na como alguém que vai em busca de seus objetivos,
não importando o enfrentamento ao perigo. Tais respostas revelam a necessidade
de segurança e obediência familiar dos alunos, mostrando que nessas famílias a
16
presença da figura paterna como supridora das necessidades básicas dos seus
membros ainda é muito forte, bem como o apego ao “ninho materno”.
Questionados sobre um importante acontecimento histórico ocorrido no
Brasil, que foi o período da Ditadura Militar, denunciado na história, os alunos
afirmaram desconhecer tal fato, mas a partir da explanação da professora de
História solicitaram a repetição da narrativa para que houvesse melhor
entendimento da mesma e para que seu conteúdo fosse apreendido. Comprova-se
então que o ato de contar/ler histórias em sala de aula pode ser uma importante
ferramenta de aprendizagem.
Como afirma Abramovich:
É através duma história que se podem descobrir outros lugares, outros tempos, outros jeitos de agir e ser, outra ética, outra ótica. É ficar sabendo história, geografia, filosofia, sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula (ABRAMOVICH, 1995, p. 17).
Busatto, (2003, p.10), reitera esse pensamento ao afirmar que “contar
histórias é uma arte, porque traz significações ao propor um diálogo entre as
diferentes dimensões do ser”.
O resgate de histórias junto às famílias teve como objetivo motivar a leitura,
desenvolver estratégias de compreensão leitora, oralidade e produção escrita, como
também motivá-las no envolvimento do trabalho, possibilitando interação e
cumplicidade entre as partes. Essa ação promoveu a reunião de clássicos numa
empolgante Roda de Histórias. As vivências transmitidas pelos familiares puderam
ser verificadas nas histórias contadas/lidas pela maioria dos alunos.
No entanto percebeu-se que algumas famílias não souberam transmitir
nenhuma história, fato que comprova que a prática das narrativas orais está
cedendo lugar aos modernos recursos audiovisuais. Contudo, os alunos resgataram
algumas narrativas que haviam lido na escola e as socializaram com os colegas.
Entre as histórias trazidas temos “Ali Babá e os quarenta ladrões”, “A noiva do
banheiro”, “histórias de lobisomem”, dentre outras da cultura popular. Contos de
fantasmas e assombrações, bem como lendas do folclore brasileiro, foram relatados
17
porque se encontram vivos e enraizados na cultura regional, resultado de
uma educação tradicional, que preserva esses importantes patrimônios da
literatura oral.
Com a realização da atividade de contação, pôde-se perceber que inúmeros
problemas foram verificados, como a falta de fluência narrativa, os vícios de
linguagem, expressões repetitivas (daí, né, bom, tá...) e dificuldade de expressão
escrita detectado no momento da reescrita dos textos. No entanto, reescrever e
ilustrar as histórias foram atividades estimulantes e que provocaram o envolvimento
de todos os alunos, os quais, em grupos, treinavam a contação enquanto
desenhavam e reelaboravam suas histórias para exposição.
A apresentação da fábula em estudo, bem como as suas várias versões,
deu-se de maneira gradual. Cada texto, além de lido, foi sendo trabalhado a partir
da caracterização do gênero textual, de sua compreensão leitora, realizada por meio
de questões orais e escritas que envolviam associações com questões relevantes e
atuais, da contação de histórias pelo professor e alunos e da elaboração de outras
versões dos textos.
Percebeu-se, nesse estudo, que o trabalho com os textos em sala de aula,
deve ser ativado com perguntas norteadoras, que abordem os conhecimentos
prévios do aluno, considerações objetivas e inferenciais. Estas devem ser um
elemento indispensável no processo de leitura, pois facilitam a compreensão dos
textos de forma reflexiva e global.
Embora muito se tenha avançado nessas questões, ainda precisamos
investir muito no ensino da compreensão, já que a maioria dos alunos lê, mas não
consegue construir sentidos para o que leu.
Como apontam Brandão e Rosa (2005), o baixo índice de compreensão de
textos, verificado em avaliações nacionais e internacionais, sugere a necessidade de
se repensar e investir no estudo da compreensão de textos. Nessa perspectiva,
Kleiman (1993, p. 24) também salienta que é preciso “valorizarmos essa proposta
como uma possibilidade de retomar, refletir, ampliar, questionar os significados
apreendidos na primeira leitura”.
De fato,
é durante a interação que o leitor mais inexperiente compreende o texto:
18não é durante a leitura silenciosa, nem durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa sobre aspectos relevantes do texto. Muitos aspectos que o aluno sequer percebeu ficam salientes nessa conversa, muitos pontos que ficaram obscuros são iluminados na construção conjunta da compreensão (KLEIMAN, 1993, p.24).
O ato de se contar histórias na escola pode promover, de forma prazerosa, o
ensino e a aprendizagem de leitura compreensiva, além de propiciar deleite ao
aluno - leitor em formação.
Sendo assim, essa atividade comprova que é preciso “conversar” com os
alunos sobre os textos lidos/ouvidos durante o trabalho com textos, mas essa
conversa não deve ser procedida como interrogatório. Deve-se em primeiro lugar
vencer os limites do acesso aos livros e das muitas possibilidades oferecidas por
uma leitura de qualidade, a qual não tem por objetivo ensinar conteúdos,
comportamentos, lições, mas tudo isso pode ser verificado, percebido através de
mudanças de atitudes, formação e transformação, embora dificilmente medido
quantitativamente. Enfim, “a literatura não tem obrigação com o conhecimento,
mas promove o conhecimento, pois ensina” (OLIVEIRA, 2005, p.43).
Ao serem questionados sobre as fábulas, que tinham como um de seus
propósitos criticar certos vícios humanos na sociedade da época, com qual tipo
humano a cigarra e a formiga se relacionariam hoje, os alunos fizeram associações
da formiga com “pessoas que trabalham duro, de sol a sol e não têm o resultado
esperado por todo esse esforço”, como seus familiares que são pequenos
produtores rurais e que não colhem o esperado devido a problemas climáticos, por
exemplo, e nem tem um preço justo na venda de seus produtos, por isso passam
dificuldades e até são obrigados a arrumar trabalho fora em busca de melhores
condições de sobrevivência”. Ainda lembraram de “todas as pessoas que têm de
acordar muito cedo para chegar ao trabalho, privando-se assim do contato com a
família”.
Por outro lado, a figura da cigarra, na visão da maioria dos alunos, é vista
como ““o boa vida”, que trabalha muitas vezes de forma desonesta e vive bem”, até
os alunos “que não estudam, não realizam atividades e querem ser aprovados”
foram citados como cigarras. Um aluno chegou a declarar que “quem não trabalha
não tem o direito de comer”.
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Questionados sobre a fábula original, que sugere que o trabalho da formiga
tem mais valor do que a cantiga da cigarra, quatorze alunos afirmaram que sim, pois
“a função de produzir alimento é insubstituível” e “pensar no futuro, economizando é
uma forma de evitar passar necessidade na velhice ou quando se fica doente,
dependendo dos programas de governo, que não atendem as necessidades
principais dos que necessitam desse tipo de atendimento”. Nesse contexto, a
imagem do “inverno” foi associada às dificuldades que na vida se apresentam.
Enfim, pode-se perceber que os valores transmitidos pela moral da fábula de
Esopo, La Fontaine e Monteiro Lobato, na versão “a formiga má”, são condizentes
com a educação tradicional recebida pela maioria dos alunos desse meio.
No entanto, a moral apresentada por Monteiro Lobato na versão do texto “a
formiga boa”, dividiu opiniões, já que alguns viram nesse gesto “a bondade que falta
em muitas pessoas, que são incapazes de ajudar alguém em momentos de
necessidade”. Contudo, prevaleceu a opinião de que “cada um colhe o que planta”.
Durante a conversa sobre os textos foi feito o seguinte questionamento: o
que pode causar mais tristeza: o fato de não ter o que comer e sentir frio, como a
cigarra, ou viver de modo mecânico e pensar exclusivamente no trabalho, como as
formigas? As respostas convergiram para um único ponto: o equilíbrio.
Ao ser apresentada uma releitura da fábula em que a cigarra “se dá bem” em
seu ofício de cantora, importantes reflexões surgiram com relação às profissões de
sucesso atualmente. Ao serem questionados sobre isso, situações contrastantes
surgiram, como: o glamour das passarelas da moda, as altas cifras dos salários de
muitos atletas profissionais, os altos cachês cobrados por cantores de sucesso, a
corrupção que se presencia no país, principalmente, nos meios políticos. Esses
profissionais foram associados às cigarras de hoje, “que ganham salários
milionários, nem sempre com qualidade e merecidamente, enquanto trabalhadores
braçais, funcionários de pequenas fábricas, motoristas que transportam a produção
do país, professores - profissões indispensáveis, mas não valorizadas - são
comparados às formigas: muito trabalho e pouca diversão”.
Então, calorosos debates e discussões surgiram acerca das personagens e
de seu estilo de vida. Na verdade, a maioria dos alunos gostaria de viver
20
“cantando” como a cigarra, mas também destacam que “prover o futuro é dever de
todos”.
Após assistirem à versão animada da fábula, em que a cigarra, advertida
para que guardasse alimento para os dias de necessidade não o fez, vindo depois
pedir abrigo às formigas, os alunos avaliaram a questão da obrigação de dividir seu
próprio alimento, como algo negativo, “uma vez que o animal poderia tê-lo
armazenado como fizeram as formigas, garantindo, assim, o suprimento para toda a
comunidade familiar”. Dessa forma, concluíram que se estariam “repassando
valores aos mais jovens, de que é preciso buscar sua independência econômica e
garantir o futuro dos seus, sem que fosse necessário suprimir horas de lazer”.
Avaliamos que os alunos fizeram boas interpretações e contrastaram as
várias versões apresentadas, analisando cada uma com independência e
propriedade, formulando problematizações e respostas, aprimorando sua
competência leitora.
Contudo, ao serem desafiados para que promovessem uma roda de
contação de histórias, com as fábulas que escolhessem, os mesmos preferiram
contá-las lendo nos livros pesquisados, o que demonstra que não assimilaram as
técnicas narrativas, não dispuseram do tempo necessário para que a história fosse
decorada e também foram movidos por profunda timidez. Porém, observando a
professora e vídeos de contadores de histórias, perceberam que o perfil do contador
deve estar embasado em muito treino, capacidade de comunicação por meio de
gestos, entonação, ritmo, pontuação, pausas, expressões faciais e corporais.
Nota-se, com isso, que atividades orais precisam ser promovidas com mais
frequência oportunizando-os a adquirirem maior fluência em trabalhos dessa
natureza.
No entanto, no trabalho de produção de versões modernas para as fábulas,
percebemos que existiu muita criatividade por parte de alguns alunos. Ao lerem a
proposta inicial para a criação dos textos, houve empenho e disposição para a
produção, que demonstrou um avanço significativo na aquisição de uma escrita mais
padrão, coerente e uniforme.
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As Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa para a Educação Básica
ilustram essa constatação, ressaltando a importância de
aprimorar pelo contato com os textos literários, a capacidade de pensamento crítico e a sensibilidade estética, bem como propiciar pela Literatura a constituição de um espaço dialógico que permita a expansão lúdica da oralidade, da leitura e da escrita (DCE, 2006, p. 21).
Então, partir para produções, baseadas em experiências de leitura com
qualidade, são práticas escolares que demonstram a possibilidade de
enriquecimento e domínio das habilidades básicas da Língua Portuguesa que são
leitura, oralidade e escrita.
6 CONCLUSÃO
Segundo a pesquisa e implementação realizada nesse trabalho, constatou-
se que a contação de histórias tem se mostrado uma agradável forma de promover
a leitura de obras literárias e auxiliar no desenvolvimento cognitivo, social e afetivo
dos alunos de forma instigante e prazerosa. Nossos resultados comprovam isso. Até
mesmo os alunos mais dispersos e avessos à leitura se concentravam para ouvir
histórias e até mesmo contá-las ( ou lê-las), já que o fato de decorar as histórias
para narrá-las não agradou a alguns, que somente contaram-nas com o uso dos
livros. Estes, também perceberam a importância de haver preparo prévio e
conhecimento das técnicas narrativas para melhor envolver o público, ato que
julgaram “muito difícil”.
Ainda, para que a atividade de leitura seja efetivada nas escolas, na sua
forma plena, é preciso contemplar essa atividade nos Planos de Trabalho Docentes
como mais um instrumento de aprendizagem. É preciso também que ela ultrapasse
as paredes da escola tornando os alunos multiplicadores das histórias que
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leem/ouvem, junto às famílias.
No entanto, o ato de ler e de contar histórias nas escolas tem se mostrado
negligente ou pouco praticado e a potencialidade do conto oral é desconhecida. Isso
se deve à constante preocupação dos professores em vencerem o currículo escolar,
cuja tradição privilegia a narrativa escrita, ou ainda pela falta de uma política de
leitura nas escolas. Como sugere Solé (1998, p. 174), “o ensino da leitura deve ser
uma questão de equipe”.
Nessa perspectiva, para suprir as reais necessidades de se formar leitores,
essa causa deveria ser abraçada por todo o corpo docente da escola, que deveria
ter um programa de incentivo à leitura, o qual atingisse a todos, e não ficar restrito
aos professores de línguas, que se sentem cobrados pelo baixo rendimento nas
questões de compreensão e interpretação em geral, porém não obtêm o apoio
necessário para que essa prática se efetive com qualidade.
Alguns fatores são primordiais para que o professor se estabeleça nesse
processo de formação de leitores. Primeiramente, que ele demonstre sua
paixão
pelos livros, relatando suas práticas de leitura ou ainda que ele se interesse por ler
ou narrar histórias com regularidade para seus alunos, a fim de que cada envolvido
nesse ato descubra um mundo em miniatura em cada livro.
Ficou evidenciado nesse estudo, que cabe ao professor ser o “modelo” de
leitor, que deixa transparecer em seus hábitos experiências bem sucedidas com
leitura, de modo a conquistar cada vez mais adeptos a essa causa.
Além disso, comprovou-se que o leitor/ouvinte, que manifesta experiências
de leitura, escreve histórias com mais desenvoltura, caracteriza personagens, faz
uso de narrativas orais com articuladores, marcadores temporais, recursos coesivos,
elementos anafóricos, entre outros.
No entanto, há de salientar-se que o ouvir não substitui a leitura. Esta
adquire nova dimensão quando os leitores são oportunizados a expressar sua
compreensão dos textos, seja de forma oral ou utilizando-se de outras linguagens,
interagindo com o texto, fazendo inferências e interferências nas obras de forma a
posicionarem-se como coautores.
23
Enfim, assim como Sherazade, personagem das Mil e uma noites, que noite
após noite conta uma história ao rei, interrompendo-a habilmente ao clarear o dia e
retomando-a na noite seguinte, também o professor, com o ato de narrar histórias
terá a possibilidade de envolver o aluno numa trama narrativa que o deixará curioso
para continuar a ouvir as narrativas, tal como fazem as novelas televisivas com
seus espectadores.
Essa é uma estratégia que funciona como fomentadora à formação de
alunos leitores e constitui, no contexto social, uma forma de reverter a tendência à
restrição do acesso aos livros como bem cultural que atinge a uma limitada parcela
da população. Promover o contato com a literatura no sentido de produzir alunos
que gostem de ler favorecendo o acesso a culturas diversas através dos livros é
evitar formas de exclusão social e favorecer a inclusão à cultura letrada.
Segundo Abramovich (1997, p.23), “o ouvir histórias pode estimular o
desenhar, o musicar, o sair, o ficar, o pensar, o teatrar, o imaginar, o brincar, o ver o
livro, o escrever, o querer ouvir de novo. Afinal, tudo pode nascer dum texto!” Então,
escutar ou ler histórias, além de ser atividade envolvente e prazerosa, contribui,
ainda, para a formação do indivíduo no que se refere aos aspectos social, cognitivo,
afetivo e cultural. Afinal, o contato com a literatura é a forma mais emocionante de
conhecer o mundo. E é também o ponto-chave para a aquisição da competência
leitora.
7 Referências
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