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A CULTURA CIENTÍFICA E A CULTURA LOCAL NAS AULAS DE CIÊNCIAS: UM
OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.
Siloá Junkes Dala Costa1 Dulce Maria Strieder2
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre as articulações entre a cultura cotidiana e a cultura científica durante as aulas de Ciências, especialmente na Educação de Jovens e Adultos (EJA). A cultura que o aluno da EJA constituiu ao longo de sua vida é, muitas vezes, consideravelmente diferente da cultura científica que a escola procura difundir e é, também, resistente à modificações. Neste sentido, por meio do desenvolvimento de um projeto com um grupo de alunos de EJA durante o ano de 2009, buscou-se compreender limites e possibilidades de, nas aulas de Ciências, o aluno Jovem e Adulto reestruturar e incorporar novos conceitos, aproximando-se mais do conhecimento científico. Em tal projeto, partiu-se da realização de uma entrevista prévia onde os alunos tiveram oportunidade de expressar suas concepções acerca de diferentes temas integrantes do currículo. Com base nos dados desta entrevista, as aulas da disciplina de ciências foram direcionadas com foco na participação ativa dos alunos. Ao final os alunos foram novamente entrevistados para percepção do grau de aproximação da cultura científica. Os resultados indicam que houve avanços na compreensão do conhecimento científico e na ampliação do grau de interesse para compreensão de fenômenos e tecnologias presentes no cotidiano. Por outro lado, os resultados também apontam extrema dificuldade no uso da linguagem verbal, na apresentação de conceitos da ciência. Por fim, é possível destacar que o projeto estimulou avanços e contribuiu para elevar o nível da cultura científica, sem discriminar a cultura local, do grupo de alunos. Palavras – chave: Ensino de Ciências. Educação de Jovens e Adultos. Cultura.
Abstract: The objective of the following article is to present a reflection about the connections between the daily culture and the scientific culture during the Science classes, mainly in the Education of Teenagers and Adults Program (ETA;EJA, in its Portuguese version).The culture that an EJA student has developed during his/her life is, often, considerably different from the scientific culture the school tries to diffuse and it is also resistant to modifications.vbsed on that, it has been tried to, through the development of a project with a group of EJA’s students during 2009, understand the limits and possibilities of, during Science classes, the rebuilding and the learning of new concepts, getting the students even closer to the scientific knowledge. On this project, the start line was a previous interview when the students had the opportunity to express their own conceptions of different themes which are part of the course requirements. Based on the data from that interview, the Science classes were focused on the active participation of the students. In the end of the project, the students went to an interview again in order to calculate how much they came closer to the scientific culture. The results indicates that there has been
1 CEEBJA – Francisco Beltrão; Professora PDE – Área de Ciências; e-mail: ‹ sjdc@seed.pr.gov.br› 2 UNIOESTE – Cascavel; Docente e Pesquisadora do Ensino de Ciências; e-mail: <dmstrieder@unioeste.br>
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improvements in the understanding of the scientific knowledge and in the increasing taking of interest in the comprehension of nowadays day-to-day technologies and phenomena. On the other hand, the results also show an extreme difficulty in using the oral speech and in the presentation of Science’s concepts. To conclude, it is possible to enhance that the project has stimulated improvements and has contributed to raise the amount of scientific culture, without discriminating the student’s local culture. Key words: Science teaching. EJA (ETA – Education of Teenagers and Adults Program – in its English version). Culture. 1. Introdução
A escola é um espaço de construção de saberes e de difusão de
conhecimentos historicamente construídos pela humanidade. Este meio constitui-se
também como de interação cultural, por ter presente pessoas de diferentes culturas
de origem, de diferentes histórias de vida, de diferentes visões de mundo. Ainda que
possa estar inserida em uma comunidade de origem étnica homogênea, a escola
tem presente a multiculturalidade por lidar com a cultura científica, a cultura científica
escolar (diferente da científica, pois passa por interpretações durante o processo de
ensino), e a cultura local das pessoas ou comunidade que a forma. É neste meio
que atua o professor, como mediador na construção de novos saberes que passam
a fazer parte da vida de cada educando.
A Ciência que buscamos ensinar na escola, enquanto produção humana, não
é algo pronto e acabado, é constantemente reconstruída, sofrendo modificações
conforme novas produções vão surgindo. O educando faz parte de um mundo onde
a capacidade de adaptação a essa dinâmica de aprender e reaprender é essencial,
portanto, é importante que nas aulas lhe sejam proporcionados momentos para a
constituição de tal capacidade, onde ele possa, por exemplo, experimentar, elaborar
e testar hipóteses, e ao mesmo tempo, um ambiente que possibilite a reflexão e
discussão sobre suas hipóteses e o direcionamento para que realize suas próprias
conclusões (orientadas e direcionadas pelo professor). As aulas, na disciplina de
Ciências, têm potencial para atuar nestes dois caminhos a saber: o de trabalhar com
uma visão de Ciência em constante modificação e da ação pessoal.
O ensino de Ciências na Educação de Jovens e Adultos (EJA) possui uma
característica bastante particular que é a presença mais intensa dos conceitos da
cultura cotidiana dos alunos, intensamente cristalizados, sobre os mais variados
fenômenos e artefatos estudados na disciplina de Ciências. Assim, durante as aulas
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de Ciências de EJA, ocorre o constante confronto, muitas vezes não explícito, entre
a cultura científica e a cultura cotidiana, caracterizada pelos saberes construídos no
meio social e familiar e transmitidos/reelaborados de geração a geração.
Neste sentido, para que se possam alcançar resultados satisfatórios nos
processos de ensino e aprendizagem com os alunos Jovens e Adultos na disciplina
de Ciências, se faz necessário a constante investigação dos saberes prévios dos
alunos e do seu grau de discordância com o saber científico, bem como de
diferentes atividades geradoras de aprendizagem.
No presente artigo pretende-se apresentar os resultados de um projeto
desenvolvido junto a um grupo de alunos de EJA, durante a disciplina de Ciências,
onde o foco central foi a explicitação dos conhecimentos da cultura cotidiana dos
alunos, o direcionamento das atividades de aula de forma a considerar tais
conhecimentos e a atuação por sobre estes, para a ampliação da cultura científica.
2. Cultura Cotidiana e Cultura Científica no Ensino de Ciências: um olhar sobre
a Educação de Jovens e Adultos
O cotidiano vivido pelas pessoas está intensamente associado com as
características e os fenômenos da natureza à sua volta. A observação diária de
elementos da natureza é uma ação até mesmo inconsciente, por exemplo, a
temperatura alta ou baixa auxilia na definição da vestimenta de um determinado dia,
a possibilidade de chuva auxilia na definição do meio de transporte a ser utilizado,
do replanejamento dos horários em função de um trânsito mais lento, das ações do
agricultor relativas ao solo e as plantações, das ações da dona de casa relativas a
limpeza da casa e das roupas, etc.
O estudo dos fenômenos naturais integra o currículo da educação básica
desde a educação infantil até o ensino médio em diferentes níveis de
aprofundamento. Em sua grande maioria, os fenômenos são estudados pela
disciplina de ciências naturais, como Ciências, Física e Biologia onde o papel central
é a formação em conceitos científicos para facilitar a compreensão do cotidiano e
ações nele. Neste sentido, autores como Bizzo (2007) defendem que a Ciência
ensinada não deve ser abordada como um mero conteúdo:
A Ciência é muito mais uma postura, uma forma de planejar e coordenar pensamento e ação diante do desconhecido. O ensino de
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Ciências deve proporcionar a todos os estudantes a oportunidade de desenvolver capacidades que neles despertem a inquietação diante do desconhecido, buscando explicações lógicas e razoáveis, amparadas em elementos tangíveis. Assim, os estudantes poderão desenvolver posturas críticas, realizar julgamentos e tomar decisões fundadas em critérios tanto quanto possível objetivos, defensáveis, baseados em conhecimentos compartilhados por uma comunidade escolarizada definida de forma ampla. Portanto, os conteúdos selecionados pela escola têm grande importância e devem ser ressignificados e percebidos em seu contexto educacional especifico (BIZZO, 2007, p. 14).
Assim a reflexão constante por sobre a ação docente é de fundamental
importância, na medida em que os desafios principais não estão no conteúdo pura e
simplesmente, mas nas formas de ação desenvolvidas em sala de aula buscando
sua aprendizagem. Os professores necessitam assim estar preparados para a
escolha de situações a serem analisadas, o planejamento cuidadoso das atividades
e as reações dos alunos frente ao desenvolvimento dos temas.
Ainda que grande parte dos temas tratados nas disciplinas de Ciências sejam
intensamente presentes no cotidiano da população, como artefatos tecnológicos ou
os fenômenos naturais, os alunos têm demonstrado dificuldades na aprendizagem
do conhecimento científico relativo a estes artefatos e fenômenos. Neste sentido,
alguns autores têm indicado a influência dos saberes construídos no cotidiano pelas
pessoas sobre a aprendizagem nos conteúdos científicos. Por exemplo, Capecchi
(2004) descreve as dificuldades de aprendizagem dos alunos nas aulas de Ciências
de forma relacionada com o grau de discordância entre os saberes oriundos da
cultura do cotidiano e os saberes científicos. O autor Bizzo relata:
Muitas perguntas antigas começam agora a ser enunciadas de maneira que possamos procurar respostas. Perguntas do tipo “Por que a criança não aprende ciências?” passaram muito tempo esperando por respostas de diferentes profissionais até que se permitissem reformulá-las, transformando-as em outras do tipo: “Quais são as explicações das crianças para a existência do dia e da noite?”, ou então: “Como as crianças explicam a reprodução de animais e de plantas?”. Passamos a entender que as crianças têm idéias lógicas e coerentes, e que elas podem modificar essas idéias contando com contribuições da cultura acumulada pela humanidade, construindo modelos válidos no contexto científico da atualidade (BIZZO, 2007, p. 15).
Os saberes que denominamos como saberes cotidianos são aqueles com
origem na cultura cotidiana ou cultura local dos sujeitos e envolvem tanto os saberes
populares quanto os de senso comum. Os saberes populares, compreendidos como
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“(...) os saberes associados às práticas cotidianas das classes destituídas de capital
e econômico, enquanto o senso comum abrange saberes que se difundem por todo
tecido social” (LOPES apud CHASSOT, 2001, p. 206) podem estar presentes em
alunos de qualquer nível e modalidade de ensino, especialmente a educação de
Jovens e Adultos onde se encontram cristalizados.
Para mais ampla compreensão desta temática é necessário inicialmente
entender quem é o aluno Jovem e Adulto e algumas características relevantes da
ação docente direcionada para este público.
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação de Jovens e Adultos,
no Estado do Paraná, o aluno da EJA é caracterizado como educando – trabalhador
que não obteve acesso ou continuidade da escolarização na referida idade própria.
A convivência com o aluno Jovem e Adulto no interior da escola, pode
oportunizar o compartilhamento de relatos de sua trajetória de vida geralmente de
muitas dificuldades, da necessidade do trabalho em horário integral para sua
subsistência e/ou da família e demais fatores que o afastaram da escola formal por
determinado período. Não raro ouvem-se situações de mulheres que não tiveram
acesso à escola em idade própria, por sofrerem influência da tradição patriarcal, que
dificultou ou mesmo impediu seu acesso às práticas educativas formais.
O aluno Jovem e Adulto traz uma grande bagagem de conhecimentos
empíricos dos mais diversos fenômenos abordados na disciplina, como exemplo,
temos diferentes compreensões e explicações dadas para os fenômenos da
natureza. A vida em família onde informações passam de geração a geração em
conjunto com a interação na comunidade onde o individuo está inserido, suas
crenças e costumes locais, formam a base para a compreensão do mundo, em que
a cultura é transmitida e reconstruída no dia a dia, mesclando o que já existe com o
que de novo vai sendo produzido.
No interior da escola, o saber sistematizado articula-se com a cultura
cotidiana em um complexo processo, entrando em jogo a necessidade de
reestruturação de concepções e opiniões formuladas nas suas relações familiares e
sociais que atuaram como transmissores e formadores.
De acordo com as diretrizes estaduais de EJA:
O educando da EJA torna-se sujeito na construção do conhecimento mediante a compreensão dos processos de trabalho, de criação, de produção e de cultura. Os jovens e adultos passam a se reconhecer
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como sujeitos do processo, confirmando saberes adquiridos para além da educação escolar, na própria vida, numa consistente comprovação de que esta modalidade de ensino é uma forma de construir e se apropriar de conhecimentos para o mundo do trabalho e para o exercício da cidadania, ressignificando as experiências sócio–culturais trazidas pelos educandos. (DCEs de Jovens e Adultos do Estado do Paraná, 2005, p.30).
A escolarização de Jovens e Adultos tem papel de grande importância na
socialização dos sujeitos, juntando-lhes elementos e valores que leva os alunos a se
firmarem na sociedade, descobrindo sua identidade na comunidade e no trabalho.
O tempo que este educando permanecerá no processo educativo da EJA terá valor próprio e significativo e, portanto, a escola deve superar o ensino de caráter enciclopédico, centrado mais na quantidade de informações do que na relação quantitativa com o conhecimento. Quanto aos conteúdos específicos de cada disciplina, deverão estar articulados à realidade, considerando sua dimensão sócio-histórica, articulada ao mundo do trabalho, à ciência, às novas tecnologias, dentre outros. (DCEs de Jovens e Adultos do Estado do Paraná, 2005, p.31).
Para Capecchi (2004) a adoção de uma perspectiva sociocultural tem
implicações importantes para o ensino formal, pois nessa abordagem a
aprendizagem pode ser entendida como um processo de enculturação onde o
individuo entra em contato com os elementos que pertencem a determinada cultura.
A enculturação coloca em foco o papel do professor e traz um olhar especial aos
conteúdos e atividades trabalhadas no ensino de Ciências.
(...) os estudantes precisam ter oportunidades de expor suas idéias em sala de aula, num ambiente encorajador, adquirindo segurança e envolvimento com as práticas científicas. É fundamental a criação de espaços para a fala dos alunos. Através da fala, além de tomar consciência de suas próprias idéias, estes também têm a oportunidade de ensaiar o uso de uma linguagem adequada ao tratamento científico da natureza. (CAPECCHI, 2004, p. 26).
Os saberes científicos são indispensáveis para se entender à vida cotidiana, e
nela atuar, conhecimentos estes que auxiliam na tomada de decisões no dia-dia de
cada um, desde como se alimentar, saber manipular formas de energia em suas
casas saber economizar essas formas de energia, como utilizar o recurso água e
outros. (MACEDO e KATZKOWICZ, 2003).
A atuação docente na disciplina de Ciências na modalidade da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) tem inúmeras especificidades, dentre elas está a
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compreensão do grau de resistência dos alunos na modificação de saberes do
cotidiano destoantes do conhecimento científico. Estes alunos trazem uma gama de
conhecimentos diversificada, como descrito anteriormente, que, se levada em
consideração durante as ações de ensino, pode enriquecer enormemente as aulas
permitindo o confronto de fatos científicos e crendices, estudo e descobertas,
experiências e saberes, que serão organizados ou reestruturados.
Um dos grandes desafios para a atuação na disciplina de Ciências de EJA é,
na pequena carga horária disponível, a proposição de atividades estimulantes para o
aprendizado do conhecimento científico. Há que se considerar que estes alunos
“têm fácil acesso àquilo que denominamos “conhecimento cotidiano” e não deixarão
de tê-lo ao ingressarem na escola” (BIZZO, 2007, p. 21-22). Como “O conhecimento
cotidiano é socializado precocemente na vida de todas as pessoas, enquanto o
conhecimento científico é socializado tardiamente” (BIZZO, 2007, p. 27), estes
alunos já formaram uma visão estruturada de mundo que, ainda que de forma
inconsciente, está subjacente a suas ações e explicações. Neste sentido, as
atividades na disciplina de Ciências necessitam contemplar a conscientização das
concepções próprias oriunda da cultura cotidiana, a percepção das diferenças entre
estas concepções e os conhecimentos da cultura científica, além de mostrar que
este “(...) conhecimento científico tem especificidades que o transformam em
ferramenta poderosa no mundo moderno.” (BIZZO, 2007, p. 22).
Nas atividades de sala de aula torna-se importante uma preparação e uma
mobilização do aluno para a construção do conhecimento científico bem como uma
leitura da realidade, realizando um contato inicial com o tema a ser desenvolvido,
como nos diz Gasparin:
O interesse do professor por aquilo que os alunos já conhecem é uma ocupação prévia sobre o tema que será desenvolvido. E um cuidado preliminar que visa saber quais as “pré-ocupações” que estão nas mentes e nos sentimentos dos escolares. Isso possibilita ao professor desenvolver um trabalho pedagógico mais adequado, a fim de que os educandos, nas fases posteriores do processo, apropriem-se de um conhecimento significativo para suas vidas. (GASPARIN, 2007, p.16)
A explicitação dos conhecimentos do cotidiano dos alunos sobre determinado
tema oferece uma importante oportunidade para a contextualização do tema em
estudo, incentivando e motivando para seu estudo. Segundo Gasparin,
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Os conteúdos não interessam a priore e automaticamente, aos aprendentes. É necessário relacioná-los aos conceitos empíricos trazidos por eles. Desta forma, o professor contextualizará, dentro da disciplina, o conhecimento dos educandos. Situará, outrossim, a disciplina em relação à área de conhecimento científico mais ampla à qual pertence. E esta em relação à totalidade social. (GASPARIN, 2007, p.17)
Ao considerar os diferentes conhecimentos, oriundos de diferentes culturas,
presentes durante o processo de ensino e aprendizagem, o próprio professor se
conscientiza da complexidade do processo de ensinar Ciências. Neste sentido,
superar algumas formas tradicionais de pensar o ensino é relevante, como exemplo,
de que a tarefa de ensinar é fácil para os professores.
Os instrumentos metodológicos utilizados pelo professor no ensino de
Ciências são de vital importância. Dentre as formas de ação para facilitar a
aprendizagem dos conceitos científicos em sala de aula está a experimentação,
entretanto, conforme Delizoicov e Angoti (1992) deve-se ter o cuidado de evitar
sempre que a teoria e a prática sejam apresentadas de forma dissociadas. As
experimentações atraem o interesse dos alunos e propiciam uma situação de
investigação. Quando o professor traça uma meta clara de seus objetivos elas
tornam-se momentos ricos no processo de ensino-aprendizagem.
No entanto, não é suficiente “usar o laboratório” ou “ fazer experiência”, podendo mesmo essa prática vir a reforçar o caráter autoritário e dogmático do ensino de ciências e, também, descaracterizar o empreendimento da ciência. Atividades experimentais planejadas e efetivadas somente para “provar” aos alunos leis e teorias são pobres relativamente aos objetivos de formação e apreensão de conhecimentos básicos em ciências. (DELIZOICOV e ANGOTTI 1992 p.22).
Para estes autores é mais conveniente trabalhar a experimentação dando
margem à discussão e interpretação dos resultados obtidos, nesse processo o
professor atua no sentido de apresentar e desenvolver conceitos, leis e teorias
referentes a experimentação, sendo assim um orientador crítico da aprendizagem,
distanciando-se de uma postura autoritária e dogmática possibilitando ao aluno uma
visão mais adequada dos conteúdos da Ciência e sobre a sua produção.
De acordo com Lima
(...) o objeto do conhecimento, seja ele teórico ou prático, é um objeto da cultura. Há sempre uma tensão entre aquilo que
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vivenciamos numa atividade prática e os modelos teóricos que construímos ou inventamos para decodificar os dados empíricos. A ciência é uma construção dialética onde teoria e prática são interdependentes. É próprio da ciência tratar os fenômenos segundo estas duas dimensões. (LIMA, 1999, p. 21-22).
Ao assumir que as aulas se ciências podem contribuir sensivelmente na
formação da cultura científica, levando os alunos, entre outras coisas, a
compreender o seu cotidiano impregnado pela ciência e tecnologia e tomar decisões
conscientes sobre ele, formar-se melhor para o mercado de trabalho e ainda
compreender melhor a sua cultura e, por conseqüência, ter potencial de buscar a
cidadania, assume-se também que há um longo caminho a ser trilhado.
3. Ações de Contribuição para a Formação da Cultura Científica
A tarefa de conduzir o aluno da EJA a reelaborar conceitos de origem no
cotidiano não é nada trivial e merece uma reflexão aprofundada. Neste sentido,
buscamos compreender os limites e as possibilidades de, nas aulas de ciências, o
aluno Jovem e Adulto reestruturar e incorporar novos conceitos, aproximando-se
mais do conhecimento científico.
Ao ter como objetivo observar e aprofundar conhecimentos sobre as
especificidades da EJA e sobre os saberes do cotidiano e sua relação com a
construção do saberes da cultura científica, planejou-se uma investigação, de base
qualitativa, e uma intervenção junto aos alunos, tentando em última instância,
contribuir para elevar o nível da cultura científica da população.
Neste sentido, um projeto de investigação e ação foi planejado e
desenvolvido, junto a um grupo de cinco (05) alunos de EJA na disciplina de
Ciências, onde o foco central foi a abordagem diferenciada de fenômenos naturais e
artefatos presentes no cotidiano. O instrumento metodológico principal de ação
adotado foi a experimentação, levando o aluno a explicitar os conhecimentos
oriundos da cultura cotidiana, formular e testar hipóteses e construir suas
conclusões. O uso da linguagem científica oral e escrita também foi estimulada
durante a intervenção, buscando levar o aluno a comunicar-se com o outro e
tornando a aprendizagem significativa e contextualizada no seu cotidiano.
Nas ações de ensino, os principais fenômenos naturais trabalhados foram o
arco-íris, o raio, o relâmpago e o trovão. A visão foi um tema bastante enfatizado,
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principalmente no que se refere a percepção da luz e das cores, problemas de visão
e artefatos tecnológicos que permitem a correção de tais problemas. Artefatos
tecnológicos como o microondas, entre outros, também foram abordados.
O instrumento adotado para coleta de dados de pesquisa foi a realização de
entrevista prévia e entrevista pós estudo na disciplina com cada um dos alunos
voluntários do projeto, onde estes falaram sobre o que já conheciam acerca dos
temas em questão e também o que aprenderam. Tais entrevistas foram gravadas
em vídeo e áudio, com o consentimento dos entrevistados. Os dados da entrevista
prévia direcionaram as ações desenvolvidas posteriormente durante as aulas na
disciplina de Ciências freqüentada pelo grupo de participantes.
Dentre as atividades de intervenção junto ao grupo de alunos durante as 32
horas aula (oito encontros com quatro horas aula cada) direcionadas para o
desenvolvimento das atividades relacionadas a aplicação da unidade didática estão:
uma palestra com médica oftalmologista; oito atividades de experimentação
relacionadas aos temas propostos; cinco pequenas atividades de pesquisa e
reflexões realizadas em sala de aula. Como passo final de implementação do projeto
ocorreu uma mesa redonda, onde os envolvidos, alunos e professor, discutiram e
avaliaram os momentos vivenciados e os limites e possibilidades de continuidade
das atividades.
A implementação do projeto de investigação e ação aconteceu no 1º semestre
letivo de 2009, na escola CEEBJA (Centro Estadual de Educação Básica para
Jovens e Adultos) localizada no município de Francisco Beltrão, PR, com alunos na
disciplina de Ciências do ensino fundamental, período noturno.
3.1 A implementação do projeto em sala de aula – relato de experiência
No inicio do período letivo de 2009 foram estabelecidos os primeiros contatos
com os alunos, onde a intenção de desenvolvimento do projeto foi discutida. Após a
concordância de todos os alunos em integrar o projeto, foram descritas as etapas da
implementação de acordo com o cronograma previamente estabelecido.
A implementação do projeto iniciou em meados do mês de março. A primeira
atividade realizada foi a entrevista prévia com os alunos onde a abordagem foi
realizada de forma individual buscando a fala livre sem a interferência de opiniões ou
posturas entre os colegas. A entrevista estava embasada em um roteiro semi-
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estruturado previamente elaborado, sendo os questionamentos sobre: 1ª parte - um
breve histórico de vida; a relação da escola com seu cotidiano; a visão em relação à
disciplina de Ciências; 2ª parte - que explicação ele daria a um filho ou a um familiar
que lhe perguntasse sobre o arco-íris, o raio, o trovão, a visão humana, os
problemas de visão, os óculos, ondas eletromagnéticas, forno de microondas.
A realização de tais entrevistas pode ser descrita como intensamente
interessante na medida em que permitiu uma visão ampla sobre o cotidiano dos
alunos especialmente por meio de seus depoimentos acerca dos motivos pelo quais
abandonaram a escola e os motivos do retorno aos bancos escolares. Quanto às
explicações sobre fenômenos, a visão humana e artefatos tecnológicos, foi possível
observar a necessidade urgente do incentivo para a formação da cultura científica na
medida em que os entrevistados demonstraram pouco ou nenhum conhecimento
científico dos temas abordados. Os dados oriundos destas entrevistas serão
apresentados e analisados no próximo item do presente texto.
No primeiro dia de implementação do projeto em atividades de sala de aula,
procurou-se motivar bastante os alunos, falando da importância do estudo e do
conhecimento da Ciência, considerando as dificuldades de sua compreensão. Cabe
ressaltar que, dentre os alunos envolvidos no projeto de implementação, a maioria
estava retornando naquele momento (1ª disciplina) depois de um grande período
longe da educação formal escolar. Aponta-se também como dado relevante que no
CEEBJA o estudo é realizado por disciplina, e que a totalidade dos alunos
envolvidos vem para a sala de aula após oito ou mais horas de trabalho.
A discussão inicial dos conteúdos foi a partir do histórico da luz sobre o qual
os alunos demonstraram grande interesse. O tema seguinte foi o estudo das ondas
eletromagnéticas, onde os alunos ressaltaram sua dificuldade de compreensão.
Como forma de contribuir na aprendizagem, eles foram levados ao laboratório de
informática para pesquisar sobre as diversas ondas eletromagnéticas e suas
aplicações.
O conteúdo seguinte foi a interação luz-matéria, com destaque para a
formação das cores, onde os alunos demonstraram simpatia pelo tema buscando
relações com fatos do dia-a-dia. Nesse tema o estudo da adição e subtração de
cores foi realizado por meio da experimentação com a “caixa de luz” verificando
como as cores primárias de luz agem na formação das cores secundárias. Uma
complementação para o estudo foi realizada por meio de dois vídeos: um sobre a
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produção da luz e outro denominado “mago da física” que retrata um experimento
sobre a formação de cores secundárias a partir das primárias.
A realização de atividades experimentais, bastante incomum na EJA, levou os
alunos a uma mudança de postura, demonstrando-se bastante participativos e
capazes de chegar às conclusões necessárias ao entendimento.
O estudo do tema luz e diversos meios de interação foi de resultado
intensamente positivo. Na realização dos experimentos propostos, os alunos
conversaram bastante entre eles para tentar explicar o porquê dos resultados
obtidos e foram capazes de explicar com coerência o fenômeno.
Outro tema trabalhado foi a “visão humana”. O desenvolvimento de tal
assunto, assim como os demais, teve o suporte para a apresentação dos conteúdos
na forma de slides (para data show ou TV pendrive). Essa parte do conteúdo
também atraiu a atenção dos alunos que trouxeram para a sala de aula óculos de
grau de familiares para a realização das atividades e demonstraram intenso
interesse pelo tema.
Durante o desenvolvimento das atividades de intervenção, foi feito um convite
a uma médica oftalmologista da cidade que prontamente nos atendeu para fazer sua
participação em nosso projeto. Em tal palestra foi abordada a visão humana e suas
particularidades, os principais problemas de visão e os recursos possíveis para
auxiliar na correção dos referidos problemas.
A realização de nova entrevista com os alunos foi o passo seguinte nas
atividades do projeto. Nesta entrevista as questões relativas aos fenômenos naturais
e artefatos tecnológicos da entrevista prévia foram relembradas e foi questionado a
cada aluno se gostariam de acrescentar ou mudar algo na fala que fizeram naquele
momento. Os alunos não haviam sido informados previamente do detalhamento
desta entrevista ou de sua relação com a entrevista anterior para evitar que suas
respostas não fossem espontâneas. Os resultados destas entrevistas serão
apresentados na seqüência em conjunto com as falas da entrevista inicial.
A fase final da intervenção foi a da mesa redonda com a finalidade de
avaliação das atividades, a qual ocorreu em meados do mês de maio. Neste
momento os alunos demonstraram-se bastante satisfeitos com os momentos
vivenciados na disciplina e com o perfil de trabalho desenvolvido, mencionando que
as atividades estimularam seu interesse na medida em que eram chamados a
participar ativamente. Indicaram ainda a importância da valorização de seus
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conhecimentos prévios, que até então consideravam sem valor e inferiores perante
os conhecimentos comumente abordados no interior da escola.
Cabe ressaltar que durante todas as atividades desenvolvidas com os alunos,
seja de experimentação, pesquisa, leitura, discussão e reflexão, os alunos foram
constantemente estimulados a explicitar suas formas de interpretação oriundas da
cultura cotidiana, e tais interpretações eram utilizadas como pano de fundo para
abordar o conhecimento científico. Quando estes dois conhecimentos mostravam-se
semelhantes, então tal semelhança era abordada e reforçada, quando estes
conhecimentos se mostravam discordantes, os pontos centrais de discordância eram
trabalhados. Tal forma de atuação mostrou-se bastante profícua na medida em que
chamava os alunos para a interação entre eles e com o professor, estimulava ao uso
da linguagem oral tornando conscientes as formas de visão e seu grau de
semelhança ou discordância da cultura científica.
4. A cultura cotidiana e a cultura científica: um olhar sobre a fala dos alunos da
EJA
No presente item deste texto serão apresentados os dados oriundos das
entrevistas com os alunos envolvidos no projeto. Para fins de apresentação e
análise identificaremos os cinco (05) alunos entrevistados com a letra A (aluno
entrevistado) e um sub-índice numérico indicando a seqüência de entrevistas
realizadas (A1= primeiro entrevistado, A2= segundo entrevistado...). A entrevistadora
é identificada por E (entrevistadora). Em uma mesma entrevista a sequência de falas
é denominada de turno e numerada, assim, por exemplo, o “turno 38” representa a
trigésima oitava fala na referida entrevista.
Como passo inicial da apresentação dos dados faremos um resumo do
cotidiano vivido por cada entrevistado, na seqüência serão apresentadas as falas
relativas aos fenômenos naturais e artefatos tanto da entrevista prévia quanto
daquela pós estudo na disciplina.
A entrevistada A1 tem 18 anos e nasceu em um município pequeno do interior
do Paraná; atualmente trabalha como doméstica em casa de família, com a qual
mora para poder estudar; ela tem o sonho de mudar de profissão, que ser
veterinária, pois gosta muito de cuidar de animais; é filha de pais agricultores que
estudaram até a 4ª série do ensino fundamental; enquanto morava no interior ficou
14
cinco anos sem poder estudar por falta de transporte; veio morar na cidade para
trabalhar e ao ter dificuldade em conseguir emprego sentiu a necessidade de voltar
a estudar.
O entrevistado A2 tem 36 anos e nasceu no interior da cidade onde estuda; é
filho de pais agricultores que migraram do Rio Grande do sul na década de 60; viveu
no interior até os 16 anos onde estudou até a 4ª série do ensino fundamental e
depois veio para a cidade; começou a trabalhar em empresas, tornou-se
caminhoneiro e exerceu essa profissão durante 15 anos; agora está liberado pela
empresa em que trabalhava para funções junto ao sindicato do transporte; ele diz
que o motivo que o levou a retornar aos bancos escolares depois de 22 anos de
afastamento foi que no exercício desta função sindical necessita negociar com
empresários em muitas ocasiões, o que o fez sentir falta do aprendizado que o
ensino formal proporciona como ler, escrever e comunicar-se verbalmente com as
pessoas de forma correta.
A entrevistada A3 tem 18 anos; nasceu no vizinho país Paraguai onde morou
até os 11 anos e ainda está tentando fazer a nacionalidade brasileira; filha de pais
brasileiros, agricultores que nasceram no Brasil e depois foram para o Paraguai e
retornaram por motivos de trabalho; diz ela que lá estava mais difícil do que aqui; no
país de origem ela estudou até a 5ª série do ensino fundamental e diz ter aprendido
pouco; já no Brasil, por morar no interior ficou sem estudar por alguns anos e ao
retornar para a escola sentiu muita dificuldade em entender a Língua Portuguesa
dificuldade que diz ter até hoje, principalmente para escrever; ela atua atualmente
como costureira e o motivo que a levou novamente para a escola foi a dificuldade
encontrada para conseguir trabalho; ela pensa em cursar o ensino superior.
A entrevistada A4 tem 35 anos e nasceu no interior de um pequeno município
da divisa entre os estados do Paraná e Santa Catarina; seus pais tiveram pouco
estudo, sua mãe foi professora leiga em uma escola do interior depois por não ter
estudado teve que abandonar a função; nessa mesma escola de atuação da mãe a
entrevistada cursou até a 4ª série do ensino fundamental e depois parou por falta de
transporte; somente agora está retornando para a escola e está cursando a primeira
disciplina que é Ciências; há cinco anos está trabalhando em uma empresa de
avicultura onde é encarregada de um núcleo de aviários; ela retornou para a escola
porque os estudos estão lhe fazendo falta em suas atividades diárias.
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O entrevistado A5 tem 23 anos e nasceu em uma comunidade do interior de
um município vizinho de onde estuda e mora atualmente; mudou-se para o interior
do presente município quando ele estava com 08 anos de idade; seus pais são
agricultores e não tiveram oportunidade de estudar; ele estudou até a 4ª série do
ensino fundamental e quando passou para a 5ª série parou por falta de transporte;
mais tarde retornou, estudou até a 7ª série e novamente parou quando estava
cursando a 8ª série; no ano de 2007 retornou para completar seus estudos no
CEEBJA e como motivo da volta aos estudos indica a dificuldade em encontrar
emprego; no momento ele está afastado de suas funções por ter sofrido um acidente
de trabalho na empresa de avicultura onde está empregado.
A seguir passamos a apresentar e a analisar comparativamente os dados
obtidos durante as entrevistas prévias e pós desenvolvimento do projeto de
intervenção na disciplina de Ciências, especialmente no que se refere aos
fenômenos naturais.
Referindo-se ao fenômeno natural arco-íris o aluno A2 fez o seguinte
comentário na entrevista prévia:
Eu não tenho muita idéia, assim, eu imagino que seja um/ por que só acontece quando chove e dá Sol né, Sol com chuva junto, né, imagino que seja um encontro deles aí que deva originar essas coisas. (A2, entrevista prévia – turno 28)
Na entrevista pós desenvolvimento do projeto o aluno A2 deu uma resposta mais
detalhada, mencionando termos associados ao conhecimento científico, ainda que
sua resposta não tenha sido cientificamente correta em sua totalidade:
Eu daria que a chuva a luz né, a luz bate nos pingos de água quando tem Sol e chuva, a gente estando de costa pro Sol e de frente pra chuva, através dos reflexos da luz né, que vai dá nas gotas de chuva e vai aparecer as cores. (A2, entrevista pós - turno 02)
Em sua grande maioria, as respostas dadas para este fenômeno indicam, de
forma similar ao transcrito anteriormente, alguma aproximação ao conhecimento
científico. Fica evidente nas falas dos educandos que apesar de eles dizerem que
entenderam mais ou menos como ocorre a formação desse e de outros fenômenos
estudados, os mesmos possuem muitas dificuldades na construção de conceitos e
denominações próprias e necessárias para uma explicação clara e objetiva.
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As crendices populares relativas a fenômenos naturais mostraram-se
bastante presentes, pois entre cinco entrevistados, quatro descreveram conhecer
estórias, relatadas pelos seus pais ou demais familiares, referentes ao tema, ainda
que todos tenham ressaltado não acreditar efetivamente na crendice. Em uma das
falas o entrevistado diz:
Eles sempre falam né, tem as que dizem que, quando ta o arco-íris, se passar por baixo, se é piá vira menina, se é menina vira piá (...) ( A5, entrevista prévia – turno 58)
Em relação aos fenômenos relâmpago e trovão, na entrevista prévia os
alunos não conseguiram explicitar suas opiniões, dizendo desconhecer sua origem.
Na entrevista posterior ao desenvolvimento do projeto, houve uma tentativa de
resposta por todos, ainda que mesclando conhecimentos do cotidiano e científicos.
Por exemplo, o aluno A5 descreveu:
(...) se chocam as duas, tá muito desequilibrado da aquela descarga né, pra equilibrar de novo. (A5, entrevista pós - turno 08)
Na entrevista prévia, nenhum dos entrevistados elaborou uma explicação
sobre o porquê de primeiro vermos o relâmpago e depois ouvirmos o trovão. Na
entrevista após o estudo do fenômeno os alunos responderam a questão com
relativa precisão.
Nós primeiro vemos a luz porque a velocidade da luz é bem maior do que o/a velocidade do som, né. (A2, entrevista pós – turno 22) Olha eu aprendi que o relâmpago é a luz né, ele é mais, muito mais veloz do que o som né, ele vem primeiro o relâmpago, depois vem o trovão né. (A4, entrevista pós – turno 12)
Ainda referente ao conteúdo associado às ondas eletromagnéticas, A2 se
entusiasmou em relatar um fato vivenciado onde as atividades do projeto
contribuíram para ele entender e agir adequadamente:
Bom, esse eu não tinha nenhum conhecimento, depois de nossas experiências que fizemos, adquiri umas e dentre isso também me aconteceu um fato/ assim um fato verídico, foi em Curitiba que eu tava num curso, lá a gente, no almoço tinha sobrado lá e a gente foi jantar no lugar que a gente tava no instituto, lá e fomos esquentar a
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comida no microondas, né e na carne tava enrolado um papel alumínio né, e foi onde o rapaz que colocou no microondas deixou aquele papel enrolado na carne e começou a dar estouro, assim, estalos né até o pessoal acharam que ia explodir o microondas e tal, mas daí como eu já sabia que não podia, que não ia deixar as ondas passar né, eu fui e desliguei e ficou contornado. (A2, entrevista pós – turno 24)
Na fala deste aluno ficou perceptível seu entusiasmo frente ao fato de,
diferentemente dos outros integrantes da situação relatada, compreender os motivos
que geraram o mau funcionamento do forno e de conseguir, por conseqüência,
solucionar a situação.
Outra questão abordada durante as entrevistas foi sobre como nós vemos os
objetos. Vejamos a resposta de uma aluna na entrevista prévia:
Olha, é uma coisa complicada por que é uma coisa tão/ você vê e ta na frente e você não entende muito. (A3, entrevista prévia – turno 74)
Após o estudo desse assunto a colocação da aluna foi a seguinte:
É que, o que eu entendi é que a luz bate até o objeto e o objeto reflete até nossos olhos, e isso daí formando o objeto (...) (A3, entrevista pós – turno 28) (...) bem, ele forma na retina e que manda pro cérebro, invertido e o cérebro desvira e manda de/certo daí a gente vê. (A3, entrevista pós - turno 30)
Vejamos também as colocações de outro aluno na entrevista prévia e na entrevista
posterior:
Sei lá né, pelas cor, sei lá né tipo. (A5, entrevista prévia – turno 78)
Tipo, que dizer nós olhamos uma coisa assim, eu leio uma coisa e ela/ uma imagem ela passa por todas as partes transparente do olho. (A5, entrevista pós – turno 26) É a retina, a retina que manda pro cérebro (...) (A5, entrevista pós – turno 32) (...) Invertida, vai pro cérebro (...) (A5, entrevista pós – turno 34) (...) o cérebro que daí capta aquela imagem, daí endireita, fica certo de novo. (A5, entrevista pós – turno 36)
Durante a entrevista prévia os alunos demonstraram uma grande dificuldade
de elaborar uma explicação para o sentido da visão. Nas respostas dadas na
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entrevista final é possível observar que tal dificuldade foi superada com as ações do
projeto e elementos do conhecimento científico passaram a integrar as falas dos
alunos.
Outra questão abordada nas entrevistas, ainda relacionada a visão, foi
relativa aos problemas de visão e como corrigir ou auxiliar para que possamos
enxergar melhor. Sobre os problemas de visão um aluno comenta na entrevista
prévia:
Ah! Eu imagino que seja uma coisa que vai perdendo a força, digamos né, eu imagino que seja isso, tipo uma veinha, um nervo do olho, ou seja, lá o que que vai ficando fraca e daí em conseqüência disso vem o óculos para reforçar. (A2, entrevista prévia - turno 44)
Neste tema as respostas posteriores não foram tão precisas cientificamente,
entretanto, alguns termos da Ciência estavam presentes nas falas.
Bem eu lembro de alguns problemas, por exemplo a miopia né, que é de, nos temos aquela dificuldade de enxergar longe né, na verdade, na palestra que tivemos né, e na aprendizagem do colégio com a professora, depois dos quarenta/quarenta e poucos anos começa a aparecer os problema né, que seria essa miopia dificuldade pra enxergar longe e daí tem a hiper/hipermetropia né professora? Que é (...) aquela que dificulta pra enxergar perto, depois tem outros problemas lá também, que eu não lembro. (A2, entrevista pós – turnos 66-68) Olha eu entendi um pouco, um pouco né prof., mas o que eu entendi foi assim a miopia que é dificuldade pra enxergar longe né e tem outros que eu entendi e não consigo falar agora né, que é sobre enxergar longe e perto né, que as dificuldades que a pessoa tem né.( A4, entrevista pós – turno 52) Miopia, dificuldade pra longe. (A1, entrevista pós – turno 75)
E sobre lentes e óculos uma entrevistada relata na entrevista prévia:
Ele pode, assim, aumentar as palavras, ficar mais para descanso da vista, essas coisas. (A1, entrevista prévia – turno 66)
Na entrevista posterior os alunos respondem:
Ah! lente eu entendi que, depende da quantidade de graus né. (A1, entrevista pós – turno 79) Bom, as lentes né, vai consultar um médico e pra cada problema né, vai ter um tipo de lente que o médico vai determinar lá o grau e tudo lá, pra corrigir as falhas. (A2, entrevista pós – turno 72)
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(...) tem pessoas que tem problemas de enxergar perto vai ser um tipo de lente que nós fizemos teste aqui, pessoas pra enxergar longe é outro tipo. (A2, entrevista pós – turno 74)
Na mesa redonda realizada como fechamento dos trabalhos de
implementação, os alunos foram estimulados a falar sobre os conteúdos estudados e
sua presença/utilidade no cotidiano. Assim, mencionaram os cuidados que devemos
ter com raios em dias de tempestade, os cuidados na utilização do forno de
microondas, a proteção relativa aos raios ultravioleta.
Os alunos foram perguntados também sobre os temas que mais gostaram de
estudar. Dentre as respostas é possível destacar:
Achei interessante, no estudo de luz e cores, como as cores primárias, ao se encontrar formam outras cores, que aprendemos que as cores secundárias, gostei de aprender por que os objetos tem determinada cor, como o quadro, que reflete o verde e absorve as outras cores, por isso vemos ele verde, achei interessante também a pupila do nosso olho, essa, essa semana ao acordar e ligar a luz, não enxergava, fui no espelho para ver como estava a pupila como a luz era forte não consegui ver, pois a pupila devia estar dilatada. (A3, mesa redonda - turno 16) Achei interessante a visão humana, porém não consigo explicar com minhas palavras, é engraçado a gente parece que entende e na hora de explicar faltam palavras, não consigo, gostei dos bastonetes que formam a imagem em preto e branco e os cones que reconhecem diferentes cores. (A5, mesa redonda – turno 19)
Os dados destas entrevistas indicam a grande dificuldade dos alunos da EJA
em expressar sua forma de compreender os fenômenos naturais ou artefatos
previamente ao estudo nas aulas de Ciências. As respostas dadas assim,
caracterizam-se pela superficialidade ou pelo tom de dúvida, possivelmente também
influenciado pelo seu temor em expressar sua visão de mundo frente a professora,
em parte gerado pela baixo auto-estima em relação ao o que conhece.
As respostas dadas na entrevista posterior ao desenvolvimento do projeto de
intervenção e nas falas durante a mesa redonda, indicam uma maior organização e
segurança nas respostas, mudando o perfil de dúvida para o perfil de busca das
melhores palavras para uma explicação consistente. Alguns termos científicos e
conceitos se fazem presentes nestas respostas indicando considerável grau de
aprendizagem dos temas abordados.
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5. Considerações Finais
Os temas abordados durante as entrevistas e durante o desenvolvimento do
projeto de intervenção foram selecionados por sua presença constante no cotidiano
da população. A contextualização destes temas foi um processo constante durante
todo o trabalho, assim como, o incentivo à participação ativa dos alunos,
especialmente para a explicitação das concepções oriundas da cultura cotidiana.
A explicitação das concepções foi, entretanto, um processo bastante
complexo para o grupo de alunos envolvidos no projeto. Para tanto, interferiram
fatores como a baixa auto-estima dos alunos em relação aos conhecimentos que
possuem a realidade da cultura escolar que pouco oportuniza a valorização destes
conhecimentos, e ainda o fato de que grande parte destas concepções são
inconscientes.
Na entrevista inicial, por exemplo, tal explicitação pouco ocorreu, conforme já
analisado anteriormente. Posteriormente, durante o transcorrer das atividades e com
o contato maior entre professora e alunos, tais visões oriundas da cultura cotidiana
local começaram a se fazer presente na linguagem falada destes alunos. Por vezes,
em pequenas falas durante as atividades experimentais ou ao comentar cenas de
vídeos assistidos. Sempre que percebidas, tais falas eram, com todos os cuidados
necessários para não melindrar o aluno, abordadas, analisadas e colocadas em
confronto com o conhecimento científico. Assim, constatou-se que um círculo se
formou, pois o constante estímulo à participação dos alunos promoveu a geração de
um clima de parceria entre o grupo e este clima contribuiu para a participação mais
intensa de cada um. Como resultado final deste processo obteve-se a facilitação da
aprendizagem.
Os resultados alcançados pelo projeto indicam que, os alunos obtiveram
considerável avanço no grau de interesse pelo estudo dos temas da Ciência, por
exemplo, em entender como alguns fenômenos naturais se formam ou como
funcionam algumas tecnologias. Obtiveram também, e por conseqüência,
perceptível aproximação aos conhecimentos científicos, incluindo em sua linguagem
verbal, referente a alguns temas abordados, termos e conceitos da Ciência. Desta
forma, concluímos destacando que o projeto alcançou seu objetivo maior de facilitar
o caminho destes alunos para o ingresso na cultura científica.
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6. Referências bibliográficas
BIZZO, N. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Editora ática, 2007.
CAPECCHI, M.C.V.M. Aspectos da cultura científica em atividades de Experimentação nas aulas de Física. Tese de doutorado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. CHASSOT, Attico. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2001. DELIZOICOV, D. Metodologia do ensino de ciências. São Paulo: Cortez, 1992. Paraná. Diretrizes Curiculares da Educação de Jovens e Adultos no Estado do Paraná. Secretaria de Educação do Estado do Paraná – SEED, Curitiba, 2005. Paraná. Diretrizes Curriculares de ciências para o Ensino Fundamental. Secretaria de Educação do Estado do Paraná – SEED, Curitiba, 2008. GASPARIN, J.L. Uma didática para a pedagogia histórico crítica. São Paulo: Autores associados, 2007. LIMA, M. E. C. C. Aprender ciências: um mundo de materiais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. MACEDO, B.; KATZKOWICZ, R. Educação Científica: Sim, mas qual e como? In: MACEDO, B. (org). Cultura Científica, Brasília: UNESCO, 2003.
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