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A Estrada Secreta
1
A Estrada Secreta Erick Costa de Farias Primeira Edição - 2013
" Quando as duas pessoas
que descobrem estar palmilhando a
mesma estrada secreta são de sexos
diferentes, a amizade que surge entre
elas irá facilmente transformar-se -
talvez depois da primeira meia hora -
em amor eros. "
C.S. Lewis, em “Os
quatro amores”.
A Estrada Secreta
2
Dedico este livro a Ellen
Pelizari Lima, minha Monalisa, a
obra prima de Deus entregue a mim
para que seja cuidada, protegida e
amada como a única rosa do jardim
de Eternia. Minha costela perdida,
mas encontrada.
A Estrada Secreta
3
Sumário
Nota do Autor ................................................................................... 5
Capítulo I – O dia antes do amanhã. .............................................. 7
Capítulo II – Como aprouver ao Rei, que assim seja. .................. 20
Capítulo IV - Conexões ................................................................. 46
Capítulo V – Recortes .................................................................... 51
Capítulo VI – Despedida ................................................................ 54
Capítulo VII – Desvio ..................................................................... 60
Capítulo VIII - Interruptus ............................................................ 80
Capítulo IX - Cartas ....................................................................... 83
Capítulo X – Pebelus ...................................................................... 90
Capítulo XI – Lux venit ................................................................ 110
Capítulo XII – Vermes .................................................................. 124
Capítulo XIII – Propícias palavras perdidas ............................... 129
Capítulo XIV – Uma Weltanschauung partida .......................... 137
Capítulo XV – Virtude...? ............................................................. 145
Capítulo XVI – Redenção ............................................................. 154
Capítulo XVII – De volta ao início .............................................. 165
Capítulo XVIII – O velho de Bereate ........................................... 179
Capítulo XIX – Inenhil ................................................................. 187
Capítulo XX – As areias de Ignorantia ....................................... 209
Capítulo XXI – Dias e dias ........................................................... 237
Capítulo XXII – Uma goiaba ....................................................... 254
Capítulo XXIII – Sete dias ........................................................... 262
Capítulo XXIV – Lágrimas .......................................................... 273
Capítulo XXV – Tempo ................................................................ 285
A Estrada Secreta
4
Capítulo XXVI – Aleivosia ........................................................... 288
Capítulo XXVII – Prelúdio de um requiem ................................. 309
Capítulo XXVIII – Requiem ......................................................... 340
Capítulo XXVIII – Poslúdio de um Requiem .............................. 355
Capítulo XXIX – A Estrada Secreta ............................................. 363
A Estrada Secreta
5
Nota do Autor
A literatura já foi uma arena em que se discutia,
pela simples representação ficional do mundo,
praticamente todos grandes temas da humanidade. Mas
hoje tudo que conhecemos tem sido infestado por valores
baixos e consumistas, que tornam todas as coisas em
meros produtos.
Um de meus autores preferidos costumava dizer
que a mente é como uma boca abera: só tem alguma
utilidade se possuir algo sólido para mastigar. E nesse
sentido, é como se a sociedade estivesse ingerindo vômito
de dêmonios. Não tenho receio de tais termos pejorativos,
pois é com desprezo que livros como A Saga Crepúsculo,
Cinquenta Tons e muitos outros do gênero devem ser
tratados. Simplesmente porque são idéias, e idéias devem
ser desprezadas quando sem valor.
Escrevi esse livro não buscando tornar-me um
centavo mais rico, não. Não o escrevi por mero hobby, por
não ter o que fazer. Dispus-me a tentar, como um
passarinho que se joga de um galho fadado a voar ou
morrer, tentar escrever algo que pudesse ter tanto um bom
enredo quanto bons valores subjacentes. Não sou escritor.
Não reclamo esse título nem qualquer que seja o mérito
que se deva a gênios literários como C. S. Lewis, G. K.
Chesterton, Victor Hugo, Tolstói, Dostoiévski e outros
mais. Mas meu único desejo é conseguir reacender a
chama por aquilo que é bom e louvável. Não importa
A Estrada Secreta
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quantas tentativas sem sucesso eu tenha que fazer.
E essa é a primeira. A primeira tentativa, cuja
vontade me foi inspirada pela leitura da trilogia cósmica,
de Clive Staples Lewis.
A Estrada Secreta
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Capítulo I – O dia antes do amanhã.
A terra jazia em estilhaços ensanguentados. A
sombra daquilo que fora em algum momento na história.
Mas como afirmar tal dura verdade sem, ainda que
brevemente, contar a história por detrás da história?
Não foi um sonho, mas em um tempo em que os
semi-deuses ainda governavam sob a autoridade do Rei e
ainda eram conhecidos por sua piedade e justiça. Mas
como todo tempo, esse tempo teve seu fim e aqueles
outrora aclamados pela fidelidade resoluta reuniram-se
para se rebelarem contra aquele que instituíra seus cetros.
Este foi o fatídico dia da história, pouco comentado e com
pesar lembrado. Os três irmãos - lordes Storge, Eros e
Philia1 tramaram um ato de traição, aconselhados pelo
ancião Egus Centrus2. Centrus sorrateiramente havia
tomado conta dos pensamentos e planos da nação,
infiltrando suas reivindicações ao longo de anos, conforme
as pessoas ignoravam a vontade do Rei e aos poucos
tornavam-se cada vez mais insensíveis aos seus conselhos.
Apelando ao desejo e à auto condescendência, Centrus
começou persuadindo mercadores ambiciosos, tornando
1 3 dos 4 amores de Lewis. Somente quando esses se rendem ao
Deus verdadeiro, o Rei, é que eles podem ter seu poder e autoridade no lugar correto. Esses amores falam como deuses ao nosso coração e por isso Lewis os chama de semi-deuses, mas quando não submissos a Cristo, tornam-se demônios e destroem todos aqueles que o servem, inclusive a si mesmos. 2 O próprio Satanás, aquele que exige do ser humano que adore
somente seu próprio ego, adorando dessa maneira aquele que se rebelou contra Deus, buscando ser maior que Ele.
A Estrada Secreta
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aos soldados inescrupolosos e finalmente seduzindo os
líderes da nação, sedentos de poder, incitando-os a se
rebelarem contra as leis3 que por tantos séculos trouxeram
harmonia a todos os homens.
Houve uma era em que os homens conheciam o
Rei. Quando as ruas eram belas, crianças corriam livres por
todos os lados, flores e árvores cresciam pelo caminho, o
comércio era justo, poucos crimes eram cometidos, mas os
criminosos eram corrigidos e incorporados novamente à
sociedade – o céu simplesmente sorria ao ver a
consonância em que os corações se encontravam. Feliz era
a nação quando o Rei era seu Senhor. Mas as gerações
passaram, as pessoas não mais conheciam o caráter de seu
Guia e não mais buscavam conhecê-lo, através do
pergaminho de Kael. As trevas, que um dia pertenceram
somente aos países baixos, tomaram conta do cenário e
gradualmente as coisas mudaram. Assim, Centrus
expandiu seu reino de egoísmo definindo suas fronteiras
nos corações dos homens.
Como uma noiva chora quando perde seu amado
no dia da comemoração de suas núpcias, assim chorava a
terra.
O Rei habitava em um castelo conhecido como
Gloriandi, situado numa montanha pouco acima das
cidades. O castelo era inteiro de mármore branca e possuia
sete torres: seis delas, três à direita e três à esquerda da
torre principal, de tamanhos que cresciam gradualmente
3 Romanos 7:12
A Estrada Secreta
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culminando na torre média, onde uma bandeira vermelha
com as iniciais “A. A.” dançava com a brisa suave. Cada
torre possuia setenta e sete janelas adornadas com lindas
cortinas cor de púrpura. Lendas antigas diziam que aquele
castelo não fora feito por mãos humanas, mas pela Magia
Criadora. Aqueles que de longe ou perto olhavam, tremiam
diante da gloriosa habitação do Rei e da luz forte que era
refletida pelo sol em sua estrutura magnífica. No passado
os mesmos que tremiam diante daquela majestade,
também se regozijavam por saber que um ser tão poderoso
e amável habitava entre eles.
Já os irmãos semi-deuses, que governavam sobre as
províncias da nação, moravam em castelos menores,
espalhados pela terra, espalhados entre os homens – o que
facilitou o trabalho de incitá-los à rebelião.
Era noite quando os quatro estavam reunidos – os
três lordes e seu vil conselheiro, em um dos cômodos do
pequeno castelo de Storge, ao centro da cidade de Eternia,
antes situada no continente central.
Eros, o mais agressivo e impetuoso, bradou, com
um golpe à mesa:
- Eis a hora das trevas, o sol não mais brilha e a
própria chuva é nossa aliada nessa noite densa! Enquanto o
Rei descansa sob seu teto pomposo, inadvertidamente,
podemos acertá-lo como um raio destrói uma árvore,
numa tempestade de verão. – cerrou os punhos à altura de
seu rosto e continuou: E junto com Ele, todos aqueles que
o servem e os malditos pergaminhos de Kael4!
4 Kael = esperança, em hebraico. Referência à própria Bíblia.
A Estrada Secreta
10
Centrus com um discreto sorriso, sentiu-se
satisfeito. Os corações daqueles que deveriam liderar os
homens em nome do Rei foram deturpados pelos seus
conselhos e as características mais baixas e animalescas
foram despertadas e eram refletidas entre todos do povo. E
dessa forma saciava sua sede de poder e dominação cruel.
Mas Centrus não era tolo, antes, o único que conhecia o
poder imensurável daquEle que governava antes que
houvesse reino – ele sabia que, antes mesmo de existirem,
o Rei sabia de tudo que se conversaria na escuridão
daquela noite. Mas ainda assim, aquEle dotado de
irrestringíveo conhecimento não proveu meio de defender
ou mesmo abafar a rebelião; antes, seu governo era
baseado no amor e na livre escolha e não na imposição.
Dizem as tradições que, uma vez perguntado por um
súdito o porquê de sua aparente omissão, Ele respondeu
que não se contentava em controlar o mal, ele preferia
expulsá-lo. E isso era possível somente através da livre
escolha. Por tempo suficiente cedeu provas da equidade de
seu cetro e todo ser seria livre para escolher o caminho que
deveria andar – além do mais, aquele dia deveria chegar,
como parte da história5.
Philia, outrora doce e abnegada, levantou seu olhar
solitário e egoísta e se contrapôs ao seu irmão
- Eu já disse que não iremos a lugar algum antes de
decidirmos o fim dos despojos do castelo!
Storge, já acostumado com essas discussões,
5 2 timóteo 4:3-5; Lucas 21:12
A Estrada Secreta
11
lembrou, calma e friamente:
- Philia, nossas tropas já estão posicionadas, não há
como adiar o planejado, simplesmente para atender seus
caprichos.
- Então façamos guerra uns contra os outros! Serei
contra vocês se não me atenderem! – gritou Philia,
enquanto levantava, irada. Centrus então interferiu:
- Quietos! – bradando com sua voz grave e
assustadora. Os irmãos se sentaram estremecidos.
- Saiam agora daqui, preparem aqueles que os
seguem para cercar o castelo. Sem mais dissensões. Storge
está certo, não perderemos a oportunidade. E Philia – disse
o ancião, fitando-a com seuss olhos profundos e
atemorizantes - ameace nosso sucesso com seus caprichos
infantis e eu mesmo esmagarei você!
Philia recolheu seus ombros, como uma
adolescente, e seguiu os irmãos que saíam pela porta,
sumindo na chuva.
Os três lordes saíram à arregimentar aqueles a
quem haviam minado a lealdade ao Rei, com acusações
falsas e questionamentos vãos. A cidade já estava vazia - há
dias a tensão aumentara muito, com pequenas revoltas
locais. Este dia era somente o ápice de algo que já havia
começado há muito tempo, quando o primeiro homem
resolveu dar mais atenção a si mesmo do que aos conselhos
do Rei.
As tropas se posicionaram nas densas trevas. Cada
um deles seguia com um exército, cercando o castelo e
esperando pelo sinal. A chuva estiava.
Philia, a indefinida, liderava vinte mil homens e
A Estrada Secreta
12
mulheres, que atenderam às suas reivindicações. Storge, o
conformado, à frente de cinquenta mil homens e Eros, o
cruel, à frente de setenta mil homens. Isso se deu por volta
da terceira vigília da noite.
Mas nem todos do povo se corromperam pelas
sugestões espúrias contra o Rei. Um pequeno grupo ainda
era fiel. Poucos, mas valentes e nobres de coração. 1440
homens e suas mulheres e crianças, desde nobres
cavaleiros à humildes artesãos, cada um com sua força
valendo por cem. Eles não deram ouvidos às mentiras que
eram proferidas e não permitiram que seus corações por
elas fossem maculados. E estavam ali, reunidos numa
caverna na face leste, ao pé da montanha onde se situava o
castelo do Rei6. Eram liderados pelos chefes de duas
famílias, homens nobres e distintos, donos de muita
riqueza, visível e invisível – Abraham Likte e Joseph Pel’zar,
embaixadores nomeados e reconhecidos pelo Rei. Eram
amigos desde infância e haviam crescido juntos sempre
espalhando a lealdade e revivendo a lei do Reino no
coração daqueles que buscavam ser fiéis súditos. Nunca se
permitiram tomar pelo cansaço ou pelo desânimo, pois
conheciam o caráter daquEle a quem serviam. Pela muita
fidelidade tiveram a oportunidade de se encontrar na
câmara de audiência da Majestade e por diversas vezes
tiveram suas nobres petições atendidas.
- Às armas, homens! Não permitiremos que o reino
seja tomado tão facilmente! Ergamos nossas fileiras à
6 Apocalipse 14:1 e 5
A Estrada Secreta
13
frente daquEle que não hesitaria em dar a vida por nós!
À voz de Pel’zar, o velho Likte acrescentou:
- Quer vivamos, quer morramos, lutemos pelo Justo
Legislador!
E os homens fizeram a caverna tremer com seus
gritos de batalha, abalando até mesmo as extremidades do
reino.A chuva havia passado e mesmo os exércitos
arregimentados puderam ouvir os gritos de batalha.
Os quatro líderes da rebelião se achavam reunidos
numa planície, observando a posição dos exércitos há
alguns estádios de distância.
- O que é isso? – perguntou Philia, com traços de
temor.
- São aqueles que se recusaram a nos ouvir,
respondeu Centrus, indignado e enraivecido.
Naquele momento, enquanto seu corpo ainda
vibrava, Philia olhou para cima e um relâmpago fez reluzir
a bandeira vermelha no topo do castelo, fazendo-a lembrar
de como o Rei a acolhera quando rejeitada pelos seus
irmãos, ensinando-os também a tratá-la como uma igual
(essa história pertence a outras páginas). Diferentemente
daqueles que a seguiam, ela conhecia muito bem o Rei.
Num raio de sanidade, perguntou-se se o que estava
fazendo era realmente legítimo e se sentiu inclinada a
abandonar a sua posição e retornar. Lembrando de
algumas coisas de seu passado, sentiu-se humilde diante de
seus antigos conservos, que mantinham a lealdade mesmo
em face da morte; sentia-se também desnecessária diante
de seus irmãos, mas sabia que poderia ser essencial para
A Estrada Secreta
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dar valor à sobrevivência7 daquele pequeno grupo. O nojo
de si mesma por cogitar tirar a vida de seus compatriotas a
fez tremer. Um lampejo de sua antiga nobreza pulsou em
seu coração, fazendo-a ir para longe da vista de seus
irmãos. Quanto mais distante ficava, quando mais sozinha
se sentia, sentia o peso de seus erros esmagando-lhe a
alma: como não pensara nisso antes? Porque não sentira
isso antes? Escondeu-se atrás de uma insula qualquer,
inabitada, e lançando-se ao chão enlameado, chorou
exaustiva e desconsoladamente por longos minutos – tudo
que desejava era uma oportunidade de pedir perdão ao seu
Rei, mas talvez nunca mais pudesse fazer isso
pessoalmente. Mas, mesmo sem lhe ser comunicado, o
perdão lhe era concedido ao ser mudado seu coração e este
se tornou branco como a alva, novamente8. Naquele
momento sua autoridade estava posta no lugar correto
mais uma vez - o Amor Absoluto a inundara, pois sempre
estivera disponível, e agora nem a morte poderia impedí-la.
Levantando-se, subiu em sua montaria e cavalgou à
frente de seu regimento, longe dos lordes e do restante do
exército por eles liderado.
Acendendo sua tocha, ateou fogo à bandeira que
representava sua rebelião. Forçando seu arrependimento à
fronteira da coragem, levantou o mastro em chamas,
perante os homens e mulheres que a seguiam e ergueu a
voz de forma que ecoasse pelo vale onde se encontravam:
7 A amizade, ainda que desnecessária para nossa existência; dá valor
à ela. 8 Isaías 1:8
A Estrada Secreta
15
que Centrus e seus irmãos a ouvissem claramente.
- Escutai-me vós, povo fiel que deste ouvido às
acusaçõse contra o Rei, acusações que fiz pela sombra que
pairava sobre meu peito. Usei de minha influência sobre
vós para infundir a cegueira em vossos olhos e impedir que
contemplassem a face do Justo. Mas quem sou eu, meus
irmãos? Quem? Quem sou eu para que me revolte contra
aquEle que por tantos séculos nos permitiu viver em
harmonia? Contra aquEle que fortaleceu nosso reino para
que não se tornasse desolado como os países baixos? E
vocês bem sabem quanta defesa é preciso reunir os
homens para que essas fronteiras não sejam violadas! Que
os céus me perdoem por ter fugido do caminho, mas não
mais posso rejeitar a voz que me diz por onde devo andar!
Porquanto Ele é nosso Juíz e Legislador, nosso Rei! Aqueles
que estiverem comigo tenham certeza de que nos salvará!9
Portanto, ouçam todos, lembrem-se de como Ele tem nos
guiado no passado! Lembrem-se das histórias e dos heróis
de outrora, que nunca foram abandonados pela Sua
Majestade! Se minhas palavras são verdadeiras segui-me e
ajudai-me a desfazer parte da miséria que causei! Ajudai-
me a endireitar o caminho!10 Uni-vos a mim a defender
vossos irmãos sinceros que não se permitiram abalar, uni-
vos a mim em defesa de nosso Rei!
O barro ainda encrustado em sua armadura
retirava toda a realeza de sua figura. Mas seu semblante
9 Isaías 33:22, verso da voz do caminho
10 Isaías 40:3
A Estrada Secreta
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exprimia mais coragem do que os mais belos cavaleiros.
Um sentimento de vergonha se apoderou de muitos
que ouviram o breve discurso inflamado de Philia - tal é a
força do exemplo daqueles que lideram.
Em pranto silencioso, cinco mil homens, dos vinte
mil, marcharam determinadamente à frente da caverna
onde se escondiam os fiéis ao Rei. Os outros, decididos em
sua rebelião, tomaram suas armas e se uniram ao
regimento de Eros e Storge, mais irados do que nunca.
A fumaça das tochas se uniu à poeira que se
levantava pela marcha resoluta do exército arrependido,
que podia ser vista a distância, enquanto se posicionavam
contra o exército maligno.
- O que é aquilo? – perguntou Eros, indignado,
enquanto apertava mais forte as rédeas de seu cavalo.
- Eu já esperava que isso acontecesse, ou você
nunca percebeu que o coração de nossa irmã por vezes
parecia vacilante? – respondeu Storge, conformado (afinal,
sempre estava acostumado com tudo que acontecia).
Centrus não disse uma palavra. Retirou seu capuz
preto, deixando seus longos cabelos negros cairem por
sobre os ombros. Olhou para Eros e Storge com um
semblante demoníaco, expressando a escuridão e ódio de
sua alma. Os irmãos então entenderam que não podiam
mais esperar. Cavalgando sobre seus cavalos armadurados,
posicionaram-se à frente de seus exércitos, que distavam
dois estádios um do outro – o castelo estava cercado e seria
o fim.
Philia deixando seus homens em posição,
circundou a montanha e, amarrando seu cavalo em uma
A Estrada Secreta
17
árvore, entrou na enorme caverna, onde estavam reunidos
os homens fiéis - causando surpresa a todos.
Joseph Pel’zar instintivamente puxou de sua espada
reluzente e brandiu-a em direção à mulher de armadura
que surgia das sombras:
- Nem mais um passo, ou lhe traspasso o coração,
víbora traiçoeira!
Philia chorou efusivamente. Houve silêncio entre
todos que estavam presentes. Seus soluços angustiados
comoveram Joseph, explicando-lhe pelo silêncio de suas
palavras tudo que se passou em seu coração. A
transparência em suas feições não dava margem ao erro.
Joseph, cravando sua espada ao chão, abraçou-lhe:
- Não chore, criança. Você sabe que o Rei, por amor
dEle mesmo apagará todas suas transgressões, mesmo a
pior delas.11
Philia chorou ainda mais. Enquanto Pel’zar a
consolava, Abraham Likte compreendendo o que
acontecia, organizou as tropas:
- Homens, juntem-se ao exército de Philia e
preparem-se. Branca, leve as mulheres e crianças pelo
túnel, para a fortaleza das montanhas e espere por um
mensageiro! Assegure-se de que os pergaminhos
remanescentes estarão seguros!
Elena De Branca, irmã de Abraham Likte, era
mulher irrepreensível e a única que conversava
diretamente com o Rei, possuindo sabedoria inigualável e
espírito resoluto, distinta entre as outras mulheres. Mesmo
11
Isaías 43:25
A Estrada Secreta
18
seu rosto era mais alvo, por tanto estar à presença do Rei.
Com um gesto de consentimento, pegou
Christopher Likte pela mão, garotinho de apenas 5
primaveras, filho de Abraham, e junto de sua mãe, Marie
Likte, seguiu pelo túnel com as outras mulheres e crianças.
- Precisamos ir. – disse Philia, enquanto se
recompunha e enxugava suas lágrimas. Montando em seu
cavalo, saiu da caverna acompanhada pelo velho Likte.
Joseph saía por último, quando ouviu uma voz
suave:
- Papai... Você vai voltar?
Quando olhou para trás viu uma pequena garota,
não menos delicada do que um botão de amor perfeito,
olhando-o com os olhos marejados, enquanto segurava seu
ursinho de tecido. Era sua filha, Monalisa Pel’zar, com suas
4 primaveras. Seus olhinhos pretos reluziam como duas
pérolas negras da mais rara beleza, cortando o coração do
pai. Sua lisa franja ainda estava úmida por suas lágrimas. O
pai ajoelhou no chão, abraçando-a:
- Não se preocupe, querida Mona. Estarei de volta
antes do crepúsculo.
- Quando o sol for dormir?
- Quando a lua sorrir, estarei com você, meu amor!
- Promete para mim?
- Tão certo quanto vive o Rei!
Com um beijo no rosto do pai, a pequena figura
saiu correndo na direção da mãe, que a esperava no fundo
da caverna, à entrada da passagem escondida que levaria às
montanhas.
Ao ver as silhuetas de suas amadas desaparecerem
A Estrada Secreta
19
entre as sombras, Joseph se levantou, determinado a
cumprir sua promessa, saindo pela caverna em direção ao
campo de batalha. E eis que o sol raiava.
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