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A HUMANIZAÇAO DAS TECNOLOGIAS PELA ARTE
Diana Domingues
Que a arte nos revele aspectos humanos das tecnologias talvez seja uma estranha e idealista
abordagem para alguns. Ou, para os apocalipticos, uma dado contestável em sua visao
negativa das tecnologias para a humanidade. Há pessoas tao resistentes que nao admitem
nem mesmo um convivio necessario com as tecnologias usando terminais publicos ou
quiosques de feiras. Tal resistincia a interagir com as maquinas esta trazendo limitações para
tarefas cotidianas do homem neste final do século.
É preciso acreditar que o homem constrói seu presente e planeja um futuro cada vez melhor.
Sem impedir o fluxo da história e dispender energia inútil, precisamos entender a presença das
tecnologias e seus efeitos em uma vida cada vez mais mediada. Assim, longe de idealismos
infundados, encontro uma série de conceitos em artistas e teóricos cujas reflexões dao conta
da humaniza��o das tecnologias.A hist�ria mostra que as civiliza��es nunca voltaram
para tr�s, que as descobertas e inventos s�o acumulados e servem de background para
outros inventos. Como diz Olivier Wendell Holmes, "a mente humana, uma vez que teve suas
dimens�es ampliadas para id�eias grandes, nunca mais retorna a seu tamanho original.
A Arte no S � culo XXI: A Humaniza �� o das Tecnologias coloca uma quest�o atual: a
produ��o art�stica sintonizada com os avan�os tecnol�gicos, revelando os aspectos
humanos das tecnologias. As considera��es t�m a arte como ponto de converg�ncia e
s�o pensados os efeitos das tecnologias na vida contempor�nea, determinando tra�os da
cultura deste final de s�culo.
O quase vazio editorial de publica��es sobre cultura tecnol�gica no Brasil nos fez levantar
nomes expressivos no cen�rio mundial e propor reflex�es que est�o reunidas em torno de
algumas quest�es que podem dar conta do fen�meno cultural na era tecnol�gica. Os
autores espalhados em torno de temas como: O Cen�rio Homem/M�quina, Revolu��o
Num�rica, Interatividade, Arte e Tecnologia: A Hist�ria de Uma Ampla Transforma��o
Cultural e Comunica��o Planet�ria revelam um posicionamento cr�tico que afasta
qualquer julgamento de mero idealismo. Penetram no �mago das ci�ncias humanas como
territ�rio convergente para se pensar descobertas cient�ficas decorrentes das tecnologias
integradas ao cotidiano. H� textos de extens�es diversas, testemunhos de artistas, textos
mais t�cnicos de matem�ticos e engenheiros, textos poeticamente carregados, textos de
alto coeficiente cient�fico, conte�dos que demandam bagagem filos�fica milenar, bem
como textos de ir�nica leitura do cotidiano invadido pelas m�quinas. Esta apresenta��o
oferece um panorama com a inten��o de lincar conceitualmente os v�rios textos.
Preferi um livro m�ltiplo, n�o linear, fragment�rio, coerente com a cultura hibridizada
pelas teorias cient�ficas contempor�neas que revelam matrizes do pensamento do homem
deste final de s�culo. N�o foram inclu�das imagens como habitualmente nos livros de arte.
Entre uma das raz�es est� a pr�pria natureza dos trabalhos comentados cujas
caracter�sticas multim�dia e interativa, na condi��o de eventos comunicacionais, n�o
se presta a registros com imagens est�ticas, as quais impossibilitam experienciar o processo
que lhes � inerente. A imagem fotogr�fica congela e torna �nico aquilo que tem na sua
origem a troca, o vir-a-ser. A fotografia, produto da era industrial, que captura um dado
instante, imortalizando-o, n�o seria fiel ao processo, base primeira da arte interativa, que
n�o privilegia mais a pura representa��o ou objetos �nicos e acabados. � importante
ressaltar que nas intera��es com as m�quinas, mesmo na mera gera��o de imagens por
computador, as formas est�o em constante devir. As experi�ncias interativas s�o
resultantes de atos de um indiv�duo a partir de determinados comportamentos. As
manifesta��es art�sticas com tecnologias s�o na sua maioria ef�meras, m�ltiplas,
mutantes, um campo de possibilidades que se altera conforme as escolhas ou programas dos
dispositivos e as vari�veis dos sistemas.
A revolu��o digital, as tecnologias comunicacionais que entrela�am o planeta, pela
interatividade com a��es em tempo real, a manipula��o de informa��es em bancos de
dados, as interfaces, a parceria com mem�rias eletr�nicas s�o marcas que determinam
esta publica��o.
Arte e tecnologia: uma transforma��o cultural
Sabe-se que a revolu��o da eletr�nica invade todos os campos da atividade humana. Os
inventos da era industrial, como o cinema, o impresso, o r�dio, mesmo tendo incid�ncia
sobre os processos internos de produ��o e pela acultura��o de alguns setores
dominantes, n�o eram respons�veis pelo impacto t�o violento como a eletr�nica vem
assumindo na sociedade contempor�nea. As informa��es atrav�s de imagens impressas e
faladas circulavam em alguns segfmentos da sociedade, mas os setores produtivos podiam
funcionar sem elas. Hoje, tudo passa pelas tecnologias: a religi�o, a ind�stria, a ci�ncia, a
educa��o entre outros campos da atividade humana est�o utilizando intensamente as
redes de comunica��o, a informa��o computadorizada, e a humanidade est� marcada
pelos desafios pol�ticos, econ�micos e sociais decorrentes das tecnologias. A arte
tecnol�gica tamb�m assume essa rela��o direta com a vida, gerando produ��es que
levam o homem a repensar a sua pr�pria condi��o humana.
Os artistas oferecem situa��es sens�veis com tecnologias, pois percebem que as
rela��es do homem com o mundo n�o s�o mais as mesmas depois que as t�cnicas como
o num�rico, a intelig�ncia artificial, a revolu��o da inform�tica e das comunica��es, a
realidade virtual v�m irrompendo no cen�rio deste final de s�culo. Computadores,
softwares, c�meras, sensores, mixers, CD-ROMS, rede Internet, sintetizadores e outros
inventos tecnol�gicos determinam o abandono de pinc�is, tesouras, l�pis, pastel, telas,
filmes como instrumentos de cria��o. O afastamento do artista de t�cnicas como a
pintura, o desenho, a escultura, da id�ia de arte como mercadoria, a reavalia��o dos
conceitos art�sticos fundados na representa��o de formas, no belo, na subjetividade, na
individualidade e na artistifica��o dos meios s�o algumas das dire��es assumidas por
estas novas formas de produ��o de arte. O conjunto de reflex�es deixa evidente que a arte
contempor�nea h� cerca de trinta anos abra�ou uma s�rie de pr�ticas art�sticas
assentadas na revolu��o da eletr�nica e nas tecnologias num�ricas e que, nestes
�ltimos anos do s�culo, artistas espalhados pelo mundo adquirem uma consci�ncia cada
vez mais forte de seu papel como agentes de transforma��o na sociedade. N�o interessa
mais produzir voltados para um mercado oficial. Os artistas ligados a centros avan�ados de
pesquisa ou isoladamente assumem a ruptura com a arte do passado num cen�rio dominado
pela arte da participa��o, da intera��o, da comunica��o planet�ria, colocando-se em
novos circuitos n�o mais limitados � arte como objeto ou valor de culto, mas enfatizando,
sobretudo, seu poder de comunica��o. Fala-se no fim da arte da representa��o em favor
de uma arte interativa que � basicamente comportamental e que n�o pode se encerrar em
objetos acabados como uma escultura, pintura, fotografia ou outro suporte material, nem
mesmo no cinema ou no v�deo em seus formatos habituais que impedem o di�logo
transformador. Nas �ltimas d�cadas os artistas est�o propondo que em arte a
preocupa��o n�o � somente gerar imagens, contempl�-las passivamente, interpret�-
las de maneira est�ril, sem qualquer poder de modific�-las
Numa passagem da cultura material para a cultura imaterial, pr�pria da arte tecnol�gica, os
artistas substituem artefatos e ferramentas por dispositivos em m�ltiplas conex�es de
sistemas que envolvem modens, telefones, computadores, sat�lites, redes e outros inventos
que auxiliam na produ��o e na comunica��o. A circula��o e recep��o desta arte
colocam mesmo em xeque figuras e estruturas de poder como o papel do artista e sua
genialidade, a figura de curadores e marchands, o espa�o sagrado de galerias e museus, a
m�dia como inst�ncia que homologa uma arte dita qualificada. Esta arte partilhada com as
m�quinas pode ser oferecida nas pr�prias casas, entrando por sat�lites, telefones e
oferecendo-se para ser recebida, modificada e devolvida. Em CD-ROMS, websites, altamente
distribu�veis, cat�logos e revistas eletr�nicos, trocas via rede, � o artista que assume a
curadoria de seu pr�prio trabalho. Comunidades virtuais on line re�nem indiv�duos por
afinidade, onde a arte tamb�m afirma sua liberdade.
Que arte � esta da cibercultura? O ciberespa�o e a arte interativa s�o inven��es das
tecnologias digitais do final do s�culo XX. O papel, o fotograma sobre a celul�ide, os muros
da cidade deixam seu lugar para palhetas e menus eletr�nicos, para a corrida dos pontos
luminosos, para o pixel que n�o se fixa na tela, para o som, para o fluxo de ondas. O espa�o
� mais do que o bidimensional, o tridimensional, o arquitet�nico, o das cenas naturais. � o
espa�o dos computadores, o ciberespa�o, o espa�o de ambientes digitais da realidade
virtual. A arte circula em sat�lites que conversam no c�u, em modens que traduzem sinais
sonoros em gr�ficos, instala-se em pr�teses eletr�nicas para o corpo, em transdutores e
sensores, em robots que nos substituem, em sofisticados circuitos e sistemas
computadorizados e das telecomunica��es.
Arte e Vida: Pioneiros
"A arte nunca esteve t�o pr�xima da vida", poderia dizer Marcel Duchamp, jogando
tranq�ilamente seu xadr�s via Internet num chat com seu colecionador Arensberg.
Leonardo e Turner veriam as for�as invis�veis serem captadas e transformadas por circuitos
l�gicos digitais. Seurat ficaria recriando formas com suas unidades matem�ticas em milhares
infinitas de vari�veis. Mondrian percorreria ambientes com tramas ortogonais de
microestruturas bin�rias. Klein derramaria seu azul luminoso sobre o planeta. Dali nos
convidaria a entortar seus rel�gios em efeitos morphi. Bosch enlouqueceria projetando
mundos avessos de colagens eletr�nicas. Escher oferecendo intera��es em seus espa�os
amb�guos por vari�veis computacionais. Bacon entraria nas mais rec�nditas v�sceras.
Cezanne construiria espa�os mutantes e nos imergiria em suas paisagens RV. Picasso e
Braque imaginariam a simultaneidade dos m�ltiplos pontos de vista em processos de
anima��o, a velocidade futurista se fragmentaria no ciberespa�o. As escritas inconscientes
de Tobey permutariam no inconsciente imagin�rio da m�quina. A energia do corpo de
Pollock estaria conectada por interfaces oferecendo-se para trocas com o corpo do outro.
Happenings e performances na arte de agora est�o sendo vividos por corpos tecnologizados,
amplificados na sua totalidade f�sica e psicol�gica, comandam e/ou s�o comandados por
dispositivos de intera��o. O que cada vez menos est� sendo discutido � a mat�ria, as
formas em estados permanentes, o lugar como um espa�o imut�vel. Geografias se fundem
e s�o transplantadas, corpos se tocam no planeta, o mundo � um grande organismo vivo
que circula nos vasos comunicantes da redes.
Parece-nos bastante evidente que nestes �ltimos vinte anos houve mais descobertas do que
em toda a hist�ria da humanidade. Os artistas est�o se dando conta de uma outra
cosmovis�o que converge com as teorias cient�ficas contempor�neas, que pensam o
mundo em sua complexidade, n�o linearidade, em rela��es ca�ticas de nascimento de
novas ordens pelos fen�menos que interagem no universo. Como registrar um dado
pensamento do mundo de forma fixa e imut�vel sobre um dado material e encerr�-lo sem a
posssibilidade de adquirir outros estados? Ignorando as modifica��es impostas pela
revolu��o eletr�nica e das telecomunica��es, a maior parte da arte que vem se fazendo
hoje e que circula como arte estabelecida ainda compactua com a era pr�-industrial por uma
arte � base da manualidade ou apenas incorporando os inventos da revolu��o industrial,
em descobertas da f�sica e da mec�nica, da matem�tica ou da qu�mica, pela discuss�o
de problemas de resist�ncia, fragilidade, escala, rea��es, qualidades de formas, mas
sempre uma arte que se faz com materiais, ainda distante das tecnologias eletr�nicas.
Palavras como imaterialidade, interatividade, conectividade, imers�o, interface, telem�tica
s�o obrigat�rias neste universo da arte tecnol�gica. A arte tecnol�gica interativa
pressup�e a colabora��o, a parceria, o fim das verdades acabadas, do imut�vel, do linear.
A t�cnica hoje � ampliada pelas rela��es techn�-logos. Hardwares e softwares,
resultantes das conquistas da eletr�nica e da inform�tica, enriquecem os inventos da era
industrial, disponibilizando tecnologias de alta sofistica��o. O surgimento de sistemas que
concentram informa��es dispon�veis em mem�rias est� convidando muitos artistas a
trabalharem impregnados de uma outra cosmovis�o. Neste livro, a arte trama uma floresta
densa de rela��es entre as ci�ncias humanas, as ci�ncias exatas e as ci�ncias da vida,
tratando a arte em sua converg�ncia e complexidade, pela interpenetra��o de problemas
da matem�tica, inform�tica, rob�tica, comunica��o, filosofia, est�tica, �tica,
semi�tica, f�sica, biologia, antropologia, cibern�tica, astronomia e outros campos do saber
humano. Automac�o industrial, rob�tica, vida artificial, gen�tica, engenharia biol�gica
entre outras �reas de produ��o usam informa��es de bancos de dados eletr�nicos e
ampliam as rela��es do homem com as m�quinas.
Com a arte computadorizada, surge a s�ntese num�rica, onde as imagens n�o s�o mais
resultantes do olhar, ou geradas por um olho mec�nico de c�meras que o prolonga, mas
imagens que se escrevem atrav�s de c�lculos matem�ticos e dialogam com o c�rebro
eletr�nico dos computadores. Na numeriza��o das imagens, tecnologias digitais
compatibilizam imagens anal�gicas, transformando-as em um tecido de pontos organizados,
para que os artistas possam manipul�-las infinitamente. Imagens anal�gicas s�o
processadas por variados recursos oferecidos pelos menus dos softwares. O gesto pr�prio e
pessoal do artista � substitu�do por escolhas num di�logo interativo entre seu
pensamento com a m�quina. No caso das imagens sint�ticas, geradas por pura linguagem e
c�lculo, como produtos de linguagem matem�tica, figuras nascem no interior dos circuitos
sem qualquer influ�ncia da luz como grafia luminosa sobre suportes sens�veis. Couchot nos
fala fala de imagens ut�picas e ucr�nicas, sem lugar e sem tempo, porque estas imagens
n�o est�o fixas em nenhum lugar, mas num estado de permanente existir ("M�dias et
imm�dias". In Allezaud, Robert (org.) Oziris, Paris, 1986). Podemos agir sobre elas com
mouses, teclados ou outro dispositivo. Imagens, sons, textos entram para os espa�os dos
bancos de dados e s�o estruturas permut�veis em permanente contamina��o. A autoria
destas imagens e circuitos de intera��o n�o � unicamente a do artista, mas a de
inform�ticos, engenheiros, matem�ticos, t�cnicos, e tamb�m a das m�quinas.
No processo de produ��o da arte tecnol�gica, os artistas estreitam seus la�os com
cientistas e t�cnicos trabalhando numa f�rtil colabora��o. O artista n�o � mais o autor
solit�rio de suas pe�as, produzindo artefatos com ferramentas ou m�quinas, mas utiliza
circuitos eletr�nicos, dialoga com mem�rias e programas dos sistemas, se conecta por
interfaces. Esta situa��o reafirma que a hist�ria da arte � substancialmente uma hist�ria
de meios e linguagens, e que as tecnologias eletr�nicas, pr�prias deste final de s�culo XX,
colocam-se como outros meios de produ��o para os artistas. Novas esp�cies de imagens,
de sons, de formas geradas por tecnologias eletr�nicas e pelos dispositivos tecnol�gicos de
acesso permitem um contato direto com a obra, modificando as maneiras de fruir imagens e
sons. As interfaces possibilitam manipular informa��es que podem ser trocadas,
negociadas, fazendo com que a arte deixe de ser um produto da mera express�o do artista.
Os artistas utilizam tecnologias avan�adas e geram eventos que possibilitam um di�logo
multidimensional atrav�s de redes, oferecendo ao homem a oportunidade de se conectar,
agir e nas redes, modificar a id�ia proposta pelo artista Num sentido social, a posi��o que
a arte interativa deste espectador-participante assume no contexto cultural � de natureza
pol�tica. A arte, sobretudo a arte das redes, n�o est� mais a servi�o de camadas
dominantes nem fica legitimada somente por uma elite social ou econ�mica, n�o est�
limitada a hierarquias, pois a informa��o chega a quem quer que seja no planeta. Da mesma
forma que nas sociedades primitivas, a arte se reconcilia com a sociedade numa rela��o
direta arte/vida.
O Espet�culo Terminou
Como pensar hoje espa�os proibidos, limitados, onde os avisos de n�o tocar, fazer sil�ncio,
n�o mexer, colocam a impossibilidade de partilhar fisicamente a obra do artista? A palavra-
chave para o pr�ximo mil�nio � interatividade.
A revolu��o num�rica introduz a interatividade e p�e fim � no��o de espet�culo
onde a arte � assistida e interpretada como um ato puramente mental. Nas �ltimas
d�cadas, est� sendo proposto que em arte a preocupa��o n�o � somente gerar
imagens, contempl�-las passivamente, construir o sentido por interpreta��es est�reis,
isto �, sem qualquer poder de modific�-las . A arte interativa � totalmente avessa ao
princ�pio de in�rcia. Surge um novo espectador mais participativo que atrav�s de
interfaces tem acesso � obra proposta. modificando-a. S�o as interfaces amig�veis. que
permitem as trocas do espectador com as fontes de informa��o. A contempla��o �
substitu�da pela rela��o. A base desta participa��o na hist�ria das artes � a
passagem das tecnologias anal�gicas, como a fotografia, o cinema e o v�deo, para os
processos num�ricos de gera��o de imagens e sons. A imagem calculada por pontos �
uma imagem quantificada e por sua natureza de matriz num�rica permite o acesso ao seu
tecido em pequenas microunidades que aceitam modifica��es. assim, O contemplador de
um quadro, diante dos limites da moldura, o espectador de cinema, que como numa caverna
povoada de sombras assiste a hist�rias, o zapper que pode saltar por entre v�rios canais,
todos podem agora experimentar sensa��es provocadas atrav�s de dispositivos ao
navegar em sistemas n�o lineares de menus de computador e de textos hiperm�dia. Em
outras situa��o, podem comandar rob�s, entrar em mundos virtuais, websites, ou andar
em instala��es interativas que mesclam o real e o virtual. A obra interativa pede a
participa��o a colabora��o e s� tem exist�ncia quando � ativada e modificada em
tempo real, dando respostas instant�neas para quem as experimenta.
Na interatividade, a base da cria��o art�stica � a metamorfose. As tecnologias
eletr�nicas colocam em cena a possibilidade de tudo se transformar. As trocas de sentido,
entretanto, n�o se d�o somente como atos de interpreta��o, tal como se verifica nas
artes tradicionais. A arte interativa permite uma troca f�sica atrav�s das interfaces que
d�o acesso ao tecido que constitui a obra. A interatividade produz modifica��es f�sicas
percept�veis, � metam�rfica por princ�pio, prop�e a permutabilidade, a muta��o
din�mica, numa influ�ncia rec�proca que dissolve o conceito de autor pela a��o
constante de quem altera a situa��o proposta pelo artista. Ao ser facultada a gest�o dos
conhecimentos simulados nos bancos de dados, ocorre, portanto, outra a��o comunicativa
num jogo entre os componentes simb�licos propostos pelo pensamento do criador, que a
partir de ferramentas amig�veis desencadeia processos de di�logo com o pensamento do
outro.
A situa��o de troca com o objeto art�stico possibilitada ao p�blico se insere
remotamente no princ�pio de incrusta��o ou inclus�o, pr�prio das po�ticas
participacionistas dos anos 60, cuja fonte principal s�o as teorias de origem duchampiana,
retomadas intensamente por John Cage, pelo grupo Fluxus, pelos happenings e outras
manifesta��es da �poca. Esta arte da participa��o foi anunciada fortemente no Brasil
nas figuras exponenciais de Lygia Clark e Helio Oiticica que introduzem a a��o do
espectador participante em tempo real, sintonizados com a id�ia de supera��o da id�ia
de arte como objeto e indo em dire��o a de processo a ser vivido. Eles j� nos convidavam
a vestir roupas, tocar em objetos, respirar, entre ouras participa��es. Propunham a
recep��o como processos participativos por a��es neuromusculares que envolvem o
corpo, n�o se resumindo � natureza intersubjetiva de atos puramente interpretativos que se
d�o na mente. Da mesma forma, para o artista tecnol�gico, interessa uma a��o com
respostas obtidas atrav�s de m�quinas. Logo, o universo participativo de H�lio Oiticica e
Lygia Clark se enriquece a partir das tecnologias eletr�nicas e principalmente pelo digital que
oferece a interatividade num sentido stricto em que podemos penetrar nas informa��es dos
sistemas. As m�quinas recebem nossas informa��es, traduzem nossos comportamentos e
nos devolvem numa real interatividade.
Na AI , Arte Interativa, o participante da experi�ncia � captado por sensores, comanda
robots, veste macac�es e capacetes, usa �culos especiais, manipula mouses, aciona
teclados. Circulando num CD-ROM, manipulando hipertextos, penetrando em ambientes
digitais de instala��es ou imergindo em realidade virtual, conectados em websites, jogando
em computadores, gerando formas de vida artificial, sempre estamos interaindo por resultado
de inputs e outputs, ou em entradas e sa�das, com respostas devolvidas a partir de
m�quinas. � substitu�da pelo conceito de rela��o. Esculturas, objetos e instala��es
n�o somente exploram o espa�o real mas transformam-se, est�o em constante
muta��o. Tocando, assoprando, pedalando, dan�ando, caminhando, respirando, vivemos
em mundos antes n�o experimentados e inacess�veis. O que significa que os artistas v�o
explorar o poder dial�gico das m�quinas, a sua capacidade de entender e traduzir sinais
emitidos num processo de aquisi��o e comunica��o de dados que gera trabalhos "vivos".
S�o �bjetos vivos".
Conforme Stephen Bell, ( LEA, vol. 2, n. 7 , julho 1994) http: mitpress.mit.edu/LEA/articles.txt)
devemos considerar os graus e a maneira de participar. Entretanto, n�o importa em qual
intimidade com o tecido digital, a interatividade gera sempre uma informa��o resultante de
uma colabora��o m�tua do homem com as m�quinas. Dependendo da tecnologia existe
um tipo de colabora��o e o grau e a maneira de controlar a participa��o do participantes.
Existe tamb�m um grau de reconhecimento das inten��es que �s vezes se d� em
sistemas preparados para entrar em processos rand�micos, nos quais as respostas n�o
podem mais ser controladas pelo homem. As seq��ncias de a��es s�o decididas pelo
computadaor e n�o mais pelo interagente, pois a m�quina desenvolve uma s�rie de
opera��es imprevis�veis para o participante da experi�ncia. O que se mant�m,
entretanto, como caracter�stica de todas as tecnologias interativas � o tempo real. Ou seja,
as transforma��es que se d�o no momento mesmo em que o participante determina uma
ordem para o sistema que a entende e a devolve transformada. Para estabelecer esta troca
conjunta, existem sempre os dispositivos de acesso ou interfaces. Estes dispositivos s�o
respons�veis por registrar, traduzir o comportamento do homem com a m�quina e da
m�quina para o homem. E nestas rela��es , o temos feedbacks que n�o seriam
poss�veis sem as m�quinas.O conceito de inter-face � diverso do sur-face( franc�s e
ingl�s = surface ou superf�cie) ou sobre a face. S�o inter-rela��es ou interdecis�es
tomadas por corpos diferentes. No caso, est�o conectados o corpo biol�gico e o corpo
sint�tico das m�q\uinas. A mente do homem e a mente de silicom do computador. O
sistema nervoso biol�gico e as redes nervosas da m�quina.
As interfaces, a rob�tica e o p�s-humano
Para se pensar as rela��es homem-m�quina, temos que entender que as m�quinas s�o
programadas para assumirem determinadas fun��es interativas. S�o constru�das
interfaces ou dispositivos de acesso e os artistas, cientistas e t�cnicos determinam o
comportamento dos sistemas em vari�veis que s�o vividas pelo homem em di�logo com as
possibilidades do circuito. As m�quinas assumem, portanto, uma forte dimens�o
comportamental que est� que est� al�m do costumeiro uso que se faz dos computadores
nas cria��es gr�ficas, vistas em displays luminosos em softcopies ou retornando ao suporte
em hardcopies .
A dimens�o comportamental das tecnologias interativas nos coloca diante do p�s-
biol�gico, da cultura da bioeletr�nica. O participante da experi�ncia est� diretamente
confrontado com dispositivos virtuais que, como corpos sint�ticos, aceitam e transformam
a��es do corpo biol�gico. Estas interfaces movimentam estruturas cerebrais e manipulam
dados biol�gicos. O corpo como aparato biol�gico entra num curto-circuito plurissensorial
onde sua modalidade anal�gica se funde a modalidades digitais. Os sentidos capturados por
dispositivos de acesso s�o digitalizados pela numeriza��o, e a percep��o e
compreens�o funcionam de forma integrada numa mescla da vida org�nica e inorg�nica.
Experimentamos navega��es, conversa��es, imers�es, conex�es nas trocas com
sistemas. Na arte interativa, na rob�tica, na realidade virtual, o "trompe l’oeil", em suas
opera��es visuais e retinianas, � ampliado pelo "trompe les sens", por apelos sinest�sicos
do corpo que se refaz em m�ltiplas conex�es dos sentidos com as possibilidades dos
sistemas.
Vivemos uma outra natureza onde o corpo humano e os sistemas artificiais est�o numa
estreita simbiose do tecnol�gico/artificial/natural interfaceado ao f�sico/real e
virtual/digital ( Domingues, Diana FleshFactor). A eletr�nica est� ampliando a intelig�ncia e
a percep��o traduzidas em paradigmas computacionais e a comunica��o com as
m�quinas est� determinando a fus�o de sistemas naturais inteligentes com sistemas
articiais inteligentes.
A Arte Interativa reorganiza camadas de sensibilidade, ampliando o campo de percep��o
em trocas e modos de circula��o atrav�s de redes e circuitos de informa��o e se coloca
de forma diversa da arte dos suportes mat�ricos. Com isto, est� se gerando uma
mentalidade pr�pria da era digital em que a utiliza��o de dispositivos tecnol�gicos �
mais do que prolongamentos sensoriais de natureza mcluhiana, como, por exemplo, o
bin�culo, as c�meras e outras m�quinas de olhar. O corpo humano pelo di�logo com
softwares se conecta com c�rebros eletr�nicos que nos levam a processos cognitivos e
mentais de uma outra natureza.
A simbiose do homem com a m�quina � um foco de estudos da rob�tica que coloca em
quest�o as rela��es corpo/m�quina. A m�quina, cria��o humana, est� dando ao
homem poderes ultra humanos (Teillard de Chardin) A arte feita com m�quinas sempre conta
com o humano. Atr�s de mouses, teclados, luvas, na ponta de fios, cabos, h� um homem
com a sua energia natural que se funde � energia das m�quinas. O sangue tem o mesmo
valor que a corrente el�trica. As a��es de um corpo tecnologizado determinam
mudan�as nas formas de sentir, numa rela��o de vida na qual os dispositivos sentem e
devolvem a energia do corpo. Os dispositivos sentem em nosso lugar e n�s sentimos
diversamente com eles. As tecnologias ampliaram o campo de percep��o por novas formas
de existir antes n�o permitidas por um corpo somente biol�gico.Os sistemas transformam
as ordens que lhes s�o dadas com uma l�gica pr�pria. Logo, funcionam fora de nosso
corpo. A ordem � dada � m�quina que a identifica e a executa separadamente do corpo.
Com as tecnologias computadorizadas, o homem est� se entregando cada vez mais �
capacidade das m�quinas de modificar seu pensamento. No caso de aplica��es de redes
neurais, estamos diante de redes nervosas que ainda bastante simplificadas , procuram
simular o funcionamento do sistema nervoso central, podendo tratar problemas n�o-
lineares, atrav�s de algoritmos. Os sistemas de reconhecimento de voz, as redes neurais e
outras pesquisas avan�adas integram a arte � inform�tica e automa��o industrial. No
caso da rob�tica, as m�quinas agem com capacidades similares ao do homem. Os
telerrob�s, agem em espa�os remotos, vasculhando a superf�cie lunar, plantando ou
colhendo materiais, ampliando nossos bra�os, pernas, olhar. A partir da cibern�tica, as
m�quinas governadas pelos homens utilizam circuitos nervosos que procuram simular o
funcionamento de nosso c�rebro. Programas que fazem opera��es pr�prias de nossso
c�rebro como por exemplo c�lculos, processamento de linguagem matem�tica,
manipulam linguagens simb�licas, em resultados at� mesmo imposs�veis de serem
pensados pelo homem, como � o caso da geometria fractal. Sat�lites v�em a Terra do lado
de fora e processam informa��es codificadas em sinais que emitem vis�es do cosmos.
Computadores jogam xadr�s, comandam o funcionamento de portas, de v�os a�reos, de
circuitos de empresas. E o que pensar das leituras de um corpo em finas fatias, obtidas por
uma tomografia computadorizada, de uma ecografia que interpreta e faz imagens de sons do
corpo, ou de videolaparoscopia, que com uma microc�mera penetra nas v�sceras de um
corpo em pleno funcionamento? Cada vez mais as m�quinas est�o tendo capacidades
al�m do humano. Mas sabemos que ainda estas m�quinas m�o conseguem tomar
decis�es como trocar um antibi�tico por outro.( Moravec, Hans. Il Robot universale. In Il
Corpo Tecnologico. Capucci, Pier Luigi, (Org.).
As redes de comunica��o
Nas dimens�es de um corpo planet�rio, se colocam os eventos das redes com encontros e
intera��es � dist�ncia, determinando o surgimento de comunidades virtuais, formadas
por afinidades. Na cultura das redes, ganha especial evid�ncia o fato de que as tecnologias a
servi�o da arte, entre outras altera��es no circuito art�stico-cultural, desencadeiam
processos de di�logo pelos dispositivos de comunica��o que permitem a intera��o
din�mica da experi�ncia art�stica, propondo a participa��o, o di�logo, a
colabora��o entre parceiros. Os artistas utilizam a rede para transmiss�es onde
pensamentos, conceitos v�o sendo acumulados e trocados por outros conceitos em tempo
real, n�o interessando, mais a no��o de objeto ou de representa��o, mas a id�ia de
fluxo, evento. Pelas redes, numa trama, se verificam trocas imediatas no ciberespa�o. A arte
circula no planeta e os computadores e as telecomunica��es ganham dimens�es
art�sticas. O artista se dispersa em redes e terminais, em favor de uma cria��o
distribu�da. Modifica-se o conceito de artista como autor �nico, e a "obra" assume
intensamente sua fun��o comunicacional. � socializada em fronteiras compartilhadas pelo
autor e pelo p�blico.
A presen�a da rede Internet nos �ltimos anos faz proliferar os websites art�sticos, muitos
deles permitindo uma real presen�a dos interagentes. Nessa outra perspectiva se colocam
tamb�m os netmuseus, as netgalerias, os netmagazines que disseminam informa��es
sobre arte no espa�o planet�rio. Al�m dos aspectos comunicacionais das obras art�sticas
propostas em rede, o espa�o da Internet se coloca, portanto, como um lugar onde obras de
arte, acervos podem ser consultados, configurando um espa�o sociocultural aberto, sem
v�nculo com as estruturas institucionais ou particulares e abolindo o car�ter hier�rquico
que lhes � pr�prio. Cat�logos eletr�nicos que utilizam os suportes multim�dia
interativos s�o veiculados, assim como disquetes substituem cat�logos impressos da
gr�fica eletr�nica. As conex�es que se fazem na rede demandam um pensamento
associativo, n�o-linear, que explora estruturas manipul�veis, atrav�s de links, que
permitem abrir e fechar janelas no espa�o da rede.
Surge uma cibersociedade com uma ciberpercep��o, e uma "consci�ncia global" de
mentes conectadas. O corpo assume a capacidade de circular no planeta, transpondo
geografias, entrando em zonas privadas de intimidade de casas, se conecta numa rede mundial
que elimima quelquer diferen�a sociais �tnicas ou pol�ticas numa mente global. ou num
hiperc�rtex, como diz Roy Ascott.
Entretanto, teorias apocal�pticas v�m um grande perigo no homem ramificado em
m�quinas sedutoras e atribuem �s tecnologias um car�ter alucinat�rio e alucin�geno,
como drogas que est�o aprisionando o homem em exist�ncias virtiuias de alta
sofistica��o das programa��es computadorizadas que acabar� por escapar ao controle
humano. Deve-se, por uma exig�ncia desta era digital, tentar entender os limites do
biol�gico ampliado. Em uma situa��o extrema, estamos mesmo num est�gio avan�ado
de manipula��o de informa��es que n�o s�o mais feitas por energia ou massa, mas
por rematerializa��es de informa��es, ou seja, dados informacionais que geram vidas
como a de Doly.
Parece-nos que longe de nega��es ou temores, h� que se pensar em novas formas de vida
que reconfiguram e redefinem o que significa ser humano. Neste panorama do homem
sempre assistido por um computador, ocorre uma comunica��o integral e integrada com
sistemas informatizados, numa esp�cie de desmaterializa��o do corpo onde os �rg�os
humanos s�o conectados a m�quinas. Neste final de s�culo, est� se delineando uma
simbiose homem-m�quina e anunciando, para o pr�ximo mil�nio, uma situa��o onde
ser� cada vez mais dif�cil distinguir "a pr�tese no humano e a parte de carne na
m�quina", diz Bernard L�vy. O radicalismo do artista australiano Stelarc postula que o
homem poder� at� mesmo "determinar o destino de seu DNA. Como diferenciar o que �
humano neste enorme fading do org�nico e do inorg�nico? Que subjetividade � esta que
se transmite atrav�s de circuitos, na intimidade digital do cibespa�o com suas c�lculos ou
unidade m�nimas que como pedrinhas podem ser tocadas em sua microestrutura?
No campo da arte, passamos do espa�o das cavernas, �s videoconfer�ncias, �
telepresen�a, numa soma da rob�tica com as telecomunica��es, � Realidade Virtual,
com suas vis�es estereosc�picas que eliminam o quadrado da tela e abrem o espa�o de
ambientes digitais. Chega-se � arquitetura do ciberespa�o, os menus eletr�nicos, aos CD-
ROMS, aos websites. N�o importa em qual situa��o, a sensiblidade humana deste final de
s�culo est� se fazendo em ambientes tecnologizados. O que est� interessando aos artistas
s�o estas contamina��es do humano com o sil�cio, os neur�nios em simbiose com as
sinopses nervosas dos circuitos l�gico-program�veis em associa��es que amplificam o
humano. Os artistas est�o checando o poder das m�quinas em ampliar sua exist�ncia.
Cabe aos artistas verificar o potencial sens�vel das tecnologias. Diz McLuhan: "N�o � no
n�vel das id�ias e dos conceitos que a tecnologia tem seus efeitos: s�o as rela��es dos
sentidos e dos modelos de percep��o que ela muda pouco a pouco e sem encontrar a
m�nima resist�ncia. S� o artista pode enfrentar impunemente a tecnologia porque ele �
um especialista em notar as trocas de percep��o sensorial".
Parece-nos que � importante arriscar em vis�es de que no s�culo XXI, imersos numa
realidade mediada, intensamente conectada �s m�quinas, os homens estar�o usando mais
e mais interfaces, interagindo em muitos momentos de sua vida. Da mesma forma que aTV,
para se fazer uma analogia com o momento contempor�neo, as tecnologias interativas
ser�o extremamente facilitadas ao homem que estar� reinventando sua vida e
determinando uma outra natureza da esp�cie. (Domingues Diana, In: Mechanistic Baggage.
Sherman, Tom, Moderator. Netsymposium FleshFactor, Ars Electronica Festival, 1997). No
contexto das intera��es digitais, cada homem poder� dizer a si pr�prio: "eu sou na
medida de minhas conex�es".
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