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A INDEPENDÊNCIA DO INDEPENDÊNCIA OU MORTE:
Uma análise da Semana de Arte Moderna de 1922
Raphael Barbosa
Resumo: O presente artigo, no âmago de suas disposições, visa elucidar o
surgimento de uma classe burguesa no país, sedimentada culturalmente pela
subversão dos elementos de cunho modernista então em voga na Europa. De forma a
contestar no Brasil a dinâmica sociocultural e mesmo econômica imposta pela
aristocracia dominante enraizada no Rio de Janeiro caracterizada pela total aversão
às singularidades existentes no país, em favorecimento de elementos exteriores.
Desse modo, a assimilação do modernismo por estes intelectuais, alocados
principalmente no Estado de São Paulo, demonstra a inquietação de uma classe
emergente insatisfeita com as concepções inscritas sobre a noção de civilidade
disseminada pela elite passadista instalada no Rio de Janeiro.
Palavras-chave: Movimento Modernista, Modernidade, Modernização.
Abstract: This paper intends above all to elucidate the advent of a Brazilian
middleclass culturally sedimented through the subversion of the modernist elements,
highly fashioned in Europe than. It is also intended to contest the economic and
social-cultural dynamics imposed in Brazil by the dominant aristocracy rooted in
Rio de Janeiro which was characterized by its general aversion to the country‟s
singularities on behalf of/ on detriment of overseas elements. This way the
assimilation of the modernist movement by the intellectual who constituted such
aristocracy, most of them living in the State of São Paulo, shows the dissatisfaction
of an emergent class towards the ideas built upon the concept of civility that was
carried out by the anachronic elite of Rio de Janeiro.
Keywords: Modernist Movement, Modernity, Modernization.
1. INTRODUÇÃO
A história do movimento modernista e sua dispersão pelo mundo com o advento
das tecnologias de massa, como o rádio e o cinema ao que se pode notar encontra um fértil
campo de analise. Ainda que o presente movimento de cunho modernista venha a seu modo
atado as concepções de modernidade e modernização formando uma verdadeira simbiose, sua
assimilação coincide com a presente análise de tendência econômica e sociocultural então
cunhada no presente artigo. No Brasil a inserção do modernismo ao seu modo, revela a
ambigüidade existente entre as classes que dominavam a cena política, econômica e cultural
do país, de modo que a emergência da burguesia com o advento da República impulsionou a
tomada de posição dessa classe.
Nesse quadro a insatisfação dos intelectuais, presentes primordialmente em São
Paulo revela tanto um sentimento da classe, vislumbrando maior participação política por
Graduando do Curso de licenciatura em História da Faculdade Alfredo Nasser.
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conta de sua promissora dinâmica econômica, quanto um embate frente às imposições
culturais da elite aristocrática. Aglutinada na Capital Federal essa elite, demonstra sua total
aversão às reais peculiaridades de uma nação impossibilitada de aclamar suas singularidades
em detrimento de forças exteriores que descaracterizavam sua identidade. Em consonância
com o cenário esboçado o movimento modernista nascido na Europa, entre os séculos XVIII e
XIX, revela o contraste entre as forças da tradição e da inovação. Ao seu modo esse
movimento visava desestabilizar o convencionalismo das artes, representado nestes moldes,
pelo culto das tendências clássicas.
A inserção do movimento modernista no Brasil no Brasil dessa forma revela o
sufrágio inscrito sobre o dinamismo sociocultural e econômico importado para o país. Onde
se pode notar a postura cômoda de uma aristocracia dominante com os pés no Brasil e com as
ideias exportadas da Europa, principalmente em Paris. Essa conjuntura vem a cercear as
singularidades do Brasil desde sua formação colonial, com maiores agravantes a partir da
chegada da família real portuguesa em 1808.
Ainda que o advento da República viesse a emancipar o país em termos políticos,
esse ranço estabelecido desde o período colonial estava ainda sedimentando o bojo intelectual
de uma elite notadamente influenciada pela mentalidade aristocrática então deposta, com foco
primordial voltado às relações dinâmicas estabelecidas na Europa. Demonstrando sua forte
predisposição em aceitar as premissas estabelecidas no exterior, enquanto símbolo a ser
seguido ou literalmente copiado. Nesse quadro, frente às posições assumidas pelos
intelectuais na Semana de Arte Moderna de 22, é possível perceber a critica então inscrita em
suas obras; vislumbrando sua emancipação enquanto indivíduos marcados pelas
singularidades esboçadas em seu meio.
2. O MOVIMENTO MODERNISTA NA EUROPA
O movimento modernista na Europa se caracteriza por uma negação ao passado
aristocrático e sua intrínseca tendência elitista no tocante às artes clássicas. O que deixava
dessa maneira as demais inovações à margem de suas predisposições. Somado ao efervescente
período e a condição estabelecida pelo estado de confronto esse movimento emergido no
período de fins do século XVIII e inicio do XIX demonstrará a insatisfação de uma classe
burguesa sedimentada pelo “[...] processo de racionalização que atinge as esferas da
economia, da política e da cultura.” (SILVA, 2005, p.298).
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Segundo Hobsbawn (1995), no ano de 1914, praticamente tudo que se pode
chamar pelo amplo e meio indefinido termo de “modernismo” já se achava a postos na
Europa. O movimento modernista abarcava uma gama de indivíduos flagelados pelas
concepções convencionais do pensamento europeu. Ainda que essa elite convencional esteja
atada às grandes revoluções, ao que se nota é que ainda havia um ranço intrinsecamente
arcaico em suas conotações. O advento da Revolução Industrial e mesmo da Revolução
Francesa além do Iluminismo engendravam um discurso que descaracterizava as denotações
aristocráticas em prol dos ideais da modernidade.
Nesse sentido, “Podemos definir a modernidade como um conjunto amplo de
modificações nas estruturas sociais do Ocidente.” (SILVA, 2005, P.297). Na esfera
econômica se nota o abandono das formas de produção feudais ou pré-capitalistas, a
fundamentação de uma técnica racional de contabilidade e uma administração fundamentada
pelo Capitalismo. Politicamente se assiste a estruturação do Estado Moderno, com sistema de
tributação, força militar, legislação estatal e burocracia racional. No tocante a cultura, é
perceptivel o poder de compreensão do mundo por intermédio da ciência.
Nestes termos, o movimento modernista em suas mais variadas diretrizes, se
caracteriza enquanto um elemento de contestação por seu embate ao autoritarismo
aristocrático e suas demais concepções. De acordo com Berman (1986, p. 30), “O movimento
moderno subverte a unidade da cultura”, „estilhaça a cosmologia racional‟ que subjugaz à
burguesa visão de um mundo ordenado segundo bem-comportadas relações espaço-tempo.”
A presente vanguarda de caráter modernista vem ao que parece, sendo
sistematizada mesmo antes do agonizar do século XIX. O nascente século XX aporta já com a
influência dessa tendência, sendo o pós 1914 marcado predominantemente por duas inovações
da vanguarda emergente, o dadaísmo e o construtivismo. O dadaísmo adquire características
idealizadas por um grupo heterogêneo de exilados em Zurique, marcado por uma ideologia de
caráter niilista, este se expressa em detrimento de uma discussão das bases e valores
tradicionais; contestador insufla em 1916 um protesto contra a Primeira Guerra Mundial e à
sociedade que se mantinha a quem da mesma e de sua arte.
O construtivismo será incorporado à arquitetura predominante e ao desenho
industrial promovendo algumas manifestações públicas na União Soviética. Ao que parece o
construtivismo pouco fez, senão aumentar o arcabouço do modernismo arquitetônico, sendo
verdadeiramente assimilado à escola dominante.
Esfacelado no início da década de 20 pós Guerra Mundial o dadaísmo influência a
ascensão do surrealismo. Essa tendência de vanguarda, portanto, brota de novas problemáticas
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alçadas pelo fértil campo da psicanálise. Não sem levar a cabo as influências mais latentes de
seu primogênito, ou seja, o total desprezo pelas inovações formais almejadas pela então
vanguarda dominante do movimento modernista, abrindo mão da rígida tendência acadêmica
do século XIX, focando na ruptura das bases tradicionalistas.
Desse modo as particularidades da vanguarda modernista estabelecida são
características da soma de uma corrente de experiências e expectativas, onde seu
campo de influência nas artes provocou sua própria ampliação; fragmentada nas
múltiplas formas de expressão artística, nesse sentido se nota que, “[...] estas foram
ampliações da revolução da vanguarda nas grandes artes.” (HOBSBAWN, 1917, p.
181). Somada a presente revolução de cunho cultural, percebe-se o crescimento de sua
dispersão na Sociedade Européia, onde:
Três coisas se podem observar sobre essa revolução na era dos cataclismos: a
vanguarda se tornou, por assim dizer, parte da cultura estabelecida; foi pelo menos
em parte absorvida pela vida cotidiana; e – talvez acima de tudo – tornou-se
dramaticamente politizada, talvez mais que as grandes artes em qualquer período
desde a Era das Revoluções. E, no entanto, jamais devemos esquecer que, durante
todo esse período, continuou isolada dos gostos e preocupações das massas do
próprio público ocidental, embora agora o invadisse mais do que esse público em
geral admitia. A não ser por uma minoria um tanto maior que antes de 1914, não era
do que a maioria das pessoas real e inconscientemente gostavam. (HOBSBAWN,
1995, p. 181).
A presente vanguarda, com ênfase ao caráter da revolução cultural empreendida
pelos modernistas, marca sua ascensão de classe burguesa aos meios de influência que é
factível chamar de Sociedade Civil organizada. Representa tanto um discurso característico,
quanto uma ideologia subjacente à clássica, esta última refutada, mas não desprezada. Tanto
que suas especificidades mescladas à moda e mesmo à tendência convencional, formalizaram
sua postura e proporcionaram um maior nível de aceitabilidade frente aos temas de viés
cultural, o que vai lhe promulgar uma maior aceitação.
Essa revolução de cunho cultural evidencia a emergência de uma classe burguesa
alimentada pelos ideais da Revolução Industrial da Revolução Francesa e principalmente do
Iluminismo, acima de tudo buscam sua afirmação enquanto classe galgando dentro da esfera
social sua ascensão. Sua subversão ao convencional ira proporcionar - não sem embate -
maior status social, frente a uma elite aristocrática arisca à suas posições inovadoras.
Uma das ferramentas utilizadas para propagação destes ideais, enquanto elemento
emblemático, tanto por seu direcionamento, quanto por seu caráter clássico, visando atingir
extensões maiores, será o balé, traduzindo em si o discurso predominante, além de seu
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inusitado caráter aristocrático; essa atitude por sua vez vai reivindicar sua ascensão, ao que
chamamos de Sociedade Civil Organizada, onde predominava uma elite avessa às inovações
propostas pelos modernistas.
O balé por sua vez, não vai se caracterizar como elemento universal de difusão da
vanguarda e suas proposições que, – de certo modo - concomitantemente atrelados às
especificidades de cada país vai se condicionar de acordo com as peculiaridades de seu meio,
levando em consideração a tendência predominante de cada região. Assim não figura
enquanto uma vertente divulgada a todo o mundo ocidental, ainda que mantivesse continuo
prestigio em Paris onde grandes regiões de elite cultural, com substancial reforço pós 1918 de
expatriados norte americanos lhe mantivesse hegemônica. A universalidade dessa propaganda
é marcada notadamente por sua ideologia, que pode aqui ser denominada de espírito da
modernidade.
O espírito da modernidade do qual se trata aqui é, portanto, a mudança
característica empreendida pelos modernistas, influenciados pelas grandes revoluções de seu
período, somado ao advento da racionalidade e o período estabelecido no entreguerras. O
individuo passa a ser visto à luz da razão, suas relações sociais, econômicas e culturais serão
homologadas pelas leis da sociedade civil, não mais por um viés cosmológico cerceado de
características que engendram um ideal de submissão em consonância com as determinações
da Igreja.
Essa burguesia emergente tem em suas determinações a consciência de uma
sociedade modernizada, nestes termos, portanto vai enviesar sobre as determinações da classe
aristocrática antagônica uma maior liberdade em suas relações, vislumbrando maior
habilidade em transfigurar a natureza ao seus ideais de forma a forjar à modernidade,
mantendo um ilimitado controle sobre a natureza, viabilizando autonomia aos indivíduos, sem
levar em consideração as distinções sexuais, raciais e de credo. “No entanto, a modernidade
realmente posta em prática pelo Ocidente desde o século XIX, a chamada modernidade real
gerada pelo Liberalismo e pelo Socialismo, não foi capaz de emancipar o homem.” (SILVA,
p. 299).
O cinema e o jazz podem ser considerados elementos singulares na divulgação
desses ideais pelo mundo. O cinema enquanto ferramenta emblemática desse discurso emerge
em meio a Primeira Guerra Mundial, inaugurando um peculiar florescimento cinematográfico.
De acordo com Hobsbawn,
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O impacto da vanguarda no cinema comercial já sugere que o “modernismo”
começava a deixar sua marca na vida diária. Fez isso obliquamente, com produções
que o grande púbico não considerava “arte”, e conseqüentemente não tinham de ser
julgados por um critério de valor estético a priori: primeiramente na publicidade, no
desenho industrial, na arte gráfica comercial e em objetos genuínos. (1995, p. 184).
A adoção dessas novas tecnologias pela vanguarda modernista proporcionou à
mesma uma maior habilidade de propagação de suas idéias, o impacto de suas predisposições
englobou tanto as elites aristocráticas, quanto a massa propriamente dita. Marcado por esse
viés cinematográfico o modernismo abrange seu leque de divulgação se tornando elemento de
múltiplas diretrizes, seu caráter contestador toma as ruas ainda que implicitamente.
O jazz ao seu modo ainda que de maneira insípida - num primeiro momento -
demonstrara todas as características que lhe proporcionaram coesão com a vanguarda
modernista, ou seja, fugia à regra dos contrastes convencionais então estabelecidos.
“Qualquer que fosse a linhagem local de modernismo, entre as guerras ele se tornou o
emblema dos que queriam provar que eram cultos e atualizados.” (HOBSBAWN, 1995, p.
183).
As artes de caráter popular foram por sua vez, restritas basicamente às forças
tecnológicas e industriais: imprensa, cinema, câmera, disco e rádio. Estas artes foram
disseminadas pelo mundo com a revolução nas comunicações, como é o caso do tango na
Argentina, o jazz nos Estados Unidos e o Samba no Brasil. Este último vai demonstrar o
caráter do movimento modernista no Brasil caracterizado por um aviltamento emergente de
sua nacionalidade ainda a se moldar, demonstrando seu total desprezo pelas então premissas
exteriores que imprimem uma característica aos indivíduos brasileiros.
O modernismo no Brasil em consonância com o movimento deflagrado na Europa
tem na subversão “[...] de tudo o que há de mais vital e belo no próprio mundo moderno.”
(BERMAN, 1986, p. 280) seu principio elementar de sustentação. Sua transfiguração do
modernismo europeu aos seus anseios vem em direção à formação sociocultural e mesmo
econômica do país, haja vista que a modernidade enviesasse “[...] ideias de que para ser
moderno era preciso ser o mais parecido possível com a Inglaterra ou com a França, vistas
como o centro da civilização [...]” (NEVES, 2004, p. 16). O modernismo à brasileira se
caracteriza, portanto, por sua alcunha contestadora frente aos emblemas arcaicos erguidos sob
a égide Imperial trazendo consigo um ranço intrinsecamente colonial de caráter meramente
copiador em consonância com uma elite dominante avessa as peculiaridades de sua terra.
3. O ADVENTO DO MODERNISMO NO BRASIL: ARAUTOS DA MODERNIDADE.
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No tocante a essência do movimento modernista, difundido pela Europa, se nota
uma abrupta negação ao passado clássico e aristocrático das instituições, das múltiplas
relações estabelecidas entre os indivíduos e a arte – propriamente dita. A vanguarda em si se
caracteriza por uma busca à modernização no tocante as suas relações com o todo social,
reverberando o convencional e aplicando suas predisposições de caráter inovador sem romper
veementemente com seu contraponto nostálgico.
O advento do modernismo no Brasil ao que se pode assistir não vai se diferenciar
tão drasticamente das proposições estabelecidas pela vanguarda na Europa, no tocante a sua
postura, ou mesmo caráter ideológico. Sua principal e mais latente predisposição no Brasil
será marcado a rigor por uma negação ao passado Colonial, imprimindo uma inovadora
mentalidade influenciada tanto e, principalmente, por sua dicotomia nacional, quanto pela
mundial.
Desse modo, de acordo com Fiorati,
Se o modernismo brasileiro fosse um super-héroi, o bandido da história seria o rigor
formal das escolas artísticas vigentes no inicio do século 20. Em especial as
inflexões estéticas e temáticas do Parnasianismo – que se opunha ao
sentimentalismo romântico e exigia uma descrição objetiva e impessoal das coisas,
além de versos rimados e um vocabulário preciso – e do Simbolismo, que
conservava as regras de versificação dos parnasianos, embora diversificasse os
temas abordados. Nas artes plásticas foi colocada em xeque a expressão
academicista, que valoriza pinturas de paisagens, retratos realistas e naturezas-
mortas. De uma idéia de liberdade de expressão expandida cristalizaram os pilares
do novo movimento. (2010, p. 32).
Frente a essa perspectiva é evidente o caráter revolucionário da vanguarda à
brasileira de vertente modernista em infligir uma postura de viés revisionista nas artes, não
sem influências intrinsecamente econômicas e socioculturais. No Brasil o advento do
modernismo se diversificara frente à vanguarda européia no que diz respeito a suas
características nacionais aviltando a negação da elite dominante caracterizado por tudo que é
demasiadamente brasileiro.
O país entre fins do século XIX e inicio do XX evidencia a influência exercida
dessa vanguarda de cunho modernista nos campos da política, nas relações econômicas e
socioculturais então estabelecidas. O cenário nacional com ênfase em sua elite, ao seu modo,
refletira nessa tendência dos modernistas, ao usurpar das influencias exteriores, e se lançar a
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uma perspectiva inovadora ainda que descaracterizada ou mesmo avessa às predisposições
peculiares de seu meio.
De fato tudo que se pode definir enquanto artes, costumes e influencias das mais
variadas áreas do conhecimento principalmente nas duas primeiras décadas do século XX são
exportadas da França para os trópicos. Se pode mesmo dizer de uma “Belle Époque”1 carioca
onde se assiste a uma ocidentalização sem preceitos de uma sociedade ainda sem identidade.
O centro político, econômico e sociocultural do país - Rio de Janeiro - enquanto pólo
disseminador e assimilador de idéias demonstra em suas posições todos os elementos
emblemáticos e simbólicos de contestação da vanguarda modernista no Brasil.
As artes francesas causavam verdadeiro frison na então capital do país e ao
mesmo tempo descaracterizavam seus indivíduos. De acordo com (Pechman e Júnior, 2009, p.
61-62) “O passaporte para a entrada no mundo moderno, recamado de ouro e de finesses de
uma burguesia inebriada por Paris, [...] era a condenação à sociedade brasileira e à sua
mesmice, expressa no personagem de Monteiro Lobato, Jeca Tatu”. Essa tendência ao que
parece vai enviesar fortes influências sob as mais variadas perspectivas dessa sociedade
marcada por seu ranço colonial.
Nesse sentido, em literatura, a postura adotada frente à intelectualidade boêmia do
presente período - remanescente do nicho romancista - será destituída e marginalizada pela
criação da Academia Brasileira de Letras em 1896.
Chegou-se, pois, a uma época em que diferentes estilos de vida travam uma luta pela
hegemonia e legitimação de idéias, demonstrando o nascimento de uma estratégia de
domesticação e de legitimação oficial em processo de formação, que será
responsável pela marginalização daqueles que não se enquadrarem nos seus cânones.
(MARTINS, 2001, p. 23)
Essa condição revela o aburguesamento da atividade literária intermediada por
influencias que no âmago de suas predisposições, do mesmo modo que “[...] traz consigo os
valores de utilidade pratica e eficácia deslocando para margem os traços que pudessem
lembrar à cidade sua antiga situação de precariedade (MARTINS, 2001, p, 21)” Essa
ocidentalização revela que a elite dominante buscava se afirmar e mesmo se modernizar aos
moldes franceses negando tudo o que existe de mais peculiar sob o solo brasileiro. Ainda que
contrapondo seu passado esta continua impregnada de seu ranço colonial se mantendo atada a
predisposições alheias de seu meio.
1 A Bela Época à francesa. Período caracterizado pela tentativa de incorporar o cosmopolitismo e modernidade
existente na Europa, entre o final do século XIX e a eclosão da Primeira Guerra Mundial.
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Na capital portando, se percebe o processo de inserção à modernidade marcada
pela total renovação da região central da cidade, tanto em termos sociais quanto estruturais.
Ao mesmo tempo percebesse o advento e constante amadurecimento do discurso modernista -
ainda sem um grupo homogêneo como ocorrera em São Paulo - vislumbrando rechaçar uma
elite passadista intrinsecamente marcada por esse ranço colonial e aristocrático. Essa elite ao
contrario dos modernistas de São Paulo em 1922 não estão em consonância com as
peculiaridades de seu país, o que demonstra sua vaga idéia de modernidade.
Os impactos mais latentes de aviltamento à modernidade infligida sob essa
aristocracia dominante no país será a abolição da escravatura e a proclamação da Republica.
De maneira direta a abolição da escravatura gerava algumas dissensões e levava mesmo a
algumas conseqüências de viés econômico, ao mesmo tempo em que viabiliza uma
perspectiva de caráter político e social marcado pelo branqueamento da sociedade, idéia então
em voga na Europa cerceada pelo darwinismo social. Com o fim do trabalho escravo e com a
adoção dessa política de branqueamento da sociedade o governo passa a investir e colaborar
ainda mais com a imigração de europeus para o Brasil, ao mesmo tempo em que condiciona
essa fração de classe à quase miséria absoluta.
Esses imigrantes vindos da Europa especialmente Itália, Portugal e Espanha,
dariam conotações interessantes ao futuro dessa sociedade; ao que parece esses imigrantes
galgam terreno no país antes mesmo de instituída a Republica. A facilidade de assimilação à
sociedade e cultura brasileira seria viabilizada pela proximidade de suas línguas. Essas
perspectivas por sua vez estão impregnadas pelo otimismo da então elite dominante,
almejando que essas diferenças étnicas fossem com tempo, assimiladas na criação de um novo
corpo social – branqueamento da sociedade.
Em década anterior à República de acordo com Carvalho percebesse que, no Rio
de Janeiro, (1987, p. 16) “a população quase dobrou entre 1872 e 1890, passando de 266 mil a
522 mil. A cidade teve ainda que absorver uns 200 mil novos habitantes na ultima década do
século.” Essa máxima revela a proporção populacional existente na Capital a partir das
primeiras grandes levas de imigrantes, um verdadeiro colapso social seguido da paupérrima
situação das moradias existentes. Somados a esse considerável nível de imigração sobram aos
brasileiros, o analfabetismo, o desemprego além da condição de afrodescendente a mercê das
prerrogativas dessa elite dominante.
Neste cenário se assiste a uma maior e multifacetada disseminação de ideias
trazidas pelos imigrantes europeus ainda que imprimisse essa idéia de cidade cosmopolita, a
intenção dessa elite dominante no país tem claras consonâncias com as então idéias
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doutrinarias européias e norte-americanas. No trabalho o número de pessoas mal remuneradas
ou sem ocupação fixa vai refletir sobre sua atuação entre a legalidade e a ilegalidade de seus
serviços, ainda que alguns pratiquem ambos. De qualquer forma as intervenções que estavam
por vir iriam a curto prazo descaracterizar essas problemáticas sociais haja vista a maior
disponibilidade de empregos.
De fato grandes inovações de aviltamento a modernidade estariam por vir sob a
égide republicana. Ficaram a cargo da presidência de Rodrigues Alves os mais proeminentes
investimentos que viriam a identificar materialmente os ares desse processo incansável. Nota-
se aqui uma reorganização urbanística drástica na capital além de uma fiscalização sanitária
veemente, os ares da modernidade desembarcam então no país. O século XX aporta com as
mais eminentes possibilidades de inovação nas mais diversas diretrizes. Para tanto a
presidência nomeia para prefeitura da capital o então engenheiro Perreira Passos e para a
direção do Serviço de Saúde Publica o médico Oswaldo Cruz proporcionando plenos poderes
a estes indivíduos em suas áreas de atuação.
As reformas efetuadas por Pereira Passos na capital do país entre 1902-1906
parte de uma influência urbanística parisiense, erguida sob a perspectiva Haussmaniana que
defronta latentes apelos da então elite dominante e a condição do centro da capital marcada
por vendedores ambulantes, ruas estreitas e principalmente por cortiços. Assim como ocorreu
em Paris o centro da capital fora reformado e valorizado com o deslocamento e expulsão das
classes baixas para a periferia da cidade sendo posteriormente entregue à burguesia
aristocrática. Predomina dentro desta premissa o alargamento e prolongamento de ruas, a
criação de novas avenidas e bulevares além da renovação do eixo central com iluminação
elétrica, serviço de bondes e novo calçamento.
A deposição dessas pessoas à periferia ainda que abarque a modernização visual
da cidade, acarreta um inúmero e variado sentimento de revolta aos então indivíduos
marginalizados por sua condição. As reformas sanitárias empregadas pelo médico Oswaldo
Cruz em consonância com essas reformas estruturais na capital vão proporcionar corpo a uma
revolta peculiar e característica de um ideal modernista. As disposições do então médico
encarregado pela saúde pública são marcadas pela formação de Brigadas sanitárias
direcionados a visitas de caráter interventor acompanhada de policiais.
Carvalho saliente que,
Tal atividade evidentemente provocou reboliço na cidade e perturbou a vida de
milhares de pessoas, em especial proprietários de casas de cômodos e cortiços anti-
higiênicos, obrigados a reformá-los ou demoli-los, e os inquilinos forçados a receber
12
os empregados da saúde pública, a sair das casas para desinfecções, ou mesmo a
abandonar a habitação quando condenada à demolição. Além disso, Perreira Passos,
na ânsia de fazer da cidade suja, pobre e caótica replica tropical da Paris reformada
por Haussmann, baixara varias posturas que também interferiam no cotidiano dos
cariocas, [...] Proibiu cães vadios e vacas leiteiras nas ruas, mandou recolher a asilos
os mendigos; proibiu a cultura de hortas e capinzais, a criação de suínos, a venda
ambulante de bilhetes de loteria. (1987, p. 95).
A pressão exercida sob essa população acarreta a novembro de 1904 a revolta da
vacina, levante esse que demonstra fortes determinações da vanguarda modernistas por seu
caráter contestador frente à ordem estabelecida, a obrigatoriedade da vacina é contestada à luz
da defesa dos direitos civis, aos mesmos moldes se caracteriza a Revolta da Chibata no
agonizar da presente década. Aos que se identificavam como modernos no país, cabia a
postura de vender uma imagem de mudanças proporcionais aos então cidadãos abastados,
essas reformas no âmago de suas predisposições evidenciam certa descaracterização da
brasilidade, pois suas concepções se encontravam a quem da sociedade brasileira ao mesmo
tempo em que debandava dos ideais de igualdade, liberdade e Fraternidade.
Os modernistas se caracterizavam por sua índole subversiva, notadamente
marcada por sua contestação ao ranço colonial e aristocrático herdado pela então burguesia
dominante esclarecida por uma copia fidedigno de tudo que era considerado burguês na
França. Os intelectuais dessa vanguarda abarcam mudanças extremamente radicais aos
preceitos arcaicos dessa classe dominante.
Usufruindo de tudo que possa reverberar aos seus anseios e valores essa tendência
em si não admite um modernista parcial, ou se engloba toda a originalidade desse espírito da
modernidade em detrimento de um culto a identidade nacional ou se é contestado frente a suas
concepções. O embate a tudo que é contrario a essa dinâmica é pois, seu elemento de choque,
essa predisposição evidencia o surgimento de uma classe burguesa letrada antenada às
frustrações de seu povo e acima de tudo avessa às singularidades exteriores que viessem a
descaracterizá-los.
Nestes termos notamos que a vanguarda de vertente modernista já implantara seu
gene no Brasil em detrimento das grandes revoluções de seu tempo e principalmente do
Iluminismo. Ocorre por sua vez que essa tendência embutida de seu arcabouço ideológico
necessitava, pois, de terreno promissor que viesse a lhe proporcionar corpo. O estado da
União que talvez representasse tamanha necessidade não tinha elementos o suficiente para lhe
fazer eclodir em consonância com suas predeterminações, ou não se encontrava o
suficientemente a margem dessas influências que cerceavam a identidade nacional desde a
formação colonial desse povo.
13
O emergir do Estado de São Paulo por sua vez no âmago de sua condição
econômica e necessidade de afirmação sociocultural e política demonstrou inusitadamente ser
campo fértil a estas predisposições, talvez por sua rápida ascensão econômica e demográfica.
Talvez porque a junção destes elementos entrou em simbiose com a então burguesia
cafeicultora desse estado que buscava se afirmar enquanto classe.
4. SÃO PAULO NA DÉCADA DE 20: O BERÇO DO MODERNISMO NO BRASIL.
O movimento de vanguarda modernista no Brasil ao que notamos argüiu de maneira
explicita seus ideais em detrimento de uma contraposição a então elite passadista de seu país
simbolizada pela burguesia aristocrática presente principalmente no seio da capital. De fato a
inserção de seu espírito sobre o discurso da então elite dominante necessitava encontrar
terreno propicio para de maneira incisiva subverter a presente realidade. Estando a mesma já
caracteriza por tudo que sua ideologia inovadora repudiava frente às peculiaridades então
rechaçadas por essa elite dominante no tocante ao Brasil.
No Estado de São Paulo desse modo encontra cenário peculiar e propício para
germinar essa célula e à mesma dar maior ênfase. Nesse sentido em fins do século XIX é
perceptível a busca de intelectuais das mais variadas estirpes reunidos em torno do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo debruçados sobre a escrita de sua história. Santos alerta
ainda que, (2009, p.36) “O esforço fazia parte de um plano para consertar o desequilíbrio
entre o crescente poder econômico paulista e seu reduzido poder político.”
Essa premissa revela tanto a insatisfação da classe burguesa cafeicultora emergente,
quanto sua postura frente à condição estabelecida pela então capital do país. Esse sentimento
enfadonho nada mais é que a assimilação do discurso modernista pela elite cafeicultora
paulista, no âmago de seus anseios, fomentada nesse sentido pelas deliberações de uma
contraposição a então elite aristocrática dominante da capital.
Nestes termos,
O crescimento da cidade de São Paulo se deu na razão direta do desenvolvimento
dos cafezais do Oeste Novo Paulista, que se iniciara na década de 70 do século XIX:
ali, ao contrario do que acontecia na área de agricultura tradicional do Vale do
Paraíba, as fazendas empregavam técnicas modernas para a produção; em lugar do
trabalho escravo, utilizavam mão-de-obra livre; a ferrovia substituía o transporte em
lombo de burro até o porto de exportação, que passara a ser o porto de Santos e não
mais o do Rio de Janeiro. O financiamento era feito, fundamentalmente, pela
iniciativa privada, que também aplicava os capitais em empreendimentos de alguma
forma associados ao café: bancos financiadores, casas exportadoras, indústrias
têxteis para o ensacamento, implementos agrícolas, etc... Entre o Vale e o Oeste
14
Novo, localizava-se o Oeste Velho paulista, a primeira área de expansão ocupada
pelas plantações de café quando o Vale do Paraíba começava a dar mostras de
esgotamento, por volta de 1850. (NEVES, 2004, p. 27-28).
Nesse quadro podemos notar que o Estado de São Paulo no que compete aos
investimentos e mesmo no que diz respeito ao condicionamento do trabalho, demonstra uma
visão mais aguçada que a então Capital Federal. Sua condição de província foi logo sublevada
ao patamar urbano sendo considerada frente às elucidações o segundo maior centro urbano do
Brasil em 1920, seja por sua tendência característica, seja por seu crescimento demográfico.
De forma que em fins da monarquia com o advento da República, aglutinados em torno do
PRP (Partido Republicano Paulista) se pode notar a presença dessa elite cafeicultora,
enriquecida pelos capitais provenientes do café que veio a influenciar o crescimento da
indústria paulista e conseqüentemente impulsionar a urbanização desse Estado. O que vem a
caracterizar terreno propício aos intelectuais modernistas, alocados principalmente na
Faculdade de Direito.
5. A SEMANA DE ARTE MODERNA DE 1922
A semana de arte moderna de 1922 ao que se pôde observar é encarada pela
historiografia literária brasileira como marco histórico de inserção do movimento modernista
no Brasil. Os autores parecem não convergir quanto à introdução tardia desse movimento no
país. No que diz respeito à sua dispersão pela América Latina notaram uma diferença
intrínseca desta vanguarda haja vista sua variação de acordo com as especificidades de cada
meio. Anterior ao ano convencional de seu marco histórico no país existia ainda a necessidade
de se formar um grupo de caracteres diversos e coeso com a causa do movimento modernista,
a ponto de sedimentar um ponto de ruptura.
Nestes termos o movimento modernista necessitava não apenas de campo favorável a
sua deflagração como também caracterizar sua dimensão e postura. Este precisou melhor
aglutinar seu arcabouço ideológico frente à elite passadista que,
[...] correspondia, realmente, ao Brasil arcaico, de economia colonial, de cultura
transplantada, em que reduzida minoria letrada buscava afanosamente copiar ou
reproduzir padrões externos. Vista em conjunto, a nossa literatura arrastava-se no
isolamento, julgados e lidos os autores quase tão somente pelos pares, distantes do
público, ainda em formação. (SODRÉ, 2002, p.577-578).
15
Os modernistas necessitavam abarcar um prisma de especificidades existentes nas
relações sociais e culturais estabelecidas a margem desse passadismo, ainda que seu embate
esteja atado a todas as formas de expressão artística ao que podemos notar, nesse primeiro
momento, foi que suas atenções estavam então voltadas principalmente à literatura. Frente a
esta predisposição exigia a articulação de um grupo homogêneo em suas determinações ainda
que de variadas características artísticas. De modo geral em 1913 o pintor Lasar Segall inovou
as artes plásticas no país ao introduzir a perspectiva modernista em sua exposição sem,
contudo causar com a mesma inflamada postura critica com os padrões conservadores que
vieram mesmo a elogiar sua pintura. Essa conjuntura revela o caráter insípido de um
movimento ainda explanado apenas no campo das idéias.
Frente a este dinamismo se nota que estes intelectuais estavam dispersos em focos
revelando sua necessidade de amadurecimento ideológico frente às proposições então
almejadas. Nesse sentido a viajem de Oswald de Andrade em 1912 à Europa é detidamente
singular para a formação desses ideais ao entrar em contato com o Manifesto Futurista do
então escritor Filippo Marinette o que viria a lhe proporcionar maior nível de embasamento
teórico em junção à interação sociocultural com artistas populares, como é o caso de Manuel
Bandeira ao conhecer o então sambista Sinhô em 1920; o próprio Bandeira já assimilara
novas tendências em suas viagens o que refletia sobre sua perspectiva frente ao movimento
em si. Estas interações culminaram no Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade e no
Manifesto Pau-Brasil do poeta Manuel Bandeira. O que decididamente marca um maior nível
de interações entre os indivíduos desta vanguarda com as peculiaridades de uma ainda
pretensa cultura brasileira.
Já a exposição solo de Anita Malfatti em 1917, por conta de seus quadros que
demonstravam latentes influências do expressionismo2, fruto da soma de estudos então
discernidos na Alemanha e nos Estados Unidos, é encarado por essa elite passadista de
maneira singular. Ainda que tenha gerado demasiado entusiasmo sobre os representantes da
vanguarda modernista seria a crítica de Monteiro Lobato, então inscrita no jornal O Estado de
São Paulo que inflamaria os ânimos ao mesmo tempo em que abriria campo ao embate critico.
Na resposta, de acordo com Pilagallo,
Oswald atribuiu a hostilidade de Lobato ao “acanhamento da nossa vida artística” e
ao “preconceito fotográfico” do autor, não citado na resposta publicada na imprensa
2 Estilo artístico de origem alemã, baseado nos estudos em psicanálise. As obras inspiradas nesse estilo
procuravam retratar os conflitos existentes na mentalidade alemã durante o entre-guerras. Costuma enfocar
esteticamente a dicotomia entre luzes e sombras.
16
paulista. Defendeu a nova arte como “a negação da cópia” e contra atacou: “Os
naturalistas mais perfeitos são os que melhor conseguem iludir”. Os jovens
modernistas, que em quatro anos protagonizariam a semana de 22, elevaram Malfatti
à condição de musa do movimento. (2009, p. 16).
Ainda que o marco convencional de inserção do modernismo no Brasil venha a
estigmatizar a semana de 22, o clima revolucionário estava a ser forjado antes mesmo de 1917
em detrimento das interações com os intelectuais e artistas populares e sua assimilação das
tendências exteriores então em trânsito. Esse ano revela ainda o encontro entre Oswald de
Andrade e Mario de Andrade expoentes do movimento no Brasil. Na década de 20 estes
atraem novos adeptos revelando a formação de um grupo ainda pequeno, mas coeso em suas
determinações, marcado pelo profundo “[...] mergulho de alguns modernistas, entre eles o
próprio Bandeira e Heitor Villa-Lobos (1887-1959), no denso universo de relações pessoais,
artísticas de classe e de raça da boêmia carioca dos anos 20 do século XX [...]” (GARDEL,
2009, p. 69-70).
Na mesma década de 20, Oswald de Andrade em um jornal paulista dava à deixa
que [...] soava como advertência: “Um pugilo pequeno, mas forte, prepara-se para fazer valer
o nosso Centenário. (PILAGALLO, 2009, p.12). Demonstrando nesse sentido seu
emblemático caráter provocativo. Ao trio formado por Anita Malfatti, Oswald de Andrade e
Mario de Andrade é somado à presença do escultor Victor Brecheret, o músico Heitor Villa-
Lobos e o poeta Manuel Bandeira. Ainda que representantes de artes diferentes, suas
predisposições em subverter os padrões convencionais então em voga reflete sobre sua
homogeneidade.
Ainda que sob esse clima viável, formado já uma linha ideológica de contestação
caracterizada pela subversão de elementos exteriores, a semana de 22 deve ser analisada de
maneira ampla, levando mesmo em consideração sua relação com a economia e a política
além da cultura, haja vista que estes estão intrinsecamente relacionados. Nessa dimensão
revela um arcabouço de influencias entre os intelectuais, políticos e principalmente os
produtores de café que viriam em consonância com o movimento viabilizar a realização do
projeto em detrimento de interesses maiores. As condições estavam detidamente a favor da
deflagração desse movimento que em pouco tempo ganhou proporções maiores ampliando
seu leque de expectativas.
De acordo com Sodré (2002, p.571) “A originalidade que define uma literatura como
“instrumento de expressão, que é o seu veiculo”, não surge por acaso, senão no período
próprio, quando as condições sociais permitem.” Estas condições estavam, pois forjadas de
17
forma que a semana de 22 celebrada nos dias 13,15 e 17 de fevereiro recebesse o apoio oficial
do governo do Estado de São Paulo além do jornal Correio Paulistano de propriedade do
Partido Republicano Paulista. Em consonância com essa disposição a elite cafeicultora
paulista no âmago de suas relações econômicas visava agradar o então escritor Graça Aranha
- encarregado da abertura do festival com uma conferencia - [...] Como chefe de missões
diplomáticas no exterior, Graça Aranha [...] trabalha em prol dos interesses dos cafeicultores
na Europa. (PILAGALLO, 2009, p. 20).
Nessa tessitura de influências se nota ainda o efervescente frenesi do modernismo
exercido sob o intelectual Paulo Prado, homem então abastado por sua condição econômica e
política privilegiada. Nessa condição além de conseguir que o Tetro Municipal fosse liberado
para a realização do festival o mesmo influencia os cafeicultores a financiar o presente evento.
Essas conotações tomam proporções ainda maiores quando se percebe que essa disposição em
financiar os modernistas tinham fortes tendências em aglutinar na cidade de São Paulo as
ideologias que concomitantemente viessem a lhes proporcionar maior respaldo político frente
a seu crescimento econômico.
Detidamente essa burguesia de viés modernista soube estruturar um movimento de
subversão às então determinações de uma elite passadista aglutinada principalmente na capital
do país de maneira amplificada e caracterizada pela sedimentação de uma identidade nacional.
Cabia mesmo a negação ao aristocrático Rio de Janeiro e o aviltamento da então dinâmica
cidade das fábricas e dos cafeicultores – São Paulo – ao mesmo tempo em que se fazia
necessário forjar uma arte que identificasse a almejada identidade nacional.
A semana decorreu com a apresentação de palestras, conferências, concertos
exposições e leituras de obras de tendência modernista. As provocações e o tom de deboche
em suas determinações ocasionaram verdadeiros sobressaltos,
[...] o escândalo destina-se a chamar a atenção do público para as novas
manifestações. Era uma ruptura com as idéias vigentes, mas uma ruptura sob
proteção das representações mais consagradas do regime, as mais austeras, as mais
conservadoras. A burguesia brasileira, sempre conciliadora com o latifúndio,
impulsionava a subversão nas artes e a patrocinava. (SODRÉ, 2002, p. 576).
Pelo menos em São Paulo onde o movimento modernista celebrado no centenário da
Independência revela simbolicamente a busca desses vanguardistas pela emancipação
intelectual, econômica, política e principalmente cultural do individuo brasileiro cerceado de
elementos avessos ao seu meio. No intuito de chamar a atenção e revelar a condição
estabelecida por uma ideologia retrógada e passadista o escândalo visava provocar e fazer
18
refletir aqueles indivíduos que literalmente aceitavam as tendências disseminadas pela
aristocracia brasileira.
6. OS NOVOS ANDRADE: EXPOENTES INTELECTUAIS DA SEMANA DE ARTE
MODERNA DE 1922 - MÁRIO DE ANDRADE E OSWALD DE ANDRADE.
O encontro entre esses dois expoentes intelectuais da Semana de Arte Moderna de
1922 revela o estreitamento de laços necessários a uma postura revisionista no que diz
respeito à pretensa formação do que vislumbravam enquanto arte que despertasse nos
indivíduos uma identificação com sua nacionalidade. Nestes termos evidencia a conjuntura
característica e necessária de uma burguesia letrada e emergente em forjar e aglutinar as
forças necessárias no Brasil a exercer uma contraposição concisa frente a uma elite
aristocrática que, no âmago de seu berço ideológico buscava descaracterizar seu país e
submetê-lo as tendências que cerceavam ou impossibilitavam ao individuo aviltar sua cultura
e identidade.
Essa percepção dos autores então citados revela um espírito peculiar dos
intelectuais que se manifestavam à margem dessa elite passadista, ou mesmo mantinham uma
postura conivente com esta, ate se instigarem intelectualmente e refletirem sobre essa
condição. Sob estes termos tanto Mário de Andrade quanto Oswald de Andrade são
intelectuais que se diversificaram frente a essa ideologia dominante. Nesse sentido obras
como: Paulicéia Desvairada – Mario de Andrade – e Manifesto Antropofágico – Oswald de
Andrade – revelam o arcabouço ideológico forjado por esses modernistas que demonstram as
fortes predisposições desse movimento. Uma visão ampla destes indivíduos em consonância
com a realidade sociocultural em que estavam atrelados se faz então necessária de modo a
evidenciar suas singularidades frente a então ideologia dominante. Visando encontrar na vida
e obra destes intelectuais os elementos que vieram a lhes influenciar e definitivamente lhes
proporcionaram as ferramentas necessárias a esse embate.
6.1 As Singularidades de Mário de Andrade
Nascido aos nove dias do mês de outubro do ano de 1893 em São Paulo, o
multifacetado intelectual Mário de Andrade concluiu seus estudos preliminares no Ginásio
Nossa Senhora do Carmo, se formando posteriormente no Conservatório Dramático e Musical
onde lecionou História da Música. Sua primeira obra - Há uma gota de sangue em cada poema
- publicada em 1917 reflete a tendência parnasiana então em voga. No entanto, suas idéias
19
acabariam embarcando nos ideais modernistas de maneira veemente vindo mesmo a se tornar
um dos mais importantes indivíduos do movimento vanguardista no Brasil.
De acordo com Moisés com a publicação de
[...] Paulicéia Desvairada em 1922 e Macunaíma em 1928, Mario de Andrade baliza,
simbolicamente, o primeiro momento modernista: dava-lhe o arranco inicial nos
domínios da criação literária e anunciava-lhe o termino, revelando ao mesmo tempo
que se identificava com o movimento de 22 a ponto de servir-lhe de guia e chegar a
ser chamado de “papa do modernismo”. (1989, p.60).
Escrito em 1921, sua obra Paulicéia Desvairada foi publicada somente em 1922
em detrimento da Semana de Arte Moderna. Ao que se pode notar o autor desejava se tornar
moderno aos moldes exigidos pela semana de 22 visando demonstrar sua total adesão ao
movimento. Nesse sentido demonstra sua aversão ao estilo parnasiano que outrora fazia parte
de sua alcunha intelectual. Mário de Andrade demonstrou uma habilidade singular
caracterizada por um prisma de experiências e expectativas. Além de professor foi poeta,
crítico, contista, romancista e músico. Desse modo soube se cercar de elementos plurais que
vieram a influenciar suas elucidações em consonância com seu meio.
Dentro dessa premissa se pôde notar que a fundação da Sociedade Etnográfica e
folclórica - por intermédio do autor – revela a amplitude de seu arcabouço ideológico vindo a
influenciar a ideologia do movimento modernista. Ao mesmo tempo revela o sentido aguçado
de Mário de Andrade frente à cultura nacional. Sua atividade intelectual ao que se pode notar
é singularmente intensa tendo em vista as barreiras que veio a enfrentar por sua condição de
mulato. Em consonância com a presente elucidação “[...] nota-se que duas linhas de força
conduzem a poesia de Mário de Andrade. De um lado, o poema-piada, coerente com o
propósito demolidor de 22, [...] Na mesma linha se observa a poesia de circunstancia, presente
ao longo da trajetória do escritor [...]” (MOISÉS, 1989, p. 61).
A obra que veio a marcar tanto a inserção de Mário de Andrade ao modernismo,
quanto à deflagração do movimento no Brasil foi sua obra Paulicéia Desvairada. O livro em
si traça uma alegoria caracterizada por poesias que fazem um aviltamento à cidade de São
Paulo e ao mesmo tempo menospreza a burguesia inculta que segue a tendência da
aristocracia carioca. Em ode ao burguês - poesia disponível na obra - Mário de Andrade
enfatiza algumas dessas predisposições.
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
20
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!
No próprio titulo da poesia – ode ao burguês – Mário de Andrade revela o caráter
ideológico do movimento modernista, ao mesmo tempo em que evidencia as predisposições
de uma burguesia emergente influenciada pelo discurso dominante. Uma ode no sentido
clássico se trata de uma poesia que é escrita em virtude de uma homenagem eis, pois a
subversão dos elementos exteriores que vem em consonância com o discurso modernista
rechaçar essa burguesia que visa se aproximar dessa então aristocracia dominante por meio de
suas práticas ocasionalmente copiadas da França. Ao mesmo tempo o poeta declara,
Eu insulto o burguês! O burguês-niquel,
O burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Mário de Andrade revela aqui sua condição de burguês avesso às disposições de
uma burguesia influenciada pela aristocracia passadista. Ainda que o mesmo venha a despojar
de uma vida burguesa esta se caracteriza por sua alcunha critica, portanto livre das imposições
que inviabilizariam seu crescimento intelectual. Fugindo à regra dos integrantes do
movimento modernista, seja por sua condição de mulato, seja por sua condição social que,
levou o mesmo a galgar degraus então intransponíveis. Mário de Andrade soube aglutinar
seus conhecimentos aos preceitos então nascentes da vanguarda modernista no Brasil. Ainda
que cerceado por sua condição Mário de Andrade soube fazer valer de seu conhecimento
amplo e multifacetado de forma a sedimentar o devido respeito a sua habilidade de intelectual.
Seja colaborando e escrevendo para jornais e revistas ou mesmo em suas funções enquanto
funcionário público.
6.2 Oswald de Andrade e sua face radical
Oswald de Andrade nasceu na cidade de São Paulo aos onze dias do mês de
janeiro em 1890. Seus estudos primários e secundários ficaram a cargo do Ginásio de São
Bento de onde saiu formado em 1908 com o diploma de bacharel em Humanidades. Criado no
seio de uma família abastada Oswald de Andrade ao concluir sua fase preliminar de estudos
21
ingressa já sob o ano seguinte ao jornal Diário popular, onde trabalha como redator e critico
teatral ao mesmo tempo em que estuda direito. As relações socioculturais do então colunista
Oswald de Andrade demonstram o entrelaçamento de influências variadas do escritor que em
dicotomia com o movimento modernista deflagrado em 1922 revela uma visão singular dessa
ideologia dominante.
Nestes termos, de acordo com Moisés,
Oswald de Andrade se diversificou, embora nem tanto quanto Mário de Andrade,
pela poesia, pela narrativa, pela critica e pelo ensaio. Fruto de uma irrequietude
estrutural, o culto dessas expressões literárias obedece menos a um plano arquitetado
com o passar do tempo que a uma disponibilidade intrínseca. É nesse quadro que se
deve inscrever a contribuição do autor para o Modernismo: marcado por condições
especiais de vida (vinha de família abastada) e por um temperamento exuberante,
serviu de motor ao processo modernista; sua ação catalítica prevaleceu sobre sua
obra, espelho de uma inteligência vivaz, por isso mesmo infensa à reflexão e às
longas congeminações mentais. (1989, p. 77-78).
Sua obra nesse sentido revela as predisposições do escritor em deliberadamente
incomodar as determinações dessa elite dominante aglutinada em torno de suas concepções
aristocráticas. Desse modo frente a esse dinamismo intelectual é perceptível uma postura
coerente com a crítica suscitada pelo autor num período em que “A vida literária era então
ditada pelo rito da capital da República, transformada em pólo de atração de escritores das
províncias que desejavam o sucesso e o reconhecimento publico”. (MARTINS, 2001, p. 35).
Sob esta conjuntura especifica é que se faz notar as determinações preliminares
que vem, principalmente em São Paulo, marcar novas irradiações culturais notadamente
marcadas pela organização de jovens advindos da classe dominante aglutinada em torno da
Faculdade de Direito marcada por preparar estes indivíduos às futuras frentes políticas e
culturais. Frente a esse cenário singular é lançada em 1911 a revista “O Pirralho” que,
articulada por Oswald de Andrade é caracterizada por sua alcunha literária e humorística,
publicando na mesma revista textos consagrados de tendência parnasiana e textos que
vislumbravam em suas determinações uma ruptura com a ideologia vigente. No ano seguinte
em 1912 procede viajem à Europa onde entra em contato com o Manifesto Futurista, fugindo
a regra Oswald de Andrade de acordo com Martins assim como os modernistas paulistas de
22, também visitantes da cidade luz reencontraram nessas viagens um novo sentido de Brasil.
Ao que se pode notar a obra de Oswald de Andrade que veio a causar maior
impressão frente às disposições da elite dominante, e mesmo no seio do movimento
modernista detidamente na segunda fase da Revista Antropofágica, foi à publicação do então
Manifesto Antropofágico que veio a se tornar revista. Com publicações mensais que foram
22
disponibilizadas em maio de 1928 a fevereiro de 1929, em sua primeira fase, além dos 15
números publicados em sua segunda fase entre 17 de março de 1929 e 1 de agosto de 1929
inscritos no jornal Diário de São Paulo, decididamente demonstrou as disposições ideológicas
do autor. Nessa tessitura Oswald de Andrade revela seu aprimoramento e mesmo gênio
literário e intelectual ao afirmar no manifesto,
Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os
coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi or not tupi that is the question.
Nesse quadro Oswald de Andrade revela a amplitude almejada pelo movimento
modernista, englobando o mesmo em um panorama multifacetado, ao mesmo tempo em que
dá a deixa dos questionamentos de uma burguesia letrada e emergente frente às concepções
estabelecidas pela elite dominante, ao refletir sobre a condição étnica cultural do brasileiro
fazendo uma analogia com a máxima de William Shakespeare – ser ou não ser, eis a questão.
O mesmo propõe a reflexão sobre a condição de ser e estar do individuo em consonância com
as imposições socioculturais importadas da Europa que vem a cercear as peculiaridades
intrínsecas de seu meio, no caso o Brasil.
No âmago de suas predisposições o manifesto abarca uma gama de elementos que
vem a suscitar e causar escândalo às concepções então em voga tanto na Capital da República
quanto na própria cidade de São Paulo. Se pode notar no manifesto que, Oswald de Andrade
ao mesmo tempo em que menospreza a atitude copiadora da elite dominante revela as raízes
históricas que demarca o ranço colonial trazido ao país que a caracteriza enquanto
disseminadora de cultura. Propondo dentro de suas predisposições, no tocante as
singularidades da vanguarda modernista, uma postura que discorde da condição atual, ou seja,
Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de
todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sua
pobre declaração dos direitos do homem.
[...] Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar
comissão. O rei analfabeto dissera-lhe: ponha isto no papel mas sem muita lábia.
Fez-se o empréstimo.
Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a
lábia.
Tomado nestes termos Oswald de Andrade propõe uma Revolução maior que a
mais significativa revolução burguesa - a Revolução Francesa -, notando que a burguesia
então estabelecida esta ancorada em uma condição passiva. Seguindo desta forma as
23
determinações de uma cultura implantada no país sem levar em consideração as disposições
sociais então existentes nessa sociedade. O Manifesto Antropofágico desse modo reflete
sobre a amplitude e ambigüidade do movimento de vanguarda modernista, esfacelando os
mitos inscritos desde o Brasil colonial que vieram a cercear o arcabouço socioeconômico e
cultural do país, o que revela uma critica veemente ao sistema Capitalista Moderno.
7. A DICOTOMIA ENTRE MÁRIO DE ANDRADE E OSWALD DE ANDRADE.
Dando ênfase ainda nas obras citadas no capitulo anterior, frente às concepções
singulares de cada autor é perceptível ao se defrontar as mesmas, uma postura moderada
inscrita sob a obra Paulicéia Desvairada de Mário de Andrade e outra de tendência mais
radical no Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade. Ainda que as obras venham a ser
publicadas em períodos característicos, distanciadas por seis anos, suas deliberações revelam
a alcunha intelectual de cada autor, a grosso modo, demonstra concomitantemente o jugo de
classe então intrínseco a cada autor.
De acordo com estas disposições frente à postura adotada por Mário de Andrade
no poema Ode ao Burguês é perceptível o tom critico determinado pelo autor à burguesia
paulista e mesmo carioca estabelecido no campo da intelectualidade, sem uma negação
explosiva ao elemento que impulsiona essa classe economicamente. Mário de Andrade no que
compete a sua condição social soube se valer dessa dinâmica capitalista seja através da
atividade intelectual e mesmo de sua posição enquanto funcionário público de forma a
alavancar sua própria condição de burguês.
Em um dado momento em que, [...] “ser intelectual” passa a ser o “requisito
indispensável para conseguir as cavações e os empregos públicos, e principalmente a chave
mestra das portas cobiçadas da política e da diplomacia” (SEVCENKO, 1989, p.99 apud
MARTINS, 2001, p.). Nesse sentido o aburguesamento de Mário de Andrade se da em
consonância com a profissionalização literária que determina a inserção dos ideais de
modernidade importados da França. Dessa forma Mário de Andrade enquanto modernista faz
uma alusão em seu poema sob o caráter critico dessa burguesia,
Morte à gordura!
Morte às adiposidades celebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
- Um colar... – Conto e quinhentos!!!
Mas nós morreremos de fome!”
24
Mário de Andrade se refere ao individuo burguês e sua condição inculta
assimilando as concepções ideológicas propagadas pela aristocracia dominante sem
questionar seu sentido, rechaçando as praticas dessa burguesia que demonstra sua disposição
em copiar as praticas impostas pelo centro dinamizador de cultura dominante no país, o que
caracteriza uma burguesia intelectualmente sedentária. Nesse sentido inscrito sob a obra de
Mario de Andrade especificamente sobre o poema em analise é clara sua inquietação frente a
essa burguesia,
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
Essa inquietação é fruto da condição hipócrita da burguesia que é incapaz de uma
postura ideológica que evidencie sua importância de classe. Nesse quadro podemos observar
que o autor faz uma alusão ao comunismo de maneira emblemática sendo esta em relação ao
caráter burguês não à política econômica burguesa, ao mesmo tempo em que se coloca fora
desse grupo aviltando o bom burguês, ou seja, aquele que dentro de sua condição de burguês
exerce influência intelectual sobre a realidade.
A postura adota por Oswald de Andrade por sua vez, demonstra a ambigüidade
existente entre estes dois expoentes da semana de arte moderna de 22. A condição abastada de
Oswald de Andrade nos leva a crer que esta refletiu conseqüentemente sobre as concepções
defendidas no Manifesto Antropofágico e mesmo em sua obra. Essa premissa se revela na
segunda fase da Revista Antropofágica em que a cisão de alguns membros do movimento
modernista, entre eles Mario de Andrade, se faz valer pela agressividade então incitada por
Oswald de Andrade na segunda fase da revista.
Por já fazer parte da classe burguesa Oswald de Andrade não tinha nada a
perder ao contrario de Mário de Andrade que vinha a sedimentar sua aceitação enquanto
intelectual. Nestes termos termos,
“de um lado, Mário de Andrade, visto como intelectual símbolo, rigoroso e sério,
ligado ao Departamento Municipal de Cultura e responsável pela fundamentação dos
novos princípios estéticos nacionais; de outro, Oswald de Andrade, clown da
burguesia, intimo da sátira e da vanguarda estética, tendo, porém suas
potencialidades de participação no campo intelectual dominante limitadas por sua
25
personalidade “não seria”, que o levou a ser visto como o “calcanhar de Aquiles” do
Modernismo nacional. (MARTINS, 2001, p. 3).
Frente a estas disposições podemos notar o tom então inscrito sobre a figura de
Oswald de Andrade enquanto intelectual. De forma a exercer sobre a imagem do mesmo uma
característica marginal; ao gerar as polemicas explicitas em sua obra - Manifesto
Antropofágico - este singulariza sua índole frente às ideologias que marca o cenário nacional
em consonância com sua postura frente à mesma. Sua tendência intelectual nestes moldes
vislumbrava a obliteração de todas e quaisquer ideologias que não respaldassem o caráter
singular do país de maneira geral.
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição
permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modus vivendi
capitalista. Antropofagia.
Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A
terena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia
carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados
por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual.
É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e
cria a amizade. Afetivo o amor.
Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa
antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calunia, o
assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que
estamos agindo. Antropófagos.
Nessa dimensão é visível a critica suscitada por Oswald de Andrade ao que
compete ao dinamismo característico do modo de produção Capitalista moderno que, na
compreensão do mesmo é o germe que inviabiliza o país de sua formação cultura
intrinsecamente nacional, haja vista nossa condição de dependência. Do mesmo modo o
mesmo propõe de maneira simbólica a autonomia por intermédio da antropofagia, ou seja,
deglutir essas tendências então em voga levando em consideração as peculiaridades nacionais
e lhe vomitar à luz das singularidades nacionais. Essa tessitura revela uma negação ao modelo
vigente, rechaçando mesmo o sistema que condiciona sua cômoda situação de burguês.
[...] O homem natural. Rosseau. Da Revolução Francesa ao modernismo, à
Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de
Keyserling. Caminhamos.
Sob esse quadro elucida uma pretensa filiação ao socialismo, mas de maneira
moral e não política, o que revela a então pratica antropofágica. “A atuação de Oswald de
Andrade pode, então, ser definida pela participação nas instituições organizadas pelas elites
dirigentes “esclarecidas”, confiantes na busca autêntica da verdadeira expressão do nacional
26
como forma de colocar o país nos rumos da modernidade”. (MARTINS, 2001, p. 10).
Oswald de Andrade frente as suas concepções de viés político se filiou ao partido comunista
do Brasil em 1931, o que demonstra sua latente aversão ao sistema capitalista, ao que
podemos notar fazendo oposição frente a uma cultura convencional transplantada.
8. A INDEPENDÊNCIA DO BRADO: “INDEPENDÊNCIA OU MORTE”
A Semana de Arte Moderna de 1922 ao que compete a sua postura critica frente a
uma sociedade marcada pelo comodismo fomentado pelas então concepções ideológicas da
elite dominante. Tem em suas predisposições o intuito de fazer valer uma subversão aos
padrões socioculturais vigentes em consonância com as comemorações que vieram a marcar o
centenário de independência do Brasil comemorado a 07 de setembro de 1922. Nesse sentido
revela principalmente nas obras de Oswald de Andrade e Mário de Andrade total descrença
frente a uma emancipação sociocultural e econômica no que compete ao impacto então
dimensionado com o brado do Ipiranga.
Frente a esta disposição de acordo com Motta,
Falar de nação significa mexer com camadas profundas da mentalidade dos povos,
que têm nessa criação moderna um símbolo fundamental de identificação coletiva.
Concebida pelo nacionalismo e relacionada ao Estado territorial moderno, não
vemos a nação como uma entidade abstrata, independente da ação humana. A
naturalização das nações inscreve-se na montagem de uma comunidade
modernamente inventada, que, na verdade, se concretiza em símbolos, práticas,
comportamentos e valores firmemente ancorados na vida social. (1992, p. 2).
Sob esse quadro é latente a condição intelectual do movimento modernista e de
seus vanguardistas em simbolicamente rechaçar a comemoração da independência do país
antes de sua celebração. A vanguarda modernista em virtude de sua formação, de seu
arcabouço ideológico voltadas às vicissitudes e peculiaridades cerceadas pelo padrão
ideológico dominante. Forja no âmago de suas deliberações evidenciarem que essa
comemoração e a independência em si, ainda que legitimada pela diplomacia européia, não
significou ou mesmo não proporcionou aos filhos de suas entranhas a almejada emancipação
sociocultural e mesmo econômica que viabiliza ao todo social fundamentar sua identidade
nacional.
O movimento modernista faz uma alusão ao sentimento de nacionalidade que traz
a tona o que de mais peculiar a mesma abraça enquanto causa necessária, em uma
determinada sociedade, a aglutinar elementos que viessem a colaborar para a cunhagem de
uma pretensa identidade brasileira. Desse modo,
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Encontros entre artistas cultos e artistas populares [...] além do ocorrido entre
Bandeira e Sinhô, o encontro entre Mário de Andrade (1893-1945) com o tocador de
coco Chico Antônio (1904-1993), ou do antropólogo Gilberto Freyre (1900-1987)
com o genial Pixinguinha (1897-1973). Tratava-se de uma busca apaixonada por
poetas, pensadores, prosadores e críticos para desvelar a verdade do país na sua
realidade “profunda”, com o intuito de estabelecer trocas visíveis e artísticas com os
representantes mais autênticos da cultura do povo, vistos agora sem idealizações
românticas ou ufanismos positivistas. (GARDEL, 2099, p. 68-69).
Nesse quadro o movimento revela sua critica a pretensa independência aclamada
pela aristocracia dominante, símbolo do comodismo intelectual. Essa predisposição ao seu
modo é revelada pelo caráter revolucionário do movimento modernista no Brasil, do mesmo
modo que revela o surgimento de uma burguesia abastada economicamente pela produção do
café. Configurando nestes moldes um núcleo de ruptura com a aristocracia passadista
brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história de inserção do movimento modernista no Brasil ao que se pode notar
está intrinsecamente relacionado com a formação da classe burguesa no Brasil,
principalmente em São Paulo. Num período em que as forças que vislumbravam o poder com
o advento da República estavam às mãos da aristocracia dominante, aquela mesma que
anteriormente se debruçava sobre as concepções do monarca e de certo modo o cercava. Suas
predisposições nesse sentido se viam em direção aos arautos e mais ostentosos monumentos
da modernidade então emergentes na Europa. Como forma de ostentar sua posição opulenta,
sem proporcionar consideráveis e relevantes extremos que viessem em dicotomia com as
peculiaridades do país, marcar sua posição enquanto nação verdadeiramente modernizada e
emancipada.
A cidade de São Paulo ao seu modo, soube fazer valer dessa conjuntura
promissora, e com o favorável impulso econômico sobre sua província, sedimentada pela
economia cafeicultora financiar no âmago de suas características as forças para alavancar a
burguesia paulista de forma a lançar uma contraposição à elite passadista alocada na Capital
Federal. Ainda que essa tendência demonstre a relevante condição da cidade paulista,
enquanto centro a ser seguido, essa burguesia paulistana emergente determinou na subversão
dos elementos modernistas, então em voga na Europa, as deliberações que viriam a forjar uma
identidade estritamente nacional.
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De maneira simbólica a Semana de Arte Moderna de 22, ao mesmo tempo em que
buscava fragmentar a ordem vigente, visava se emancipar das amarras que descaracterizavam
no Brasil seu sentimento de autonomia em dicotomia com as peculiaridades inscritas no país.
Nestes termos o movimento modernista brasileiro solapava a ideia de civilização, de modo a
promover este ideal frente ao cenário singular então esboçado no país. Essa premissa é
revelada pelos intelectuais das mais variadas tendências artísticas que, ainda que venham se
expressar por intermédio de tendências exteriores, seu arcabouço ideológico e mesmo a
característica de sua arte é apelativamente voltada às reais condições socioculturais e
econômicas de seu meio.
REFERÊNCIAS:
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Paulo: Companhia das letras, 1986.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi.
São Paulo: Companhia das letras, 1987.
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GARDEL, André, O poeta e o Sambista. Festas e Batuques no Brasil, Rio de Janeiro, v. 2,
p. 68-74, 2009.
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NEVES, Margarida de Souza; HEIZER, Alda. A ordem e o progresso: O Brasil de 1870 a
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