A Linguagem e Seu Funcionamento - Eni Pulcinelli Orlandi

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A LINGUAGEMhE SEU FUNCIONAMENTOAs formas do discursoEni Pulcinelli OrlandiCaminhos Cruzados -- Linguagem, Antropologia e Cincias Naturais -Div. AutoresColeo Primeiros Passos 0 que Comunicao - Juan E.D. Bordenave 0 que Ideologia - Marilena Chau 0 que Leitura - Maria Helena Martns 0 que Literatura - Marisa Laiolo 0 que Propaganda Ideolgica - Nelson Jahr GarciaA LINGUAGEME SEU FUNCIONAMENTOAs formas do discursoo1"r. o a a..2 198340 anos de bons livrosCopyright C) Eni Pulcinelli OrlandiCapa:Reviso:Moerna CavalcantiJos6 E. AndradeRosangela M. Dolis111 1111IndiceApresentao ............0 discurso pedaggico: a circularidadePara quem o discurso pedaggico? ...* linguagem em revista: a mulhex-fernea* discurso da histria para a escola .........Algumas consideraes discursivas; sobre a educao indgena .........A sociolingstica, a teoria da enunciao e a anlise do discurso (conveno e linguagem)Funcionamento e discurso . ................. ................. .........0 sentido dominante: a literariedade como produto da his-88105 tria 124 Tipologia de discurso e regras conversacionais 137r.0 Uma questo da leitura: a noo de sujeito e a identidade do .M o leitor 164 .D A produo da leitura e suas condies 180 editora brasiliense s.a. Sobre tipologia de discurso 191 01223 - r. general jardim, 160 0 discurso religioso 214 so paulo - brasil. 1~IPara o Edu e para a Pat, duas paixes.No adianta querermos ser claros. A lgica no convence, a explicao nos cansa. 0 que claro no preciso ser dito.Noturnidade, de Cassiano Ricardo.Apresentaoi1.Ik Para alguns, o j-dito fechamento de mundo. Porque estabelece, delimita, imobiliza. No entanto, tambm se pode pensar que aquilo que se diz, uma vez dito, vira coisa no mundo: ganha espessura, faz histria. E a histria traz em si a ambigidade do que muda e do que permanece. No me proponho a resolver esse impasse, que se expressa atravs da tenso entre o retorno e o avano, entre o que restringe e o que alarga, entre o que j e o que pode ser, entre o mesmo e o diferente. Ao contrrio, mantenho a tenso como motivo da minha reflexo. Embora, na iluso da onipotencia, no deixe de tentar a especificidade, o nico, o definido. Tendo como objeto de estudo a experincia de linguagem, a prtica do dizer, coloco alguns conceitos, alguns princpios tericos e metodolgicos, algumas tcnicas de anlise como constantes e procuro explorar as conseqncias a que elas podem levar-me em cada pretexto que tomo para a reflexo, como, por exemplo, a literariedade, as regras conversacionais, a tipologia do discurso, a conveno, o processo de leitura. Nesse percurso, coloco-me no prprio centro do risco que a tenso entre o j-dito e o a-se-dizer. Assim, aceito passar pelos mesmos lugares, procurando o que me leva a conhecer alguma coisa a mais a respeito dos objetos provisoriamente tomados para reflexo, como o discurso pedaggico, o discurso da histria, questo da educao indgena, a argumentao, o discurso religioso e outros.8ENI PULCINELLI ORLANDI Se o objeto de estudo em que me detenho de carter mltiplo e indeterminado, o objetivo, entretanto, sempre um: incorporar as noes de social e de histria, distinguir o estabelecido do no-estabelecido e questionar a consciencia (o sentimento) dessa distino no homem, quando este produz linguagem. Como a rea em que se inserem esses estudos a da anlise de discurso, no poderia prescindir do compromisso com o fragmentrio, o mltiplo, o provisrio. 0 que leva ao reconhecimento da falta de limites categricos, que se poderia pretender, entre um mtodo de demonstrao cientfico e outras formas de conhecimento, outros modos de reflexo sobre a produo da linguagem. No domnio da linguagem em geral, e no s no espao do potico, como pretende um clssico poeta ingles, parece dizer-se uma s coisa, sempre a mesma, usando-se o j usado, vestindo-se de novo as velhas palavras, "For as the sun is dailY new and old ......Qual a extenso dessa iluso, se uma iluso?Campinas, abril de 1983.Ikltoo0 discurso pedaggico:a circularidade*INTRODUO Partindo da suposio de que se poderiam distinguir tres tipos de discurso, em seu funcionamento - discurso lUdico, discurso polmico e discurso autoritario - procuraremos caracterizar o discurso pedaggico (DP), tal qual ele se apresenta atualmente, como um discurso autoritario. 0 critrio, para a distino dos tres tipos de discurso, podemos encontr-lo tomando como base o referente e os participantes do discurso, ou seja, o objeto do discurso e os interlocutores. Consideramos que h dois processos - o parafrstico e o polissemico - que so constitutivos da tenso que produz o texto (Orlandi, 1978). Podemos tomar a polissemia enquanto processo que representa a tenso constante estabelecida pela relao homem/mundo, pela intromisso da prtica e do referente, enquanto tal, na linguagem. Nesse sentido, podemos caracterizar os tres tipos de discurso da seguinte maneira: o discurso ldico aquele em que o seu objeto se mantm presente enquanto tal' e os interlocutores se expem a essa presena, (*) Texto apresentado na mesa-redonda "Linguagem e Educao", no XX Seminrio do GEL, 1978. Posteriormente, foi publicado na Srie Estudos, n? 5, Uberaba, 1978.(1) Isto , enquanto objeto, enquanto coisa.10 ENI PULCINELLI ORLANDIresultando disso o que chamaramos depolissemia aberta (o exagero o non-sense). 0 discurso polmico mantm a presena do seu objeto, sendo que os participantes no se expem, mas ao contrrio procuram dominar o seu referente, dando-lhe uma direo, indicando perspectivas particularizantes pelas quais se o olha e se o diz, o que resulta na polissemia controlada (o exagero a injria). No discurso autoritrio, o referente est "ausente", oculto pelo dizer; no h realmente interlocutores, mas um agente exclusivo, o que resulta napolissemia contida (o exagero a ordem no sentido em que se diz "isso uma ordem", em que o sujeito passa a instrumento de comando). Esse discurso recusa outra forma de ser que no a linguagem. Considerando-se que o DP se insere entre os discursos do tipo autoritrio, procuraremos caracteriz-lo enquanto tal.AS FORMAES IMAGINRIAS:0 QUEM, 0 0 QU, 0 PARA QUEM Analisando-se o esquema que constitui o percurso estrito da comunicao pedaggica, temos:Imagemdoprofessor(A)ltInculca Imagem do referente 4 Metalinguagem (Cincia/Fato) (R)Que pode ser representado como segue:A ensina R a B em XPara QuemI~M 1~r Imagem Escola do aluno (13)AparelhoIdeo16gico(X) Procuraremos, pois, analisar essas variveis (A, R, B, X) tendo em vista a funo de ensinar. Se utilizarmos a tcnica de imagens (formaes imaginrias) de Pecheux, tal como ele a define em sua AAD (Pecheux, 1969), temos no esquema seguinte o que deveria ser a imagem dominante do DP:1A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO11IB (M A questo que se constituiria na estratgia bsica' do DP deveria ser a pergunta pelo referente (R), isto , o objeto do discurso, que, no DP, aparece como algo que se deve saber. Entretanto, parece-nos que, enquanto discurso autoritrio, o DP aparece como discurso do poder, isto , como em R. Barthes, o discurso que cria a noo de erro e, portanto, o sentimento de culpa, falando, nesse discurso, uma voz segura e auto- suficiente. A estratgia, a posio final, aparece como o esmagamento do outro. Nesse sentido, poderamos dizer que A ensina B = A influencia B. A estratgia bsica das questes adquire a forma imperativa, isto , as questes so questes obrigativas (parentes das perguntas retricas). Exemplo: exerccios, provas, cuja formulao : "Responda... V'. So questes diretas a que se d o nome de "questes objetivas-. 0 esquema da imagem dominante - IB(R) - aparece declinado segundo uma gradao de autoritarismo, desde IB(IA(R)), IB(IA(IB(IA(R)))) at a forma mais autoritria, da hipertrofia da autoridade, isto , do professor: IA(A)., ou seja, a imagem que o professor tem de si mesmo. 0 que produz um discurso individualizado em seu aspecto estilstico e de perguntas diretas e scio-cntricas: "No verdade?", "Percebem?""Certo?", etc.ENSINAR9 Mais do que informar, explicar, influenciar ou mesmo persuadir, ensinar aparece como inculcar. Podemos caracterizar a inculcao atravs de vrios fatores prprios ao discurso, alm das caractersticas da ordem social em que vivemos. Vejamos esses fatores:1 - A quebra de leis do discurso, tais como as enunciadas por 0. Ducrot (1972): o interesse, a utilidade ou a lei da informatividade(*) Imagem que 13 (o aluno) faz de R (referente). (2) Trabalharemos aqui com o esquema de pergunta- resposta por considerarmos que o circuito do ensino passa pelo movimento criado pela questo.12ENI PULCINELLI ORLANDI 1.1 - A lei da informatividade diz que: se se quer informar e preciso que o ouvinte desconhea o fato que se lhe aponta. Veremos aqui mesmo, no item 3.b, como o DP lida com essa lei. 1.2 - Lei do interesse: lei geral do discurso segundo a qual no se pode falar legitimamente a outrem seno daquilo que possa interessar-lhe. 1.3 - Lei da utilidade: lei "psicolgica" segundo a qual no se fala somente por falar, mas porque h uma utilidade em faz-lo. Em virtude dessa concepo utlitarista da linguagem considera-se razovel indagar, para cada ato de fala, os motivos que poderiam te-lo suscitado. Alm dessas leis gerais vlidas para o comportamento lingstico em geral, h uma regulamentao para cada categoria de atos de fala. Por exemplo, para ordenar exige-se uma certa relao hierrquica entre quem ordena e quem obedece; para interrogar, h tambm a exigencia de certas condies, e o direito de interrogar, exercido por uma autoridade, converte-se em poder de ordenar e, logo, no pode ser atribudo indistintamente. Para cada uma das leis gerais pode-se fazer corresponder um tipo particular de subentendido. No DP, entretanto, o que h mascaramento. Mantida a regulamentao para o ato de interrogar e de ordenar - uma vez que o professor uma autoridade na sala de aula e no s mantm como se serve dessa garantia dada pelo seu lugar na hierarquia -, o recurso didtico, para mascarar a quebra das leis de interesse e de utilidade, a chamada motivao no sentido pedaggico. Essa motivao aparece no DP como motivao que cria interesse, que cria uma viso de utilidade, fazendo com que o DP apresente as razes do sistema como razes de fato. Ex.: no lxico, o uso das palavras "dever", "ser preciso", etc. Nas formaes imaginrias que citamos mais acima - por exemplo, IB(IA(R)) - podemos incluir a mediao do "dever": 1 que B deve ter da I que A deve ter do R, etc. Assim como, pela quebra das leis de discurso, o que temos ainda a mediao: a desrazo cede lugar mediao da motivao que cri# interesse, utilidade, etc. Essa motivao tem validade na esfera do sistema de ensino e deriva dos valores sociais que se lhe atribui. Em um e outro caso, temos sempre a anulao do contedo referencial do ensino e a sua substituio por contedos ideo-i1t13A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO13lgicos mascarando as razes do sistema com palavras que merecem ser ditas por si mesmas: isto o conhecimento legtimo. As mediaes so sempre preenchidas pela ideologia.2 - 0 -e porque e- A apresentao de razes em torno do referente reduz-se ao " porque C. E o que se explica a razo do " porque C e no a razo do objeto de estudo. Nesse passo, temos no DP duas caractersticas bastante evidentes. Ao nvel da linguagem sobre o objeto, o uso de deiticos, a objetalizao ("isso"), a repetio, perfrases. Ao nvel de metalinguagem, definies rgidas, cortes polissernicos, encadeamentos autornatizados que levam a concluses exclusivas e dirigidas. Da a estranheza de um discurso que diluidor e Qudo, em relao ao objeto, ao mesmo tempo em que definitrio e extremamente preciso e coerente, ao nvel da metalinguagem.3 - A cientificidade A transmisso de informao e fixao so consideradas objetivos do DP. At o momento falamos do tipo de "informao" (comportamento) que ele "transmite" (inculca). Gostaramos, agora, de falar sobre a natureza dessa "informao". E sua caracterstica est em que ele se pretende cientfico. 0 estabelecimento da cientificidade do DP pode ser observado especialmente em dois pontos: a) a metalinguagem; e b) a apropriao do cientista feita pelo professor.a) A metalinguagem A metalinguagem tem um espao para existir. Vejamos essa relao da metalinguagem com seu espao. 0 conhecimento do fato fica em segundo plano em relao ao conhecimento da metalinguagem, da forma de procedimento, da via de acesso ao fato. Na realidade, no h questo sobre o objeto do discurso, isto , seu contedo referencial, apresentando-se assim um s caminho: o do saber institucionalizado, legal (ou legtimo, aquele que se deve ter). 0 contedo a a forma (artefato) e se aponta a forma como rplica do contedo. Atravs da metalinguagem, o que se visa a construo da via14ENI PUICINELLI ORLANDIcientfica do saber que se ope ao senso-comum, isto , constrise a o reino da objetividade do sistema. 0 objeto aparece refletido nos recortes de uma metalinguagem que se constri com maior ou menor especificidade, dividindo espaos dentro da instituio:mais especfica: distino de disciplinas e mtodos:mais ou Menos especfica: distino das cincias:menos especfica: distino Ciencia/Fato (Escola/fora dela):Semntica Fonologia Sintaxe Estruturalismo Transformacionalismo etc.Matemtica Geografia Lingstica etc.Racionalidade, objetividade, sistematicidade; Experincia, sensibilidade, subjetividade, ocasionalidade, etc. Cada coisa posta em seu devido lugar e assim se perde a noo do todo do saber, sua unidade. As divises so estanques e a perda da unidade recuperada em um outro conceito que toma seu lugar: o da "homogeneidade". A homogeneidade criada a partir da instituio. no espao da instituio que o conhecimento homogneo, pois a instituio do saber como um todo (o sistema de ensino, tendo no cume a Universidade) abriga todas as divises. Essas divises se agrupam: sala, aula, srie, disciplina, nvel (primrio, mdio, superior), faculdade, universidade. E dessa perspectiva de metalinguagem que se podem entender questes do tipo: posso dizer com minhas palavras? Cuja resposta : ou no pode, ou, mais benevolentemente, se diz que pode para depois se recusar essa linguagem e substitu-Ia por outra "mais adequada".A LINGUAA LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO1r A ddisso, formulam-se, atravs de metalinguagem da poca, problemas clssicos, de maneiras diferentes, sem que se tenha conscincia disso, uma vez que no se trata de uma reflexo sobre fatos, nem da histria das diferentes formulaes dos mesmos problemas colocados pelos fatos. Desconhece-se a histria dos conceitos, ou melhor, que os conceitos tem uma hist6ria. Nessa perspectiva de escolaridade, as questes no se podem dizer nem verdadeiras nem falsas pois no se trata de explicar fatos mas de se mostrar a perspectiva de como podem ser vistos. No entanto, ao que fortuito e ocasional (a perspectiva) atribui-se um estatuto de necessidade, atravs da avaliao que a escola produz, instituindo um conhecimento que considerado valorizado ou, em outras palavras, um saber legtimo.b) 0 professor-cientistais 0 professor apropria-se do cientista e se confunde com ele sem que se explicite sua voz de mediador. H a um apagamento, isto , apaga-se o modo pelo qual o professor apropria-se do conhecimento do cientista, tornando-se ele prprio possuidor daquele conhecimento. A opinio assumida pela autoridade professoral torna-se definitria (e definitiva). Pela posio do professor na instituio (como autoridade convenientemente titulada) e pela apropriao do cientista feita por ele, dizer e saber se equivalem, isto , diz que z = sabe z. E a voz do saber fala no professor. Poderamos, ento, perguntar: o que o aluno e o que o professor? 0 aluno idealmente B, isto , a imagem social do aluno (o que no sabe e est na escola para aprender), e o professor idealmente A, isto , a imagem social do professor (aquele que possui o saber e est na escola para ensinar). assim que se "resolve" a lei da informatividade e, de mistura, a do interesse e utilidade: a fala do professor informa, e, logo, tem interesse e utilidade. 0 professor diz que e, logo, sabe que, o que autoriza o aluno, a partir de seu contato com o professor. a dizer que sabe, isto , ele aprendeu. A distncia entre a imagem ideal e o real preenchida por presunes, mediao essa que no feita no vazio mas dentro de uma ordem social dada com seus respectivos valores. As mediaes se sucedem em mediaes provocando um desloca-16ENI PULCINELLI ORLANDImento tal que se perdem de vista os elementos reais do processo de ensino e aprendizagem. Podemos citar, por exemplo, o material didtico, que tem esse carter de mediao e cuja funo dar "concretude" ao DP. 0 material didtico tambm sofre o processo de apagamento (como toda mediao) e passa de instrumento a objeto. Enquanto objeto, o material didtico anula sua condio de mediador. 0 que interessa, ento, no saber manipular o material didticopara algo. Como objeto, ele se d em si mesmo, e o que interessa saber o material didtico (como preencher espaos, fazer cruzinhas, ordenar seqncias, etc.). A reflexo substituda pelo automatismo, porque, na realidade, saber o material didtico saber manipular. Entre a imagem ideal do aluno (o que no sabe) e a imagem ideal do professor (o que tem a posse do saber que legitimado pela esfera do sistema de ensino) h uma distncia fartamente preenchida pela ideologia. ESCOLA (0 ONDE): REPRODUO CULTURAL, A LEGITIMIDADE Podemos ler em Bourdieu (1974) que a escola a sede da reproduo cultural e o sistema de ensino a soluo mais dissimulada para o problema da transmisso de poder, pois contribui para a reproduo da estrutura das relaes de classe dissimulando, sob a aparencia da neutralidade, o cumprimento dessa funo. Alm disso, a definio da escola em sua funo de transmisso da informao acumulada (definio tradicio dissocia sua funo de reproduo cultural de sua funo de reproduo social, aparecendo como colaboradora que harmoniza a transmisso de um patrimOnio cultural que aparece como bem comum. No entanto, h uma correspondncia entre a distribuio do capital cultural e do capital economico e do poder entre as diferentes classes: a posse de bens culturais, e que uma formao social seleciona como dignos de serem possudos, supe a posse prvia de um cdigo que permite decift-los. E assim instala-se uma circularidade: s os possui o que j tem condies de possu-lo. Por outro lado, a escola tem uma funo de dissimulao: apresenta hierarquias sociais e a reproduo dessas como se estivessem baseadas na hierarquia de "dons",A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO17mritos ou competncias e no como hierarquia fundada na afirmao brutal de relaes de foraConvertem hierarquias sociais em hierarquias escolares e com isso legitimam a perpetuao da ordem social. Atravs de que ao a escola faz isso? A escola atua atravs da conveno: o costume que, dentro de um grupo, se considera como vlido e est garantido pela reprovao da conduta discordante. Atua atravs dos regulamentos, do sentimento de dever que preside ao DP e este veicula. Se define como ordem legtima porque se orienta por mximas e essas mximas aparecem como vlidas para a ao, isto , como modelos de conduta, logo, como obrigatrias. Aparece, pois, como algo que deve ser. Na medida em que a conveno, pela qual a escola atua, aparece como modelo, como obrigatria, tem o prestgio da legitimidade. E a escola a sede do DP. Em ltima instncia, o fato de estar vinculado escola, isto , a uma instituio, que faz do DP aquilo que ele , mostrando-o em sua funo: um dizer institucionalizado, sobre as coisas, que se garante, garantindo a instituio em que se origina e para a qual tende. E esse o domnio de sua circularidade. Circularidade da qual vemos a possibilidade de rompimento atravs da critica. 3 Finalmente, como a nossa suposio a de que o que caracteriza o DP a eliso (iluso?) do referente atravs de mediaes que rompem o discurso ao dizer e se transformam em fins em si mesmas, consideramos que um estudo importante a ser feito o dafuno referencialpara o DP.BIBLIOGRAFIABourdicu, P. - A Economia das Trocas Simblicas, Perspectiva, So Paulo, 1974.Ducrot, 0. - Dire et ne pas Dire, Hermann, Paris, 1972.Orlandi, E. - "Protagonistas do/no Discurso", Foco e Pressuposio, Srie Estudos 4, Fista, Uberaba, 1978.Pcheux, M. - Analyse Automatique du Discours, Dunod, Paris, 1969.(3) Desenvolvemos este aspecto de ruptura em relao ao DP dominanteem "Para quem o DP", neste volume.Para quem 'o discurso pedagA aico*1-145INTRODUOi, 1 Inicialmente, procurarei explicitar minha concepo de linguagem, situar o que entendo por discurso e, tipicamente, por discurso pedaggico (DP).Posso considerar a'linguagem como um trabalho. No sen-tido de que no tem um cai ater nem arbitrrio nem natural, mas necessrio. E essa necessidade se assenta na homologia que podemos fazer entre linguagem e trabalho, i. e., considerando que ambos so resultados da interao entre homem e realidade natural e social, logo, mediao necessria, produo social.Quando falamos em mediao, gostaramos de dizer queno pensamos essa mediao no sentido de col. - o car - a linguagemcomo instrumento, mas pensamos, antes, a mediao como rerao constitutiva, ao que modifica, que transforma. _ Ainda que parea pseudonatural, uma vez que o produtor' de linguagem no possua seu controle, ainda assim sua naturalidade no natural nem sua arbitrariedade arbitrria, pois encontra sua motivao na forma social, no sistema de produo a que pertena (Rossi-Landi, 1975). (*) Esse texto foi apresentado em uma mesa-redonda da 32! Reunio da SBPC (1980).A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO19 0 estudo da linguagem no pode, pois, nessa perspectiva que a&famos, estar apartado da sociedade que a produz. Ento, -~uprocessos que entram em jogo na constituio da linguagem so-processos histrico-sociais, e seria, talvez, interessante acrescentar que, em se tratando de processos, no consideramos nem -ciedade como um dado ou a linguagem como um produto.. Em decorrncia dessa perspectiva que vemos como regio privilegiada da lingstica a da Anlise do Discurso, porque o discurso pode ser visto como a instanciao do modo de se produzir linguagem, isto , no discurso se explicita o modo de existncia da linguagem que social. Especificando agora a noo de discurso, devo acrescentar que considera - como M. Pecheux em sua Analyse Automatique du Discours (1969) - o discurso no como transmisso de informao mas como efeito de sentidos entre interlocutores,enquanto parte do funcionamento social geral. Ento, os interlocutores, a situao, o contexto histrico-social (i. e., as condies de produo) constituem o sentido da seqncia verbal produzida. Quando se diz algo, algum o diz de algum lugar da sociedade para outro algum tambm de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significao. Como exposto por Pcheux, hnos mecanismos de toda formao-scl--T-re-gf-s-&-~fj-e-- q -estabelecem a relao enoncretas e as representaes dessas situaes no interior do discurso. o lugar assim compreendido, enquanto espao de representaes sociais, 1 que constitutivo da significao discursiva., preciso dizer que J todo discurso nasce de outro discurso e reenvia a outro, por isso,,! _iiL se pode falar em um discurso mas em estado de um processo discursivo, e esse estado deve ser compreendido - como resultando &'processos discursivos sedraentados, institucionalizad . os. E, fInmente, faz parte da estratgia discursiva prever, situar-se no lugar do ouvinte (antecipao das representaes), a partir de seu prprio lugar de locutor, o que regula a possibilidade de respostas, o escopo do discurso. Considerando-se ainda o estudo da linguagem no processodo eu e do outro,,-na'*sim-ultaW~rad'Talnfe--W~l-nt podemoschegar articula-sclaFI _entre interlocutores e deriva da aPossibilidade de se apreender a iluso subjetiva que muitas vezesest refletida, e no criticada, nas teorias lingsticas-_o_seitQque produz ~z~tambm est reproduzido n ja,.wredl~-20ENI PULCINELLI ORLANDItando ser a fonte exclusiva de seu discurso, quando, na reali dade, retoma um sentido preexistente. Essa iluso de ser a fonte de sentido se desfaz se atentarmos ao fato de que, para ter sentido, qualquer seqencia deve pertencer a uma formao discursiva que, por sua vez, faz parte de uma formao ideolgica determinada. Cada formao ideolgica, segundo CI. Haroche (Haroche et alii, 1971), "constitui um conjunto complexo de atitudes e representaes que no so nem individuais nem universais mas se reportam, mais ou em conflito umas commenos diretamente, s Posies de classe as outras". Dessas formaes ideolgicas, fazem parte, enquanto componentes, uma ou mais formaes discursivas interligadas. Segundo essas consideraes, a relao entre as condies scio-histricas e as signifaes de um texto constitutiva e no secundria. Por isso tudo, de acordo com os autores citados acima, falar outra coisa que produzir um exemplo de gramtica. As formaes discursivas so formaes componentes das f-rm-'es ideolgicas e que determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posio dada em uma conjuntura dada. As palavras mudam de sentido ao passarem de um ~ formao discursiva para outra. Assim, no so somente as intenes que determinam o dizer. H uma articulao entre intene convenes sociais. H uma seleo em relao aos meios formais que uma lngua oferece, seleo feita peloalante que vai delimitando o que diz e, conseqentemente, tudo o que seria possvel dizer. Porm, o sujeito no se apropria da linguagem num movimento individual: h uma forma social de apropriao da linguagem em que est re_ eti o o 'do como ele o fez, ou seja, sua iluso -e-tido o de sujeito, sua intc-rplgkc! feita pela ideologia. Teoricamente, e em termos bastante gerais, podemos dizer que a produo da linguagem se faz na articulao de dois grandes processos: o p~rafrstico e o polssmico. Isto , de um lado, h um retorno constante a um mesmo dizer sedimentado - a parfrase - e, de outro, h no texto uma tenso qq aponta para o rompimento. Esta uma manifestao da relao entre o homem e o mundo (a natureza, a sociedade, o outro), manifestao da prtica e do referente na linguagem. H um conflito entre o que garantido e o que tem de se garantir. A nofisserniA -1ii ii1A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO21essa fora na lin~an--- que desloca o mesmo, o garantido,-w -sedi-menf a - do - . Essa a tenso bsi-ca-do -discurso, -tenso entre otext-c--- contexto histrico- social: o conflito entre o mesmo e oXrente (Orlandi, 1978). Entre a parfrase e a polissemia. -No h, pois, razo para se considerar o discurso comomera transmisso de informao mas, antes, devemos considerlo como efeito de sentidos (Pecheux, 1969). Dessa maneira, osocial aparece em relao _Jinguagem, na sua fora contradiT-ria:"prque o social constitutivo da linguagem, 1 esta- se e-diEiW~ (iluso do sujeito), e porque fato social ela mi;da Tp_6lissemia). 1 0 que , ento, o DPJ Eu o tenho defindo como umo circtilar), isto ,um dizer institucionalizado sobre asrc11 s1w,~ ---------__Acoisas, que se garante, gaF`tindo-"lEflItiu-j6 em que se originae para a qual tende: a escola. 0 fato de estar vineu - 14da _esco~a,a uma instituio, portanto, faz do DP---~guilo que ele , e omostra (revela) em sua funo. Bourdieu (1974) trata da escola como sede da reproduo cultural, e o sistema de ensino como sendo a solu6'mais dissi-Eu-lada para o problema d transmisso de poder,' ao- contribuir f~fa a reproduo da estrutura das relaes de classe mascarando sob a aparencia, da neutralidade o cumprimento dessfno. Indo mais alm, Marilena Chau, na Folha de S. Paulo-d-c-29 de junho (1980), diz~-q-ue mais qu 1 e . a reproduo da ideo'~ggia dominante, das estruturas de classe e das relaes dpoder, a educao agora tomada pelo seu aspecto econmic1,.~gis imediato, sendo a funo da escola reproduzir a fora de trabalho. Diz ela: -hoje a educao encarada imediatamente rmo capital, prou-i~l e -Inve-s-fi---m-n-W Cu-e-do~ve----Re-r-ar lucro . Como a escola---faz isso?- 1 . escoa s insti 1 por re~lamentos~, por mximas que aparecem como validas para-~_ao, cffi modelos. Ela atua pelo prestgio de legitimidade e pelo seu discurso, o DP. Quando falo em DP estou falando em um tipo de discurso. Tipo, aqui, em relao a outros,~. E a empresa tipolgica uma retrica: um tipo de discurso uma configurao de traos formais associados a um efeito de sentido caracterizando a atitude do locutor face a seu discurso e atravs deste face ao destinatrio (Marandin, 1979). E como este DP? Em su"efini) seria um discurso ngura-que-tra Lpn,smite informao (terico ou cientfico). isto~ ,22ENI PULCINELLI ORLANDIsncia de problemas de enunciao: no teria sujeito na medida em que quTquer uni (dej~tr das regras do jogo evidentemente) poderia ser seu sujeito (credibilidade da cincia), e onde existiria a distncia mxima entre emissor e rece tor (no haveria tenso portanto), tei como mr nominalizao e como fras"e base a frase com o verb~ ser (definies). Do ponto de vista de seu referente, o DP seria puramente cognitiyo, informacional.E_~-s-satipoi_gia que tematiz e -No entanto, a pratica. a ssaneutralidade no me foi suficiente, na minha reflexo sobre oDP, enquanto eu mesma fao parte da escola. Minha experincia me mostrava outra coisa que essa neutralidade suposta. Crieioutra tipologia. A de que existem, fundamentalmente, tres tiposde discurso em seu funcionamento: o ldico, o polmico e oautQx_ ~- . 0 critrio para a.distino es a n~_relab tFe osinterlocutores e o referente, isto , nas suas condies de proCuo. De acordo, ento, com a dinmica das condies de produo teremos os vrios tipos de discurso, tal como os definimos em---0Discurso Pedaggico: a Circularidade": no discurso ldico, h a expanso da polissemia pois o referente do discurso est exposto presena dos interlocutores; no polmico, a polissemia controlada uma vez que os nterlocutores procuram direcionar, cada um por si, o referente do discurso e, finalmente, no discurso autoritrio h a conteno da polissemia j que o agente do discurso se pretende nico e oculta o referente pelo dizer. A reversibilidade na relao dos interlocutores pode fazerparte do critrio de distino desses tipos de discurso, ou melhor,desses funcionamentos discursivos: o discurso autoritrio vropig-etaacat,Lmverbjfidad ~ o ldico -vive (de-Ia, ~nopomico, .~_ - - ---- -a reversibilidade se d sob condi S. Gosta 'a de explicita1~,--qsse momento, que, ao colocarentre os tipos de discursoQ diSCu isso no contraria a ~ alo:'IAhiptese, feita no incio, 5! a M vista omj-ir- b - g-----------forma como utilizamos a noo de trabalho, isto , como mediao, inclui o ldico. No entanto, a maneira como o 'irabalho sed em uma form Qcigi determinada pode excluira Possibi ~nuQ-S-C- __------------------------ __------ --dUe--do __ Uico, devendendo das caractersticas desta for-1 Procurando caracterizar o DP, pudemos observar que tal qual ele se mostra atualmente em uma formao social como a1i111. 11A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO23nossa, ele se apresenta como um discurso autoritrio, logo, sem nenhuma neutralidade-1---0-UP _sedissula como transmissor de informao, e fazisso caracterizando essa informao sob a rubrica da cientificidade. 0 estabelecimento da cientificidade observado, segundo o que pudemos verificar, em dois aspectos do DP: a meta-lin. DrFe guagem, e a apropriao do cientista feita pel5 pro e isi.I-- - t - __ ---- 0 problema da metalinguagem se fndino ratamento doreferente, isto , o e cimento do fat o DP p-eld---WhecimenIb-di _uma certa metalinguagem: fixam-se as."~le ~lioes'e ex_luem-se~ , -os-fatos, Q referente um referente dis cursivo: so conceitos elaborados naquele ou em outros discursos, enunciados Plcitos. A citao e cuTrs iscursos~M di ---di-pod Ser ou no explicitaa no DP, o que torna mais difcil decidir-sqb~p_9~jimites dele e as vozes que falam nele. Na realidade, no h questo sob~o ob-j-e-fo--cT6-d-iscu~rso~, isto , seu , _S rfe~in~ia-1 Gvs da metalinguagem estabelece e oconte oestatuto cientfico do sabr que e` ao - _se comurn-j-s-to T, 'cis'tr6i'-'se-c-om a_ metalinguagem o domnioft~ obi~tLvid ad , _AO sistema. 0 DP utiliza, dssamaneira, uma linguagem que dilui 11 re-u Objeto ao mesmo tempo em que se cristaliza como metalin guagem: as definies so rgidas, h cortes polissmicos, enca deamentos automatizados que levam a concluses exclusivas(Ex.: uso do verbo ser nas definies "X As questes nos nem falsas, pois a apresenja~_as razes em torno do referente se ~e_Tuz o,~e-prq~u-e-. 0 que se explica a razo---&'emi~-f-qe-e ~_~ro -f-Czlu-d-bi-~j-dje-s-tu-C).--uTra-fmr-i U ih-etlrngugem, seg---o o que observamos, produ---recOzir ries no Objeto, recortes esses refletidos dentro do sistema ---deensino em sua totalidade 1 ; desde recortes mais gergis_at,91 mais especficos (disciplinas, mtodos, cincia/fato), de~_de os mais tericos at os mais concretos (Humanas, Exatas, 1~ sri rie,28 -serie, ~'als-d-u-i--dlli~-t--s-,-et 1 c.). E o sistema de ensino essa fragmentao toda em que o conceito de unidade , cedeluggrao de homogeneidade e com elei se tranquiliza..tcnica e burocraticamente sob o pretexto de nveis de---eSpecializao No selftt;E-, ento, da explin-dd-s-'Tf-s', ma~e~-~' determinar aperspectiva de onde devem ser vistos e ditos. A essa perspectiva epela ~valiqq_que-a-t~,cola es r~ tabelece,aU2u-L-um-e&tatuto je-neessidade (de dever) e se institui, dessa forma, um conhe'i~ent , _----ci nto ~iii-zd-6,---u'-m--s-b-er__Igtimo. Nesse s-ber, atravs24dessa metalinguagem,1,~tud,o se a_chata.1 Isto , se torna bvio o que complexo e se complica o que bvig. H uma indistino feita pela linguagem escolar q1 se presta a uma funo tranqipe-1lizante: n~o h sustos', diWld~'a's ou questes sem resPoff-.-ssimseco 1~61ojabgr devido, o saber 1 0 sistema de ens lin-tiUu-l-"~i &~e dessa metalinguagem ao professor, autorizando-o. 0 professor, por sua vez, se_apro . pna do cientista e se confunde com ele sfil~se mostrar como vozmedi(f-ra-.-,NpUe- -o-wdp, P "' - -- -- -- - 11 - ,se _qual se faz essa apropria o--- do conhecimento & cientista tornando-se, o professo?-,-- detentorLA-0.-i - daquele conhecimento. Como o professor, na instituic - autordade convnientemente-flOada~_e como ele---seapropria do cientiNt;'dire saber se eqpivakm- essor institucional e1idealmente aquele gue p ssu o sabe-r-e ut,~en_siqar,_o aluno aquele que no sabe e est na escola pra aprender. 0 que o profes,-s-jr-dlz-~e-c-6~n-V~l-e-ffi-dh~e-im-ent~, -o 4----autorizao aluno, a partir de seu contato com o professor, no espao escolar, na aquisio da metalinguagem, a dizer que sabe: a isso se chama escolarizao. Na interlocuo, o DP se caracteriza pela quebra de leisdiscursivas, c omo a s enunciadas por Ducrot: interesse, informatividade e utilidade. A quebra dessas leis se resolve pela motivao pedaggica e pela legitimidade do "conhecimento" escolar(da sua utilidade) escorada - na , i - dig , de que h um desenvolvimento no processo escolar, paralelo ao-da-matura-o---do aluno(enquanto ele for aluno "algum" resolve por ele, ele ainda nosabe o que verdadeiramente lhe interessa, etc.). Isso a inculcao. As mediaes, nesse jogo ideolgico, se transformam emfins em si mesmas e as imagens que o aluno vai fazer de simesmo, do seu interlocutor e do objeto de conheci __------ ------ UU=10 vo star dominadas pela imagem que ele eve Jazer 49---1!~&gr d_veprofessor. Pelo lado do aluno (nessa caracterizao do DP), h uma aceitao e um - a exploraco dessas representaes que fixam o.professor como que se repre senta o papel de tutelado. Desenvolvem-se Aipos de comportamento que podem variar d ,o,,aulgri arismo mais exacerbado~ - . ~kade t __------ ---,ao paternalismo mais doce.ENI PULCINELLI ORLANDI1,0ii-1A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTOPROPOSTA25 Como encaminhar uma posio crtica diante dessa caracterizao do DP? Seria, talvez, torn-lo um discurso polemico. Falei anteriormente que h uma relao entre a formao discursiva e a formao ideolca, e insisti no fa~o de que um discurso efeito de sentidos e no transmisso de informao. 0 jogo ideolgico est na dissimulao dos efeitos de sentido sob a forma de informao, de um sentido nico, e na iluso discursiva dos sujeitos de serem a origem de seus prprios dis-cursos. Ora, h um compromisso da linguagem com o processo histrico -iJ;_~is-efe-itos--d sent-do-tem-origem'na constituio-i---coi~texto como elementos s inte_rlocutoreS e do --- da, significao.C M ---0---q_ 9. a sociedade, tal qual ela se apresenta hoje, , dividi. a, o sentido distribudo no s mltiplo, eleest despedaado e a aparncia de unidade dada pelo sentido garantido, o sentido sedinientado, institucionalizado, o dominante. Se a ideologia dDminafite coloca, ento, certos pressupostos, certos implcitos, - preciso interferir na constituio dos sentidos assim constru'dos.- - 0 autoritarismo est incorporado nas relaes sociais. Est na escola, esta no seu discurso. Pois bem, uma forma de interferir no carater autoritrio do DP questionar os seus implcitos, o , seu carter informativo, sua "unidade" e atingir seus efeitos de entido. Com os implcitos, o discurso coloca algumas "infor m aes", informaes que aparecem como dadas, _predetermi nadas, e no deixa espao para que se situe a articulao eRis tente entre o discurso e o seu contexto-mais am , plo. Esses impl citos prendem os interlocutor , e , S - n , o espao'o institudo. Espe cificamente, em relao ao DP, uma forma- no autoritria explicitar o jo$~9-0c-. eleitos de sentido em relao a '-'informa- '@gias nos textos e dadas pelo contexto histrico- social.s---- Do Ponto de vista do autor (professor) uma . w_de-se._ _~a gL DL q ir colocar de forma polmica construir seu--textQ,-scu-d de maneira a expor-se a efeitos de sentido-s, possveis, deixar um espao para a existencia do ouvinte como "sujeito" - 1 Isto , (1) Em um curso de p6s-graduao (UNICAMP) sobre o Discurso daHistria, Maria Irma HadIer51u~26ENI PULCINELLI ORLANDId JP~AL vago um espao para o outro (o ouvinte dentro do discurso e construir a Prpria possibilidade de ele mesmo (locutor) se colocar como ouvinte. saber ser ouvinte do prprio texto e do outro.Da parte do aluno, uma maneira de instaurar o pol^mico ;--~_ ------1 .. 1 eexe_~gT a isto , no aceitar aquild_5",c pacidade de discordncia,g. Lie o texto prope e o garante em seu valor social: a capacdWe d-~lif'd-se constituir ouvinte e se construir comoautor na dinmica da interlocuo, recusando tanto a fixidez do,exercer 1 e t uc,d~deautor ngito co mo a fixao do seu lugar como ouvinte ~ JLa e- i]---- , S- r rio, do discurso autoritario fixar o ouvinte na si o douvinte a ~~ . Ne o a4 1 gar iss n ornear a Possib b:llida&-de-ser ouvinte, no aceitar a s- agnaonS Pesse,papi, nessapoo,.Seria oportuno fazer, nesse passo, uma observao a res-peito da noo de sujeito. Como cQnsidero-qtie-a-apr2pa',ko da 4 1. - -- - 7- . ,jlUguagtm--cQnsiulda~acialmcntqcss--~gjeito do qual falono R mas o su eito1 -, o su*eito em--si,-a]2s-t - o.de ~ -PR1~ ~osu*i dnipgulhado no so i p is da contra-dio giLe o constitui. Por isso prefiro a no o de e a 0 na interlocuo. Desse ponto de vista, iria que consi- t r10C o qM 1 erloc 1 ona intderro=e-quadia a teuminolORIA e condies de pro duo e condies de rerepc?, . pois acredito que a ---- decondies de roduo abrqnge enrnn todo, a emisso e ae is --ff~,ec=Wi tinguimos emisso e recepo por ~ma ques de fato e no de direito. Isto , tanto emissor quanto receptor so, de direito, produtores da instancia de interlocuo, ambos interagem simultaneamente, embora, de fato, cada um tenha seu tempo de atuao. Ainda desse ponto de vista, gostaria de notar que h um deslize terico na lingstica, deslize este que se caracteriza por constituir uma lingstica feita do ponto de vista do locutor. Essa lingstica, no meu parecer, generaliza para a caracterizao da natureza da linguagem, isto , considera como fundamental algo que, no entanto, um modo de funciona-trabalho final, uMa-dissrta*o em que falam sobre o carter informaQional do' urso em que "so jogadas informaes sem efeito de sentido" e contrapem a ele "urn texto em que existe um jogo de sentidos X informaes", mostrando que deste movimento que nasce o espao que d lugar para a incorporao do leitor como sujeito. Distinguem o texto em que h "espao para o re-fazer do percurso do autor"_24geles em que no existe esse espao.A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTOmento d Ia, aquilo que chamo de um funcionamento discursivo, ~ e ------ .,e cuja sedimentao scio-histrica resultam um tipo. Ento_,----toda linguagem vista sob a perspectivado e . como dis-_qiV _yj o_ _urso autoritrio, Isso porque se desart 1 icula o caracterStiCo'da interlocuo que a articulao locutor/ouvinte e as outras articulaes que da decorrem constituARdo---dictomias. Do inte-rior de uma de suas perspectivas, a do eu_Locutop, neLa-_S~gene..TE-l~, _sIt-igando-a~----E -de-ntro -desses limites que--ynho consideran-da-a--hamo-logia,entre linguagem e trabalho, visando os funcionamentos_discursivos. No coloco em causa a especificidade da linguagem em relao ao trabalho, considero entretanto que a homolestabelecida entre essas duas noes me =i_permite observar melhoresse aspecto da linguagem que. se pode ver atravs do funcionamento discursiYo. Segundo Benveniste (1976), "a polaridadedas pessoas na lingu~ gem a condio fundamental-"; mais adiante diz que,s-s"" significa igualdade nem simetria: ego tem polaridade nosempre uina posio de transcendncia quanto a tu; apr~isso.nem um dos dois termos se concebe sem -o outro 1 _ parti r - aiele desenvolve uma anlise que, considerando a apropriao daCgilngua pelo sujeito falante, desta---ca as ~formai n stis querevelam a subjetividade na linguagem, que organizam as relaes espaciais e temporais em torno do "sujeito tomado comoponto de referncia". Mas como -nenhum dos dois termos seconcebe sem o outro", o que propomos que se considere o outroplo, o do ouvinte, e se procure suas marcas, as formas lingsticas que revelam seu papel. E se h, pois, formas lingsticasque marcam a presena do ouvinte dentro do texto, a formapolemica pode ser construida atravs dessas marcas, justamenteopondo-se ao discurso que, ao lidar com essas marcas, constrino texto o aprisionamento do outro no escasso lugar que lhe atribudo pelo discurso autoritario. essa dinmica de papis que caracterizaria a possibilidade do discurso -P~ol~mico, e, junto a isso,haverig 4 r cuperao do~ -- -1 ~1 - - --- e- --- r--objeto da reflexo, isto , dos fatos, dos acontecimentos, encobertos pel fixidez desse tiii,~ de discur -o - q 'o a'torit'ri , 0. S ~ u~.---------u - aOnde est a, IiR"agem est a ideologi confronto de senti-'do~. i~ijd` no imvel e est no o o~=1- - _procesn~1~ocutorkr or a o,L~ cepSI~o_1,jig Jrontq-~, interesses soci ' P t n'~d, dizer n nas informar nem comunicar, n m inculcar, a ret%er n281ENI PULCINELLI ORLANDItambm reconhecer pelo afrontamento ideolgico. Tomar a palavra um ato dentro das relaes de um grupo social.H, em relao p&cola, uma seleo que decide, de ante-ml-, -q-u-e m-7,-zpa~t~~ de-ia -e q-em _no f az, quem -1 est em condie,e: d s e se apropriar esse discurso_ e_ quem no est - . H, entre---Inr-iT,---um~-ut~o~tq~Si__------e_mo sim- ie - 14piSmas o o esnigLament - t -rc! i-_ -q dQ ou ---R -um artigo de Marilena Chau, na revista Educao e Sociedade (1980), onde h colocaes fecundas sobre o problema da educao. Ficam entretanto, a meu ver, certos pontos pass veis de discusso a respeito de ideologia. Por exemplo, quando a ideologia vista como estando dentro de ns, encontramos a afirmao: "ela est dentro de - ns talvez porque _tenhamos boasi intenes". C-ncordo em que a esteja dentro de ns, mas, doTi meu ponto de vista. ela_prescind de nossas intenes. Sejam6boas ou ms. No vejo essas ivises. E o "talvez" usado na expresso (talvez porque tenhamos boas intenes) revela, em termos de anlise de discurso, agora voltada para o prprio texto de Marilena, uma questo que podemos fazer-lhe: que voz essa que fala em seu discurso? uma voz crtica. E em que lugar se coloca essa voz? ainda nessa direo que gostaria de comentar outra passagem desse texto: "Quem portanto est excludo do discurso educacional?". Ao que Marilena responde: os professores e os estudantes. Pois bem, como ato de linguagem, o poder de decidir, e concordo com Marilena quando diz que ns, professores, estamos excludos desses dizer- ato- deciso quando se trata do discurso do poder que se pronuncia sobre a educao definindo seu contedo, sua forma, seu sentido, sua finalidade. Mas gostaria de acrescentar que, enquanto professores, no es-. tamos exclud os .1 do 1 diz , er-ato-deciso quando se trata do tfba-,lho pedag ico. Trata-se, ento, em rela,~p ao discurso educa-- cional, de atuwnlw,..nticament,_ nas duas direes, em relao aos que nos cristaliza . - se pronunciam sobre a~aca-o)- ,_W-(!s,qg. -e aos que ns, reprodutoramente, cristalizamos (em Sso-fr-a-k?lho de educao). Tambm no vejo o procedimento autori-arlQ,omo,o-de-siMples-e-,p.U_r~k~xluso, trata-se antes de dominao,~`e o dominador no exclui o_Liiii~n`do-:,~, incorpora !tomo tal.---De um lado, portanto, deve-se questionar os implcitos, os locutores, o contedo, a finalidade, o sentido dado ao ensino pelo DP do poder e, de outro, fazer a mesma coisa com o dis-A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO29curso que ns reproduzimos internamente no tr_. _- 1 -aL]2alhQ-Pedag-gico. Isto e, questionar as condies de produo desses discursos. 6u- ando Marilena fala do professor, diz que "uma_pedagogia crtica deveria interrogar esse risco cotidiano: de onde vem---p ~rq vem as r-e ie- ------ uo de toma - -s-Ckq-n1~,-de onde vem e por que vem em ns e nos alunos ,se, d -qu-, _4gj_~_ uM _Me tLe, sJ~em ~'elqao -. o ~osto igura de auto22eni em n~o iIzur.i r, oTRU e nos al no se'~s -dea s aria de acompanhar issoo a ult o =d a d e n olqu~-N~ii~na'diz'com um'_bser e crticos yK49: mesmo qu(quando o somOS~-ns estamos fixados pela fr-fifuR-o-~nquantoprofessores. No acompanhamos o aluno, Ti-cams no mesmo lugar e esse lugar o que nos aponta como professores (mestres, "gurus"). Da o risco da cristalizao._ No- abstrata essa vontade da autoridade, ela claramente marcada na relao de ensino. Uma outra coisa que Marilena traz tona com muita propriedade a questo da maturidade e imaturidade atribudas aos que participam do processo da ed~f.---Er outro lugar desse trabalho, falo -sobi"'-l-u-ii6- Cio Eficla~dQ; aqui, nesse passo, gostaria Xe-fi:~~r-m-iin-Wa -t-eno i~ -que-Marilena diz (p. 29 da revista citada): "se fizermos falar o silncio da imaturidade o discurso sobre a imaturidade permanecer intacto?". A vontade a de considerar a pergunta como pergunta retrica e responder "No", e pronto. Mas eu gostaria de ver isso de uma outra maneira, isto , Q-smtidp. tambm o resultadg~ 51q_l~ma situao discursiva, uma espcie de intervalo entre enunciados fetivamente realizados. Esse intervalo no um vazio,, in-tes, o espao ocupado pelo social. Nesse sentido, as lacunas constitutivas da ideologia so os implcitos, os pressupostos, no so silncios. No h separao entre o scio do oprimido (da imaturidade) e o discurso do opressor (da maturidade). Dentro de um est o outro e se sussurram. Coloco, portanto, a disputa a nvel de explicitao de pressupostos, aquilo que garante o texto em sua legitimidade, se j no se est de acordo com ela. Ainda em relao a essa questo do silncio, a minha posi,o a de que no acredito e apenas no se esteja dizendo o suficiente. No se est ouvindo o necessrio. Nem h separao entre essas coisas, e vejo nisso um processo. H um momento no processo do discurso pedaggico ou outro discurso (autoritrio?) qualquer em que o outro ouve no esmagamento, tentando repro-28ENI PULCINELLI ORLANDItambm reconhecer pelo afrontamento ideolgico. Tomar a palavra um ato dentro das relaes de um grupo social. H, em relao __ _Wola, uma seleo que decide, de antemo, q-Te-ffi-Ta-i~te dela -em no faz, quem est em condi---e-s-de--s-Eip-fbriar desse discurso e quem no est. H, entretanto, um outro processo, interno. que no , a da-simpf~i,sele 'mas 6 do e~s~gMiRtq do outr~., artigo de Marilena Chau, na revista Educao e Sociedade (1980), onde h colocaes fecundas sobre o problema da educao. Ficam entretanto, a meu ver, certos pontos passveis de discusso a respeito de ideologia. Por exemplo, quando a ideologia vista como estando dentro de ns, encontramos a afirmao: "ela est dentro de ns talvez porque tenhamos boas intenes". Concordo em que ela esteja dentro de ns, mas, do meu ponto de vista., ela---prescinde de nossas intenes. Sejam 6 -boas ou ms. No vejo essas ivises. E o "talvez" usado na expresso (talvez porque tenhamos boas intenes) revela, em termos de anlise de discurso, agora voltada para o prprio texto de Marilena, uma questo que podemos fazer-lhe: que voz essa que fala em seu discurso? uma voz crtica. E em que lugar se coloca essa voz? ainda nessa direo que gostaria de comentar outra passagem desse texto: "Quem portanto est excludo do discurso educacional?". Ao que Marilena responde: os professores e os estudantes. Pois bem, como ato de linguagem, o poder de decidir, e concordo com Marilena quando diz que ns, -ato-deciso quandoprofessores, estamos excludos desses dizerse trata do discurso do poder que se pronuncia sobre a educaodefinindo seu contedo, sua forma, seu sentido, sua finalidade.Mas gostaria de acrescentar que, enquanto professores, no esta - 1 ~---------, - f. mos excludos do dizer-ato- deciso quando se trata do t abalho pedag . Trata-se, ento, em relako ao di curso educa-6C-0cional, de atuarmos, xiticamente, nas duas direes, em relao -.1 , aos que nos _ristalizaIn re a_dcao) i ---~e pr)4qpei4R Sob -(os.qg e aos que ns, reprodutoramentC -cri stalizamos (em hsso-rraIkalho de educao). Tambm no vejo o procedimento autorit?IQ,)mp-,o-de- simples -e--pujea exclus o, trata-se antes de dominao,~e o dominador no exclui o domind,.'b incorporaitomo tal.---De um lado, portanto, deve-se questionar os implcitos, os locutores, o contedo, a finalidade, o sentido dado ao ensino pelo DP do poder e, de outro, fazer a mesma coisa com o dis-oA LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO29Surso que ns r u 2s internamentR_~ag6gico. Isto , questionar as condies de produo desses discursos. ---~u_ando Marilena fala do professor, diz que "unia pedagogia crtica deveria interrogar esse risco cotidiano: _ on veme porque vem a se tomar-se 'Ruru'. de onde vem e porque vem em ns e nos aiRR25_2-kse2 d s~e 1 ue, .4g- ---gLUC J~_RM_Ine ,o-Ali-gu y ade?". Gostaria de acompanhar issoque Marilena di~ com obser,LLtqa__- mesnio que crticos(quando o somosfis estamos_f,~4qs pela iIi~titui_ "onquantoprofessores. No acompanhamos o aluno, Fi-cams no mesmolugar e esse lugar o que nos aponta como professores (mestres,'&gurus"). Da o risco da cristalizao. No abstrata essa vontade da autoridade, ela claramente marcada na relao deensino. Uma outra coisa que Marilena traz tona com muita propriedade a questo da maturidade e imaturidade atribudas aos que participam do processo da ede~iC Em outro lugar desse trabalho, falo sobi- o _~'cR_j~; aqui, nesse passo, gostaria Xe-fi:~i_rm_EnT --teno ao que Marilena diz (p. 29 da revista citada): "se fizermos falar o silencio da imaturidade o discurso sobre a imaturidade permanecer intacto?". A vontade a de considerar a pergunta como pergunta retrica e responder "No", e pronto. Mas eu gostaria de ver isso de uma outra maneira, isto , Q_=tidp, tambm o resultado- de uma situao discursiva, uma espcie de intervalo entre enu~~C_os fetivamente realizados. Esse intervalo no um vazio,--,in--te-s, o espao ocupado pelo social. Nesse sentido, as lacunas constitutivas da ideologia so os implcitos, os pressupostos, no so silncios. No h separao entre o silticio do oo (da imaturidade) e o discurso do opressor (da maturidade). Dentro de um est o outro e se sussurram. Coloco, portanto, a disputa a nvel de explicitao de pressupostos, aquilo que garante o texto em sua legitimidade, se j no se est de acordo com ela. Ainda em relao a essa questo do silncio, a minha posi,o a de que no acredito e apenas no se esteja dizendo o suficiente. No se est ouvindo o necessrio. Nem h separao entre essas coisas, e vejo nisso um processo. H um momento no processo do discurso pedaggico ou outro discurso (autoritrio?) qualquer em que o outro ouve no esmagamento, tentando repro-/ - ~,-, , ~,f30ENI PULCINELLI ORLANDIduzir, repetir, copiar2 a voz auto-suficiente do locutor; em outmom . ento h a ambigidade3 de falantes sem ouvintes: fora de tentairesi~l !-f~a(~4,-e--p-r~c"u-r-a-m,-,-n-os relegar posio de apenas ouvintes (e ouvintes de discursos j cristalizados), deixamos de ouvir mesmo os nossos pares, o que no nos ajuda a deslocar efetivamente a relao de dominao. E h um terceiro momento, o momento crtico, aquele em que se estabelece uma relao menos hierarquizada entre interlocutores, 9 da disputa pela posse da palavra. Da primeira vez em que expus algumas dessas idias, a res*to do DP, como discurso autoritrio, foi-me feita uma ques-peito, pelo colega R. Ilari: seria o autoritarismo um mal de raiz doDP? Hoje, ei diria, o D1~,~ -um di~curso institmonal,reflete relaes institucionais das quais faz parte: se essas rela es so autoritrias, ele ser autoritrio. 0 seu mal de raiz ,pois, refletir a ordem social na qual existe~ Mas como essa no ,uma relao mecnica, alguma coisa escapa e sempre possvela crtica.---M~,nada_Rosimpedede imaginar--gma socie. dadesem-escola, E volto ainda uma vez fala da Marilena: "Noseria mais rica uma p o _dagogia que levasse a srio o fenmeno da consciencia - mutraditria? ( ... ) Lt~ata-se de _uma pedagogia capaz - de criar'cond~k!i(o que pode ser obi~ tanto dos alunos, quanto dos professores, quanto de todos) para que a descoberta possa acontecer" (Chau, 1980). E a perguntamos: , se levarmos aolimite essa qx~st&i o dessas condi-q,__podemos dizer que a criaes pode ser obra d-t*o dos ( em se ntido amplo e no no do conjunto de professores e alunos) e portanto no preciso que a (2) Loureno Chacon J. Filho, em um trabalho do curso de ps-graduao (UNICAMP), abordando algumas conseqncias do autoritarismo no )P, analisou trabalhos, provas e redaes de alunos pr-vestibulandos. Ele mostra como o aluno, ao copiar, imitar o que o professor faz com a linguagem, produz textos estropiados. Ex.: "o texto est mostrando situaes que se encontram numa sociedade relativamente de nvel econmico precrio, justamente pelo qual no texto diz que; trabalhadores misturam com malandros, o bar logo, lotou etc. ", em que h problema de coeso textual, e, por exemplo, outro texto em que h problema de consistncia de registro quando, em um ttwto coloquial, aparece abruptamente o estilo formal: "gua s tu o alimento mais importante da terra". (3) Ambigidade: porque o fato de se negar como ouvinte pode ser tratado como a recusa da cumplicidade com um certo dizer mas tambm como a negao pura e simples do outro, o que tambm um ato autoritrio.A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTOescola ocM2&=Jugar.,-~es~QU_o. Ou, dito de outra forma,para que a escola como lugar privilegiado para essa desebS-FU?fis para o caso -de'realniente podermos- imaginar uma outrasociedade. No entanto, nossa realidade a presente e a minhaproposta atual a de buscarmos, professores e alunos, um DIP- que seja pelo menos polemico - e que no-nos - obrigue a nos despirmos de tudo que e vida l fora ao atravessarmos a soleira daporta da escola.BIBLIOGRAFIAlBenveniste, E. - "Da Subjetividade na Linguagem", Problemas de Lingstica Geral, Cia. Ed. Nacional/EDUSP, So Paulo, 1976.Bourdieu, P. - A Economia das Trocas Simblicas, Perspectiva, So Paulo, 1974.Chau, M. de Souza - "Ideologia e Educao", em Educao e Sociedade, CEDES, Cortez Ed., Autores Associados, Ano 11, n? 5, 1980.Haroche, CI.; Henry, P. e Pcheux, M. - -La Semantique et Ia Coupure Saussurienne: Langue, Langage, Discours", em Langages, n? 24, Didier/ Larousse, 1971, Paris.Marandin, 1. M. - "Problmes d'analyse du discours; essai de description du Discours Franais sur Ia Chine-, Langages, n? 55, Larousse, Paris, 1979.Oriandi, E. P. - "Protagonistas do/no Discurso", Srie Estudos 4, Uberaba,1978.Pcheux, M. - Analyse Automatique du Discours, Dunod, Paris, 1969.~Rossi-Landi, F. - "A Linguagem como Trabalho e como Mercado", em Semiologia e Lingstica Hoje; o 1 R-io-de-Janeiro, 1975, Pallas S/A.. 11A linguagem em revista:a mulher-fmea* Um ninho de contradies: a mulher tem de ser casta esposa e eficiente messalina. As palavras so carregadas de sentidos: uma deusa tudo isso e uma femea tambm o . Mas no se usa indiferentemente deusa e fernea. verdade que alguns tropeos explodem em uma Media ou uma Antgone. Mas isso 0 clssico, que se aplaude enquanto fato vivido na literatura, espao delimitado pelo brilho do palco e sombrio conforto das poltronas.H uma distnci,~ farta entre o que o homem sonha e o que homem faz. E o que tem a lingstica a ver com isso? A lingstica, vista de um certo modo, talvez, no tenha nada. Mas a linguagem, essa, necessariamente, tem. A tentativa a de procurar levar a lingstica to longe quanto o sugerir seu compromisso com a linguagem. E se falamos "linguagem" e no lngua, fala, uso, norma, etc., no o fazemos sem uma inteno: essas distines a que se submete a linguagem, no mnimo, tm-se mostrado barreiras a uma compreenso harmnica, global, do Jato lingstico. Olhar a linguagem, atravs das grades analticas, tapar a significao com a peneira. Do lado de fora, sempre fica algo essencial, um resto mais determinante do que o que se conseguiu aprisionar. Processa-se a dicotomizao, em lingstica, para se encontrar unidade, invariana. Ora, a uni-M Texto publicado na Srie Estudos 3, Uberaba, 1977.A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO33dade e a invariana da lngua, quando no conseqncia do tratamento tcnico e normativo ao qual se circunscreve a linguagem - a construo da gramtica - origina-se de um modo unificante de se considerar o signo, quando na verdade o signo existe enquanto plasticidade, em seu carter mutvel. Uma unidade dinmica, na qual convivem contradies, no comporta a fixidez em que a estacionam os que a tomam como dado (produto), quando seria mais conforme torn-la como processo. Essas consideraes tampouco so novas, e esse tipo de preocupao - o do momento de existncia da linguagem tem sido objeto de reflexo de muitos lingistas. Poderamos a distinguir, de um lado, os que elaboram teorias em que visam a recuperao do falante, da situao do discurso, do texto, do linha-gem) propondo modelos para a anlise, e, de outro, os que, indo mais alm, propem a crtica da ideologia como via para uma lingstica realmente explicativa (ou o que se chama Crtica Lingstica) e que recusa a lingstica analtica como poder explicativo.Nesse nosso trabalho, mais do que discutir essas diferentestendncias, interessa-nos tomar a linguagem (verbal) como lugar de conflito social. Pretendemossocial, como constitutivos da linguagem (ou cios atos defazer isso atravs de manifes-taes especficas da linguagem, ou seja, artigos de revistas para homens (Status) e para mulheres (Nova), que falam de mulheres.1 ~o Texto: Status, n ~o32, maro de 19 77 (Cr$ 25, 00)---0status do marido e o preo do corpo femnino--- Muita gente duvida de que o feminismo seja o caminho certo para tornar mais felizes as mulheres. Mas difcil negar que afinal a igualdade de direitos para homens e mulheres seja uma possibilidade futura quase inevitvel. Ser que os direitos idnticos traro a felici-dade para todos? Para as mulheres, pode ser. Para os homens, a coisa se complica. Segundo o estudo de uma mulher, a sociloga americana Marie LaLibert Richmond, os homens enfrentam terrveis problemas sociais quando cedem presso feminista. Abandonando seu habitualstatus de chefe da casa, o homem se v compelido a procurar compensaes para esta perda de prestgio domstico. Para alguns especialistas, todo esse jogo apenas um problema social, supervel com a transformao dos padres culturais. Para outros, entretanto, as dife-34ENI PULCINELLI ORLANDIrenas entre homens e mulheres so mais bsicas, de natureza biolgica. Para provar este ponto de vista, o qumico suo Peter Iten procurou determinar, recentemente, quais as substncias que compem o corpo masculino e quais as que formam a anatomia feminina. A diferena salta aos olhos, na curiosa concluso do qumico: se fossem compradas no mercado de produtos qumicos, as substncias para compor um corpo masculino custariam Cr$ 90 milhes. Para o corpo da mulher, entretanto, os gastos subiriam para nada menos que Cr$ 264 milhes. Seria preciso alguma intuio feminina para prever que a mulher acabaria custando mais caro?Z' Texto: Nova, n~'42, maro de 1977(Cr$ 15, 00)---Acolecionadora de culpas- de Rvia Amaral. 0 simples papel da mulher ia implica muitas culpas. Por ter sido sempre mais limitada do que o homem, pela prpria educao, at o aumento de opes de vida resulta em incertezas, insegurana e culpa. Hoje, a mulher pode escolher entre trabalhar ou no, casar ou no, limitar ou no o nmero de filhos. Quando opta por alguma coisa, sente como tendo sido em detrimento de outra. Raramente acredita que agiu corretamente. Aquela que opta por uma carreira julga-se carente de feminilidade, ainda que uma coisa nada tenha a ver com a outra. Aquela quecumpre seu papel tradicional, de esposa dependente, acaba se envolvendo em crises igualmente dolorosas porque a sensao de dependncia tambm gera culpa. E ela acha que deve se * r sempre agradvel,gentil e fiel quele que a sustenta. Tanto num caso como em outro,sente-se sempre em "dvida". Por outro lado, crescendo num mundo em que a imagem da mulher a de "eterna sacrificada", um mundo que louva a abnegao (e negao) feminina, ela no consegue ainda se sentir digna quando atende a seus prprios anseios. Talvez amanh essa abertura de opo passe a integrar sua condio de ser humano. E tanto homens como mulheres aprendero a viver sem culpa, alternando papis de dependncia e independncia, num relacionamento de troca, em funo das prprias necessidades. Nesse dia pode ser possvel ter seus momentos de comando e submisso, de adulto e de criana, sem ser preciso pedir desculpas por cada gesto. Em um primeiro passo, vamos transcrever os texto*s, explicitando, nas pontuaes e nas relaes entre frases, os operadores que fazem as ligaes, colocando os enunciados em uma ordem de dominncia. Esta ordem, entretanto, ficar preJudi-1 -A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO35cada, uma vez que, na trariscrio, obedecemos linearidade, e a relao entre frases pede ser de expanso (um enunciado domina diretamente dois ou mais enunciados) e de saturao (um enunciado dominadD por dois ou mais enunciados).Vejamos exemplos do anlise pela dorninancia: "Por ter sido semprenais limitada do que o hornem", "pela prpria educao", "at a momento de opes de vida resulta em incertezas, insegurani e culpa".1? segmento = 132? segmento = C3? segmento = A As letras A, B, C, inficam a ordem de dominancia. Ento, teremos, com os operadons indicados nos parenteses: (porque) A---------0- 13 ~ (por causa de) cDepois, temos: "Hoje, a mulher pod,- escolher (entre)- "trabalhar ou no" 46 casar ou no", "limitar ou no o nmero de filhos". um exemplo de expanso, pois um enunciado dominavrios outros.1? segmento = A2? segmento = 133? segmento = C4? segmento = DTemos:,__B--o.A (entre) (e) _C\\--(-e) --e., D Considerando que cs segmentos so formados por "trabalhar ou no, casar ou no", ete., temos o desdobramento: B ou W, C ou C', D ou D'.B (ou) B'A (entre) C (ou) C' Wou) D'36ENI PULCINELLI ORLANDI Por um problema prtico, que o do espao, e um menos prtico, que o do objetivo desse trabalho, no faremos a representao, em grfico, das dominncias, e trabalharemos em um nvel parcial, isto , o da transcrio linear, privilegiando, ento, no a dominancia mas a explicitao dos operadores. Guardaremos a ordem da dominancia, quando for possvel. Vejamos, pois, os textos, nessa reescrita, de acordo com a dominancia e os operadores:IP Texto (Status) Muita gente duvida de (que) o feminismo seja o caminho certo (para) tornar mais felizes as mulheres, (mas) difcil negar (que) afinal a igualdade de direitos para homens e mulheres seja uma possibilidade futura quase inevitvel, (no entanto) ser (que) os direitos idnticos traro a felicidade para todos (?) Pode ser (que tragam) para as mulheres (mas) a coisa se complica para os homens (porque) os homens enfrentam terrveis problemas sociais (quando) cedem presso feminista (segundo) o estudo de uma mulher, a sociloga americana Marie LaLibert Richmond (porque) o homem se v compelido a procurar compensaes para esta perda de prestgio domstico (quando) abandona seu habitual status de chefe da casa (e) todo esse jogo apenas um problema social (que ) supervel com a transformao dos padres culturais para alguns especialistas (entretanto) as diferenas entre homens e mulheres so mais bsicas e de natureza biolgica para outros (e) o qumico suo Peter Iten procurou determinar recentemente quais as substncias (que) compem o corpo masculino e quais as (que) formam a anatomia feminina (para) provar este ponto de vista (e) a diferena salta aos olhos na curiosa concluso do qumico (pois) *as substncias custariam 90 milhes (para) compor um corpo masculino (entretanto) os gastos subiriam para nada menos que 264 milhes para o corpo da mulher (se) fossem compradas no mercado de produtos qumicos (logo) seria preciso alguma intuio feminina (para) prever (que) a mulher acabaria custando mais caro?2~ Texto (Nova) Hoje a mulher pode escolher entre trabalhar ou no (j casar ou no (,) limitar ou no o nmero de filhos (mas) por ter sido*sempre mais limitada do que o homem (por causa) da educao (at(mesmo)) o aumento de opes de vida resulta em incertezas, insegurana e culpa (porque) sente (que (como)) tendo sido em detrimento de outra (quando) opta por alguma coisa (e) raramente acredita (que) agiu correta-ii111A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO37mente (e) aquela julga-se carente de feminilidade (porque) opta por uma carreira (ainda que) compreenda (que) uma coisa nada tem a ver com a outra (e) aquela acaba se envolvendo em crises igualmente dolorosas (porque) cumpre seu papel tradicional de esposa dependente (porque) a sensao de dependncia tambm gera culpa (e) ela acha (que) deve ser sempre agradvel, gentil e fiel quele (que) a sustenta (e) ela sente-se sempre em dvida tanto num caso como no outro (por outro lado = e) ela no consegue ainda se sentir digna (quando) atende a seus prprios anseios (porque) cresce num mundo (em que) a imagem da mulher a de "eterna sacrificada" (e no qual) mundo (que) louva a abnegao (e negao) feminina (mas) talvez amanh essa abertura de opes passe a integrar sua condio de ser humano (e) tanto homens como mulheres aprendero a viver sem culpa (e) alternando papis de dependncia e independncia, num relacionamento de troca (e) em funo das prprias necessidades (ento) nesse dia pode ser possvel ter seus momentos de comando e submisso, de adulto e de criana (sem = e no) ser preciso pedir desculpas por cada gesto. Observando os textos, podemos considerar, principalmente, duas espcies de elementos lingsticos: as palavras e as construes. Vejamos, inicialmente, as palavras enquanto classes e, depois, a sua construo no texto. Gostaramos de destacar, aqui, enquanto funo, os adjetivos, os quantificadores, os circunstanciais, os substantivos e verbos, e caracterizar alguns aspectos de sua ocorrncia no texto.ADJETIVOS, QUANTIFICADORES,CIRCUNSTANCIAIS 0 que bastante evidente a indeterminao veiculada por esses elementos lingsticos. Essa indeterminao, porm, segue um plano: No discurso de Status, uma indeterminao que grifa o argumento negativo, em relao ao feminismo. Vejamos:Muita gente duvida: Quem so? No h especificao. Basta que haja muita gente que duvide do caminho do feminismo. mais felizes as mulheres: isto , as mulheres j so felizes, trata-se, pois, de um grau (talvez exorbitante) de felicidade.Isto fica claro quando, ao falar no da mulher mas de todos,a expresso felicidade para todos, logo, sem quantificaoalguma.38ENI PULCINELLI ORLANDIe dij'icil negar: no faz uma negao direta, que seria " inegvel". possibilidade futura quase inevitvel: uma possibilidade, e se no bastasse, em termos de indeterminao, futura e quase inevitvel. No se trata pois de uma necessidade histrica. 0 hoje, nessa perspectiva, no se discute. direitos idnticos: por que no direitos iguais? Porque o contraargumento o biolgico e a se obrigado a recusar a identidade. terrveis problemas sociais: o problema da mulher mais felicidade, o do homem terrvel e social. habitual status de chefe da casa: o social o status, mas habitual, no tem causas sociais mais determinadas. Traz uma perda que tambm adjetivada: perda de prestgio domestico. At a, ainda estamos em casa... E o que terrvel (terrveis problemas) "ser compelido a procurar compensaes" para esta perda de prestgio. No se determina que compensaes (no plural) so essas e se so de carter social; nem mesmo diz se preciso, afinal, sair de casa para encontrar compensaes. Aqui no se adjetiva as compensaes e tampouco se as quantifica. presso feminista: e no presso feminina, deslocando, assim, do fato para o movimento de opinio. alguns especialistas, outros (especialistas): usa-se o prestgio da palavra "especialistas" sem a necessidade de outras determinaes. Mas a quantificao "alguns" coloca a diviso de opinies. Inclusive, interessante a citao de nomes prprios, Maria LaLibert Richmond e Peter Iten, que, nesse contexto, soam muito falsamente. Marie (sociloga americana?) e Peter (nome prprio bastante comum), em que o sobrenome de Marie - LaLibert - no parece sem motivao. padres culturais: generalizados, sem especificidade alguma. todo essejogo: o jogo, a, refere-se ao social e vem bastante indeterminado: aquilo que foi dito faz parte de "todo esse jogo apenas um problema social", enquanto as diferen~as "so mais bsicas", de natureza biolgica. 0 social a superficial (apenas) mas esse "apenas social" causa problemas terrveis para os homens. Como veremos mais adiante, o mais bsico, biolgico, adquire caractersticas econmicas..11ik11A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO39natureza biolgica: no sem motivo que biolgico esteja adietivando natureza, isto , algo mais bsico. No se falou em problema de natureza soial mas em jogo que apenas social. qumico suo: assim como as clnicas suas tem muito prestgio, um qumsuo deve ser argumento que convence pelo simples fato de ser suo. corpo masculino: curiosa formao de adjetivo para homem, enquanto para mulher surge a forma analtica "corpo da mulher" e seu correlato "anatomia feminina". Para perceber essa diferena de usos preciso se ir para o contexto em que aparecem essas duas formaes: "substancias que compem o corpo masculino" e "as que formam a anatomia feminina". A diferena de verbos compor/formar ligada que existe entre corpo/anatomia mostra bem a perspectiva de dentro, de cerne, de essencial (para o homem) e a de fora, da forma como periferia, do superficial (para a mulher). Corpo ento algo nico, quanto s substincias, e quando o presenteiam mulher o fazem de fora (o corpo da mulher) ou como objeto: "o status do marido e o preo do corpo feminino". nada menos que Cr$ 264 milhes: a avaliao reforada, nesse caso, enquanto para o homem se anuncia o preo sem determinaes. alguma intuiofeminina: o feminino mais uma vez, como o faz usualmente, adjetiva "intuio", e o alguma, em sua indeterminao, sugere "nenhuma", o que torna ainda mais pejorativo o alcance da tal intuio. E, claro, a construo da frase no condicional e com interrogao refora esse aspecto. curiosa concluso: o que significa curiosa, qual seu peso em termos de concluso? 0 conjunto do texto preenche esse sentido. recentemente: afirma a novidade da notcia, sem dar determinaes temporais. Em termo de argumentao, refora a idia de que hoje no h possibilidade de- igualdade. se fossem compradas no mercado de produtos qumicos: esse circunstancial o apoio de toda a argumentao e faz a virada do social e do -biolgico para o econmico. Notando-se, ainda, que, a, o mais caro no o de prestgio mas o menos econmico, o desperdcio, o invivel.40ENI PULCINELLI ORLANDI No discurso de Nova, tambm h uma indeterminao, mas, desta vez, o carter dessa indeterminao o da subjuntividade. Observemos esse aspecto:simples papel da mulher: simples indetermina papel e da mulher no especifica que mulher, ao contrrio, generaliza. muitas culpas: indeterminao da linguagem subjetiva. alguma coisa., coisa nome indeterminado e alguma no especfica. seu papel tradicional: esse tradicional aparece definido em outra parte do texto - esposa dependente -, o que, alis, fica claro ao longo do discurso. 0 passado que continua no presente dito com preciso, a indeterminao e a subjuntividade aparecem quando se fala em futuro e em opo. crises dolorosas: indefinio e subjetividade que contrasta com 64 os terrveis problemas sociais" alegados pelo texto de Status: problemas/crises, sociais (terrveis)/ dolorosas. abnegao feminina: parceira da intuio feminina, essa formao sintagmtica tambm cristalizada, assim como, para o homem, h cristalizaes como "a responsabilidade do chefe de famlia", por exemplo. Soa estranha "a abnegao masculina" como a "intuio masculina". E no apenas um problema de som.cseus prOPrios anseios: tautologia em #dprprios" e "seus" que poderiam dar uma forte determinao expresso, se o nome ao qual se referem no fosse "anseios". So prprios e so seus, mas que anseios so esses?condio de ser humano: trata-se tambm de uma cristalizao, sem determinao alguma, quando caracterizada. Aqui ela se indetermina em si mesma. A magia da palavra.~Prias necessidades: quais so essas necessidades? So prprias.Nesse dia: total indeterminao.cada gesto: sugere que sejam todos. Mas quais? Os ditados pelas opes mas tambm os da atitude tradicional.Pw Queremos ainda observar que, do ponto de vista dos circunstanciais, h dois fatores essenciais de indeterminao e subjuntividade: a temporalidade e o problema ligado aos diferentes lados, isto , o problema das diferentes ordens de razes.11A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO41temporalidade: j (implica culpas), sempre (sempre mais limitada, sempre agradvel, sempre em dvida, etc.), hoje/talvez amanh (indeterminao na oposio), quando, nesse dia, raramente.diferentes ordens de razes: no discurso de Status, oposio (para a mulher/para o homem, segundo alguns especialistas/segundo outros) circunscreve o valor da igualdade entre homem e mulher na relativizao de diferentes pontos de vista. No discurso de Nova, h a tentativa de mostrar lados diferentes mas a linguagem se debate confusamente no mesmo ponto de vista. Mesmo quando procura distinguir dois tipos de mulher, a que casa e a que se dedica a uma carreira, os dois lados se confundem no uso de um operador que expressa bem essa falta de nitidez das diferenas: o operador tambm.SUBSTANTIVOS,F_VER-RO: Em Status, temos os seguintes substantivos, no conjunto dos quais h o domnio do substantivo status: gente, caminho, mulheres, homens, possibilidade, felicidade, todos, problemas, compensaes, especialistas, jogo, padres, diferenas, substncias, gastos, intuio. Em Nova, so os seguintes, com o domnio do substantivo culpa: incertezas, insegurana, alguma coisa, aquela, a outra coisa, sensao, mundo, imagem, anseios, abertura de opes, papis, necessidades, nesse dia, momentos, desculpas, gesto. Podemos observar que h uma relao entre os substantivos, de um lado, e adjetivos, quantificadores e circunstanciais, de outro, relao essa que est caracterizada da seguinte maneira: a) Quando o substantivo determina, os outros elementos o indeterminam: alguns especialistas, terrveis problemas, apenas um problema social, simples papel da mulher, etc. b) Quando o substantivo tem um carter de indeterminao, os outros elementos realam a indeterminao, determinando-a: alguma intuio, sensao de culpa, seus prprios anseios, possibilidade futura quase inevitvel, etc. Esse o jogo da indeterminao nos dois textos. E o verbo no foge a essa caracterstica. Quando no circunstanciado -42ENI PULCINELLI ORLANDIno sentido da indeterminao - o prprio verbo impreciso: sentir, no conseguir, a coisa se complica, difcil negar, quando atende, etc. Inclumos, nesse jogo de indeterminao, o uso de formas compostas do verbo - por ter sido sempre, sente como tendo sido, se v compelido a procurar, etc. - e o uso das formas subjuntivas - se fossem compradas, ainda que compreenda, seja, etc.CONSTRUES: Por essa primeira fase da anlise, podemos constatar que contam as palavras e a maneira como elas acontecem no texto. A maneira como elas acontecem no texto inclui no s as suas ligaes entre si, mas um aspecto mais geral que chamaremos construo. Na construo esto esses modos de ligao entre as unidades e o modo de organizao delas no texto. No esquecendo, todavia, que cada unidade tambm tem seu valor em si e que, quando falamos em organizao, essa no vista como oposio entre elementos, mas como integrao dos elementos numa totalidade. E a diferena de que so capazes a existente em relao ao dito e o que poderia ser dito, isto , as formaes 1 parafrsticas que margeiam, todo texto. No primeiro texto - o da revista Status - a nossa entrada para o nvel da construo feita atravs de duas formaes: a) Por entretanto em: "Para o corpo da mulher, entretanto, os gastos subiriam para nada menos que Cr$ 264 milhes". As outras caracterizaes - da mulher, subiriam, nada menos so amarradas quando, atravs de "entretanto", so referidas ao corpo masculino. A partir da, deve-se procurar determinar a direo da argumentao, e essa direo est na construo do texto e leva-nos a detectar qual seu apoio. E o encontramos, em uma forma circunstancial, em b. b) Se fossem compradas no mercado de produtos qui/nicos. Uma suposio, de carter comercial, sustenta a objetividade da argumentao, E o que foi colocado antes - qumico suo, problemas sociais, de natureza biolgica - fica reduzidc a uma condio (se fossem) que transforma o argumento da diferena bsica em diferena de mercadoria. 0 artigo estaria justificado pelo seu tom de ironia. E, justamente no nvel da construo, podemos verificar mais um fator:fA LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO43o da ordem dos enunciados. 0 que passa por irnico, aceitvel, no texto, quando colocado na transcrio exata de sua ordem (a da dominancia das frases, a ordem cannica) aparece como encadeamento grosseiro de razes. Esta a base da argumentao. Nesse sentido, podemos relacionar a ordem, a construo, com fatores de estilo e verificarmos, pois, que o estilo no indiferente ao que se diz, ao como se diz, s intenes do locutor e sua localizao em uma determinada ordem social. A ironia um argumento. No segundo texto - da revista Nova - alguns elementos da construo tambm so reveladores. a) Em "at o aumento de opes resulta em incertezas, insegurana e culpa-, ate representa um fator relevante na ordem dos enunciados com relao argumentao. Passado pela ordem de dominancia, podemos verificar que esse "at" antecede - e no texto sucede - "Hoje a mulher pode escolher entre trabalhar ou no, casar ou no, limitar ou no o nmero de filhos". 0 que nos autoriza a restituir operadores para "at" (at = mas mesmo), que se faz da seguinte forma:11 mas por ter sido sempre mais limitada do que o homem mesmo o aumento de opes resulta em incertezas, insegurana e culpa". Essa ordem restitui um pouco de determinao indeterminao desse elemento "at". Esse estilo que chamamos "subjuntivo", isto , dilui-se em impresses, em formas (principalmente as do verbo) compostas ou subjuntivas e, temporalmente, indeterminadas. Vacilam. E no s no aspecto temporal que h vacilao. As referencias ao espao do texto, ao espao dos argumentos tambm so confusas. Encontraremos em b essa vacilao no espao. b) Por outro lado, crescendo, num mundo em que a imagem da mulher a de "eterna sacrificada", etc. Todos os elementos so carregados de indefinio: crescendo, mundo, imagem, eterna, etc. E a formao que os introduz, "Por outro lado", no indica realmente um outro lado, continua o mesmo lado. De um lado, a que opta pela carreira e a que cumpre o papel tradicional e, de outro lado, a que atende seus prprios anseios e no se sente digna. Em que esta ltima difere da que opta pela44ENI PULCINELLI ORLANDIcarreira? No outro lado. 0 tempo todo um s e mesmo lado. E 0 Outro lado, no texto, no espao, tempo: talvez amanh. Perguntando pelo hoje, nessa confuso de lados e de tempos, chegamos razo da indeterminao e ao que seria o argumento basico do texto: hoje, a mulher pode escolher entre trabalhar ou no, casar ou no, limitar ou no o nmero de filhos. Pela anlise da dominancia de frases, podemos verificar que o operador "entre" incide sobre "ou, ou, ou" mas isso no suficiente para caracterizar a opo para os elementos que esto separados por vrgula e corresponderiam ao operador e. Ento temos:Hoje a mulher pode optar entre trabalhar ou no (e) entre casar ou no (e) entre limitar ou no o nmero de filhos 0 que nos d a falsa idia de que pode optar entre todas essas Possibilidades quando, de fato, h uma hierarquia estabelecida- Da forma como est formulada, a construo explicita a~ opo ao nvel horizontal (ou) e deixa indefinido o nvel vertical (e). Por exemplo, a mulher pode "no casar (e) no trabalhar (e) no limitar o nmero de filhos"? A forma, como esto enunciadas as opes, as indefine e, por isso, mantm os conflitos, encobertos, criando uma falsa representao de opes. A iluso da possibilidade total de opes (em abstrato) nasce, no texto, do jogo dos operadores (entre, ou, e). Na verdade esse problema que aparece apenas como um problema de construo lingstica, uma escamoteao de uma dificuldade real. Por exemplo, uma mulher que quer "trabalhar (e) casar (e) ter filhos" enfrenta o problema social da existncia, ou no, de creches. Formuladas de forma vaga, as opes no se calam de condies reais e mantm a hierarquia j estabelecida, ideologicamente. E a subjuntividade isso: mais do que em fatos, a argumentao se indetermina num talvez amanh de alternncia de papis de dependencia e independncia, de comando (9) e submisso (?), em funo das prprias necessidades (quais?). 0 texto aparecer como frouxo e indeterminado, entre um hoje (que ontem tambm) indesejvel e um talvez amanh que no se sabe muito bem qual ser. No se refere a fatos, mas aA LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO45sensaes, no se refere a deveres e direitos que estejam ou no sendo cumpridos, se refere a sentimento de culpa. No por acaso que o primeiro texto - Status, cujo interlocutor ideal homem - usa argumentos baseados em uma razo (pretensamente) das cincias exatas e no segundo - Nova, que tem como interlocutor ideal a mulher - os argumentos utilizados so das cincias humanas. Isso tambm ideolgico. Na anlise dos dois textos podemos observar que nada na linguagem indiferente ao sentido: as palavras, a construo, a ordem, o tom, o estilo. Com isso, fazemos um estudo que leva em conta os diversos aspectos do contexto (lingstico). Gostaramos de alargar essa perspectiva, atravs da introduo de um novo elemento nesse estudo: o da situao (contexto social). Essa passagem no se far sem intermedirio: construiremos uma rede ' em que organizaremos os elementos lingsticos junto a uma perspectiva social. No se trata de uma relao de simples co-ocorrncia de fatores lingsticos e, sociais, mas em que o social determinante. No entanto, s atribuiremos importancia aos fatos que estiverem inscritos lingisticamente no texto. Ambos os textos tratam do feminismo. Tomaremos a definio de feminismo como elemento que organiza os elementos dos quais falamos at o momento.Primeiro Texto (Status):Feminismotorna mais felizes as mulheres possibilidade futura duvida que traga a felicidade para todos igualdade de direitos para homens e mulheres (direitos identicos) problema social: abandono do status e perda do prestgio domstico; necessidade de compensaes problema biolgico (direitos idnticos): substancias, para as mulheres, custam mais caro. Corpo = mercadoria (1) Esse procedimento nos foi sugerido pela colocao de Halliday da rede semntica enquanto intermediria entre o social e o gramatical.46Feminismo -ENI PULCINELLI ORLANDISegundo Texto (Nova):opes: trabalhar ou no, casar ou no, limitar ou no o nmero de filhos integrao de sua coio de ser humano alternncia de papis de dependencia e independencia, num relacionamento de troca, em funo das prprias necessidades no sentimento de culpa, para as mulheres distribuio do poder: comando e submisso alternados Podemos distinguir, subjacentes a esses dois textos, em bases do contexto social, os seguintes componentes:a) base da relao homem-mulher b) direitos 0 deveres d) igualdade e) causa das diferenas f) evoluo dos padres culturaisVejamos como ocorrem, em cada texto,Primeiro Texto:esses componentes:a) Base da relao homem-mulher: status de chefe da casa. b) Direito:b') homem: chefe da casa. b") mulher:? 0 Deveres:?d) Igualdade: igualdade de direitos (ser chefe da casa). e) Causa da diferena: o preo das substncias que formam o corpo masculino e as que formam a anatomia feminina; o que, segundo o texto, uma diferena de natureza biolgica.f) Evoluo dos padres culturais:f') hoje: quando cedem s mulheres, tem problemas de prestgio domstico e so compelidos a procurar compensaes.F~) amanh: "no d para negar que seja um*possibilidade quase inevitvel". Ao falar da mudana dos padres culturais, no especificam o que igualdade nessa possibilidade futura quase inevitvel.A LINGUAGEM E SEU FUNCIONAMENTO47Segundo Texto: a) Base da relao homem-mulher: papis sociais num relacionamento de troca, em funo das prprias necessidades, no futuro. Hoje: casamento. b) Direitos:Y) homem: casar ou no, trabalhar (ou no), limitar ou no o nmero de filhos.b") mulher tradicional: ser sustentada.c) Deveres:mulher que opta: trabalhar ou no, casar ou no, limitar ou no o nmero de filhos.c') homem: sustentar a mulher. c") mulher: abnegao, ser agradvel, gentil, fiei, ser eterna sacrificada e o complexo em relao carreira sugere que os deveres esto ligados feminilidade(?).d) Igualdade: altemncia de papis.e) Causa das diferenas: educao que limita. f) Evoluo dos padres culturais.F) hoje: sentimento de culpa quando opta, e quando no opta.f") amanh: alternncia de papis sem sentimento de culpa. No esto muito claros, nesse segundo texto, os deveres e os direitos da mulher, mas se mantm, quanto ao homem, o dever de su$tentar a mulher e, quanto mulher, o direito de ser sustentada. 0 trabalho remunerado aparece, pois, como diferena fundamental. Pelos dois textos, podemos chegar seguinte concluso: o homem e chefe da casa porque trabalha. Essa afirmao, que carregada de toda uma ideologia do sistema capitalista que no possvel discutir aqui, no est expressa em nenhum dos textos, como tal. Fica difuso o conceito de trabalho, porque, nos textos, tampouco se distinguem as diferentes classes. H, ento, superposio de dois problemas: o da distino de sexos e o da distino das classes sociais. Poderamos perguntar se a mulher rica e a mulher pobre tm as mesmas possibilidades de opes em relao ao trabalho. Ou,

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