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ISSN: 2236-3173
1 Advogado. Membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-SE. Membro da Asociación Argentina de
Derecho Constitucional [Buenos Aires/Argentina]. Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela
Universidade Gama Filho [RJ]. Mestre em Bioética e Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino
[UMSA]. Doutorando em Direito Constitucional pela Pontificia Universidad Católica Argentina - UCA/BsAs.
Coordenador Adjunto do Curso de Direito da Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe [FANESE].
Membro do Conselho Científico da Revista Eletrônica do Instituto Sergipano de Direito do Estado - REIDESE.
Membro do Conselho Editorial da Revista Eletrônica de Direito Aplicado - REDAP. Professor Adjunto da
Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe [FANESE] nas disciplinas Ciência Política e Teoria do Estado,
Direito Constitucional, Direito Processual Constitucional e Hermenêutica Jurídica. Professor de Cursos
Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Professor de Cursos de Pós-Graduação na Área Jurídica.
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS DE SERGIPE - FANESE – ARACAJU – SERGIPE REVISTA DO CURSO DE DIREITO – VOL 4 – Nº 1 – SETEMBRO 2014
A NECESSIDADE DE CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE
AMPARO AOS IDOSOS
Vitor Condorelli dos Santos1
RESUMO
O artigo trata o direito dos idosos sob a ótica do neoconstitucionalismo. Destaca-se a força
normativa da Constituição e o princípio da dignidade humana como argumento na efetivação
de direitos dos idosos. Expõe o papel da efetivação do direito dos mais velhos como ferramenta
para se atingir a cidadania plena no ordenamento social e a necessidade em classifica-los como
direitos fundamentais. Explicita as dificuldades a serem ultrapassadas na implementação de
políticas públicas dos idosos, abrangendo a forma como Estado pode fortalecer a cidadania da
terceira idade preventivamente.
Palavras-Chave: Neoconstitucionalismo; Idoso; Implementação de Políticas Públicas.
1 INTRODUÇÃO
O Direito Constitucional passa por uma metamorfose social que traz reflexos imediatos
sobre a normatividade que dele exala.
As pessoas leigas, cansadas de ouvir sobre comandos constitucionais, já popularizam os
princípios fundantes da Constituição Federal, nas conversas em praças públicas, como
profundos conhecedores da dogmática jurídica.
É nesse cenário do pós-positivismo, movidos por uma conscientização de seus direitos
e deveres, que se apresenta o contexto fático de uma população que reflete sobre a cidadania
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que pretende ter na velhice.
Analisando essa temática, o presente texto tem por objetivo reconhecer na Lei Maior,
uma Constituição Marco, repleta de normas abertas e conceitos jurídicos indeterminados, que
protege os direitos dos idosos e irradia seus comandos além da abordagem linguística.
Não é sem razão que um homem, busca a si mesmo desde o nascedouro, atinge a
maturidade e, no fim da vida, é merecedor em ser reconhecido em sua integralidade, merecendo
o respeito e atenção de todos, inclusive dos operadores do direito, a fim de garantir uma
cidadania plena.
O Estado, através de seus poderes, órgãos, instituições e voluntários, necessita definir
bases para que o idoso possa usufruir de uma rotina tranquila e serena, como a experiência de
vida que o faz desacelerar exigências pessoais e potencializar os desejos mais recônditos. O
Brasil tem como missão o zelo pela melhora na qualidade de vida das pessoas que atingem a
idade avançada e o avanço na política de vida para a melhor idade.
Sob esse enfoque, tem-se que a Constituição Federal de 1988 definiu bases normativas
sobre o idoso que se irradia para todo o sistema jurídico, contagiando com seus valores não só
o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 01 de outubro de 2003.
2 O DIREITO DO IDOSO SOB A ÓTICA DO NEOCONSTITUCIONALISMO
O neoconstitucionalismo é um fenômeno ocasionado pela nova percepção da
Constituição, alterando-se a essência do arquétipo jurídico sem prescindir de modificação do
conteúdo.
Observado após as guerras mundiais, quando do declínio do Estado liberal, seja ele pré-
moderno ou Estado Legislativo, toma a roupagem de Estado Constitucional de Direito, em que
a Constituição não só impõe limites ao legislador e ao administrador, mas também, impõe
deveres de atuação.
Ao se falar nesse episódio constitucional, deve-se ter em mente, os três marcos que
define o neoconstitucionalismo. O marco histórico, que consiste, no acima narrado, no Estado
Democrático de Direito; o marco filosófico, reconhecido pelo pós-positivismo; e o marco
teórico, que se apresenta na mudança de paradigmas com intuito de: a) reconhecer a força
normativa da Constituição; b) expandir a jurisdição constitucional; e c) desenvolver uma nova
dogmática de interpretação constitucional.
A propósito do tema, vale aqui transcrever as lições do Prof. Luís Roberto Barroso
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(2007, p. 208):
A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo
abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões
acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo
busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura
empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias
metafísicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser
inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismos
ou personalismos, sobretudo judiciais. No conjunto de ideias ricas e
heterogêneas que procuram abrigo neste paradigma em construção incluem-
se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações
com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação
jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o
desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre os
fundamentos da dignidade humana. Nesse ambiente, promove-se uma
reaproximação entre o Direito e a filosofia.
A interpretação constitucional irradia, sincreticamente, os comandos para todo o sistema
normativo, devendo-se os operadores do direito aplica-lo e construí-lo, tecnicamente, de forma
estável e segura, conforme a concretude dos fatos fenomênicos.
Sendo a Constituição Federal um documento dialético e de tutela pluridimensional, traz
no seu corpo comandos voltados para vários titulares de direitos, dentre eles, o que se tem como
de peculiar atenção: o idoso.
Nesse diapasão, a Lei Maior da República Federativa do Brasil, prevê no Título II (Dos
Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos), art. 5.º, § § 1º e 2.º:
Art. 5.º (...)
§1.º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem
aplicação imediata.
§2.º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
(...)
O mesmo diploma normativo, no Título VII (Da Ordem Social), prevê no Capítulo VII
(Da Família, da Criança, do Jovem e do Idoso), onde dos seus cinco artigos (artigos 226 a 230),
apenas o último prevê o dever do Estado em amparar as pessoas idosas, conforme transcrição
abaixo:
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas
idosas, assegurando sua participação da comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§1.º Os programas nacionais dos idosos serão executados preferencialmente
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em seus lares.
§2.º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos
transportes coletivos urbanos.
De imediato, observa-se que o direito dos idosos não foi eleito prioridade absoluta, como
o das crianças e jovens, ressoa-se o espírito crítico na escolha do constituinte originário, pois
tanto quanto os mais novos, as pessoas a partir dos sessenta anos1 devem ter prioridade suprema,
comparáveis a crianças, em suas graduais desvitalizações e perda de discernimento enquanto
sujeitos equiparavelmente tutelados. Assim reza o adágio de pregação isonômica: Ubi eademest
ratio, ibi ide jus, ou seja, onde há a mesma razão, há o mesmo direito.
Há uma explicação para tal esquecimento cultural, o fato do idoso ser improdutivo, na
grande maioria das vezes, visto que raros foram os momentos históricos que o idoso foi visto
sob o prisma da mais valia, estando o descrédito moral ligado a ideia de ociosidade.
Para se melhor compreender o problema, em diversas passagens de seu pensamento, a
mestre Pérola Braga prega que:
Segundo Zygmunt Bauman, o problema é que a sociedade sempre foi aferida
em função de sua produção e, por isso, quem produz muito é respeitado e
quem pouco produz é ignorado. Entre o idoso, despojado da potencialidade de
produzir (ou, pelo menos, tendo esta bastante reduzida), e o trabalhador jovem
e sadio, ainda com muita força para o trabalho, a sociedade optou por eleger
este último como sendo o mais importante para a produção e o respeito. Neste
entendimento, a proteção à criança e ao adolescente nada mais é do que um
investimento na produção e na sociedade futura.
É evidente, no entanto, que não se pode partir para a solução fácil de culpar a
construção cultural e o capitalismo por todos os males das pessoas de idade
avançada. (BRAGA, 2011, p. 27)
Dessa forma, o direito dos idosos deve ser classificado como direito fundamental
deslocado do título II, dentro do próprio texto normativo constitucional, encarado em sua
dimensão subjetiva de proteção individual e ordem objetiva de valores, que visa proteger o
processo de envelhecimento da sociedade em geral.
Não é outro o entendimento de Paulo Ricardo Schier (2007, p. 263) que preconiza:
Assim, então, é de se afirmar que o especial regime jurídico de proteção e
realização dos direitos fundamentais, criado pela Constituição de 1988, não se
aplica apenas aos direitos fundamentais do catálogo do Título II, definidos
assim, como fundamentais, pelo critério formal topográfico. Ao contrário,
mais do que qualquer aspecto formal, a Lei Fundamental, aqui, possibilita a
1 Trata-se de critério de velhice apenas cronológica adotada pela ONU e repetido Lei de Política Nacional do Idoso
(Lei n.º 8.842/94, art. 2º) e Estatuto do Idoso (Lei n.º 1.074/2003, art. 1º). Essa margem de início de classificação
social como idoso leva o operador de direito a lidar com diferenças de tratamentos, tendo em vista que o idoso de
60 (sessenta) anos é diferente do idoso de 90 (noventa) anos de idade.
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substancialização do conceito de direitos fundamentais, passando a aderir,
claramente, a um conjunto de valores materiais plasmados, certamente, em
princípios democraticamente positivados pelo constituinte.
Logo, da leitura do art. 5.º, §2.º, da Constituição da República, é certo que
passamos a ter direitos fundamentais do catálogo (também expressos e
implícitos). Dentre esses, ou seja, dentre os fora do catálogo, ainda seria
possível subdividir duas categorias de direitos fundamentais: os decorrentes
do regime jurídico adotados pela Constituição, mas plasmados na própria
constituição formal, e os decorrentes de tratados internacionais de direitos
humanos e, assim, não integrantes, ao menos diretamente, do documento
constitucional formal (embora por ele recepcionados).
Esse já foi um entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal ao reconhecer como
protegidos como fundamentais, portanto atingidos pela imutabilidade material, alguns direitos
tais como da anterioridade tributária2 em benefício do contribuinte.
Com a desenvoltura desse raciocínio, partindo-se da concepção neoconstitucionalista, tem-
se uma releitura das normas constitucionais, obedecendo aos ditames democráticos de direito,
do pós-positivismo e numa inovadora interpretação constitucional que implique no
fortalecimento dos direito do idoso na Lei Maior, elevando-os a categoria de cláusula pétrea
por análise de similar regime jurídico que impregna o assunto de relevância e substância social.
Importante, torna-se, neste momento, constitucionalizar os demais ramos do Direito,
realizando-se a filtragem constitucional da lei de menor hierarquia a luz da maior, consagrando
os valores nela previstos, a exemplo da dignidade humana, numa perspectiva de parâmetro de
validade e de vetor interpretativo do sistema.
3 O VALOR AXIOLÓGICO DA DIGNIDADE HUMANA NA INTERPRETAÇÃO DO
DIREITO DO IDOSO
Segundo a Constituição Federal, no art. 1.º, III, a República Democrática do Brasil tem
como fundamento a dignidade da pessoa humana.
Essa última se constitui em mais do que uma regra, mas num princípio que irradia seus
valores para toda a ordem jurídica, transpassando os ensinamentos da velha hermenêutica,
privatista.
2 O STF já possui diversas posições no sentido de considerar os Princípios Constitucionais Tributários como
Direitos Fundamentais. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (ADI 939-7/DF) ao considerar cláusula
pétrea, ou seja, imodificável, a garantia constitucional assegurada ao contribuinte no art. 150, III, b, da Constituição
Federal, que trata do princípio da anterioridade tributária, entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera
protetiva, estaria a Emenda Constitucional nº 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido
no art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal.
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A doutrina mais balizada comunga do mesmo entendimento, a exemplo do trecho a
seguir transcrito:
A interpretação da norma de direito fundamental, para ser concretizada
necessita ser considera segundo três aspectos: na sua pré-compreensão, ou
seja, na sua contextualização, sobretudo enquanto valor; na sua dimensão
normativa propriamente dita, através da observação da sua dimensão sintática,
semântica e pragmática, e, por fim, enquanto razão concreta de decidir.
(...)
A par de ser o princípio que confere unidade material à Constituição, a
dignidade da pessoa humana, como já vimos, se configura como um direito, e
posto que fundamental, em busca de concretização. A dignidade humana,
sobre ser um princípio da interpretação, é um direito humano fundamental e,
expressa-se ora como princípio, ora como regra.
Ao atuar como princípio hermenêutico a dignidade da pessoa assume a
envergadura de um superprincípio, o qual não pode ser subdimensionado,
devendo prevalecer sempre sobre os demais. É pois, mais que um princípio,
um valor que confere legitimidade ao Estado Democrático de Direito.
(JACINTHO, 2006, p. 250)
Para honrar a vertente princípio da dignidade humana, a Lei n.º 8.842, de 04 de janeiro
de 1994, que define a Política Nacional do Idoso, com o objetivo de assegurar os direitos sociais
do idoso, prevê que:
Art. 3º A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios:
I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos
os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;
II ao V (...)
Assim como o Estatuto do Idoso, Lei n.º 10.741, de 01 de outubro de 2003, traz em sua
dicção a regra no Título II (Dos Direito Fundamentais), Capítulo II (Do Direito à Liberdade, ao
Respeito e à Dignidade), o seguinte:
Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a
liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos
civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 1.º (...)
§ 2.º (...)
§ 3.º É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.
Vê-se que tanto como modo de qualificar o tratamento a ser dado à terceira idade, as
demais regras do ordenamento devem passar pela lente do valor dignidade da pessoa idosa para
se angariar uma releitura constitucional nas execuções de políticas públicas aos maiores de
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sessenta anos.
Nos melhores ensinamentos, a respeito da importância dos princípios, Paulo Bonavides
nos ensina que:
A importância jurídico-constitucional do valor assume na época
contemporânea uma latitude de normatividade sem precedentes desde que os
princípios foram colocados no topo da hierarquia constitucional. E os
princípios são valores. E, sendo valores, são também normas, uma dimensão
de juridicidade máxima. A equiparação valor-norma representa de certo modo
um dos avanços mais arrojados e significativos da ciência constitucional de
nosso tempo; uma vez estabelecida, proclamada ou reconhecida, ocasiona a
ruína programática das Constituições, porquanto se sabe que as chamadas
normas programáticas foram sempre uma espécie de salvo-conduto para as
omissões do constitucionalismo liberal no campo da positividade social do
Direito. (BONAVIDES, 2012, p. 667)
Assim, para esclarecer a maestria acima, tem-se que a clássica divisão feita por tantos
autores sobre a aplicabilidade da norma constitucional, seja ela através de sua vertente regra ou
princípio, encontra-se ultrapassada, pois segundo Ingo Sarlet (2013, p. 174), aduz que “o
próprio Ruy Barbosa percebeu as deficiências da classificação então dominante no meio
jurídico-constitucional norte-americano, ao apontar para o fato de que não há, numa
constituição, normas que tenham valor de meros conselhos ou avisos, pois todas tem força
imperativa”.
É importante ressaltar, ainda, a vedação ao retrocesso dos direitos sociais dos idosos
definidos no ordenamento jurídico, pois o Estado não poderá prever comandos dessa natureza
e suprimi-los, ou diminuir sua proteção, sob qualquer pretexto.
Sobre essa específica temática Luís Roberto Barroso e Ana Paula Barcellos preconizam
que:
A vedação do retrocesso, por fim, é uma derivação da eficácia negativa,
particularmente ligada aos princípios que envolvem os direitos fundamentais.
Ela pressupõe que esses princípios sejam concretizados através de normas
infraconstitucionais (isto é: frequentemente, os efeitos que pretendem
produzir são especificados por meio da legislação ordinária) e que, com base
no direito constitucional em vigor, um dos efeitos gerais pretendidos por tais
princípios é a progressiva ampliação dos direitos fundamentais. Partindo
desses pressupostos, o que a vedação do retrocesso propõe se possa exigir do
Judiciário é a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o
princípio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação
em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente. Isto
é: a invalidade, por inconstitucionalidade, ocorre quando se revoga uma norma
infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um vazio em seu lugar.
(BARCELLOS; BARROSO, 2004, p. 502)
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Dessa forma, deve o Estado caminhar para frente, dar especial atenção à implantação de
políticas públicas, em ordem progressiva de conquistas, a favor da pessoa idosa, que necessita
de atenção singular pela condição de ser alguém, que pela ordem natural biológica se esvai no
tempo3, devendo a atuação Estatal se preponderantemente preventiva.
4 O PAPEL DO ESTADO NO FORTALECIMENTO DA PROTEÇÃO DO IDOSO
VISANDO UMA SITUAÇÃO DE CIDADANIA PLENA
A busca da cidadania, na sua acepção do exercício, numa relação de reciprocidade, da
titularidade de direitos fundamentais4, é a meta de desempenho do Estado em relação aos seus
administrados.
Utilizamo-nos da definição acadêmica de José Geraldo Filomeno, citado por Pérola
Braga (2011, p. 47) sobre cidadania:
Cidadania é qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem
comum de qualquer Estado, que o habilita a ver reconhecida toda gama de
seus direitos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à
disposição pelos organismos institucionalizados, bem como a prerrogativa de
organizar-se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção
e defesa.
O Estado fortalece a proteção do idoso ao implementar políticas públicas que garanta a
assistência social através de serviços ao atendimento de suas necessidades básicas, tome-se por
base o art. 10, da Lei n.º 8.842/94, que preconiza dentre outras medidas; a) na área da saúde:
adotar medidas de atendimento e medidas profiláticas ou estimular o serviço geriátrico nas
unidades de saúde; b) na educação: estimular os estudos, criando universidade aberta para a
terceira idade ou desenvolvendo programas educativos, especialmente nos meios de
comunicação, a fim de informar a população sobre o processo de envelhecimento; c) na área do
trabalho e previdência social: garantir mecanismos que impeçam a discriminação do idoso
quanto a sua participação no mercado de trabalho, no setor público e privado ou priorizar o
atendimento do idoso nos benefícios previdenciários; d) na habitação e urbanismo: elaborar
critérios que garantam o acesso da pessoa idosa à habitação popular ou diminuir barreiras
arquitetônicas e urbanas; e f) na área de cultura, esporte e lazer: propiciar ao idoso o acesso aos
3 Não temos a pretensão de denegrir a imagem do idoso, desvalorizando a sua pessoa, mas enfatizar os cuidados
merecedores pelo critério biopisicolológico que acomete o idoso com o passar do tempo. 4 Cidadania para o Direito Constitucional, rotineiramente, tem a conotação de titular de direito político, capacidade
ativa de eleger seus representantes para ocupar o Poder Legislativo, na concepção do art. 14 do CF. Nesse trabalho,
cidadania deve ser entendida como exercício de direitos fundamentais.
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locais e eventos culturais, mediante preços reduzidos, em âmbito nacional e incentivar e criar
programas de lazer, esporte e atividades físicas que proporcionem a melhoria da qualidade de
vida do idoso e estimulem sua participação na comunidade.
Enfoca, ainda, no parágrafo terceiro daquele mesmo artigo que a “todo cidadão tem o
dever de denunciar à autoridade competente qualquer forma de negligência ou desrespeito ao
idoso”, ou seja, no combate à violência do idoso, efetivando a regra de preservação de sua
dignidade humana, o Estado tem que acionar os órgãos competentes para adotarem as
providências cabíveis, nem que para isso interfira no trato de sua família.
Os órgãos mais chamados a adotar as referidas averiguações são: os departamentos de
atendimento a grupos vulneráveis, Ministério Público, OAB e o Poder Executivo, através dos
conselhos de direitos dos idosos, nos âmbitos estadual e municipal.
Sabe-se que o Ministério Público tem proeminência nas ações em defesa do idoso em
situação de risco em defesa dos seus direitos indisponíveis, tem-se nessa Instituição o conforto
do poder de “exigir, dentro de alguns limites, o respeito à dignidade daqueles que alcançaram
o estágio da velhice dirigindo sua atuação principalmente ao Poder Público.” (BARROS, 2012,
p. 115)
Mas ao Poder Público, o papel vai além de delatar omissões e maus tratos a pessoas
idosas. Este deve concretizar políticas públicas se preocupando com a efetiva implementação
de políticas públicas de caráter continuado.
Sobre esse assunto, colhe-se o ensinamento de Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 326/327),
para quem:
(...) em nosso direito constitucional, o postulado da aplicabilidade imediata
das normas de direitos fundamentais (art. 5, § 1º, d, CF) pode ser
compreendido como um mandado de otimização de sua eficácia, pelo menos
no sentido de impor aos poderes públicos a aplicação imediata dos direitos
fundamentais, outorgando-lhes, nos termos desta aplicabilidade, a maior
eficácia possível. Assim, por exemplo, mesmo em se tratando de norma de
eficácia inequivocamente limitada, o legislador, além de obrigado a atuar no
sentido da concretização do direito fundamental, encontra-se proibido (e nesta
medida também está vinculado) de editar normas que atentem contra o sentido
e a finalidade da norma de direito fundamental. Também no direito lusitano se
parte do pressuposto de que o art. 18/1 da CRP5 assume a função de reforçar
o caráter vinculante das normas de direitos fundamentais, que ressalta o dever
5 CRP significa Constituição da República Portuguesa. Segundo Marcus Aurélio de Freitas Barros, ao comentar o
art. 10 do Estatuto do Idoso (BARROS, 2012, 102) aduz que são raros os exemplos de Constituições Ocidentais
que tocam no tema atinente aos direitos fundamentais do longevo, com reflexos no exercício pleno da liberdade,
no respeito para com este segmento e no privilégio à dignidade humana. E um exemplo eloquente é a Constituição
Portuguesa de 1976, que desponta como a constituição europeia que mais trouxe avanços para o reconhecimento
do idoso como sujeito de direito e participante efetivo da vida social.
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específico dos poderes públicos de respeitar e promover os direitos
fundamentais.
(...)
Do efeito vinculante inerente ao art. 5º, § 1º, da CF decorre, num sentido
negativo, que os direitos fundamentais não se encontram na esfera de
disponibilidade dos poderes públicos, ressaltando-se, contudo, que, numa
acepção positiva, os órgão estatais se encontram na obrigação de tudo fazer
no sentido de realizar os direitos fundamentais.
Embora existam dificuldades administrativas para concretização de todos os direitos
sociais, tendo que o Estado escolher, muitas das vezes, no atendimento às diversas demandas
sociais, a mais prejudicial, nenhuma escusa será suficiente para deixar a pessoa idosa
desassistida, porque segundo BARCELLOS (2007, 603) “o exercício do poder político encontra
limites em normas jurídicas”.
Lidar com o envelhecimento requer ética, cidadania e respeito à diversidade,
principalmente através da tolerância pela implementação de políticas públicas singulares.
Dentre inúmeros protagonistas de tal mister, o Estado é um dos mais importante sujeitos
passivos dos comandos constitucionais e legais, devendo se alertar para a premência dos
maiores cuidados que os idosos necessitam, pois as ações e omissões administrativas são
universais, podendo o gestor público ser alvo de seu próprio tratamento à maturidade social,
tendo em vista que esta apenas se transforma e evolui com o tempo.
5 CONCLUSÃO
O processo de envelhecimento requer conscientização do outro como sujeito de direitos,
independentemente da idade cronológica, significa se compreender no mundo com o
dinamismo do tempo.
Para alcançarmos o fomento necessário de políticas públicas destinadas às pessoas
idosas, deve-se ter a concepção neoconstitucionalista como ponto de partida da análise jurídica.
As premissas do reconhecimento de um Estado Democrático de Direito, guiado pelo
pós-positivismo, onde a interpretação está permeada de valores constitucionais é necessária
para reconhecimento dos direitos dos idosos como direito fundamental da pessoa humana.
O viés do princípio da dignidade humana, dentre os limites do razoável, implica aos
Poderes Públicos a submissão aos imperativos da Constituição, independentemente de
cumprimentos de leis programáticas.
Ainda é tímido o desenvolvimento da cidadania do idoso no Brasil, pois há uma inversão
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da pirâmide cronológica, quando se trata em dar prioridade ao maior de sessenta anos.
No entanto, será imperativo que esse fenômeno social ocorra, pois ao nos depararmos
como seres “envelhescentes” que somos, perceberemos que nosso destino, em termos de
políticas públicas, não é tão promissor, bem como o reconhecimento mundial do
desenvolvimento social de nosso país restará comprometido, pois esse é medido pela qualidade
de vida de um idoso.
E para sermos tutelados em nossa velhice, da forma que julgamos merecedores,
devemos, imediatamente, aprimorar a cultura do cuidado a esse ser que se encontra tão
vulnerável.
Existe uma lacuna no sistema jurídico, principalmente na Constituição Federal, em dar
uma maior atenção aos direitos humanos no fim da vida, pois sua regulamentação se encontra
tímida e insuficiente à percepção de cidadania plena no Brasil.
Cabe-nos, por enquanto, termos uma visão contemporânea da Constituição e buscarmos
a execução de políticas públicas preventivas, que dê preferência ao atendimento da terceira
idade, a fim de minorar o descaso político e familiar nesta seara, com o objetivo de aprimorar
a real efetividade dos direitos fundamentais desde a concepção até o término da vida humana.
REFERÊNCIAS
BARCELLOS, Ana Paula de. “Constitucionalização das Políticas Públicas em Matéria de
Direitos Fundamentais: O Controle Político-social e o Controle Jurídico no Espaço
democrático”, in. SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Orgs.). A
Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
___________; BARROSO, Luís Roberto. “O Começo da História. A Nova Interpretação
Constitucional e o Papel dos Princípios no Direito Brasileiro”, in: SAMPAIO, José Adércio
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