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A RELAÇÃO TOPOCÍDICA DO HOMEM COM O ESPAÇO NA OBRA: Os sertões
de Euclides da Cunha
Maria Cicera da Silva Pereira Graduada em licenciatura em Letras pela Faculdade Sete de Setembro – FASETE. Paulo Afonso – BA.
mariacicera_pereira@outlook.com
Wellington Neves Vieira Professor do curso de licenciatura em Letras da Faculdade Sete de Setembro – FASETE. Paulo Afonso – BA.
wellington.nevieira@gmail.com
RESUMO
O presente trabalho tem o objetivo de analisar a relação topocídica do homem
no espaço habitado incutida na obra “Os sertões” do escritor Euclides da Cunha,
sob a ótica da Ecocrítica e da Geografia Humanista. Essa relação do homem com
espaço será observada a partir do termo Topocídio, que visa um estudo mais
aprofundado sobre o comportamento humano, e como os mesmos agem em seu
meio. A metodologia utilizada foi de caráter explicativo, pois foca numa análise
dos personagens da obra euclidiana refletida na figura dos sertanejos. A relação
do homem sertanejo, abordado a partir de fragmentos da obra de Euclides da
Cunha, traz à tona uma relação conturbada do homem dentro do seu espaço. O
homem no decorrer da obra euclidiana, tem aversão ao lugar, e, por fim, acomete
a destruição. Ao final da pesquisa, foi averiguado que o homem é um ser
dependente de seu espaço, mas o próprio acaba destruindo e junto dessa
devastação, ele caba perdendo sua essência que é dependente dos laços que
foram criados no espaço habitado.
Palavras chaves: Os Sertões. Ecocrítica, Topocídio. Literatura
THE RELATION BETWEEN MAN AND SPACE THROUGH
“TOPOCIDE” IN THE WORK: Os sertões by Euclides da Cunha
ABSTRACT
This paper aims to analyze the relation between man and space through the
perspective of “topocide” (“topocídio” in Portuguese) present in the work Os
Sertões by Brazilian author Euclides da Cunha, under the Ecocriticism and
Humanist Geography concepts. The way man relates to space is analyzed
through the term Topocide, which aims to further study about human behavior
and how it acts on the environment. The methodology used was explicative, once
that it focus on an analysis of the characters of Euclides’ work reflected on the
image of country people. The relation of the country man, approached through
fragments of Euclides da Cunha’s novel brings up a troubled connection with its
space. The man, along the referred work, despites his space and, finally, ends up
destroying it. At the end of the research, we observed that the human being
depends on its space, but humans themselves end up destroying it, causing,
through this devastation, the loss of an essence that depends on the bonds formed
with the inhabited space.
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Keywords: Os Sertões, Ecocriticism, Topocide, Literature.
1 INTRODUÇÃO
Mesmo com os avanços acelerados das tecnologias a Literatura tem sido de grande valia para
questionamentos presentes na sociedade, sendo um meio que leva as pessoas a refletirem de
maneira mais coerente sob várias vertentes, que vão desde a reflexão do imaginário ao
criticismo.
Apesar dos avanços tecnológicos terem aparecidos de maneira acelerada a literatura não perdeu
seu papel diante da humanidade, e, entre as inúmeras vertentes que esse meio nos leva a refletir,
a relação do homem com o meio habitado, vem ganhando ênfase e uma postura singular no
século XXI.
Nos últimos anos, está temática sobre o homem e o habitat, tem ganhado um espaço peculiar
em meio à literatura, que nos presenteia com uma linguagem repleta de significados e nos faz
refletir sobre o nosso papel diante das nossas intervenções. Com o tempo a sociedade evolui, e
o meio literário evolui junto, e busca se adequar a sociedade moderna e cumprir seu papel
crítico, e faz com que a humanidade reflita sobre suas ações no meio ambiente. Essa linha de
pesquisa tem como foco averiguar como o espaço é destruído, e é de suma importância para a
sociedade se reiterar desta temática, pois, é a partir do reconhecimento do espaço habitado, que
podemos reconhecer nossa identidade, pois, sabe-se que a relação do homem no espaço
habitado é de pura dependência, e este “espaço tem uma relação totalmente elevada na vida do
homem.” (CAVALCANTE, 2010, p.27)
Devido os confrontos que envolvem homem-meio ambiente, surge o interesse por esta
investigação: homem e sua relação topocídica com o espaço, isso se iniciou a partir do contato
com a obra literária do escritor Euclides da Cunha em “Os Sertões”, o que motivou na
construção desse diálogo com o interesse para se estudar como se dá a relação de destruição do
homem no espaço habitado, pois, a obra Literária, foca nessa perspectiva, de maneira mais
aprofundada e diferenciada do que já havíamos tido.
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Nessa perspectiva de estudo destaca-se a linha teórica, Ecocrítica, que se encontra de maneira
integrada com a Literatura, uma área que vem ganhado destaque, com isso este trabalho vai
abordar sobre a temática, que segundo o pesquisador Glotfelty, estuda a “relação do ambiente
voltada para o âmbito da literatura, e se encontra totalmente centrada nos estudos literários
direcionados para a Terra” (1996, p. XIX), ou seja, esta é uma das denominações voltadas para
o âmbito da Ecocrítica.
O objetivo geral desse trabalho é analisar a relação topocídica do homem no espaço no livro
“Os sertões” de Euclides da Cunha, os objetivos específicos é conceituar a linha de pesquisa
Ecocrítica, caracterizar espaço e lugar e por último identificar a relação topocídica do homem
no espaço habitado baseado na obra “Os sertões” de Euclides da Cunha.
2 ECOCRÍTICA
Esse capítulo trata-se de explorar os conceitos da teoria Ecocrítica, para assim se poder
compreender com clareza o que esse tópico abordará. Para a percepção desse estudo, alguns
estudiosos da área serão introduzidos, e assim, ao final ficará entendido o intuito desse esbouço.
Um campo de pesquisa que ao longo do tempo, vem ganhando cada vez mais espaço no meio
Literário, teve seu surgimento no Reino Unido nos anos de 1978, anos mais tarde, o termo foi
citado por alguns estudiosos dos EUA1 pela ASLE (Association for the Study of Literature and
Environment – Associação do estudo da literatura e meio ambiente); entre os estudiosos que se
reuniram para pesquisar sobre a Ecocrítica, se destaca Willian Rueckert, que mencionou pela
primeira vez esse termo num artigo em 1978.
Entretanto, depois de ter passado um tempo despercebido, esse campo de pesquisa voltou a ser
comentado com mais ênfase no de 1989, novamente e por Glotfelty, que pediu autorização para
se referir ao campo de pesquisa, e a partir daí esta área ganhou um espaço crucial no meio
crítico, e vem sendo aceito em vários espaços que buscam um olhar analítico atrelado à
literatura, e assim, sendo mais valorizado e acessado por pessoas que se interessam por esse
campo de investigação.
1 Estados Unidos da América, país sede da ASLE.
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Dentre os vários conceitos voltados para essa área, na perspectiva que adentra sobre a relação
da literatura e natureza, Cherryl Glotfelty (1996, p, xix) diz que a Ecocrítica, é uma “teoria
literária que examina as relações existentes entre os escritores, os textos e o mundo”. É também,
“uma modalidade de análise confessadamente política, como sugere a comparação com
feminismo e com o marxismo”. Logo, “os ecocríticos costumam vincular explicitamente suas
análises culturais a um projeto moral e político “verde”. Nesse aspecto, ela se relaciona de perto
com desdobramentos de orientação ambientalista na filosofia e na teoria política.”
(GARRARD, 2006, p.14)
Então se percebe que essa área de pesquisa não visa somente às relações de textos literários
com o mundo, mas também parte para o viés político, “uma vez que busca contribuir para a
conscientização ecológica, contrariando os preceitos capitalistas cíclicos: produção,
estimulação midiática, e da indústria de consumo”. (ALMEIDA, 2014, p.26)
Outros estudiosos também se engajaram em conceituar este termo, tal qual Greg Garrard (apud
GLOTFELTY, 2006, p.14) que conceitua a Ecocrítica da seguinte maneira:
O que é ecocrítica então? Dito em termos simples, a ecocrítica é o estudo da relação entre a literatura
e o ambiente físico. Assim como a crítica feminista examina a língua e a literatura de um ponto de
vista consciente dos gêneros, e a crítica marxista traz para sua interpretação dos textos uma
consciência dos modos de produção e das classes econômicas, a ecocrítica adota uma abordagem
dos estudos literários centrados na Terra.
Por meio esta afirmação, percebe-se o quanto a área tem sido de suma importância para o meio
literário e as questões que estão entrelaçadas com temáticas voltadas para o meio no qual o
homem é agente, e busca de maneira sucinta, um objetivo para questões que se encontram
oclusas na natureza, e procura “analisar a relação entre a literatura e o meio ambiente com uma
interface específica que são as relações que se estabelecem entre o homem e o meio ambiente,
apontando a esfera e o contexto da escrita e sua recepção” (CARVALHO, 2017, p.126), e desta
maneira, por meio deste viés se busca compreender com mais ênfase o contato entre o homem
e seu comportamento realizado no ambiente vivenciado.
É a partir dessas concepções que se pode analisar fatos ocorridos na natureza, que se encontram
de certa maneira oclusos, e em parceria com a literatura, esta área de pesquisa tem um forte
papel, pois essa parceria, visa dá ênfase a natureza despercebida e até mesmo que se encontra
em destruição por ações humanas.
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Glotfelty (1996, xix), uma importante pesquisadora da área, em uma publicação seminal de
1996, denominada como The Ecocriticism Reader, aborda que:
A ecocrítica tem como sujeito as interligações existentes entre a natureza e a cultura, nomeadamente
os artefactos culturais da língua e literatura. Como postura crítica, temum pé na literatura e outro na
terra; como discurso teórico, negoceia entre o humano e o não-humano2. (Tradução nossa)
Posto isso, a Ecocrítica oferece para o meio de pesquisa uma lacuna muito importante,
entrelaçada com a literatura. Pois é a partir de seus estudos que a sociedade irá buscar
embasamento para se estudar a realidade imbricada com o humano e imaginário, e assim as
“discussões, sob a visão da Ecocrítica, está relacionada à mudança de paradigma em relação a
uma nova ética acerca da Natureza e do Meio Ambiente” (CARVALHO, 2017, p 125 à 126).
Já para Garrard (2006, p.15), “o ecocrítico almeja rastrear as ideias e as representações
ambientalistas onde quer que elas apareçam, enxergar com mais clareza um debate que parece
vir ocorrendo, amiúde parcialmente encoberto. Essa linha de pensamento, entende-se que
embora esse viés de pesquisa seja um assunto bem exposto, ele não é abordado com clareza
diante da sociedade, e nessa perspectiva, a Ecocrítica junta-se com a literatura, que é um meio
eficaz, para dar ênfase a esses debates denunciadores relacionados a natureza.
Referindo-se ainda ao termo da Ecocrítica, Ermelinda Ferreira (2010), traz uma importante
reflexão acerca desta temática quando ela afirma que:
A Ecocrítica, ao propor uma reflexão sobre o meio ambiente e a natureza no amago dos estudos
literários, parece cumprir duas tarefas: a de reconhecer a decisiva importância política do discurso
comumente dito “estético” (e portanto, “inócuo”) na atualidade; e a de alertar para a ameaça de
extinção que também paira sobre ele, em seu inegável antidogmatismo, assim como sobre as coisas
e os seres aos quais ele dá voz. (p.11)
Deste modo, nota-se que este termo, como já ressaltado, tem ganhado grande relevância, diante
das palavras de Ferreira, implica dizer que é de suma importância para o meio acadêmico, pois
juntamente com obras literárias, esta área de pesquisa nos fornece material significativo para
conscientizar o homem sobre o papel que está exercendo no meio habitado.
Um viés literário ainda pouco estudado e que tem causado alvoroço entre os pesquisadores,
entre as abordagens citadas acerca do termo, se destacam algumas características que se tornam
2 Original: takes as its subject the interconnections between nature and culture, specifically the cultural artifacts
of language and literature. As a critical stance, it has one foot in literature and the other on the land; as a
theoretical discourse, it negotiates between the human and the nonhuman.
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cruciais, uma delas é que a “ecocrítica tem o compromisso de incitar uma consciência ecológica
através da literatura”(MOREIRA e WANDERLEY, 2011, p.59) pois sabe-se que um leitor
crítico irá questionar, o leitor poderá se apropriar de conhecimentos obtidos através dos debates
oferecidos por essa área, e assim poderá contribuir para uma conscientização voltada para a
relação de espaço e lugar.
Desse modo fica compreendido o quanto é importante à análise Ecocrítica concentrada em
textos Literários, e assim compreendendo a relação existente do homem com o seu meio, fica
propício à busca por um equilíbrio e a consciência de se pensar do leitor em relação às questões
ambientais que estão presentes na sociedade.
Buscando um entendimento mais amplo, acerca desta área, Roland Walter (2010), enfatiza que
esse viés se estende em três vertentes abordadas da seguinte maneira:
a) no sentido de uma metodologia sociológica interdisciplinar que examina a relação entre
personagens e a natureza, enfocando a consciência ecológica com relação a questões ecológicas
locais e globais; b) no sentido de uma metodologia cultural-antropológica interdisciplinar que
problematiza a alienação e reificação do ser humano enquanto resultado da dominação da natureza
dentro do projeto civilizatório moderno; c) no sentido de uma metodologia ética interdisciplinar,
cujo objetivo é a revisão do sistema de valores culturais antropocêntricos para uma co-existência
planetária inter-relacionada. (p.20)
Diante do exposto, constata-se que o que gira em torno destas abordagens é a natureza que,
enquanto entidade, liga as matérias e formam a essência cultural do homem diante do espaço
no qual ele habita e foi construído por ele. Embasando este pensamento, Walter (2010, p.19),
nos fala em seus ensaios sobre a Ecocrítica que:
“[...] a compreensão da natureza enquanto entidade físico- material e como entidade social
ativamente envolvida na dinâmica das construções culturais. Em cada cultura, a paisagem/natureza
tem um papel fundamental na constituição do imaginário cultural de um povo: ela é tanto natural
quanto cultural.”
Vale ressaltar que é a partir das vivências ocorridas no espaço, que se pode construir um laço
de afetividade, e mediante essa construção, nasce à vinculação homem e seu lugar na sociedade,
tal ligação entre o homem e o que se encontra ao seu redor, resulta numa construção de
similaridade.
E para maior compreensão Walter (2010, p.19) ressalta que:
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[...] a ecocrítica deve ser enraizada numa episteme cultural especifica, ou seja, numa ordem de coisas
e saberes que forneça a tribos/grupos/comunidades/sociedades com as categorias de fundação, o
esquema classificatório do mesmo e do outro, os processos mitopoéticos de nomeação original, a
língua e a variedade de discursos mediante as quais os aspectos do dia-a-dia se traduzem de maneira
sensata e ordenada.
Compreende-se então, que essa área de pesquisa, busca uma compreensão acerca do meio
ecológico no qual o homem habita, de tal maneira, que favoreça a sociedade como um todo.
Isso implica dizer que, a Ecocrítica, enaltece a natureza, e nos instiga a acreditar que o espaço
no qual habitamos, “não é só um elemento decorativo”, mas tem um papel crucial, no qual nos
leva a uma construção pessoal e nos torna como elemento que constrói sua identidade pessoal
e que fica enraizada pelo modo de agir e de pensar, e tudo isso só é capaz a partir do contato
que o homem tem e constrói por intermédio de sua vivência no lugar no qual vive.
Garrard (2006, p.246), afirma que “a ecocrítica tem presumido que sua tarefa é superar o
antropocentrismo, assim como o feminismo procura superar o androcentrismo”. Em outras
palavras, percebe-se mais uma vez, o quão essa temática encontra-se intrinsicamente voltada
para a natureza, ela procura de algum modo, fazer com que tenhamos consciência de sua
importância, e voltemos nossa visão para este campo, que de maneira particularizada, se firma
com o meio literato, e diligencia soluções para problemáticas envolvendo o homem e a natureza.
Com isso, Garrard (2006, p. 246), nos instiga a acreditar que o “argumento é favorável e
sustente as afirmações morais sobre o valor do mundo natural, que por sua vez, afetará nossas
atitudes e nosso comportamento para com a natureza”.
Posto isso, pode-se observar que o papel da Ecocrítica enquanto meio de pesquisa, junto da
Literatura, proporciona material para se buscar resposta a respeito das questões que percorrem
e assolam a humanidade contemporânea, sobre assuntos voltados para o meio ambiente e que
se encontram de certa forma oclusos, e foi pensando nessa oclusão que a Ecocrítica se uni ao
viés literário para se chegar a um questionamento final e produtivo e que chame a atenção da
sociedade por meio dos textos que se encontram na literatura em todo o mundo.
No próximo item, será feita uma abordagem sobre as sentenças, espaço e lugar, para que
possamos compreender cada um diante de suas particularidades, fazendo assim um contraponto
exploratório através de pensamentos de alguns teóricos que tem uma visão voltada para a área
de pesquisa aqui mencionada.
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3 ESPAÇO E LUGAR
Para que se possa compreender a noção de espaço e lugar, este tópico, irá se aprofundar nas
diversas teorias de alguns pensadores críticos acerca de tais vocábulos, que serão substanciais
para o embasamento do trabalho elaborado.
Sabemos que a existência e sobrevivência do homem no espaço, é muito relevante nos estudos
da atualidade, a relação do homem com o meio é de todo modo dada pela técnica, “que são um
conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e ao
mesmo tempo, cria o espaço, [...] O espaço é a sociedade” (SANTOS, 2002, p.29), sociedade
essa que é constituída por um conjunto de pessoas que formam seus meios de vida.
À frente desse panorama, Santos (1996, p.68) salienta que o “espaço não pode ser estudado
como se os objetos materiais que formam a paisagem tivessem uma vida própria, podendo assim
explicar-se por si mesmos. Sem dúvida, as formas são importantes”. Partindo desse pressuposto
fica percebida a importância das coisas e seres existentes no espaço, para assim
compreendermos sua definição.
Diante de tal complexidade, não é difícil de encontrar inúmeros conceitos para esse termo, e
em meios a tantos estudiosos engajados na compreensão do que seria a definição exata de
espaço, Santos (2002, p.46), diz que é:
[...] algo dinâmico e unitário, onde se reúnem materialidade e ação humana. O espaço seria o
conjunto indissociável de sistemas de objetos, naturais ou fabricados, e de sistemas de ações,
deliberadas ou não. A cada época, novos objetos e novas ações vêm juntar-se às outras, modificando
o todo, tanto formal quanto substancialmente.
A partir do enxerto acima, o espaço mencionado seria aquele no qual ficam envolvidas todas as
coisas existentes, sejam elas materiais ou não. Ainda segundo Lefébvre, "o espaço é o locus da
reprodução das relações sociais de produção." (1976, p. 25). Espaço esse, no qual se produz e
se concebe as relações entre os humanos e as coisas materiais e também os laços afetivos que
são importantes para se estabelecer a construção identidade pessoal, nesse mesmo viés Soja
((1983, p.38) afirma que:
O espaço social e político tornou-se cada vez mais reconhecido como uma força material (e não
material, isto é, ideológico) influente, ordenando e reordenando as próprias relações sociais
produtivas. Longe de ser um reflexo passivo, incidental, um “espelho”, a espacialidade tornou-se
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ativa como uma estrutura concreta e repositório de contradições e conflitos, um campo de luta e
estratégia política. As relações sociais e espaciais, a divisão social e espacial do trabalho, a práxis
social e espacial estão deste modo interativamente engajadas e concatenadas, ao invés de reduzidas
a simples gênese-reflexo, causa inicial e efeito subsequente.
Definições variadas acerca da palavra espaço, cada uma com uma linha de entendimento
diferente, que nos possibilita uma linha variada de interpretações, conforme nos aponta Souza
(1997, p.86):
[...] o espaço é a base de sobrevivência, fonte de poder e, por via da conseqüência, alvo de cobiça e
desejo de apropriação e controle. A isso se deve adicionar a importância não apenas “instrumental”,
militar ou econômica (...) de um espaço, mas também a sua relevância cultural para um grupo.
São descrições de caráter social, e até mesmo políticos, espaços habitados e vividos por
diferentes classes sociais, religiões e culturas diferenciadas, que acabam gerando uma ideia de
que a dominação do espaço é de importante fonte para o poder exercido na vida e no cotidiano
das pessoas. Massey (2008, p. 185), diz que é preciso não especificar diretamente o local nem
o global, pois todos os espaços são carregados de conhecimentos históricos que possuem
influências históricas e externas, que irão servir na construção de cada indivíduo.
Na linha de pensamento de Relph (1976, p.8) "O espaço é amorfo e intangível e não uma
entidade que possa ser diretamente descrita e analisada”. Nesse sentido o autor informa que o
espaço, não pode ser analisado por uma vertente única, e que podemos caracterizá-lo de várias
maneiras. Nesse seguimento, vale ressaltar que o espaço não tem uma só caracterização, ele
muda conforme o tempo.
Buscando uma compreensão mais abrangente, do que seria lugar, o trabalho se firmará pelo
viés de pensamento de alguns teóricos que discutem sobre o assunto, visto que assim como as
infindas definições sobre espaço, as várias interpretações acerca de lugar também não são
diferentes. Para o percussor da Geografia Humanística, Tuan (1983, p.83), que leva em
consideração de que lugar faz parte das experiências humana, diz que o “espaço nos é
inteiramente familiar, e torna-se lugar”.
Levando em consideração outros conceitos, de qual seria a definição de lugar, Staniski,
Kundlatsch, Pirehowski (2014, p.6), que:
O lugar é onde estão as referências pessoais e o sistema de valores que direcionam as diferentes
formas de perceber e constituir a paisagem e o espaço geográfico. Trata-se na realidade de
espacialidades carregadas de laços afetivos com os quais desenvolvemos ao longo de nossas vidas
na convivência com o lugar e com os outros.
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Uma colocação admissível, pois a partir daí fica entendido que o lugar é construído mediante
os laços que são construídos pela sociedade, cada um constrói seu lugar de maneira
diferenciada, buscando laços afetivos que possam colaborar com a sensação de pertencimento,
sendo assim, Buttimer (1985, p. 178) afirma que, “cada pessoa está rodeada por camadas
concêntricas de espaço vivido, da sala para o lar, para a vizinhança, cidade, região e para a
nação.” Ou seja, cada indivíduo, busca viver à sua maneira, mas, por fim tem os mesmos
costumes dentro do espaço.
Averiguando o pensamento de Buttimer (1985, p.228) ele sugere que “o lugar é o somatório
das dimensões simbólicas, emocionais, culturais, políticas e biológicas”, ou seja, a partir da
definição de lugar, se pode ser estudada as formas de vida existente permeadas em determinado
local. A cerca disso, Leite (1988), afirma que:
[...] essa relação de afetividade que os indivíduos desenvolvem com o lugar só ocorre em virtude de
estes só se voltarem para ele munidos de interesses predeterminados, ou melhor, dotados de uma
intencionalidade. Como afirma Relph (1979), os lugares só adquirem identidade e significado
através da intenção humana e da relação existente entre aquelas intenções e os atributos objetivos
do lugar, ou seja, o cenário físico e as atividades ali desenvolvidas (p.10).
Se aprofundando nessa citação, a identidade de uma pessoa ou de um grupo de pessoas de uma
determinada comunidade, de espaço ou lugar, só se dar por meios de suas ações e relações que
foram produzidas, a maneira como o homem se comporta no seu reduto é que vai servir de base
para sua percepção.
Para mais entendimento acerca de lugar, Bartoly (2011, p.73), ressalta que o “lugar é produzido
a partir da afetividade, da sensação de pertencimento, e do modo como nos adaptamos e nos
apropriamos das realidades globais que se introduzem no local, e que dão sentido à própria
distribuição objetiva das coisas e das pessoas nessa porção do espaço geográfico.”
Nesse seguimento, para podermos entender com objetividade, “o homem e toda sua
complexidade, suas ações e atitudes, assim como questões referentes ao cotidiano” os estudos
formulados pela Geografia Humanista de Tuan, irá nos dar base para “avaliar as pessoas e os
valores e atitudes acometidos diante de determinadas situações que ocorrem no cotidiano”.
(SANTOS, 1999, p.2), e isso só é possível a partir dessa construção que o homem formula no
decorrer de sua vivência.
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A Geografia Humanista, denominada mais que uma ciência, de acordo com Santos (p.2) “se
preocupa em buscar um maior sentimento do mundo humano, estudando as relações entre as
pessoas e a natureza, seus sentimentos e ideias sobre o espaço e lugar.” Nesse direcionamento,
se busca uma análise aprofundada da relação que envolve o homem e seu local, que o mesmo,
com o tempo, diante de sua exposição, deixará rastro para que se possa entender com amplitude
a construção do eu, que só será revelado, por meio de suas ações no local habitado.
Um termo abordado por Tuan é o Topocídio, que resulta na destruição total do espaço. Os
indivíduos que agem sobre o espaço acabam destruindo, e esse vínculo destruidor, muitas vezes
é acometido sem a percepção do agente.
O neologismo Topocídio, segundo Sturza (2008, p. 1), “é implantado suavemente sem que a
população o perceba, ou pode ocorrer de forma rápida, quando as pessoas têm o cotidiano e o
modo de vida interrompida”. Esse sentimento pode ser visto mediante vários aspectos, em
várias situações do cotidiano.
Em vista disso, fica entendido a partir das considerações vindas da Geografia Humanista, que
no lugar/espaço, existe “tanto o apego quanto o horror, no que tange aos trinômios seres
humanos-lugar-natureza”. (FERREIRA DA SILVA, ASEVEDO COSTA, BARBOSA DE
MOURA, 2014.p 254). Esses sentimentos são de mera importância, pois foi a partir deles junto
do estudo humanista, que se pode chegar a um entendimento final do que diz respeito ao apego
e também a desvalorização do lugar.
4 OS ESPAÇOS TOPOCÍDICOS EM “OS SERTÕES” DE EUCLIDES DA CUNHA
Neste último tópico, será abordada a partir de fragmentos da obra, a relação do Topocídio,
que resulta na destruição total ou deliberada do espaço. Situada na terceira parte da obra, no
qual Euclides descreveu a Guerra de Canudos, acontece o massacre que culminou na dizimação
de milhares de sertanejos, que juntos as tropas, no embate acabaram sendo mortos. Das quatros
expedições ocorridas, na última, o admirável conselheiro “morrera a 22 de setembro, de uma
disenteria, uma caminheira...”. (CUNHA, 2010, p. 500), episódio que narra à morte de
Conselheiro, o líder dos jagunços.
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Os jagunços e sertanejos que ainda restaram, mesmo após a morte de seu líder, deram
continuidade a sangrenta luta, e “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História,
resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo,
caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os últimos defensores, que todos morreram.”
(CUNHA, 2010, p. 507).
A destruição acometida e denominada pelo Topocídio, acarreta no desaparecimento do meio
ambiente, ou seja, tudo que se refere ao espaço no qual o homem vive. Com isso, acaba
destruindo os valores culturais do homem, que se encontram enraizados em seu espaço. Na
contemporaneidade, vários casos topocídicos foram fatores de destruição do espaço, entre eles,
se destaca o desastre ocorrido na cidade de Mariana (MG) no ano de 2015, que devido ao
rompimento desastroso de uma barragem, várias pessoas perderam suas moradias, a fauna e a
flora da região foram comprometidas.
Falar de Topocídio, a partir da obra euclidiana, traz à tona como o homem é destruidor de seu
próprio espaço. Em alguns trechos da obra, pode-se observar como o sentimento topocídico é
eminente, aqui, esse sentimento é visto pela ótica do visitante, no caso, o jornalista Euclides da
cunha, quando o próprio se depara com a vegetação e diz que ela é “agonizante, doente e
informe, exausta, num espasmo doloroso”. (CUNHA, 2010, p. 37). Então, percebe-se aí o
quanto é fatigante para o jornalista se deparar com um lugar no qual a sua primeira impressão,
causa horror, características do Topocídio.
Essa relação de horror ao espaço se povoa no decorrer da obra euclidiana. O escritor se utiliza
de vários adjetivos para caracterizar a paisagem de medo vista sob sua visão. O jornalista se
refere à flora como “agressiva”, “agonizante”, “sanguinolenta”, “tolhiça” entre outros adjetivos
peculiares tais como descrito na citação abaixo:
[...] sem variantes no aspecto entristecedor, a mesma natureza bárbara. Morros enterroados, formas
evanescentes de montanhas roídas pelos aguaceiros fortes e repentinos, [...] plainos desnudos e
chatos feitos llanos desmedidos; e, por toda a parte, mal reagindo à atrofia no fundo das baixadas
úmidas, uma vegetação agonizante e raquítica, espalhada num baralhamento de ramos retorcidos —
reptantes pelo chão, contorcendo-se nos ares num bracejar de torturas[...] (CUNHA, 2010, p. 398)
Esbouçando-se sobre o termo topocídico, a parte da obra euclidiana que vai dá ênfase, é
justamente no episódio que narra a luta entre os sertanejos e os soldados republicanos. A luta,
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como já foi explicitada anteriormente, se deu a partir da resistência dos sertanejos por não
aceitarem ordens vindas dos republicanos.
A destruição do espaço baiano, acontecido na narrativa jornalística, se deu de maneira vagarosa,
o vilarejo povoado pelos seguidores de Conselheiro, segundo Euclides da Cunha, era composto
de “casas mal feitas e tijupares pobres, de aspecto deprimido e tristonho”. (2010, p.193), se
apropriando das palavras do escritor, e de suas impressões, se percebe o sentimento de antipatia
ao lugar.
Canudos, de acordo com o jornalista, era “compacta em roda da praça [...] se ampliava, isoladas,
distantes, como guaritas dispersas — sem que uma parede branca ou telhado encaliçado
quebrasse a monotonia daquele conjunto assombroso de cinco mil casebres” (CUNHA, 2010.
p.272). Nessa citação, fica esclarecido como era o arraial de Canudos antes da destruição, que
gerou o extermínio de tal espaço. Era um vilarejo simples, construído pelas próprias mãos dos
habitantes, fato que reforça ainda mais a afeição dos moradores para com seu lugar, sendo
moldado pelos próprios moradores, cada tijolo segue carregados de significados e símbolos.
No desenrolar da luta, o espaço retratado na obra, começa a ser destruído, “[...] às primeiras
casas marginais ao rio. Tomaram-nas e incendiaram-nas; enquanto os que as guarneciam
fugiam, adiante, em busca de outros abrigos” (CUNHA, 2010, p.278). Nessa linha de
pensamento, se encaixa a reflexão abordada por Tuan no que concerne em relação à paisagem
de medo. Na citação acima, fica esclarecido que no início do embate, a paisagem começa a ser
destruída, e isso reflete no modo de agir do homem que povoa seu espaço modificado, e leva o
homem a se refugiar em outro espaço em busca de um abrigo que lhe der segurança, e assim a
Ecocrítica se junto ao campo da Geografia Humanista para se aprofundar na atuação dos
sentimentos dos sujeitos que agem em um determinado espaço.
O caráter topocídico prevalece até o fim da obra euclidiana, “Não se via o arraial. Alguns
braseiros sem chamas, de madeiras ardendo sob o barro das paredes” (CUNHA, 2010, p.285).
Nesse fragmento da narrativa, as pequenas casas que faziam parte do cenário são destruídas
pelas chamas do fogo. Nessa conjuntura, parte dos valores culturais, costumes e até objetos
pessoais, carregados de traços simbólicos, foram destruídos juntos com os casebres.
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Essa destruição acontecida na obra traz à tona a percepção e as atitudes do homem acerca do
meio no qual ele se encontra posicionado, e culmina no viés de não lugar, e assim, “os homens
ao agredirem a natureza estão agredindo a si mesmo já que fazem parte dela” (CARVALHO,
2018, p.4). A destruição do arraial de Canudos acontece por dois fatores: o primeiro é a luta
dos sertanejos que queriam defender seu espaço, e travam uma guerra com os republicanos, e
nesse enclave, os sertanejos, sem perceberem, acabam devastando seu lugar, e junto dessa
devastação sua identidade e costumes, também se perdem.
Logo se percebe, que uma parte da aniquilação do espaço na obra “Os sertões” acontece como
uma forma de defesa por parte dos sertanejos, e por outro lado, ocorre o embate por parte dos
republicanos por interesses pessoais do governo, que tinham as atitudes de Conselheiro e dos
sertanejos, como atos de desordem, e isso gerariam problemas para os republicanos. E devido
a isso, o governo não mede esforços, e finda num ambiente degradado, devido aos seus
interesses voltados para o meio político. O arraial povoado pelo o homem sertanejo aos poucos:
[...] em vários trechos, ainda não descolmadas, mas vazias, porque as deixara o vaqueiro que a guerra
espavorira ou o fanático que indireitara para Canudos. Eram logo tumultuariamente invadidas, ao
tempo que as deixavam outros hóspedes surpreendidos: raposas ariscas e medrosas, saltando das
janelas e esvãos da cobertura — olhos em chamas e pelo arrepiado — e atufando-se, aos pinchos,
nas macegas; ou centenares de morcegos, esvoaçando desequilibradamente dos cômoros escuros,
tontos, rechiantes. (CUNHA, 2010, p. 398 a 399)
Com a destruição do espaço, não só homem é afetado, como pode ser observado no relato acima,
a devastação acometida gera um desequilíbrio total, sendo afetados os animais e natureza, além
do homem como já foi dito.
Mediante isso, é notório o quanto as relações do homem no seu espaço caminham entrelaçadas,
esse envolvimento do homem com o seu lugar é de suma importância para a construção do eu.
Espaço e lugar são indissociáveis, um não pode ser visto sem a complementação do outro, e
nesse rumo, o homem de certa maneira acaba se tornando parte indispensável para os
questionamentos da relação do próprio com o meio no qual cria laços.
A partir dos estudos feitos da relação entre homem e espaço perante a obra “Os sertões”, se
pode observar que é uma convivência conturbada, gerada pelo viés topocídico e acaba
assumindo um papel crítico diante da teoria investigativa vista como a Ecocrítica, pois, ela
busca resposta para as ações do homem no ambiente, tentando amenizar os impactos
fecundados na terra.
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A destruição retratada na obra euclidiana é acontecida de forma, que os próprios personagens,
os sertanejos, não a percebem. Embora o homem sertanejo, representado na obra euclidiana não
seja o principal agente da destruição, pode-se observar que a destruição ocorrida no Arraial de
Canudos, foi reproduzida a partir dos soldados republicanos e por interesses pessoais.
O espaço:
[...] sertão principiava a mostrar um facies melancólico de deserto. Sugadas dos sóis as árvores
dobravam-se murchas, despindo-se dia a dia das folhas e das flores; e, alastrando-se pelo solo, os
restolhos pardo-escuros das gramíneas murchas refletiam já a ação latente do incêndio surdo das
secas. (2010, p.396),
Perante isso, podemos observar que o homem de “Os sertões” acabou destruindo seu próprio
meio, e isso tentando defender, nessa obliquidade, se constata que as duas teorias humanista, se
entrelaçam nesse ponto, pois, o sentimento topocídico e o topofílico se cruzam, e há a
transmutação de um no outro.
Posto isso, os personagens de “Os sertões,” no caso os sertanejos, personagens presentes na
obra literária, assim como tantos outros homens presentes na história da humanidade, não se
preocuparam em poupar o espaço:
As granadas explodindo entre os restolhos secos do matagal incendiavam-nos; ouviam-se lá dentro,
de envolta com o crepitar de queimadas sem labaredas, extintas nos brilhos da manhã claríssima,
brados de cólera e de dor; e tontos de fumo, saltando dos esconderijos em chamas, rompentes à
ourela da caatinga. [...] A terra despertava triste. As aves tinham abandonado, espavoridas, aqueles
ares varridos, havia um mês, de balas. A manhã surgia rutilante e muda. Desvendava-se, a pouco e
pouco, a região silenciosa e deserta: cômoros despidos ou chapadas breves. (CUNHA, 2010, p. 292
a 378)
Os espaços que guardam em seu interim resquícios de memórias que são construídas ao longo
do tempo, pouco a pouco foram destruídos, e os laços de afetividade que são construídos
diretamente e indiretamente, ações e lembranças que são processados e constrói a cultura e
identidade de cada indivíduo de maneira diferente, são dizimados e concernem num caráter
topocídico.
A ação do homem sobre o espaço, gerou uma problemática na qual ocasionou o desprezo pelo
o que não é considerada obra humana, ou seja, tudo que se encontra relacionado ao meio
ambiente é palco de interferência elaborada pelo o homem. O arraial foi totalmente dizimado a
partir de uma guerra sangrenta que ocasionou na destruição do espaço, da natureza, dos animais
e tudo que havia ao seu redor, na obra de Cunha, o mesmo retrata no fim, que:
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Aqui, ali, largas nódoas negras na caatinga, rastros escurentos dos incêndios, em que repontavam
esteios e cumeeiras dos casebres combustos, tracejando por aqueles ermos, numa urdidura de ruínas,
o cenário terrivelmente estúpido da guerra. [...] O combate fora cruento e estéril. (CUNHA, 2010,
p.436 a 499)
Os sertanejos contra a sua vontade, acabaram destruindo o espaço tentando defendê-lo. E isso
resultou no desaparecimento de vários elementos que representavam o homem sertanejo. O
efeito topocídico “[...] tem como principal vítima, além de significativas parcelas da população,
o meio ambiente, com danos por vezes irreversíveis aos lugares, espaços ou paisagens”
(SILVA; OLIVEIRA; MASANO, 2011, p. 6). Sendo assim, é visto a partir da citação, que se
trata do homem sobre sua relação de destruição do espaço sobre o qual o mesmo necessita para
sua sobrevivência.
E assim, todo o espaço pertencente ao homem sertanejo, na obra euclidiana foi devastado,
fomentando numa extinção de seres e valores. O escritor Euclides da Cunha termina sua obra
resumindo a degradação do Arraial:
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até ao esgotamento completo.
Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando
caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens
feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados. [...] Caiu o arraial a
5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5.200, cuidadosamente contadas.
(2010, p.507)
É evidente que o caráter topocídico é presente no fim da obra euclidiana. No enxerto acima, é
notório o quanto o homem é destruidor, é visto que todo o arraial foi devastado, pessoas,
animais, o meio ambiente e tudo que existia acabou sendo assolado pelo o próprio homem. E
assim, o estudo humanista em consonância com a Ecocrítica assume um papel ativista, pois tem
a função de atuar contra as destruições voltadas para o espaço.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atuação do homem no seu espaço acaba gerando uma transformação que acarreta na sua
modificação, pois, como já explicitado nesse trabalho, o homem é um ser dependente do seu
meio. Essa destruição acarreta numa série de desastres, o meio ambiente é atingido, os animais
e até mesmo o próprio homem acaba se dizimando, porém, o próprio não consegue enxergar o
que se passa ao seu redor.
Por meio dessa análise, é possível perceber que o homem devido às inúmeras ações degradáveis
e impensáveis acerca do seu espaço, leva a entender que o homem tem em si a ideia do
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antropocentrismo, se coloca como o ser que é o centro do universo, levando a negar sua
dependência em relação ao meio e se colocando como um ser que tem direito de explorar seu
meio da maneira que lhe convir e sem pensar nas consequências que lhe possa acarretar.
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