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EXPANSÃO
O novo donodo AlisuperÉ um homem do Douro e, depois de décadas a cimentar um grupo que faz negócio nos fumados e nasfrutas, José Nogueira desce agora até ao Algarve para salvar a rede de mercearias da falência. Não
consegue estar parado e já tem outros negócios na mira. Texto Joana Madeira Pereira. Foto Egídio Santos
O Cruzam-se as curvas do Douro em diade sol, desacelera-se ao chegar a Arma-
mar, a capital portuguesa da maça, se-
gundo a placa que nos recebe à entrada, e
a encimar a vila lá está a maior emprega-dora do concelho, a Fumados do Douro,
que dá trabalho a mais de uma centenade pessoas daquela região. O complexo é
enorme e nota-se que há obras a decorrera toda a velocidade na produtora de car-nes frescas e transformados, que é apenasuma das várias empresas a que José No-
gueira preside. Só naquela região, apostanos fumados, na fruta e no turismo. Masé também dali que, desde há pouco, gere acadeia de distribuição Alisuper que, muito
provavelmente, terá pouco eco naquelas
paragens, já que a maioria das lojas fica amais de 600 quilómetros dali, no Algarve.
Aos 67 anos, José Nogueira vê-se a bra-
ços com novos desafios. Nada de novo paraum empresário habituado a criar e a recu-
perar empresas. Por acaso, José Nogueiraestá aqui, em Armamar. Mas bem podiaestar em Lamego, onde tem a sua empresade comercialização de frutas e hortícolas.Ou ali mais ao lado, na Quinta da Barroca,onde está a recuperar e a construir novas
casas para investir a sério neste projeto de
agroturismo. Até mesmo em Madrid, ondetem duas empresas de apoio à importa-ção de frutas e carnes para Portugal. E,
agora, claro, numa das lojas Alisuper, bemmais a sul - como aconteceu há semanas,quando esteve ao lado do ministro Álvaro
Santos Pereira e do secretário de Estado
adjunto da Economia, António Almeida
Henriques, na reabertura da primeira loja
Alisuper, em Vale do Lobo.
José Nogueira, empresáriodo Douro pagou 26 milhões de eurospara dar nova vida à rede Alisuper
Vender queijos num MercedesEstes périplos já fazem parte da vida de
um empresário que, aos 2 anos, saiu deErvedosa do Douro, uma pequena aldeia
de São João da Pesqueira, para o Brasil e
que, antes de regressar definitivamente a
Portugal, homem feito e pai de família,
passou pela guerra em Angola, trabalhou
no comércio em Moçambique e fundou
uma empresa de transporte na África do
Sul. Saiu daquele país depois de uma con-versa com um empregado, que o alertou
para a crescente instabilidade social e polírica que haveria de culminar, dali a me-ses, com o massacre do Soweto. Quandoa sangrenta repressão policial a uma ma
nifestação de estudantes negros ocorreu,em junho de 1976, já José Nogueira era
proprietário de uma mercearia e um café,
um pouco abaixo de Lisboa, em Pegões.Pouco depois, haveria de acrescentar umasalsicharia ao negócio.
"Como não gostava de estar muito
tempo parado atrás do balcão, fechava
o café por volta da uma da manhã, me-tia-me no carro, ia até Trancoso comprarqueijo da serra, voltava e às oito da manhã
já estava a abrir novamente o café. Depois,
nessa noite, ia para o Algarve vender os
queijos. Sempre gostei de fazer coisas, não
preciso de dormir muito", afiança José
Nogueira que, em jeito de piada, diz: "Era
o vendedor mais rico do Algarve, andava
num Mercedes carregado de queijos."Em 1988, começa a constituir aquele
que é hoje o valioso, mas discreto, grupoNogueira. Nesse ano, regressa ao Douronatal e vende os negócios de Pegões parafundar a Frutas Douro Sul, empresa quenasceu com o intuito de comercializar as
famosas maçãs de Armamar, com a ajudados primeiros fundos comunitários euro-
peus. No entanto, rapidamente encontrououtra vocação, porque "para comprar caro
e vender ainda mais caro e com poucamargem" não valia a pena. Passou, então aatuar no comércio de "produtos em falta" ,
frutas e legumes de que o mercado portu-guês carece: "Ainda há pouco mandei vircoentros de Marrocos e de Israel. Vou até
onde for preciso", garante.Apesar de sediada em Lamego, esta
empresa compra grande parte dos produtos em Espanha e era costumeiro paraJosé Nogueira ficar-se por Madrid en-tre as segundas-feiras e os sábados. Foi,
portanto, de longe que o empresário fez
crescer a Frutas Douro Sul até aos 8 mi-lhões de euros que atualmente fatura e
aos 68 trabalhadores que emprega. "Não
temos tido razões de queixa. O mercado
precisa destes produtos e, portanto, o vo-lume de vendas estabilizou nos últimosanos. Mesmo a própria banca tem ?
? financiado os nossos investimentos.Mas temos cada vez mais problemas em
relação às cobranças. Só a Frutas do DouroSul tem mais de 3 milhões de euros empa-tados nos clientes", aponta. "E aqui", diz,referindo-se à Fumados do Douro, "estão
outros 3,9 milhões pendurados. Assim é
muito complicado".
«RECUPERAÇÃO»
s supermercados do verão voltam a aquecerEram os supermercados a quemuitos só iam nas férias de
veraneio, quando aproveitavamo sol do Algarve. Os turistas
alimentavam o negócio da
rede Alisuper, mas nos mesesinvernosos o negócio caía a pique.A situação tornou-se insustentável
e, em agosto de 2009, a Alicoop,
cooperativa proprietária da
marca, entrou com um pedidode insolvência no Tribunal Judicial
de Silves. Para tentar salvaguardaro negócio das 80 lojas e maisde quatro centenas de postosde trabalho, 245 trabalhadorescontraíram um empréstimo de
1,3 milhões de euros junto do
BPN para fazer face às dívidas.
No entanto, mesmo com
a intervenção do Governo,a Caixa Geral de Depósitos (CGD),
o maior credor, recusou o planode recuperação financeira e o
grupo suspendeu os contratosde trabalho. Depois, seguiu-se umcalvário de negociações, de lojas
que reabriram para fechar poucosmeses depois. A falência pareciaser iminente, mas no final de
março último, foi anunciado que a
marca Alisuper e 60 das suas lojashaviam sido adquiridas pelo
grupo Nogueira, por 26 milhões
de euros (o correspondente a 20%do valor da dívida de 80 milhões
aos credores), apoiado pelo atualGoverno. 0 negócio foi fechado
depois de o empresário José
Nogueira ter conseguido obter um
empréstimo de 3 milhões de euros
junto do Montepio e outros 3,25milhões da CGD. José Nogueiraprevê recuperar entre 350 a 400postos de trabalho: "Estamos a dar
prioridade a antigos colaboradores.
Desde que sejam trabalhadores,são eles que merecem ficar no
Alisuper, depois de terem lutado
tanto por ele." Até à data de
fecho desta edição, tinham sido
reabertas seis lojas Alisuper.As primeiras, em Vale do Lobo
e Quinta do Lago, no concelho
de Loulé, foram inauguradasno passado dia 30 de março,com a presença do ministro da
Economia, Álvaro Santos Pereira.
Na primeira semana de abril, as
três lojas reabertas até entãohaviam faturado 67 mil euros."Até está a correr muito bem", diz
José Nogueira, que quer ver a redede distribuição rejuvenescida: o
nome Alisuper mantém-se, masmuda o logotipo. "Modernizámoso interior das lojas e colocámos umsistema informático comum. Até
ao começo do verão, queremos teras 60 lojas a funcionar", revela.
Contudo, alguns dos
estabelecimentos, sobretudoos que se sobrepõemgeografleamente, abrirão portas"como se fosse marcas brancas,sem o logotipo. Não temos a
certeza de que vão fazer umbom negócio, mas queremosver as possibilidades que têm.É um período de teste", explicao empresário. Nas prateleirasdos supermercados estarão,claro, muitos dos produtos das
insígnias Fumados do Douro eFrutas Douro Sul. A estratégiapassa, mais uma vez, por "dar um
passo de cada vez". A rede cobremaioritariamente o Algarve, masmeia dúzia de estabelecimentosestá dispersa por Cascais, Estoril,Abóbada e Miratejo. A expansãoainda não está programada, sebem que consta nos planos do
grupo Nogueira. "A ver vamos.Cada coisa a seu tempo. Agora,
quero consolidar o que existe",afirma José Nogueira. "Só assimé que vale a pena trabalhar."
Inauguração Contou com a presença do ministro da Economia
Especialista em "dar a volta"Olha-se em redor e percebe-se que, de
facto, a banca não tem fechado a torneiraao grupo Nogueira. Na empresa de fuma-dos, as obras que estão quase a terminarforam um investimento de 7 milhões de
euros na tentativa de dar ainda mais gás a
uma empresa que, agora, farura 16 milhõesde euros. Em 2011, ano em que a recessão
se fez sentir com fulgor, a empresa conse-
guiu um crescimento de 10%. No presente,a Fumados do Douro está a passar de umaárea de 2 mil metros quadrados para ummegacomplexo de 11 mil metros quadrados. Parece mentira que, em 2001 , esteve
para fechar.
Nessa altura, pertencia a um cunhadode José e estava em processo de insolvência
com dívidas no valor de 1 milhão de euros,além de 34 postos de trabalho em perigo."Não estava a contar com esta empresa,mas a gente gosta de ajudar quem está
do nosso lado", simplifica na explicação
aquele que, desde então, pode ostentar o
rótulo de "recuperador de empresas". Mo-dernizou o pavilhão existente com máqui-nas novas (como as estufas de fumeiros,a maquinaria de corte e embalamento)e adquiriu a atual frota de 16 camiões de
distribuição e três transportes de carga de
animais vivos que, todos os dias, se faz às
estradas portuguesas. Simultaneamente,apostou nos serviços do matadouro e es-
tendeu a rede de abrangência da marca,até aí confinada ao Norte, a todo o país."Aumentámos a linha de produtos. Temos
semanas de vender mais de 200 novilhos.Ainda agora, pela semana da Páscoa, ma-tou-se mais de 4 mil borregos. Além ?
? disso, diversificámos e aumentámos a
produção de outros produtos, nomeada-mente os transformados", elenca. Só em2011, saíram do matadouro 5,5 mil tonela-das de "frescos" (com prevalência dos suí-
nos, que representam 4,8 mil toneladas)e foram transformados 600 toneladas de
produtos fumados. Laboram na empresa108 colaboradores. Ao todo, são 155 as re-ferências do catálogo da Fumados.
"Só aposto no que é seguro"Quando pegou na empresa, a faturaçãochegava aos 5 milhões de euros (sem con-tar com as dívidas) e, no ano seguinte, su-biu para os 7 milhões. Em 2004, duplicouo volume de negócios e, desde então, temestabilizado, tendo crescido a 10% nos últi-mos anos. As previsões que se seguem são
auspiciosas: "Daqui por dois anos, contoestar a duplicar a faturação."
Espera que o seu desejo se concretize
quando a fábrica e o matadouro estiverema laborar na sua máxima força: "Passámos
a ter mais de tudo, o que nos permite colo-car mais produtos cá fora e expandir a pro-dução." A vontade, claro, passa sobretudo
por enviar a marca Fumados lá para fora."Estamos à espera que nos venham fazera vistoria ao novo matadouro, obrigatóriapara podermos começar a exportar paradeterminados países", confirma José. As
expectativas passam pelo Brasil, França,Suíça, até mesmo Rússia. Para breve, temagendada uma visita a Moçambique paraperceber como funciona este mercado:"Queremos estar em países onde estejamoutros portugueses, mais aptos a consu-mirem produtos tradicionais", assume. E
Angola? O empresário torce o nariz: "É
um mercado de alto risco. Só aposto na-quilo em que me sinto seguro. Já exporteichouriço para lá, mas só envio depois de
me pagarem", diz. Sabe das dificuldades
que o esperam: "Países a que damos todas
as facilidades, a nós dão-nos só dificulda-des", sentencia, referindo-se sobretudo aoBrasil. A "sua" Frutas Douro Sul já enviou
pêssegos e nectarinas para o outro lado do
Atlântico e a fruta acabou por ficar retidano aeroporto. "Além de que as taxas al-fandegárias são elevadíssimas", completa.
Para dominar a distribuiçãoOutras palavras mais amargas também as
dirige às grandes cadeias de distribuição,que estão "a levar à falência muitas em-presas do sector", com o esmagamentodos preços. Trabalha com algumas delas,
exceção feita ao Pingo Doce, mas preferenegociar com os médios e pequenos reta-lhistas e com o canal Horeca. Foi precisa-mente para dominar a parte mais difícil da
sua atividade, a distribuição, que decidiuolhar para sul e resgatar a cadeia Alisuperda falência (veja caixa "Os supermerca-dos do verão voltam a aquecer"). "É umamais-valia porque conseguimos colocar os
nossos produtos em mais 60 lojas e chegarfacilmente ao outro lado do pais", diz o
empresário. "Da mesma maneira que os
camiões partem daqui carregados com as
nossas marcas, quero que eles regressemcheios de produtos algarvios para estas
empresas."A trabalhar intensamente na recupe-
ração da insígnia de distribuição estão osdois filhos de José Nogueira: Ana e João
Domingos, com 43 e 39 anos, respetiva-mente, estão agora no Algarve, para conti-
nuar a solidificar o grupo que tem o nomeda família, seguindo o exemplo do pai que,ainda hoje, se levanta às duas da manhãnos dias em que tem de "carregar camiõesno mercado abastecedor de Madrid. Todas
as compras são feitas por mim. Divido-me
por todo o lado". Ainda tem tempo paradelinear a estratégia da Quinta da Barroca,em Armamar, uma quinta de agroturismoque comprou em 2009, também à beirada falência. Corria o risco de fechar, masdepois de um investimento de 2,5 milhõesde euros está pronta a atrair mais negócio:está a ser finalizada a construção de setesuítes de luxo e o novo salão de festas, comcapacidade para 300 pessoas, vem trazereventos a uma propriedade que duplicoua área de vinha-, mais tarde, poderá nasceruma marca de vinho.
O frenesim de José Nogueira, mesmoassim, não para. Aguarda que a Federa-
ção Internacional de Automobilismo faça avistoria ao projeto que concebeu para umterreno que comprou ali perto e no qualpretende construir uma pista de karting."É uma maneira de chamar mais turismoa esta região, ter mais pessoas na Quintada Barroca. Quero ter, mesmo ao lado, umheliporto: para quem quiser, podemossubcontratar os serviços de um helicóp-tero para sobrevoar a região do Douro. Se
for lucrativo, compramos o helicóptero",afirma, com um sorriso. "Aquilo que eu
gosto de fazer ou faço bem ou não faço.Sou vaidoso e gosto de dar nas vistas. Amaior satisfação que tenho é quando ou-tras empresas e governantes nos visitam e
vêem que o dinheiro é bem empregue. Nãose vê o Governo estar ao lado de qualquerempresa", afirma, orgulhoso. O
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