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MAURO CAPPELLETTI
BRYANT GARTH
ACESSO JUSTIA
TRADUO E REVISO
ELLEN GRACIE NORTHFLEET
MAURO CAPPELLETTI
Doutor em Direito (Universidade de Florena, Itlia)
Prof. da Universidade de Standford (Estados Unidos)
Chefe do Departamento de Cincias Jurdicas do
Instituto Universitrio Europeu (Florena, Itlia)
BRYANT GARTH
Doutor em Direito (Universidade de Standford, USA)
Professor de Direito na Universidade de Bloomington.
Sergio Antonio Fabris Editor
Porto Alegre /1988
Reimpresso / 2002
INTRODUO
3
I A EVOLUO DO CONCEITO TERICO DE ACESSO JUSTIA
4
II O SIGNIFICADO DE UM DIREITO AO ACESSO EFETIVO JUSTIA: OS OBSTCULOS A
SEREM TRANSPOSTOS
6
III AS SOLUES PRTICAS PARA OS PROBLEMAS DE ACESSO JUSTIA
12
IV TENDNCIAS NO USO DO ENFOQUE DO ACESSO JUSTIA
28
V LIMITAES E RISCOS DO ENFOQUE DE ACESSO JUSTIA: UMA ADVERTNCIA
FINAL
57
NDICE
-
2
INTRODUO
Nenhum aspecto de nossos sistemas jurdicos modernos imune crtica. Cada vez mais
pergunta-se como, a que preo e em benefcio de quem estes sistemas de fato funcionam. Essa indagao
fundamental que j produz inquietao em muitos advogados, juzes e juristas torna-se tanto mais
perturbadora em razo de uma invaso sem precedentes dos tradicionais domnios do Direito, por
socilogos, antroplogos, economistas, cientistas polticos e psiclogos, entre outros. No devemos, no
entanto, resistir a nossos invasores; ao contrrio, devemos respeitar seus enfoques e reagir a eles de forma
criativa. Atravs da revelao do atual modo de funcionamento de nossos sistemas jurdicos, os crticos
oriundos das outras cincias sociais podem, na realidade, ser nossos aliados na atual fase de uma longa
batalha histrica a luta pelo acesso Justia. essa luta, tal como se reflete nos modernos sistemas
jurdicos, que constitui o ponto focal deste Relatrio Geral e do projeto comparativo de Acesso Justia
que o produziu.
A expresso acesso Justia reconhecidamente de difcil definio, mas serve para
determinar duas finalidades bsicas do sistema jurdico o sistema_pelo qual as pessoas podem
reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litigios sob os auspicios do Estado que, primeiro deve ser
realmente acessvel a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente
justos. Nosso enfoque, aqui, ser primordialmente sobre o primeiro aspecto, mas no poderemos perder
de vista o segundo. Sem dvida, uma premissa bsica ser a de que a justia social, tal como desejada por
nossas sociedades modernas,pressupe o acesso efetivo.
Nossa tarefa, neste Relatrio ser a de delinear o surgimento e desenvolvimento de uma
abordagem nova e compreensiva dos problemas que esse acesso apresenta nas sociedades
contemporneas. Essa abordagem, como se ver, vai muito alm das anteriores. Originando-se, talvez, da
ruptura da crena tradicional na confiabiidade de nossas instituies jurdicas e inspirando-se no desejo de
tornar efetivos e no meramente simblicos os direitos do cidado comum, ela exige reformas de
mais amplo alcance e uma nova criatividade. Recusa-se a aceitar como imutveis quaisquer dos
procedimentos e instituies que caracterizam nossa engrenagem de justia. Com efeito, os reformadores
j tm avanado muito com essa orientao. Suas realizaes, idias e propostas bsicas, bem como os
riscos e limitaes desse ousado mas necessrio mtodo de reforma sero discutidos neste Relatrio.
3
I
A EVOLUO DO CONCEITO TERICO DE ACESSO JUSTIA
O conceito de acesso justia tem sofrido uma transformao importante, correspondente a uma
mudana equivalente no estudo e ensino do processo civil. Nos estados liberais burgueses dos sculos
dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para soluo dos litgios civis refletiam a filosofia
essencialinente individualista dos direitos, ento vigorante. Direito ao acesso proteo judicial
significava essencialmente o direito formal do indivduo agravado de propor ou contestar uma ao. A
teoria era a de que, embora o acesso justia pudesse ser um direito natural, os direitos naturais no
necessitavam de uma ao do Estado para sua proteo (1). Esses direitos eram considerados anteriores
ao Estado; sua preservao exigia apenas que o Estado no permitisse que eles fossem infringidos por
outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relao a problemas tais como a aptido de uma
pessoa para reconhecer seus direitos e defend-los adequadamente, na prtica.
Afastar a pobreza no sentido legal a incapacidade que muitas pessoas tm de utilizar
plenamente a justia e suas instituies no era preocupao do Estado. A justia, como outros bens;
no sistema do "laissez faire" s podia ser obtida por aqueles que pudessem arcar com seus seus custos;
aqueles que no pudessem faz-lo eram condenados responsveis por sua sorte o acesso formal, mas no
efetivo justia, correspondia igualdade, apenas formal, no material.
Mesmo recentemente, com raras excees, o estudo jurdico tambm se manteve indiferente s
realidades do sistema judicirio: Fatores como diferenas entre os litigantes em potencial no acesso
disponibilidade de recursos para litigar, no eram sequer percebidos como problemas: (2). O estudo era
tipicamenmente formalista, dogmtico e indiferente aos problemas reais do foro cvel. Sua preocupao
era freqentemente de mera exegese ou construo abstrata de sistemas e mesmo, quando ia alm dela,
seu mtodo consistia em julgar as normas de procedimento base de sua validade histrica e de sua
operacionalidade em situaes hipotticas. As reformas eram sugeridas com base nessa teoria do
procedimento, mas no na experincia da realidade. Os estudiosos do direito, como o prprio sistema
judicirio, encontravam-se afastados das preocupaes reais da maioria da populao.
medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito
de direitos humanos comeou a sofrer uma transformao radical. A partir do momento em que as aes e
relacionamentos assumiram, cada vez mais, carter mais coletivo que individual, as sociedades modernas
necessariamente deixaram para trs a viso individualista dos direitos, refletida nas dedaraes de
direitos, tpicas dos sculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os
direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associaes e indivduos (3). Esses novos direitos
humanos, exemplificados pelo prembulo da Constituio Francesa de 1946, so, antes de tudo, os
necessrios para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessveis a todos, os direitos antes proclamados
(4). Entre esses direitos garantidos nas modernas constituies esto os direitos ao trabalho, sade,
segurana material e educao (5). Tornou-se lugar comum observar que a atua6o positiva do Estado
necessria para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais bsicos (6). No surpreendente,
portanto, que o direito ao acesso efetivo justia tenha ganho particular ateno na medida em que as
4
reformas do welfare state tm procurado armar os indivduos de novos direitos substantivos em sua
qualidade de consumidores, locatrios, empregados e, mesmo, cidados (7). De fato, o direito ao acesso
efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importncia capital entre os novos direitos
individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos destituda de sentido, na ausncia de
mecanismos para sua efetiva reivindicao (8). O acesso justia pode, portanto, ser encarado como o
requisito fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema jurdico moderno e
igualitrio que pretenda garantir, e no apenas proclamar os direitos de todos.
O enfoque sobre o acesso o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos tambm
caracteriza crescentemente o estudo do moderno processo civil. A discusso terica, por exemplo, das
vrias regras do processo civil e de como elas podem ser manipuladas em vrias situaes hipotticas
pode ser instrutiva, mas, sob essas descries neutras, costuma ocultar-se o modelo freqentemente irreal
de duas (ou mais) partes em igualdade de condies perante a corte, limitadas apenas pelos argumentos
jurdicos que os experientes advogados possam alinhar. O processo, no entanto, no deveria ser colocado
no vcuo. Os juzes precisam, agora, reconhecer que as tcnicas processuais servem a questes sociais
(9), que as cortes no so a unica forma de soluo de conflitos a ser considerada (10) e que qualquer
regulamentao processual, inclusive a criao ou o encorajamento de alternativas ao sistema judicirio
formal tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva com que freqncia ela
executada, em beneficio de quem e com que impacto social. Uma tarefa bsica dos processualistas
modernos expor o impacto substantivo dos vrios mecanismos de processamento de litgios. Eles
precisam, conseqentemente, ampliar sua pesquisa para mais alm dos tribunais e utilizar os mtodos de
anlise da sociologia, da poltica, da psicologia e da economia, e ademais, aprender atravs de outras
culturas. O acesso no apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele ,
tambm, necessariamente, o ponto central da moderna processualstica. Seu estado pressupe um
alargamento e aprofundamento dos objetivos e mtodos da moderna cincia jurdica.
5
II
O SIGNIFICADO DE UM DIREITO AO ACESSO EFETIVO JUSTIA: OS
OBSTCULOS A SEREM TRANSPOSTOS
Embora o acesso efetivo justia venha sendo crescentemente aceito como um direito social
bsico nas modernas sociedades, o conceito de efetividade , por si s, algo vago. A efetividade
perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa igualdade de
armas a garantia de que a conduo final depende apenas dos mritos jurdicos relativos das partes
antagnicas, sem relao com diferenas que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a
afirmao e reivindicao dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente, utpica. As diferenas
entre as partes no podem jamais ser completamente erradicadas. A questo saber at onde avanar na
direo do objetivo utpico e a que custo. Em outras palavras, quantos dos obstculos ao acesso efetivo
justia podem e devem ser atacados? A identificao desses obstculos, conseqentemente, a primeira
tarefa a ser cumprida.
A CUSTAS JUDICIAIS
1Em Geral
A resoluo formal de litgios, particularmente nos tribunais, muito dispendiosa na maior parte
das sociedades modernas (11). Se certo que o Estado paga os salrios dos juzes e do pessoal auxiliar e
proporciona os prdios e outros recursos necessrios aos julgamentos, os litigantes precisam suportar a
grande proporo dos demais custos necessrios soluo de uma lide, incluindo os honorrios
advocatcios e algumas custas judiciais.
O alto custo para as partes particularmente bvio sob o Sistema Americano, que no obriga o
vencido a reembolsar ao vencedor os honorrios despendidos com seu advogado. Mas os altos custos
tambm agem como uma barreira poderosa sob o sistema, mais amplamente difundido, que impe ao
vencido os nus da sucumbncia (12). Nesse caso, a menos que o litigante em potencial esteja certo de
vencer o que de fato extremamente raro, dadas as normais incertezas do processo ele deve enfrentar
um risco ainda maior do que o verificado nos Estados Unidos. A penalidade para o vencido em pases que
adotam o princpio da sucumbncia aproximadamente duas vezes maior ele pagar os custos de
ambas as partes. Alm disso, em alguns pases, como a Gr-Bretanha, o demandante muitas vezes no
pode sequer estimar o tamanho do risco quanto lhe custar perder uma vez que os honorrios
advocatcios podem variar muito (13). Finalmente, os autores nesses pases precisam s vezes segurar o
juzo no que respeita s despesas do necesrio, antes de propor a ao. Por essas razes, pode-se indagar
se a regra da sucumbncia no erige barreiras de custo pelo menos to substanciais, quanto as criadas pelo
sistema americano (14). De qualquer forma, torna-se daro que os altos custos, na medida em que uma ou
ambas as partes devam suport-los, constituem uma importante barreira ao acesso justia.
6
A mais importante despesa individual para os litigantes consiste, naturalmente, nos honorrios
advocatcios. Nos Estados Unidos e no Canad, por exemplo, o custo por hora dos advogados varia entre
25 e 300 dlares e o custo de determinado servio pode exceder ao custo honorrio (15). Em outros
pases, os honorrios podem ser calculados conforme critrios que os tornem mais razoveis, mas nossos
dados mostram que eles representam a esmagadora proporo dos altos custos do litgio, em pases onde
os advogados so particulares (16). Qualquer tentativa realstica de enfrentar os problemas de acesso deve
comear por reconhecer esta situao: os advogados e seus servios so muito caros.
2- Pequenas Causas
Causas que envolvem somas relativamente pequenas so mais prejudicadas pela barreira dos
custos. Se o litgio tiver de ser decidido por processos judicirios formais, os custos podem exceder o
montante da controvrsia, ou, se isso no acontecer, podem consumir o contedo do pedido a ponto de
tornar a demanda uma futilidade (17). Os dados reunidos pelo Projeto de Florena mostram claramente
que a relao entre os custos a serem enfrentados nas aes cresce na medida em que se reduz o valor da
causa (18). Na Alemanha, por exemplo, as despesas para intentar uma causa cujo valor corresponda a
US$ 100, no sistema judicirio regular, esto estimadas em cerca de US$ 150, mesmo que seja utilizada
apenas a primeira instncia, enquanto os custos de uma ao de US$ 5.000, envolvendo duas instncias,
seriam de aproximadamente US$ 4.200 ainda muito elevados, mas numa proporo bastante inferior,
em relao ao valor da causa (19). Nem preciso multiplicar os exemplos nessa rea; evidente que o
problema das pequenas causas exige especial ateno (20).
3 Tempo
Em muitos pases, as partes que buscam uma soluo judicial precisam esperar dois ou trs anos,
ou mais, por uma deciso exeqvel (21). Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os
ndices de inflao, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os
economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores queles
a que teriam direito. A Conveno Europia para Proteo dos Direitos Humanos e Liberdades
Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 69, pargrafo 19 que a Justia que no cumpre suas
funes dentro de um prazo razovel.
B POSSIBILIDADES DAS PARTES
As possibilidades das partes como ficou demonstrado por uma recente linha de pesquisa, de
crescente importncia, ponto central quando se cogita da denegao ou da garantia de acesso efetivo.
Essa expresso, utilizada pelo Prof. Marc Galanter, repousa na noo de que algumas espcies de
litigantes gozam de uma gama de vantagens estratgicas (23). Devemos reconhecer que o estudo das
vantagens e desvantagens estratgicas est apenas comeando e difcil avali-las com preciso. No
7
entanto, podemos no s isolar algumas das vantagens e desvantagens bsicas para determinados
litigantes, seno tambm, aventurar algumas hipteses com base em pesquisas sociolgicas recentes e
altamente sugestivas.
1 Recursos Financeiros
Pessoas ou organizaes que possuam recursos financeiros considerveis a serem utilizados tm
vantagens bvias ao propor ou defender demandas. Em primeiro lugar, elas podem pagar para litigar.
Podem, alm disso, suportar as delongas do litgio. Cada uma dessas capacidades, em mos de uma nica
das partes, pode ser uma arma poderosa; a ameaa de litgio torna-se tanto plausvel quanto efetiva. De
modo similar, uma das partes pode ser capaz de fazer gastos maiores que a outra e, como resultado,
apresentar seus argumentos de maneira mais eficiente. Julgadores passivos, apesar de suas outras e mais
admirveis caractersticas, exacerbam claramente esse problema, por deixarem s partes a tarefa de obter
e apresentar as provas, desenvolver e discutir a causa dentro de um prazo razovel (22) , para muitas
pessoas, uma Justia inacessvel.
2 Aptido para Reconhecer um Direito e propor urna Ao ou Sua Defesa
A capacidade jurdica pessoal, se se relaciona com as vantagens de recursos financeiros e
diferenas de educao, meio e status social, um conceito muito mais rico, e de crucial importncia na
determinao da acessibilidade da justia. Ele enfoca as inmeras barreiras que precisam ser
pessoalmente superadas, antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado atravs de nosso
aparelho judicirio. Muitas (seno a maior parte) das pessoas comuns no podem ou, ao menos, no
conseguem superar essas barreiras na maioria dos tipos de processos (25). Num primeiro nvel est a
questo de reconhecer a existncia de direito juridicamente exigvel. Essa barreira fundamental
especialmente sria para os despossudos, mas no afeta apenas os pobres. Ela diz respeito a toda a
populao em muitos tipos de conflitos que envolvem direitos. Observou recentemente o professor Leon
Mayhew: Existe um conjunto de interesses e problemas potenciais; alguns so bem compreendidos pelos
membros da populao, enquanto outros so percebidos de forma pouco clara, ou de todo despercebidos
(26). Mesmo consumidores bem informados, por exemplo, s raramente se do conta de que sua
assinatura num contrato no significa que precisem, obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em
quaisquer circunstncias. Falta-lhes o conhecimento jurdico bsico no apenas para fazer objeo a esses
contratos, mas at mesmo para perceber que sejam passveis de objeo.
Ademais, as pessoas tm limitados conhecimentos a respeito da maneira de ajuizar uma
demanda. O principal estudo emprico ingls,a respeito desse assunto concluiu: Na medida em que o conhecimento daquilo que est disponvel constitui pr-requisito da
soluo do problema da necessidade jurdica no atendida, preciso fazer muito mais para
aumentar o grau de conhecimento do pblico a respeito dos meios disponveis e de como utiliz-
los (27).
Um estudo realizado em Quebeque definiu de forma semelhante que Le besoin dinformation
est primordial et prioritaire (A necessidade de informao primordial e prioritria) (28). Essa falta de
8
conhecimento por sua vez, relaciona-se com uma terceira barreira importante a disposio psicolgica
das pessoas para recorrer a processos judiciais. Mesmo aqueles que sabem como encontrar
aconselhamento jurdico qualificado podem no busc-lo. O estudo ingls, por exemplo, fez a descoberta
surpreendente de que at 11% dos nossos entrevistados disseram que jamais iriam a um advogado (29).
Alm dessa declarada desconfiana nos advogados, especialmente comum nas classes menos favorecidas,
existem outras razes bvias por que os litgios formais so considerados to pouco atraentes.
Procedimentos complicados, formalismo, ambientes que intimidam, como o dos tribunais, juzes e
advogados, figuras tidas como opressoras, fazem com que o litigante se sinta perdido, um prisioneiro num
mundo estranho.
Todos esses obstculos, preciso que se diga, tm importncia maior ou menor, dependendo do
tipo de pessoas, instituies e demandas envolvidas (30). Ainda que as tenhamos relacionado
capacitao pessoal, temerrio personaliz-las excessivamente. Pessoas que procurariam um
advogado para comprar uma casa ou obter o divrcio, dificilmente intentariam um processo contra uma
empresa cuja fbrica esteja expelindo fumaa e poluindo a atmosfera (31). difcil mobilizar (32) as
pessoas no sentido de usarem o sistema judicirio para demandar direitos no-radicionais.
3 Litigantes eventuais e litigantes habituais
O professor Galanter desenvolveu uma distino entre o que ele chama de litigantes eventuais
e habituais, baseado na freqncia de encontros com o sistema judicial (33). Ele sugeriu que esta
distino corresponde, em larga escala, que se verifica entre indivduos que costumam ter contatos
isolados e pouco freqentes com o sistema judicial e entidades desenvolvidas, com experincia judicial
mais extensa. As vantagens dos habituais, de acordo com Galanter, so numerosas: 1) maior
experincia com o Direito possibilita-lhes melhor planejamento do litgio; 2) o litigante habitual tem
economia de escala, porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver
relaes informais com os membros da instncia decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por
maior nmero de casos; e 5) pode testar estratgias com determinados casos, de modo a garantir
expectativa mais favorvel em relao a casos futuros. Parece que, em funo dessas vantagens, os
litigantes organizacionais so, sem dvida, mais eficientes que os indivduos (34). Ha menos problemas
em mobilizar as empresas no sentido de tirarem vantagens de seus direitos, o que, com freqncia, se d
exatamente contra aquelas pessoas comuns que, em sua condio de consumidores, por exemplo, so as
mais relutantes em buscar o amparo do sistema.
Essa desigualdade relativamente ao acesso pode ser atacada com maior eficinca, segundo
Galanter, se os indivduos encontrarem maneiras de agregar suas causas e desenvolver estratgias de
longo prazo, para fazer frente s vantagens das organizaes que eles devem amide enfrentar. Alguns
dos problemas encontrados na implementao dessa estratgia sero abordados a seguir.
9
C PROBLEMAS ESPECIAIS DOS INTERESSES DIFUSOS
Interesses difusos so interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente
saudvel, ou proteo do consumidor. O problema bsico que eles apresentam a razo de sua
natureza difusa que, ou ningum tem direito a corrigir a leso a um interesse coletivo, ou o prmio
para qualquer indivduo buscar essa correo pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ao. A
recente manifestao do professor Roger Perrot sobre os consumidores descreve com agudeza o problema
dos interesses difusos: Le consomrnateur, cest toutet cest rien (O consumidor tudo e no nada)
(35).
Um exemplo simples pode mostrar por que essa situao cria especiais barreiras ao acesso (36).
Suponhamos que o governo autorize a construo de uma represa que ameace de maneira sria e
irreversvel o ambiente natural. Muitas pessoas podem desfrutar da rea ameaada, mas poucas ou
nenhuma tero qualquer interesse financeiro direto em jogo. Mesmo esses, alm disso, provavelmente
no tero interesse suficiente para enfrentar uma demanda judicial complicada. Presumindo-se que esses
indivduos tenham legitimao ativa (o que freqentemente um problema), eles esto em posio
anloga do autor de uma pequena causa, para quem uma demanda judicial anti-econmica. Um
indivduo, alm disso, poder receber apenas indenizao de seus prprios prejuzos, porm no dos
efetivamente causados pelo infrator comunidade. Conseqentemente, a demanda individual pode ser de
todo ineficiente para obter o cumprimento da lei; o infrator pode no ser dissuadido de prosseguir em sua
conduta. A conexo de processos , portanto, desejvel muitas vezes, mesmo, necessria no
apenas do ponto de vista de Galanter, seno tambm do ponto de vista da reivindicao eficiente dos
direitos difusos.
Outra barreira se relaciona precisamente com a questo da reunio. As vrias partes interessadas,
mesmo quando lhes seja possvel organizar-se e demandar, podem estar dispersas, carecer da necessria
informao ou simplesmente ser incapazes de combinar uma estratgia comum. Esse problema mais
exacerbado pelo, assim chamado, livre-atirador uma pessoa que no contribui para a demanda, mas
no pode ser excluda de seus benefcios: por exemplo, a suspenso das obras da barragem (37). Em
suma, podemos dizer que, embora as pessoas na coletividade tenham razes bastantes para reivindicar um
interesse difuso, as barreiras sua organizao podem, ainda assim, evitar que esse interesse seja
unificado e expresso.
Assim, conquanto como regra, a proteo privada de interesses difusos exija ao de grupo,
difcil assegurar que tal ao coordenada tenha lugar, se o prprio governo falha, como no exemplo
acima, em sua ao em favor do grupo. Uma posio tradicional e ainda prevalecente em muitos pases
a de simplesmente recusar qualquer ao privada e continuar, em vez disso, a confiar na mquina
governamental para proteger os interesses pblicos e dos grupos. Pesquisa comparativa recente, no
entanto, demonstrou o quanto inadequado confiar apenas no Estado para a proteo dos interesses
difusos (38). profundamente necessrio, mas reconhecidamente difcil, mobilizar energia privada para
superar a fraqueza da mquina governamental.
10
D AS BARREIRAS AO ACESSO: UMA CONCLUSO PRELIMINAR E UM FATOR
COMPLICADOR
Um exame dessas barreiras ao acesso, como se v, revelou um padro: os obstculos criados por
nossos sistemas jurdicos so mais pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais,
especialmente os pobres; ao mesmo tempo, as vantagens pertencem de modo especial aos litigantes
organizacionais, adeptos do uso do sistema judicial para obterem seus prprios interesses.
Refletindo sobre essa situao, de se esperar que os indivduos tenham maiores problemas para
afirmar seus direitos quando a reinvindicao deles envolva aes judiciais por danos relativamente
pequenos, contra grandes organizaes. Os novos direitos substantivos, que so caractersticos do
moderno Estado de bem estar-social, no entanto, tm precisamente esses contornos: por um lado,
envolvem esforos para apoiar os cidados contra os governos, os consumidores contra os comerciantes,
o povo contra os poluidores, os locatrios contra os locadores, os operrios contra os patres (e os
sindicatos); por outro lado, o interesse econmico de qualquer indivduo como ator ou ru ser
provavelmente pequeno. evidentemente uma tarefa difcil transformar esses direitos novos e muito
importantes para todas as sociedades modernas em vantagens concretas para as pessoas comuns.
Supondo que haja vontade poltica de mobilizar os indivduos para fazerem valer seus direitos ou seja,
supondo que esses direitos sejam para valer coloca-se a questo fundamental de como faz-lo. Esse
problema ser um ponto principal deste relatrio e das reformas que ele discutir.
Finalmente, como fator complicador dos esforos para atacar as barreiras ao acesso, deve-se
enfatizar que esses obstculos no podem simplesmente ser eliminados um por um. Muitos problemas de
acesso so inter-relacionados, e as mudanas tendentes a melhorar o acesso por um lado podem exacerbar
barreiras por outro. Por exemplo, uma tentativa de reduzir custos simplesmente eliminar a representao
por advogado em certos procedimentos. Com certeza, no entanto, uma vez que litigantes de baixo nvel
econmico e educacional provavelmente no tero a capacidade de apresentar seus prprios casos, de
modo eficiente, eles sero mais prejudicados que beneficiados por tal reforma. Sem alguns fatores de
compensao, tais como um juiz muito ativo ou outras formas de assistncia jurdica, os autores
indigentes poderiam agora intentar uma demanda, mas lhes faltaria uma espcie de auxilio que lhes pode
ser essencial para que sejam bem sucedidos. Um estudo srio do acesso Justia no pode negligenciar o
inter-relacionamento entre as barreiras existentes.
11
III
AS SOLUES PRTICAS PARA OS PROBLEMAS DE ACESSO JUSTIA
O recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo Justia levou a trs posies
bsicas, pelo menos nos pases do mundo Ocidental. Tendo incio em 1965, estes posicionamentos
emergiram mais ou menos em seqncia cronolgica (39). Podemos afirmar que a primeira soluo para
o acesso a primeira onda desse movimento novo foi a assistncia judiciria; a segunda dizia
respeito s reformas tendentes a proporcionar representao jurdica para os interesses difusos,
especialmente nas reas da proteo ambiental e do consumidor; e o terceiro e mais recente o que
nos propomos a chamar simplesmente enfoque de acesso a justia porque inclui os posicionamentos
anteriores, mas vai muito alm deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao
acesso de modo mais articulado e compreensivo.
A A PRIMEIRA ONDA: ASSISTNCIA JUDICIRIA PARA OS POBRES
Os primeiros esforos importantes para incrementar o acesso justia nos pases ocidentais
concentraram-se, muito adequadamente em proporcionar servios jurdicos para os pobres (40). Na maior
parte das modernas sociedades, o auxlio de um advogado essencial, seno indispensvel para decifrar
leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos, necessrios para ajuizar uma causa. Os
mtodos para proporcionar a assistncia judiciria queles que no a podem custear so, por isso mesmo,
vitais. At muito recentemente, no entanto, os esquemas de assistncia judiciria da maior parte dos
pases eram inadequados. Baseavam-se, em sua maior parte, em servios prestados pelos advogados
particulares, sem contraprestao (munus honorificum) (41). O direito ao acesso foi, assim, reconhecido e
se lhe deu algum suporte, mas o Estado no adotou qualquer atitude positiva para garanti-lo. De forma
previsvel, o resultado que tais sistemas de assistncia judiciria eram ineficientes (42). Em economias
de mercado, os advogados, particularmente os mais experientes e altamente competentes, tendem mais a
devotar seu tempo a trabalho remunerado que assistncia judiciria gratuita. Ademais, para evitarem
incorrer em excessos de caridade, os adeptos do programa geralmente fixaram estritos limites de
habilitao para quem desejasse gozar do benefcio.
As falhas desses programas tornaram-se sempre mais evidentes. Foram introduzidas reformas
relativamente cedo na Alemanha e Inglaterra, em ambos os casos sob regimes social-democratas ou
trabalhistas. Em 1919-1923, a Alemanha deu incio a um sistema de remunerao pelo Estado dos
advogados que fornecessem assistncia judiciria, a qual era extensiva a todos que a pleiteassem (43). Na
Inglaterra, a principal reforma comeou com o estatuto de 1949, criando Legal Aid and Advice Scherne,
que foi confiado Law Society, associao nacional dos advogados (44). Esse esquema reconhecia a
importncia de no somente compensar os advogados particulares pelo aconselhamento
(aconselhamento jurdico) seno ainda, pela assistncia nos processos (assistncia judiciria). Essas
12
tentativas eram limitadas de diversas maneiras, mas comearam o movimento para superar os anacrnicos
semicarit ativos programas, tpicos do jistez-faire.
A mais dramtica reforma da assistncia judiciria teve lugar nos ltimos 12 anos. A conscincia
social que redespertou, especialmente no curso da dcada de 60, colocou a assistncia judiciria no topo
da agenda das reformas judicirias. A contradio entre o ideal terico do acesso efetivo e os sistemas
totalmente inadequados de assistncia judiciria tornou-se cada vez mais intolervel (45).
A reforma comeou em 1965 nos Estados Unidos, com o Office of Economic Opportunity
(OEO) (46) e continuou atravs do mundo no incio da dcada de 70. Emjaneiro de 1972, a Frana
substituiu seu esquema de assistncia judiciria do sculo dezenove, baseado em servio gratuito prestado
pelos advogados, por um enfoque moderno de securit .ociale, no qual o custo dos honorrios
suportado pelo Estado (47). Em maio de 1972, o novo e inovador programa da Sucia tornou-se lei (48).
Dois meses mais tarde, a Lei de Aconselhamento e Assistncia Judiciria da Inglaterra aumentou
grandemente o alcance do sistema implantado em 1949, especialmente na rea de aconselhamento
jurdico (49), e a Provncia Canadense de Quebeque estabeleceu seu primeiro programa de assistncia
judiciria financiado pelo governo (50). Em outubro de 1972, a Repblica Federal da Alemanha
aperfeioou seu sistema, aumentando a remunerao paga aos advogados particulares por servios
jurdicos prestados aos pobres (51). E em julho de 1974, foi estabelecida nos Estados Unidos a
longamente esperada Legal Services Corporation um esforo para preservar e ampliar os progressos do
programa do OEO, j agora dissolvido (52). Tambm durante esse perodo, tanto a ustria (53) quanto a
Holanda (54) reviram seus programas de assistncia judiciria, de modo a remunerar os advogados mais
adequadamente. Houve vrias reformas na Austrlia (55); e a Itlia quase chegou a mudar seu sistema
anacrnico, que era semelhante ao esquema francs anterior a 1972 (56).
Os sistemas de assistncia judiciria da maior parte do mundo moderno foram, destarte,
grandemente melhorados. Um movimento foi desencadeado e continuou a crescer e, como veremos,
excedeu at mesmo as categorias da reforma da assistncia judiciria. Antes de explorar outras dimenses
do movimento e sem dvida para ajudar a esclarecer a lgica dessas dimenses ulteriores
precisamos acompanhar as principais realizaes, assim como os limites dessa primeira grande onda de
reforma.
1 O Sistema Judicare
A maior realizao das reformas na assistncia judiciria na ustria, Inglaterra, Holanda, Frana
e Alemanha Ocidental foi o apoio ao denominado sistema judicare. Trata-se de um sistema atravs do
qual a assistncia judiciria estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos
termos da lei, Os advogados particulares, ento, so pagos pelo Estado. A finalidade do sistema judicare
proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representao que teriam se pudessem pagar um
advogado. O ideal fazer uma distino apenas em relao ao endereamento da nota de honorrios: o
Estado, mas no o cliente, quem a recebe.
No moderno programa britnico, por exemplo, um requerente, verificada a viabilidade financeira
e de mrito de sua causa, pode escolher seu advogado em uma lista de profissionais que concordaram
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prestar esses servios (57). A lista extensa, uma vez que a remunerao para a assistncia dada pelo
advogado suficiente para atrair quase todos os profissionais. muitas vezes necessria assistncia
jurdica para demonstrar a prpria qualificao formal com vistas a obter a assistncia judiciria. Por isso,
a reforma de 1972 possibilita que o requerente utilize at o limite de 25 libras esterlinas, em servios
jurdicos, sem necessitar de qualquer autorizao formal (59). Tais servios podem incluir o
encaminhamento do pedido de assistncia judiciria. Dessa maneira, o sistema vai longe para prover aos
pobres os recursos financeiros necessrios obteno de um advogado. Embora tenha sido criticado
porque suas exigncias so muito restritivas e porque ele no prov assistncia para processos a serem
realizados perante a maioria dos tribunais especiais onde, na realidade, muitos dos novos direitos
devem ser pleiteados (60) seus resultados foram impressionantes: ao longo dos anos a assistncia tem
sido proporcionada a um nmero sempre crescente de pessoas (61).
O sistema francs, tal como introduzido em 1972 e modificado por decretos de 1974 e 1975,
tambm avana no sentido de um eficiente sistema judicare (62). Um detalhe particularmente importante
do sistema francs, desde 1972, que ele foi idealizado para alcanar no apenas os pobres, mas tambm
algumas pessoas acima do nvel de pobreza. Nveis de auxilio decrescentes esto agora disponveis para
pessoas com rendimentos mensais de at 2.950 francos (cerca de US$ 640) e com uma famlia de quatro
membros (63). Alm disso, desde 1972, a assistncia judiciria pode ser deferida para um caso
particularmente importante, independentemente dos rendimentos do litigante (64).
O principal problema do sistema francs que, apesar do aumento de 1/3 no pagamento dos
advogados, verificado em 1974, os valores ainda so inadequados (65). Apesar disso, a Frana oferece,
agora, um modelo importante de moderno sistema de assistncia judiciria.
A despeito das realizaes importantes dos esquemas de assistncia judiciria, tais como os da
Inglaterra e da Frana, o prprio sistema de assistncia judiciria tem enfrentado muitas crticas. Tem-se
tornado lugar comum observar que a tentativa de tratar as pessoas pobres como clientes regulares cria
dificuldades. O judicare desfaz a barreira de custo, mas faz pouco para atacar barreiras causadas por
outros problemas encontrados pelos pobres. Isso porque ele confia aos pobres a tarefa de reconhecer as
causas e procurar auxlio (66); no encoraja, nem permite que o profissional individual auxilie os pobres a
compreender seus direitos e identificar as reas em que se podem valer de remdios jurdicos. , sem
dvida, altamente sugestivo que os pobres tendam a utilizar o sistema judicare principalmente para
problemas que lhes so familiares matria criminal ou de famlia em vez de reivindicar seus novos
direitos como consumidores, inquilinos, etc. (67). Ademais, mesmo que reconheam sua pretenso, as
pessoas pobres podem sentir-se intimidadas em reivindic-la pela perspectiva de comparecerem a um
escritrio de advocacia e discuti-la com um advogado particular. Sem dvida, em sociedades em que os
ricos e os pobres vivem separados, pode haver barreiras tanto geogrficas quanto culturais entre os poMes
e o advogado. Ademais, evidente que a representao atravs de profissionais particulares no enfrenta
as desvantagens de uma pessoa pobre frente a litigantes organizacionais. Mais importante, o judicare trata
os pobres como indivduos, negligenciando sua situao como classe. Nem o sistema ingls, francs ou
alemo, oferece, por exemplo, auxlio para casos-teste (68) ou aes coletivas em favor dos pobres, a
menos que elas possam ser justificadas pelo interesse de cada indivduo. Dado que os pobres encontram
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muitos problemas jurdicos como grupo, ou classe e que os interesses de cada indivduo podem ser muito
pequenos para justificar uma ao, remdios meramente individuais so inadequados.
Os sistemas judicare, entretanto, no esto aparelhados para transcender os remdios individuais.
2 O Advogado Remunerado Pelos Cofres Pblicos
O modelo de assistncia judiciria com advogados remunerados pelos cofres pblicos tem um
objetivo diverso do sistema judicare, o que reflete sua origem moderna no Programa de Servios Jurdicos
do Office of Economic Opportunity, de 1965 a vanguarda de uma guerra contra a pobreza (69). Os
servios jurdicos deveriam ser prestados por escritrios de vizinhana (70), atendidos por advogados
pagos pelo governo e encarregados de promover os interesses dos pobres, enquanto classe. Como
observou um comentarista: O objetivo era utilizar o dinheiro dos contribuintes de modo a obter a melhor
relao custo-benefcio (71). claro que esse objetivo no exclua o auxilio a indivduos pobres para
defender seus direitos. Contrariamente aos sistemas judicure existentes, no entanto, esse sistema tende a
ser caracterizado por grandes esforos no sentido de fazer as pessoas pobres conscientes de seus novos
direitos e desejosas de utilizar advogados para ajudar a obt-los. Ademais, os escritrios eram pequenos e
localizados nas comunidades pobres, de modo a facilitar o contato e minimizar as barreiras de classe. Os
advogados deveriam ser instrudos diretamente no conhecimento dessas barreiras, de modo a enfrent-las
com maior eficincia. Finalmente, e talvez mais importante, os advogados tentavam ampliar os direitos
dos pobres, enquanto classe, atravs de casos-teste, do exerccio de atividades de lobby, e de outras
atividades tendentes a obter reformas da legislao, em benefcio dos pobres, dentro de um enfoque de
classe. Na verdade, os advogados freqentemente auxiliavam os pobres a reivindicar seus direitos, de
maneira mais eficiente, tanto dentro quanto fora dos tribunais.
As vantagens dessa sistemtica sobre a do judicare so bvias. Ela ataca outras barreiras ao
acesso individual, alm dos custos, particularmente os problemas derivados da desinformao jurdica
pessoal dos pobres. Ademais, ela pode apoiar os interesses difusos ou de classe das pessoas pobres. Esses
escritrios, que renem advogados numa equipe, podem assegurar-se as vantagens dos litigantes
organizacionais, adquirindo conhecimento e experincia dos problemas tpicos dos pobres. Advogados
particulares, encarregados apenas de atender a indivduos geralmente no so capazes de assegurar essas
vantagens. Em suma, alm de apenas encaminhar as demandas individuais dos pobres que so trazidas
aos advogados, tal como no sistema judicare, esse modelo norte-americano: 1) vai em direo aos pobres
para auxili-los a reivindicar seus direitos e 2) cria uma categoria de advogados eficientes para atuar pelos
pobres, enquanto classe.
As desvantagens ou limites do sistema das equipes de advogados provm de sua grande
agressividade e capacidade de criar tais advogados. evidente, em primeiro lugar, que a maior
repercusso e melhor resultado aparente dos casos-teste e das iniciativas de reformas legais, podem na
prtica levar o advogado de equipe a negligenciar os interesses de clientes particulares. Sem dvida, os
advogados de equipe precisam diariamente decidir como alocar melhor seus recursos limitados entre
casos importantes apenas para alguns indivduos, e casos importantes numa perspectiva social. possvel
que os indivduos sejam ignorados ou recebam uma ajuda de segunda classe. Em segundo lugar, muitas
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pessoas entendem, com alguma razo que um advogado, ao colocar-se na posio de advogado dos
pobres e, de fato, ao tratar os pobres como se fossem incapazes de perseguir seus prprios interesses,
muito paternalista. Tratem-se os pobres, dizem elas, simplesmente como indivduos comuns, com menos
dinheiro.
Provavelmente, um problema ainda mais srio desse sistema que ele necessariamente depende
de apoio governamental para atividades de natureza poltica, tantas vezes diigidas contra o prprio
governo. Essa dependncia pressupe que uma sociedade tenha decidido que qualquer iniciativa jurdica
para ajudar os pobres desejvel, mesmo que signifique um desafio ao governamental e s aes dos
grupos dominantes na sociedade. Os Estados Unidos, por exemplo, parecem ter-se decidido a erradicar a
pobreza, mas, na realidade, os advogados da assistncia judiciria americana, ao contrrio dos advogados
particulares na Inglaterra, Frana e Alemanha, tm estado sob ataques polticos constantes (72). Apenas
recentemente, depois de uma disputa legislativa muito difcil, envolvendo um veto presidencial, que a
Legal Services Corporation tornou-se independente de influncia governamental direta. Mas a nova lei
contm muitas regras que tendem a proibir ou limitar a atividade de reforma jurdica por parte dos
advogados do servio (73). luz dessa histria recente, nos Estados Unidos, no de surpreender que a
atividade agressiva em favor dos pobres atravs de servios pblicos, em outros pases, seja
extremamente difcil (74). Embora esse sistema possa romper muitas barreiras ao acesso, ele est longe de
ser perfeito.
A soluo de manter equipes de advogados assalariados, se no for combinada com outras
solues, tambm limitada em sua utilidade pelo fato de que ao contrrio do sistema judicare, o qual
utiliza a advocacia privada ela no pode garantir o auxlio jurdico como um direito. Para sermos
realistas, no possvel manter advogados em nmero suficiente para dar atendimento individual de
primeira categoria a todos os pobres com problemas jurdicos. Por outro lado, e no menos importante,
o fato de que no pode haver advogados suficientes para estender a assistncia judiciria classe mdia,
um desenvolvimento que um trao distintivo fundamental da maior parte dos sistemas judicare.
3 Modelos Combinados
Alguns pases escolheram, recentemente, combinar os dois principais modelos de sistemas de
assistncia jurdica, depois de terem reconhecido as limitaes que existem em cada um deles e que
ambos podem, na verdade, ser complementares. A Sucia (75) e a Provncia Canadense de Quebeque (76)
foram as primeiras a oferecer a escolha entre o atendimento por advogados servidores pblicos ou por
advogados particulares, embora seja preciso mencionar que os programas tm nfases diversas. O sistema
sueco inclina-se mais para o modo de operao do judicare, uma vez que os advogados pblicos devem
manter-se, essencialmente, atravs dos honorrios pagos pelo Estado em benefcio dos indivduos
assistidos, enquanto em Quebeque os escritrios de advocacia so mantidos diretamente pelo governo
sem que se leve em conta quo bem sucedidos eles sejam na competio com sociedades de advogados
particulares. Em Quebeque, conseqentemente, os escritrios pblicos podem ter menos tendncia a
privilegiar apenas disputas individuais e, mais provavelmente, podero mobilizar os pobres e advogar por
eles, como grupo. O ponto importante, no entanto, que a possibilidade de escolha em ambos os
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programas abriu uma nova dimenso. Este modelo combinado permite que os indivduos escolham entre
os servios personalizados de um advogado particular e a capacitao especial dos advogados de equipe,
mais sintonizados com os problemas dos pobres. Dessa forma, tanto as pessoas menos favorecidas,
quanto os pobres como grupo, podem ser beneficiados.
Reconhecendo essas vantagens, os reformadores de muitos pases, incluindo a Austrlia (77), a
Holanda (78) e a Gr-Bretanha (79) auxiliaram a implementar sistemas nos quais centros de atendimento
jurdico suplementam os esquemas estabelecidos de judicare. So particularmente notveis, por sua
crescente importncia, os centros de atendimento jurdico de vizinhana, da Inglaterra. Esses centros
esto localizados em reas pobres, sobretudo ao redor de Londres. Seus solicitors assalariados (e alguns
Barristers) realizam muitas das tarefas desempenhadas pelos advogados de equipe nos Estados Unidos.
Eles tm, cada vez mais, procurado tratar os problemas trazidos at eles no apenas como assuntos
individuais, mas tambm como questes da comunidade. O trabalho deles, no obstante alguma hesitao
inicial por parte da Law Society, tornou-se reconhecido como um ramo essencial integrante dos
serviosjurdicos (80).
Tambm a Sucia foi pioneira em algumas inovaes. Em primeiro lugar, ela vai bastante alm
dos outros pases, inclusive da Frana, na extenso da assistncia judiciria s classes mdias. At meados
de 1977, uma pessoa com rendimentos de at 80.000 coroas suecas por ano (cerca de USS 17.400) estava
apta a receber auxlio jurdico subsidiado (81). Esse valor automaticamente reajustado consoante o custo
de vida. Ademais, a combinao de previdncia privada e assistncia judiciria, que atualmente
disponvel na Sucia, preencheu a principal lacuna que existe na maior parte dos outros sistemas
europeus. Praticamente em todos os ordenamentos onde prevalece o sistema da sucumbncia, a
assistncia judiciria no assume o compromisso de reembolsar o vencedor no assistido, mesmo que o
sucumbente seja muito pobre. Dessa forma, incapaz de recuperar seus custos, o adversrio do litigante
pobre pode ficar sujeito a considervel nus financeiro (82). Na Sucia, no entanto, cerca de 85% da
populao tem seguros que cobrem, entre outros, a maior parte dos nus pela derrota numa ao (83).
Assim, o adversrio pode, facilmente, recuperar sius custos, mesmo em se tratando de um adversrio
pobre, se este segurado. Obviamente, essa soluo tem importantes implicaes para o acesso justia
na Sucia; na verdade, ela representa um passo alm da simples assistncia judiciria (84).
4 A Assistncia Judiciria: Possibilidades e Limitaes
Medidas muito importantes foram adotadas nos ltimos anos para melhorar os sistemas de
assistncia judiciria. Como conseqncia, as barreiras ao acesso Justia comearam a ceder. Os pobres
esto obtendo assistncia judiciria em nmeros cada vez maiores, no apenas para causas de famlia ou
defesa criminal, mas tambm para reivindicar seus direitos novos, no tradicionais, seja como autores ou
como rus. de esperar que as atuais experincias sirvam para eliminar essas barreiras.
A assistncia judiciria, no entanto, no pode ser o nico enfoque a ser dado na reforma que
cogita do acesso Justia. Existem limites srios na tentativa de soluo pela assistncia judiciria. Antes
de mais nada, para que o sistema seja eficiente, necessrio que haja um grande nmero de advogados,
um nmero que pode at exceder a oferta, especialmente em pases em desenvolvimento.
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Em segundo lugar, mesmo presumindo que haja advogados em nmero suficiente, no pas,
preciso que eles se tornem disponveis para auxiliar aqueles que no podem pagar por seus servios. Isso
faz necessrias grandes dotaes oramentrias, o que o problema bsico dos esquemas de assistncia
judiciria. A assistncia judiciria baseia-se no fornecimento de servios jurdicos relativamente caros,
atravs de advogados que normalmente utilizam o sistema judicirio formal. Para obter os servios de um
profissional altamente treinado, preciso pagar caro, sejam os honorrios atendidos pelo cliente ou pelo
Estado. Em economias de mercado, como j assinalamos, a realidade diz que, sem remunerao
adequada, os servios jurdicos para os pobres tendem a ser pobres, tambm. Poucos advogados se
interessam em assumi-los, e aqueles que o fazem tendem a desempenh-los em nveis menos rigorosos.
Tendo em vista o alto custo dos advogados, no surpreendente que at agora muito poucas sociedades
tenham sequer tentado alcanar a meta de prover um profissional para todas as pessoas para quem essa
despesa represente um peso econmico excessivo (85). A Sucia, onde os ndices de pobreza so
mnimos, e que tem, talvez, o sistema de assistncia judiciria mais dispendioso do mundo, foi
considerada, por um observador, como o nico pas que realmente logrou oferecer assistncia judiciria a
qualquer pessoa que no possa enfrentar os custos dos servios jurdicos (86).
Em terceiro lugar, a assistncia judiciria no pode, mesmo quando perfeita, solucionar o
problema das pequenas causas individuais. Isso no de surpreender, pois mesmo aqueles que esto
habilitados a pagar pelos servios de um advogado, muitas vezes no podem, economicamente, propor (e,
arriscar perder) uma pequena causa. Logo, os advogados pagos pelo governo tambm no se do ao luxo
de levar adiante esses casos (87). Uma vez mais, o problema das pequenas causas exige ateno especial.
Finalmente, o modelo de advogados de equipe dirige-se necessidade de reivindicar os
interesses difusos dos pobres, enquanto classe, ao passo que outros imnportantes interesses difusos, tais
como os dos consumidores ou dos defensores do meio ambiente continuam sendo ignorados. O
reconhecimento desse fato tornou-se a base da segunda importante onda de reformas, que analisaremos a
seguir.
B - A SEGUNDA ONDA: REPRESENTAO DOS INTERESSES DIFUSOS
O segundo grande movimento no esforo de melhorar o acesso justia enfrentou o problema da
representao dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais, diversos
daqueles dos pobres. Nos Estados Unidos, onde esse mais novo movimento de reforma ainda
provavelmente mais avanado, as modificaes acompanharam o grande qinqnio de preocupaes e
providncias na rea da assistncia jurdica (1965-1970).
Centrando seu foco de preocupao especificamente nos interesses difusos, esta segunda onda de
reformas forou a reflexo sobre noes tradicionais muito bsicas do processo civil e sobre o papel dos
tribunais. Sem dvida, uma verdadeira revoluo est-se desenvolvendo dentro do processo civil.
Vamos examin-la brevemente antes de descrever com mais detalhes as principais solues que
emergiram (88).
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A concepo tradicional do processo civil no deixava espao para a proteo dos direitos
difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava soluo de
uma controvrsia entre essas mesmas partes a respeito de seus prprios interesses individuais. Direitos
que pertencessem a um grupo, ao pblico em geral ou a um segmento do pblico no se enquadravam
bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuao dos
juzes no eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares.
As reformas discutidas a seguir so a prova e os resultados das rpidas mudanas que
caracterizaram essa fase (89). Verifica-se um grande movimento mundial em direo ao que o Professor
Chayes denominou litgios de direito pblico em virtude de sua vinculao com assuntos importantes
de poltica pblica que envolvem grandes grupos de pessoas (90). Em primeiro lugar, com relao
legitimao ativa, as reformas legislativas e importantes decises dos tribunais esto cada vez mais
permitindo que indivduos ou grupos atuem em representao dos interesses difusos (91).
Em segundo lugar, a proteo de tais interesses tornou necessria uma transformao do papel do
juiz e de conceitos bsicos como a citao e o direito de ser ouvido. Uma vez que nem todos os
titulares de um direito difuso podem comparecer a juzo por exemplo, todos os interessados na
manuteno da qualidade do ar, numa determinada regio preciso que haja um representante
adequado para agir em benefcio da coletividade, mesmo que os membros dela no sejam citados
individualmente. Da mesma forma, para ser efetiva, a deciso deve obrigar a todos os membros do grupo,
ainda que nem todos tenham tido a oportunidade de ser ouvidos. Dessa maneira, outra noo tradicional, a
da coisa julgada, precisa ser modificada, de modo a permitir a proteo judicial efetiva dos interesses
difusos. A criao norte-americana da class action, abordada a seguir, permite que, em certas
circunstncias, uma ao vincule os membros ausentes de determinada classe, a despeito do fato de eles
no terem tido qualquer informao prvia sobre o processo. Isso demonstra as dimenses surpreendentes
dessa mudana no processo civil (92). A viso individualista do devido processo judicial est cedendo
lugar rapidamente, ou melhor, est se fundindo com uma concepo social, coletiva. Apenas tal
transformao pode assegurar a realizao dos direitos pblicos relativos a interesses difusos (93).
1 A Ao Governamental
Embora seja ainda o principal mtodo para representao dos interesses difusos,
especialmente por causa da relutncia tradicional em dar-se legitimao a indivduos ou grupos para
atuarem em defesa desses interesses a ao governamental no tem sido muito bem sucedida (94). A
triste constatao que, tanto em pases de common law, como em pases de sistema continental europeu,
as instituies governamentais que, em virtude de sua tradio, deveriam proteger o interesse pblico, so
por sua prpria natureza incapazes de faz-lo. O Ministrio Pblico dos sistemas continentais e as
instituies anlogas, induindo o Staatsanwalt alemo e a ?Proleuratura? sovitica, esto inerentemente
vinculados a papis tradicionais restritos e no so capazes de assumir, por inteiro, a defesa dos interesses
difusos recentemente surgidos. Eles so amide sujeitos a presso poltica uma grande fraqueza, se
considerarmos que os interesses difusos, freqentemente, devem ser afirmados contra entidades
governamentais.
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A reivindicao dos novos direitos muitas vezes exige qualificao tcnica em reas no
jurdicas, tais como contabilidade, mercadologia, medicina e urbanismo. Em vista disso, o Ministrio
Pblico e suas instituies correspondentes, muitas vezes, no dispem do treinamento e experincia
necessrios para que sejam eficientes. Embora haja sinais de que os procuradores gerais nos pases de
common law, ou pelo menos nos Estados Unidos, estejam assumindo papel mais importante na proteo
dos interesses difusos, tambm eles tm sido incapazes de desempenhar a tarefa sozinhos (95); isso
porque, mais ainda que o Ministrio Pblico dos pases de sistema continental, o attorney general
(procurador-geral) um funcionrio poltico. Essa condio, se, de um lado, pode inspir-lo, pode,
tambm, inibi-lo de adotar a posio independente de um advogado do povo contra componentes
poderosos do establishment ou contra o prprio Estado.
Outras solues governamentais para o problema de modo especial, a criao de certas
agncias pblicas regulamentadoras altamente especializadas, para garantir certos direitos do pblico ou
ottros interesses difusos so muito importantes, mas, tambm, limitadas. A histria recente demonstra
que, por uma srie de razes, elas tm deficincias aparentemente inevitveis (96). Os departamentos
oficiais inclinam-se a atender mais facilmente a interesses organizados, com nfase nos resultados das
suas decises, e esses interesses tendem a ser predominantemente os mesmos interesses das entidades que
o rgo deveria controlar. Por outro lado, os interesses difusos, tais como os dos consumidores e
preservacionistas, tendem, por motivos j mencionados, a no ser organizados em grupos de presso
capazes de influenciar essas agncias (97).
Apesar da histria desconfortvel dessas solues, a procura de um mecanismo governamental efetivo
ainda continua, e novas instituies foram criadas com perspectivas de remediar muitos dos males do
passado. Um exemplo recente e importante dessa tentativa nos Estados Unidos a nova instituio do
advogado pblico (98). A experincia pioneira, que comeou em 1974, o Departamento do Advogado
Pblico de Nova Jrsei, que tem a ampla misso de representar o interesse pblico em quaisquer
procedimentos administrativos e judidiais, com o objetivo de servir ao interesse pblico da melhor
maneira possvel (99). Uma proposta muito interessante parareforma similar em Wisconsin, analisada
em maior detalhe a seguir, revela a base terica dessas reformas: H um desequilbrio na advocacia, que em muitos casos s pode ser corrigido por advogados
pagos pelo governo, para defender os interesses no representados dos consumidores, do meio
ambiente, dos idosos e de outros interesses no organizados. preciso que um advogado
pblico fale por esses interesses se pretendermos que eles sejam ouvidos (100).
A finalidade bsica , conseqentemente, fazer com que o departamento governamental
represente os interesses que, at agora, tem sido descuidados, ou seja, os interesses difusos.
O Ombudsman do Consumidor (101), na Sucia, que atualmente tem anlogos em outros pases (102),
outro exemplo de instituio explicitamente criada para representar os interesses coletivos e fragmentados
dos consumidores. Essa instituio, criada em 1970, pode iniciar processo no Tribunal do Mercado para
impedir prticas inadequadas de propaganda e publicidade. Alm disso, o Ombudsman do Consumidor,
que tambm atua em nome dos consumidores, enquanto desse, negocia clusulas de contratos-padro,
com a comunidade empresarial sueca. Os particulares no poderiam desenvolver tais tarefas com sucesso,
pois no teriam nem as condies econmicas, nem o poder de barganha necessrios.
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Conforme se assinalou acima, no entanto, a soluo governamental parece ter limitaes
inerentes, mesmo quando funcione do melhor modo possvel (103). preciso acrescentar a energia e o
zelo particulares mquina burocrtica, a qual, muito amide, torna-se lenta, inflexvel e passiva na
execuo de suas tarefas.
2 A Tcnica do Procurador-Geral Privado
Permitir a propositura, por indivduos, de aes em defesa de interesses pblicos ou coletivos ,
por si s, uma grande reforma (104).Mesmo que subsistam, por uma ou outra razo, as barreiras
legitimao de grupos ou classes, trata-se de um importante primeiro passo permitir que um procurador-
geral privado (105) ou demandantes ideolgicos (106) suplementem a ao do governo. Uma tpica
reforma moderna nesse sentido a admisso de aes propostas por cidados para impugnar e paralisar
determinada ao de governo. Grupos podem financiar essas aes individuais, como casos-teste. Existe
grande nmero de exemplos dessas reformas no campo da proteo ambiental, tais como a admisso de
aes privadas nos Estados Unidos para fazer valer o Clean Air Act (Lei Antipoluio Atmosfrica), de
1970 (107). A lei italiana de 1967, que permite que qualquer pessoa acione as autoridades municipais por
concesso irregular de permisses para construo, um exemplo semelhante (108). O mesmo tipo de
soluo adotado no Estado alemo da Bavria, onde uma Popularlelage (ao popular) pode ser
intentada por qualquer pessoa perante a Corte Constitucional Bvara, contra legislao estadual
considerada atentatria da Declarao de Direitos contida na Constituio Bvara de 1946 (109).
3 A Tcnica do Advogado Particular do Interesse Pblico
a) Um primeiro passo da reforma: o reconhecimento de grupos.
Mais requintada reforma a soluo conhecida como Organizational Private Attorney General
(Procurador-Geral Organizacional Privado), que reconhece a necessidade de permitir aes coletivas no
interesse pblico. (110) Uma vez que os grupos organizados para a defesa dos interesses difusos podem,
eles mesmos, ser fontes de abusos, mecanismos de controle pblico (governamental) tambm tm sido
desenvolvidos.
A Frana apresenta vrios exemplos tpicos. Reconhecendo a tibieza usual do Ministrio Pblico
na proteo dos novos interesses do pblico em geral ou de grupos, a Frana recentemente editou
reformas de grande significao. O provimento de 27 de dezembro de 1973, comumente conhecido como
a lei Royer, atribuiu legitimao ativa s associaes de consumidores quando haja fatos direta ou
indiretamente prejudiciais ao interesse coletivo dos consumidores (111). Ademais, essa lei criou uma
srie de controles para assegurar que as associaes habilitadas a acionar representem adequadamente o
interesse coletivo dos consumidores. Tais controles foram, em parte, confiados ao prprio Ministrio
Pblico. A Frana tambm adotou recentemente soluo muito semelhante para a proteo das minorias
raciais (113) e, por ltimo, uma lei de 10 de julho de 1976 trouxe disposies anlogas com respeito
proteo do meio ambiente (114). pacfico, atualmente, que os grupos representativos podem demandar
direitos coletivos que o Ministrio Pblico no tenha vindicado eficientemente.
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De maneira semelhante, a instituio sueca do Ombudsman do Consumidor, acima mencionada, no tem
exclusividade para intentar procedimentos perante o Tribunal Comercial (115). Tambm as associaes
de consumidores tm legitimidade ativa para tais casos. Assim, mesmo o Ombudsman do Consumidor
pode ter sua ao suplementada e provocada por grupos particulares, agindo na defesa do interesse
pblico.
Mais recentemente, na Repblica Federal da Alemanha, a Lei sobre Contratos-Padro, vigente a
partir de 19 de abril de 1977, garantiu s associaes de consumidores legitimidade ativa para intentar
aes que objetivem declarar a ilegalidade de determinadas clusulas contratuais (116). Uma vez
publicada a declarao, os consumidores individuais podem usar a deciso para invalidar clusulas de
contratos por eles celebrados.
Outro mtodo interessante de permitir que grupos privados representem o interessse pblico a
relator action (ao delegada), usada nos pases de common law, especialmente na Austrlia e Gr-
Bretanha (117). A ao delegada intentada por uma parte que normalmente no teria legitimidade para a
causa, mas que obtm a permisso, ou fiat, do procurador-geral para tanto. Essa ao pode ser utilizada
tanto por indivduos quanto por grupos, mas, por motivos bvios especialmente custos os grupos
parecem ter sido mais ativos na utilizao desse mecanismo para fazer valer os interesses difusos. Uma
vez iniciada, a ao delegada prosssegue sob a superviso e controle (mais tericos que reais) do
procurador-geral. Ela atualmente uma instituio importante, embora sua significao tenda a diminuir
na medida em que as restries legitimidade sejam eliminadas em reas como a da defesa do
consumidor e a da proteo ambiental.
b) Um segundo nvel de reforma: alm dos grupos existentes.
As reformas h pouco mencionadas avanam muito no sentido de reconhecer o papel importante,
e at mesmo essencial, dos grupos privados, ao suplementarem, catalizarem, e mesmo substituirem as
aes das agendas governamentais. Elas, no entanto, ainda no enfocam o problema de organizar e
fortalecer grupos privados para a defesa de interesses difusos.
Enquanto alguns interesses, tais como os trabalhistas, so geralmente bem organizados, outros,
como os dos consumidores e dos preservacionistas, no so. As barreiras apontadas acima (118), muito
freqentemente no foram ultrapassadas. Na melhor das hipteses, necessrio muito dinheiro e esforo
para criar uma organizao de porte suficiente, recursos econmicos e especializao para representar
adequadamente um interesse difuso (119). Na Sucia, por exemplo, poucas organizaes de consumidores
tomaram partido das oportunidades que lhes so oferecidas para intentar aes (120). Ademais, as
empresas contra as quais as demandas devem ser dirigidas so organizaes pujantes, que no apenas tm
reservas financeiras substanciais em disponibilidade, mas tambm, como j vimos, apresentam outras
caractersticas que as tornam adversrios especialmente temveis (121). preciso encontrar solues que
facilitem a criao de eficientes procuradores-gerais organizacionais. Isso no tarefa simples. Vamos
concentrar nossa ateno nos avanos verificados nos Estados Unidos, uma vez que, por diversos
motivos, as mudanas l parecem estar mais adiantadas (122).
i) As aes coletivas, as aes de interesse pblico e as sociedades de advogados que se ocupam
delas. As caractersticas das class actions e das aes de interessse pblico, com suas limitaes e
potencialidades tanto dentro quanto fora dos Estados Unidos, sero discutidas com maiores detalhes
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adiante (123), mas alguns traos particulares sero enfatizados aqui. Primeiro, a class action permitindo
que um litigante represente toda uma classe de pessoas, numa determinada demanda, evita os custos de
criar uma organizao permanente. Economia de escala atravs da reunio de pequenas causas possvel
por esse meio e, sem dvida, o poder de barganha dos membros da classe grandemente reforado pela
ameaa de uma enorme indenizao por danos (124). Com um esquema de honorrios condicionais, onde
isso seja possvel, o trabalho de organizao financeiramente compensador para os advogados, que
podem obter remunerao substancial (125). A class action portanto, ajuda a proporcionar as vantagens
de litigantes organizacionais a causas de grupos ou de interesse pblico.
Classs actions e aes de interesse pblico, no entanto, exigem especializao, experincia e
recursos em reas especficas, que apenas grupos permanentes, prsperos e bem assessorados possuem.
Muitos advogados de class actions podem ser incapazes de prover a tal especializao pessoalmente, ou
no contar com recursos suficientes para obt-la com outros profissionais. Embora possam recuperar os
honorrios advocatcios, na hiptese de sucesso, o risco de perder uma barreira considervel; para serem
eficientes, precisam tambm se engajar em prticas de lobby e outras atividades extrajurdicas. Por
muitas razes, grupos permanentes podem pressionar para obter decises de governo com mais sucesso
do que classes relativamente efmeras, Esses problemas, juntamente com a impossibilidade de utilizao
da class action como soluo para muitos dos prejuzsos sofridos pelos consumidores, tornam a class
action um meio imperfeito de vindicao dos interesses difusos.
A instituio americana do advogado do interesse pblico institui um esforo a mais para dar
aos interesses difusos as vantagens com que contam os grupos permanentes (126). A justificao terica
para o surgimento e crescimento das sociedades de advogados do interesse pblico nos Estados Unidos,
desde 1970, corresponde precisamente ao que j assinalamos: Os advogados do interesse pblico acreditam que os pobres no so os nicos excludos do
processo de tomada de deciso em assuntos de importncia vital para eles. Todas as pessoas que
se preocupam com a degradao ambiental, com a qualidade dos produtos, com a proteo do
consumidor, qualquer que seja sua classe socio-econmica, esto efetivamente excludas das
decises-chave que afetam seus interesses (127).
Esses interesses, como j assinalamos, no puderam encontrar representao atravs de
organizaes. Muitos grupos de advogados (liberais) formaram, ento, sociedades de advogados do
interesse pblico para atender essa demanda.
As sociedades de advogados do interesse pblico variam muito em tamanho e especialidades
temticas a que atendem (128). O tipo mais comum uma organizao de fins no lucrativos, mantida por
contribuies filantrpicas. As primeiras dessas sociedades foram instituidas pela Fundao Ford, em
1970. Embora nunca tenha havido mais de 70 a 100 desses escritrios, por volta de 1975, os advogados
do interesse pblico tinham vrias centenas de casos importantes em juzo e muitos outros j concludos
(129). Esses escritrios mantidos por fundaes j haviam tambm atuado em muitos procedimentos
administrativos e outras importantes atividades extrajudiciais. Proporcionando aconselhamento jurdico
especializado e constante superviso em relao a interesses no representados e no organizados, esses
escritrios freqentemente agem em apoio a grupos existentes e substituem grupos ainda no formados.
Os advogados do interesse pblico tm sido criticados por no serem responsabilizveis pelos
interesses que representam, o que , em parte, verdadeiro (130). Existem tambm dvidas quanto a sua
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viabilidade a longo prazo. Apesar disso, os advogados do interesse pblico nos Estados Unidos
continuam a fazer um trabalho importante, e j realizaram muito (131). A instituio pode ou no ser
exportvel, mas ela , sem dvida, importante ao promover o acesso justia para os interesses difusos,
dentro dos limites dos recursos disponveis (132).
ii) A Assessoria Pblica, O xito dos advogados do interesse pblico nos Estados Unidos e as
bvias restries financeiras sob as quais eles precisam atuar estimularam a criao de novas instituies,
subsidiadas pelo governo, para servir ao interesse pblico (133). Os servios existentes de advogados
pblicos, que j estudamos, representam uma dessas solues (134). Entre essa soluo oficial
(governamental) e a frmula privada de advogados do interesse pblico existe uma nova e importante
instituio norte-americana, que tem sido chamada de assessoria pblica. A idia consiste em usar
recursos pblicos, mas confiar na energia, interesse e fiscalizao dos grupos particulares.
O exemplo mais bem sucedido desse tipo de soluo, at hoje, foi o Escritrio de Assessoria
Pblica, estabelecido nos Estados Unidos, em decorrncia das disposies da lei de Reorganizao
Ferroviria Regional, de 1973, para auxiliar as comunidades e usurios das ferrovias na colocao de seus
interesses em audincias pblicas (135). Essa repartio organizou as comunidades para reconhecer e
afirmar seus direitos; sua funo tem sido investigar, auxiliar, mobilizar e, por vezes, subsidiar grupos
que, de outra forma, seriam fracos defensores dos interesses dos usurios das ferrovias. Essa assessoria
pblica tem sido muito eficiente em virtude de seu status de independncia, oramento adequado e uma
equipe sensvel e bem treinada. Resta saber, naturalmente, se outras instituies do mesmo tipo seriam
capazes de evitar presses polticas e permanecer suficientemente independentes. A grande e nova virtude
dessa instituio que ela pode auxiliar a criar grupos permanentes capazes de exercer presso e, dessa
forma, reivindicar seus prprios direitos, atravs de procedimentos administrativos e judiciais.
c) A soluo pluralstica (mista).
A idia da assessoria pblica foi integrada com diversas outras teses, tornando-se, em nosso
entendimento, a melhor proposta de reforma j apresentada para essa rea, nos Estados Unidos. Num
estudo preparado para o Departamento de Administrao do Estado deWisconsin pelo Centro de
Representao Popular de Wisconsin, seus autores no s recomendaram a adoo do tipo de advogado
pblico analisado antes, como ainda vo alm. Eles aceitam a necessidade enfatizada num estudo
anterior, dentro do mbito do Projeto de Florena (136) de uma soluo mista, e explanam esse
reconhecimento assim: Salientamos, como princpio cardeal, que defensores particulares so os melhores advogados
para os interesses sem representao. Onde j existam grupos particulares que sejam realmente
representativos, mas caream dos recursos para obter advocacia eficiente, a resposta
governamental adequada ser manter e desenvolver esses grupos e tornar-lhes acessvel a
participao, tanto quanto possvel. .
Por outro lado, treinamento e assistncia aos grupos de cidados nem sempre sero suficientes
para suprir as necessidades. Alguns interesses no so, nem sero representados por qualquer
grupo. O interesse pode ser excessivamente difuso para permitir que mesmo um pequeno grupo
seja organizado, ou pode ocorrer que nenhum dos grupos existentes esteja em condies de ser
considerado representativo. Em tais casos, a advocacia pblica ser a soluo mais adequada
(137).
24
preciso que haja uma soluo mista ou plurarstica para o problema de representao dos
interesses difusos. Tal soluo, naturalmente, no precisa ser incorporada numa nica proposta de
reforma. O importante reconhecer e enfrentar o problema bsico nessa rea: resumindo, esses interesses
exigem uma eficiente ao de grupos particulares, sempre que possvel; mas grupos particulares nem
sempre esto disponveis e costumam ser difceis de organizar. A combinao de recursos, tais como as
aes coletivas, as sociedades de advogados do interesse pblico, a assessoria pblica e o advogado
pblico podem auxiliar a superar este problema e conduzir reivindicao eficiente dos interesses
difusos.
C A TERCEIRA ONDA: DO ACESSO REPRESENTAO EM JUZO A UMA
CONCEPO MAIS AMPLA DE ACESSO JUSTIA. UM NOVO ENFOQUE DE ACESSO
JUSTIA
O progresso na obteno de reformas da assistncia jurdica e da busca de mecanismos para a
representao de interesses pblicos essencial para proporcionar um significativo acesso justia.
Essas reformas sero bem sucedidas e, em parte, j o foram no objetivo de alcanar proteo
judicial para interesses que por muito tempo foram deixados ao desabrigo. Os programas de assistncia
judiciria esto finalmente tornando disponveis advogados para muitos dos que no podem custear seus
servios e esto cada vez mais tornando as pessoas conscientes de seus direitos. Tem havido progressos
no sentido da reivindicao dos direitos, tanto tradiconais quanto novos, dos menos privilegiados. Um
outro passo, tambm de importncia capital, foi a criao de mecanismos para representar os interesses
difusos no apenas dos pobres, mas tambm dos consumidores, preservacionistas e do pblico em geral,
na reivindicao agressiva de seus novos direitos sociais.
O fato de reconhecermos a importncia dessas reformas no deve impedir-nos de enxergar os
seus limites. Sua preocupao basicamente encontrar representao efetiva para interesses antes no
representados ou mal representados. O novo enfoque de acesso Justia, no entanto, tem alcance muito
mais amplo. Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de
advogados particulares ou pblicos, mas vai alm. Ela centra sua ateno no conjunto geral de instituies
e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas
sociedades modernas. Ns o denominamos o enfoque do acesso Justia por sua abrangncia. Seu
mtodo no consiste em abandonar as tcnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em trat-las
como apenas algumas de uma srie de possibilidades para melhorar o acesso.
Esse movimento emergente de acesso Justia procede dos movimentos anteriores preocupados
com a representao legal. Aqueles movimentos tambm se destinavam a fazer efetivos os direitos de
indivduos e grupos que, durante muito tempo, estiveram privados dos benefcios de uma justia
igualitria. Sem dvida, esses movimentos iniciais receberam impulso atravs da afluncia econmica
recente e outras reformas que, de certa forma, alteraram o equilbrio formal de poder entre indivduos, de
um lado, e litigantes mais ou menos organizados, de outro, tais como as empresas ou o governo. Para os
pobres, inquilinos, consumidores e outras categorias, tem sido muito difcil tornar os novos direitos
25
efetivos, como era de se prever. Como observa Galanter, O sistema tem a capacidade de mudar muito ao
nvel do ordenamento sem que isso corresponda a mudanas na prtica diria da distribuio de vantagens
tangveis. Na realidade, a mudana de regras pode tornar-se um substituto simblico para a redistribuio
de vantagens. (138)
A representao judicial tanto de indivduos, quanto de interesses difusos no se mostrou
suficiente, por si s, para tornar essas mudanas de regras vantagens tangveis ao nvel prtico. Tal
como reconhecido pelo Brent Community Law Center de Londres, o problema de execuo das leis que
se destinam a proteger e beneficiar as camadas menos afortunadas da sociedade geral (139). No
possvel, nem desejvel resolver tais problemas com advogados apenas, isto , com uma representao
judicial aperfeioada. Entre outras coisas, ns aprendemos, agora, que esses novos direitos
freqentemente exigem novos mecanismos procedimentais que os tornem exeqveis (140). Como afirma
Jacob: So as regras de procedimento que insuflam vida nos direitos substantivos, so elas que os
ativam, para torn-los efetivos (141). Cada vez mais se reconhece que, embora no possamos
negligenciar as virtudes da representao judicial, o movimento de acesso Justia exige uma abordagem
muito mais compreensiva da reforma (142). Poder-se-ia dizer que a enorme demanda latente por mtodos
que tornem os novos direitos efetivos forou uma nova meditao sobre o sistema de suprimento o
sistema judicirio (143).
O tipo de reflexo proporcionada por essa abordagem pode ser compreendida atravs de uma
breve discusso de algumas das vantagens que podem ser obtidas atravs dela. Inicialmente, como j
assinalamos, esse enfoque encoraja a explorao de uma ampla variedade de reformas, incluindo
alteraes nas formas de procedimento, mudanas na estrutura dos tribunais ou a criao de novos
tribunais, o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais, tanto como juzes quanto como defensores,
modificaes no direito substantivo destinadas a evitar litgios ou facilitar sua soluo e a utilizao de
mecanismos privados ou informais de soluo dos litgios. Esse enfoque, em suma, no receia inovaes
radicais e compreensivas, que vo muito alm da esfera de representao judicial.
Ademais, esse enfoque reconhece a necessidade de correlacionar e adaptar o processo civil ao
tipo de litgio (144). Existem muitas caractersticas que podem distinguir um litgio de outro. Conforme o
caso, diferentes barreiras ao acesso podem ser mais evidentes, e diferentes solues, eficientes. Os litgios
por exemplo diferem em sua complexidade. geralmente mais fcil e menos custoso resolver uma
questo simples de no-pagamento, por exemplo, do que comprovar uma fraude. Os litgios tambm
diferem muito em relao ao montante da controvrsia, o que freqentemente determina quanto os
indivduos (ou a sociedade) despendero para solucion-los. Alguns problemas sero mais bem
resolvidos se as partes simplesmente se evitarem uma outra (145). A importncia social aparente de
certos tipos de requerimentos tambm ser determinante para que sejam alocados recursos para sua
soluo. Alm disso, algumas causas, por sua natureza, exigem soluo rpida, enquanto outras podem
admitir longas deliberaes.
Tal como foi enfatizado pelos modernos socilogos, as partes que tendem a se envolver em
determinado tipo de litgio tambm devem ser levadas em considerao (146). Elas podem ter um
relacionamento prolongado e complexo, ou apenas contatos eventuais. J foi sugerido que a mediao ou
outros mecanismos de interferncia apaziguadora so os mtodos mais apropriados para preservar os
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relacionamentos (147). As partes, ademais, podem diferir grandemente em poder de barganha,
experincia ou outros fatoresj comentados anteriormente no presente estudo sob o ttulo Possibilidades
das Partes.
Por fim, preciso enfatizar que as disputas tm repercusses coletivas tanto quanto individuais.
Embora obviamente relacionados, importante, do ponto de vista conceitual e prtico, distinguir os tipos
de repercusso, porque as dimenses coletiva e individual podem ser atingidas por medidas diferentes.
Por exemplo, considerem-se as vantagens antes mencionadas que o poderoso litigante organizacional tem
frente ao indivduo. Num primeiro nvel, essas vantagens consistem na capacidade de reconhecer um
direito, poder custear uma pequena causa, ou utilizar o forum de forma eficiente para impor um direito ou
defend-lo de ataques. Essas so vantagens concretas em casos individuais, as quais, como veremos,
podem ser enfrentadas com algum sucesso ao nvel individual. Num segundo nvel, as vantagens
consistem na capacidade de encaminhar casos-teste, de modo a assegurar precedentes favorveis, que
sero vantajosos em casos individuais; de estruturar as transaes de maneira a tirar proveito dessas
normas; de controlar o cumprimento de determinada lei, quando seja necessrio; de sugerir ou fazer
presso a favor de mudanas no sentido de leis favorveis. Mecanismos tais como os que j discutimos
para a proteo dos interesses difusos so especialmente apropriados para a abordagem desses problemas.
Alguns mecanismos, tais como a class action, podem ser utilizados tanto para dar amparo aos
indivduos, quanto para impor os direitos coletivos duma classe. Muitos e importantes remdios, no
entanto, tendem a servir apenas a uma ou outra das funes.
necessrio, em suma, verificar o papel e importncia dos diversos fatores e barreiras
envolvidos, de modo a desenvolver instituies efetivas para enfrent-los. O enfoque de acesso Justia
pretende levar em conta todos esses fatores. H um crescente reconhecimento da utilidade e mesmo da
necessidade de tal enfoque no mundo atual.
27
IV
TENDNCIAS NO USO DO ENFOQUE DO ACESSO JUSTIA
O enfoque do acesso Justia tem um nmero imenso de implicaes. Poder-se-ia dizer que ele
exige nada menos que o estudo crtico e reforma de todo o aparelho judicial. Obviamente, qualquer
projeto comparativo, mesmo que se beneficie do montante de contribuies com que conta o Projeto de
Florena, no pode no presente estgio da pesquisa nesse campo fazer muito mais do que oferecer uma
vista geral. Apesar disso, algumas idias e tendncias bsicas podem ser distinguidas, e a sua discusso
permitir mostrar as realizaes e potencial bem como alguns dos perigos e limitaes desse
esforo criativo mundial.
Antes de examinar as reformas individuais, no entanto, deve ser enfatizado que qualquer tipo de reforma
se relaciona muito proximamente com outras reformas, potenciais ou existentes. Uma mudana na
legislao que d aos inquilinos maiores direitos, por exemplo, pode ter inicialmente efeitos muito
tmidos; mas uma alterao subseqente no mtodo de outorga da prestao jurisdicional poderia alertar
os inquilinos para seus novos direitos e mesmo acrescer o volume de causas perante tribunais
desacostumados aos litgios contenciosos entre locadores e locatrios. A criao de um tribunal de
locaes poderia aliviar os tribunais regulares e, caso destinada a obviar a necessidade de advogados,
poderia reduzir a necessidade de servios jurdicos. No indispensvel que o progresso ocorra dessa
forma. Mas, apesar de nossa nfase em determinados tipos de reformas especialmente notveis, no
podemos deixar de considerar as implicaes e o inter-relacionamento com o complexo maquinrio j
existente para a soluo de litgios.
A - A REFORMA DOS PROCEDIMENTOS JUDICIAIS EM GERAL
Embora a ateno dos modernos reformadores se concentre mais em alternativas ao sistema
judicirio regular, que nos prprios sistemas judicirios, importante lembrar que muitos conflitos
bsicos envolvendo os direitos de indivduos ou grupos, necessariamente continuaro a ser submetidos
aos tribunais regulares. Master Jacob j afirmou: A engrenagem judiciria formal de cortes de Justia, naturalmente, continuar a ser necessria e
vital no s para lidar com importantes questes de direito, incluindo temas de significao
constitucional, como tambm para julgar questes vultosas e substanciais que afetem intere
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