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ANÁLISE DAS PRODUÇÕES DISCURSIVAS DE CRIANÇAS TERENAS A PARTIR DO
ENUNCIADO: “1AS COISAS QUE ME FAZEM FELIZ SÃO...”
Adélia Maria Evangelista AZEVEDO
UEMS/Unidade Universitária de Jardim
NEAD – Núcleo de Estudos em Análise do Discurso
Resumo: A presente pesquisa buscou através do eixo central da Lingüística, através da Análise do Discurso de linha francesa, embasamento teórico em Foucault (2004), Orlandi (1987) e outros autores para analisar um corpus de 40 (quarenta) discursos escritos em língua portuguesa selecionados e produzidos por alunos não-índios e por índios Terena-MS. Para isso, optou-se por escolher inicialmente 02 (duas) escolas públicas indígenas localizadas em pontos diferentes: a primeira escola indígena está localizada na área urbana de Anastácio-MS e a segunda escola selecionada localizada numa área rural do município de Dois Irmãos do Buriti-MS, tais sujeitos cursam a 4ª série, ou 5º ano, do ensino fundamental. Com o objetivo de analisar as principais formações discursivas de tais sujeitos e a manifestação lingüística em língua portuguesa. A investigação justifica-se para que possa conhecer as principais formações discursivas de tais sujeitos índios na sociedade e a materialização de tais discursos para posteriormente construir estratégias pedagógicas que respeitem a comunidade indígena e que contribuam para o respeito às diversidades culturais. Os resultados iniciais das análises das formações discursivas produzidas alunos índios Terena apontam para enunciados que contribuem para uma enunciação marcada historicamente e constituída pelas instituições: escola, religião e estado. Foi possível encontrar no corpus coletado enunciados que manifestam um posicionamento do sujeito criativo e em comum, há o uso da língua portuguesa coloquial, na variedade lingüística da oralidade, com algumas realizações concretas da língua terena que não se configuram como “erros”, mas sim como a fusão de tais diversidades lingüísticas que precisam ser respeitadas e conhecidas pelos professores.Palavras-chaves: formações discursivas – índios Terena - discurso
1 – Introdução:
A educação escolar indígena em Mato Grosso do Sul é algo recente e de corrente das
exigências nacionais da Constituição Federal de 1988, do MEC e da implantação do
Referencial Curricular Nacional para a Educação Indígena –RECENEI ao final da década de
90, bem como, das políticas educacionais que obrigaram estados e municípios a implantarem
as escolas indígenas com respeito às especificidades culturais. Com isso, as Instituições de
Ensino Superior (IES) precisam diante de tais desafios considerem nos futuros Projetos
Pedagógicos e nas ementas das disciplinas do curso de Pedagogia e de Letras aspectos
pertinentes às singularidades do ensino de Língua Portuguesa (LP) para tais contextos
educacionais, no que diz respeito, à formação do profissional da educação em diferentes
níveis, ou aprofundar em pesquisas para que tais realidades sejam consideradas em algum
momento: ensino, pesquisa e extensão.
Para essa presente reflexão situamos o curso de Letras da Universidade Universitária
de Jardim – UEMS e a disciplina obrigatória de Prática de Leitura e Produção Textual que 1 Trabalho apresentado no II Seminário Internacional da América Latina, realizado em 2008, pela UFMS.
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precisa considerar em seus objetivos, ementas e procedimentos pedagógicos as diversidades
lingüísticas e culturais do estado de MS com realidades tais como: regiões de fronteira: Brasil
e Paraguai, aldeias indígenas (urbana e rural) índios Terena, com falantes com influência da
LP como segunda língua e as realidades do ensino de LP para falantes maternos da língua.
Diante de um universo de possibilidades de investigações optamos inicialmente por
considerar as produções textuais de crianças Terena na 4ª série, ou 5º ano, do ensino
fundamental, por marcar um espaço entre a infância e a pré-adolescência, ou adolescência,
num período curto de contato com o ensino institucional, em 02(duas) localidades distintas
denominadas de: Aldeinha (localizada na urbana de Anastácio-MS) e na Aldeia Buriti (área
rural), municípios distantes 80 km, a partir das considerações teóricas da Análise do Discurso
(AD). Com o objetivo de levantar enunciados discursivos em Língua Portuguesa e as
concepções sociais e históricas de tais sujeitos, para que se possa conhecê-los e após tais
discussões criar situações pedagógicas para a prática de leitura e produção textual em escolas
indígena. Lembramos que as escolas indígenas iniciaram seus processos de resgates da língua
materna (língua Terena) e respeito aos valores culturais de tais sujeitos em média entre
04(quatro) e 06(seis) anos.
Traçamos como percurso uma escolha teórica centrada na Lingüística através da
Análise do Discurso (AD) e optamos por aplicar junto aos alunos, público alvo da pesquisa,
um enunciado propulsor: “As coisas que me fazem feliz são...” – para que de forma subjetiva
os alunos do ensino fundamental pudessem materializar os discursos infantis comuns em toda
e qualquer fase e que independem da etnia; outros próprios da sociedade através de
instituições: escola, igreja e estado e outros que manifestariam o sujeito índio de forma
criativa.
2 – A Análise do Discurso (AD) como perspectiva teórica para as análises
Para esclarecermos sobre a escolha de tal linha de pesquisa, recortamos as
considerações de Orlandi (1986, p.66), pois a autora argumenta que há diversas maneiras de
se pensar a linguagem e uma dessas maneiras é a partir do sócio-histórico pela AD, por
acreditar que seja uma “disciplina de entremeios”, que articula Psicanálise, Materialismo
Histórico e Lingüística.
Desse modo, a AD constitui uma perspectiva de análise que inclui um dispositivo
teórico e uma metodologia de pesquisa própria a partir das especificidades. Com isso, há que
2
se enumerar de modo simples alguns conceitos viáveis na AD através de verdades como um
construto discursivo de interpretações e do sujeito como um indivíduo interpelado em sujeito
e linguagem, pois o sujeito é atravessado pelo inconsciente, pela história e pela ideologia. E
essa ideologia precisa ser vista como um processo de produção de um imaginário, ou um
mecanismo de produção de discursos. Aspectos fundamentais como: discurso, efeito de
sentido entre locutores e sentido construído pelo sujeito são fundamentais, pois eles emergem
nas leituras. Desse modo, passamos a compreender a AD a partir da década de 60 na Europa,
com filósofos importantes, tais como: Michel Pêcheux, Bakhtin e Foucault e demais autores
europeus e brasileiros.
Para tal trabalho trilharemos algumas considerações na esteira de Foucault e de
Maingueneau (2004) para os conceitos de: discurso, enunciado, formação discursiva (FD) e
de sujeito, no caso específico deste artigo, tais conceitos estarão direcionados às análises dos
discursos produzidos por crianças indígenas da nação Terena-MS que se materializam em
língua portuguesa. E da concepção de gênero discursivo em Bakhtin com o objetivo de
especificar sobre a materialidade do corpus e as condições de produção que antecederam tais
discursos produzidos no ambiente escolar.
Foucault (2004, p. 28) alerta aos que se propõem analisar discursos que é preciso
conceber, ou supor que tudo que o discurso formula já existe, ou seja, já foi dito num
determinado momento e que o analista deverá compreendê-lo e tratá-lo no jogo de sua
instância, por acreditar que o conjunto de enunciados surge a partir de um conjunto finito de
regras que permite construir um número infinito de outros inúmeros enunciados com
capacidade de: usar o já-dito, de inaugurar novos enunciados, esquecer e de resgatar do
passado outros enunciado.
O discurso para Foucault (id.ib.p.61) é espaço de exterioridade em que se desenvolve
uma rede de lugares distintos e que manifesta a dispersão do sujeito e suas descontinuidades.
Para o autor, o discurso é mais do que uma mera utilização de signos para nomear coisas e é
preciso descrevê-lo e mostrar o algo a mais que se tem. Há que se considerar, também, que o
conceito de discurso é polissêmico 2, por percorrer possibilidades distintas que ora se
aproximam, ora se afastam. E o mesmo ocorre para a relação entre discurso e enunciado.
2 Para um maior aprofundamento do termo “discurso” sugerimos consulta ao Dicionário de Análise do Discurso, de Charaudeau & Maingueneau (2004).
3
Assim na perspectiva de Foucault, o conceito de discurso e de enunciado revelam
que são acontecimentos da língua dominados pelo ser humano em diferentes possibilidades de
usos e que se abrem em inúmeras manifestações discursivas e de memórias sociais, por meio
de sujeitos que interagem em situações concretas a partir de posicionamentos ideológicos. O
enunciado para o autor será sempre:
... um acontecimento que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente. Trata-se de um acontecimento estranho, por certo: inicialmente porque está ligado, de um lado, a um gesto de escrita ou à articulação de uma palavra, mas por outro lado, abre para si mesmo uma existência remanescente no campo de uma memória, ou na materialidade dos manuscritos, dos livros e de qualquer outra forma de registro. (FOUCAULT, 2004. p.31-32)
Lembrando que o enunciado estará ligado, também, não apenas às situações que o
provocaram, mas ao novo que surge após a realização de tais enunciados ligando aos outros
que o antecedem e aos que precedem e abrindo espaços para as criações enunciativas
presentes nas diversas obras literárias e nas concepções teóricas e disciplinares que surgem ao
longo dos séculos.
Para Maingueneau (2002, p. 21-22), o enunciado comporta inicialmente uma
seqüência de signos, ou seja, uma seqüência verbal e que o sujeito se serve da língua para
interagir com o outro, marcando intenções e escolhendo para isso um determinado gênero
discursivo. E que as condições de produção, o contexto e demais elementos pragmáticos
precisam ser considerados na investigação ou compreensão dos enunciados. O autor alerta aos
que investigam ou realizam atividades de análises de enunciados que a compreensão de um
enunciado não gira em torno tão somente da gramática de uma língua, ou do dicionário.
E para resgatar o enunciado, ou compreender seus sentidos é necessário mobilizar
outros saberes, percorrer outros caminhos antecipar hipóteses através de 03(três) tipos de
“contextos”: o ambiente físico da enunciação, ou contexto situacional; o cotexto e os saberes
anteriores à enunciação”. Com isso, o ambiente físico da enunciação, ou contexto situacional
passa a ser manifestado pelos tempos verbais, por dêiticos e demais marcas lingüísticas
presentes nos discursos responsáveis por reconstruir os enunciados, ou seja, o ambiente da
situação de interlocução estabelecida entre os sujeitos numa determinada instância.
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Para o cotexto, Maingueneuau (id.ib. p. 27) explica que tal procedimento se instaura
na seqüência verbal lida pelo sujeito e que favorece enquanto recurso lingüístico a relação
entre unidades lingüísticas, sociais, históricas e ideológicas. É responsável, também, por
recuperar sentidos no interior do enunciado, afastando com isso certos posicionamentos
incoerentes para o leitor. Por último, não menos importante, o autor aborda sobre os saberes
anteriores à enunciação enquanto conhecimentos em que o sujeito leitor já domina
antecipadamente ao ler um determinado enunciado, tais saberes revelam conhecimentos
prévios que não estão explícitos muitas vezes, mas estão implícitos e são partilhados entre
quem enuncia e quem lê o enunciado.
O autor lembra que o termo enunciado se opõe à enunciação, esta última ligada ao
ato de produzir, e o primeiro ao próprio produto da enunciação, ou ato de comunicação, e que
independe da extensão, com isso, uma palavra enunciada num determinado contexto histórico
e social de interação entre sujeitos deixa de ser frase e passa a ser enunciado.
Após apresentarmos algumas rápidas considerações sobre discurso e enunciado,
apresentaremos o conceito de formação discursiva (FD) na perspectiva filosófica de Foucault
(2004, p. 50):
...uma formação discursiva se define (pelo menos quanto a seus objetos) se se puder estabelecer um conjunto semelhante; se se puder mostrar como qualquer objeto do discurso em questão aí encontra seu lugar e sua lei de aparecimento; se se puder mostrar que ele pode dar origem, simultânea ou sucessivamente, a objetos que se excluem, sem que ele próprio tenha que se modificar.
Foucault discute no campo dos objetos a maneira pela qual os diferentes elementos
estão relacionados enquanto conjuntos semelhantes, para tais conjuntos, o autor apontou os
mais tradicionais: a teoria, a ciência e a ideologia. Mas é com Pêcheux que a FD passa a se
inserida na disciplina AD no quadro do marxismo althusseriano que propõe sobre as
formações ideológicas a partir de sujeitos mergulhados em papéis sociais, ao jogo de imagens
e nas relações de poder que determinam o que pode e o que deve ser dito, por exemplo, o
discurso comunista e o discurso capitalista apresentam formações discursivas antagônicas e
que duelam entre si. Contudo, tais perspectivas ainda foram revistas pelo próprio Pêcheux,
pois ao final dos anos 70 e início dos anos 80 a questão toma um outro rumo, afinal num
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mesmo discurso surgem formações discursivas de lugares distintos e que contribuem para a
heterogeneidade constitutiva do discurso.
Uma formação discursiva não é um espaço estrutural fechado, já que ela é constitutivamente ‘invadida’ por elementos provenientes de outros lugares (de outras formações discursivas) que nela se repetem, fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais (por exemplo sob forma de pré-construídos’ e de discursos) (PÊCHEUX, 1983, p.2)
Além da noção de formação discursiva, destacaremos alguns conceitos de sujeito
para o posicionamento da criança Terena no discurso produzido a partir de um enunciado
proposto, no ambiente escolar. E para isso recortamos as considerações de Maingueneau &
Charaudeau (2004, p. 457):
....é conveniente considerar que o sujeito do discurso é um sujeito composto de várias denominações. Ele é polifônico, uma vez que é portador de várias vozes enunciativas . Ele é dividido, pois carrega consigo vários tipos de saberes, dos quais uns são conscientes, outros são não-conscientes,outros ainda inconscientes. Enfim, ele se desdobra na medida em que é levado a desempenhar alternativamente dois papéis de bases diferentes: papel de sujeito que produz um ato de linguagem e o coloca em cena, imaginando como poderia ser a reação de seu interlocutor, e papel do sujeito que recebe e deve interpretar um ato de linguagem em função do que ele pensa a respeito do sujeito que produziu esse ato.
2. 1 - Uma reflexão sobre a noção de gênero discursivo:
Segundo Bakhtin (2000, p. 279-287), quando o locutor utiliza a língua numa
determinada “esfera da atividade humana”, ele o faz sob a forma de “enunciados (orais e
escritos) concretos e únicos” que passam a refletir as condições específicas e as finalidades de
cada uma delas. O enunciado é considerado, portanto, como “a unidade real da comunicação
verbal”, definição essa que o aproxima da concepção atual de texto.
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Nessa perspectiva, os enunciados refletem as condições específicas e as finalidades
de cada uma dessas esferas por seu “conteúdo temático” (que remete aos assuntos das
diferentes atividades humanas), por seu “estilo” (seleção operada nos recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais da língua) e por sua “construção composicional” (que
corresponde, grosso modo, à estrutura textual e às relações que se instituem entre os parceiros
da comunicação).
As esferas de utilização da língua passam, pois, a compor um “repertório de tipos
relativamente estáveis”, denominado por Bakhtin (2000, p. 279) “gêneros do discurso”. Esses
gêneros são considerados inesgotáveis pela riqueza e variedade que representam a partir das
inúmeras esferas de atividades humanas e pela capacidade de ampliar-se a partir dos tipos
estáveis.
O autor exemplifica a heterogeneidade dos gêneros do discurso, afirmando que eles
vão da réplica mais simples de um diálogo às manifestações literárias (provérbios, contos,
poemas, romances etc.), passando pelos relatos familiares (a carta, os bilhetes, os postais etc),
pelas formas padronizadas dos documentos oficiais na sua forma imperativa (atas, relatórios,
declarações, ordens militares etc) e pelas exposições científicas (artigos, dissertações, teses e
outras formas).
Em termos de complexidade, o autor distingue os gêneros do discurso “primários”,
oriundos da comunicação verbal espontânea e, por isso, mais simples, dos “secundários” o
romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico que, formados a partir dos
gêneros primários, aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa
e relativamente evoluída, sobretudo na modalidade escrita (BAKHTIN, 2000, p. 281-287).
Neste ponto, delimitamos nosso olhar para os discursos produzidos a partir de um
determinado gênero: a redação escolar. Para Reinaldo (2002, p. 97), trata-se de um gênero
específico, de existência restrita ao âmbito da escola, mesmo tendo as marcas inerentes ao
contexto de produção: sala de aula e a figura do professor. Serão considerados relatos pessoais
para os discursos produzidos por crianças indígenas da nação Terena – com o objetivo de
conduzir os sujeitos a relatarem suas experiências pessoais e subjetivas que revelem aspectos
sociais e históricos.
3 – Em discussão os enunciados discursivos presentes em: As coisas que me fazem feliz ....
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As condições de produção presentes nos discursos produzidos por
crianças/adolescentes da nação Terena em língua portuguesa foram às idênticas utilizadas nas
atividades pedagógicas de Língua Portuguesa, em que há um locutor (alunos) diz algo para
um alocutário (professor), pois a figura do pesquisador funde-se com a do professor da sala de
aula que solicita atividades de produção textual. Com isso, instaura-se o jogo de imagens
entre os sujeitos, esse jogo é marcado inicialmente pelos papéis definidos socialmente dentro
da instituição escola. E o que se diz e o como se diz, e o que pode ser dito e o que deve ser
dito numa determinada circunstância, mostrando as relações de poder, e utilizando para isso a
língua portuguesa num contexto histórico marcado pela dominação da cultura não-índia e o
silenciar da língua materna (língua Terena) ao longo dos anos e durante os primeiros
processos de escolarização nas áreas de reserva indígena.
É preciso considerar junto ao contexto específico da produção textual, aspectos
históricos e sociais localizados enquanto sujeitos no estado de Mato Grosso do Sul, pois
enquanto “nação indígena” em MS, os Terena desenvolveram após a Guerra do Paraguai, às
ocupações territoriais do estado, a implantação das linhas telegráficas e as linhas férreas com
Marechal Rondon, ao final do séc. XIX e início do séc. XX um processo de resistência que os
afirmaram como um povo em determinadas reservas indígenas, ou pequenos núcleos
familiares com organizações políticas e sociais próprias, bem como, passaram a utilizar em
algumas aldeias das estratégias discursivas de uso e de preservação da língua materna e em
outras aldeias há o esquecimento da língua Terena e o uso fluente da língua portuguesa nas
relações de interação com a sociedade índia e não-índia.
Destacamos que os índios Terena optaram por um contato submisso e amigável com
a sociedade não-índia ao longo dos séculos a partir de relações econômicas, com a venda de
produtos agrícolas pelas ruas de Aquidauana, Anastácio e Dois Irmãos do Buriti e demais
municípios e passaram a dominar a língua portuguesa para tais relações econômicas e sociais
e no núcleo familiar a língua materna.
A localização das aldeias e a ocupação em determinados pontos das áreas indígenas
pela sociedade não-índia forçando ainda mais as relações de poder de uso e o contado com as
sociedades de consumo. Para tal trabalho de pesquisa, optamos por investigar os enunciados
discursivos de crianças/adolescentes indígenas em localidades distintas. A primeira,
denominada escola estadual indígena A, localizada na Aldeinha, área urbana do município de
Anastácio-MS, pelo histórico de ocupação da área indígena pela sociedade não-índia ao longo
da criação e da implantação do município de Anastácio, a Aldeinha configura-se menor que
um bairro, com isso os sujeitos foram sufocados e inseridos de forma drástica na cultura do
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branco. Os aspectos radicais de tal localização e o histórico do não respeito às demarcações
das áreas indígenas no passado contribuíram para a anulação dos espaços territoriais, como
conseqüência para os Terena houve um desequilíbrio entre o espaço e um aumento
considerável dos núcleos familiares; não há espaço para o desenvolvimento de atividades
agrícolas e subsistência, houve um apagamento da língua materna, o subemprego (domésticas,
peões de fazenda, e outros), a baixa escolaridade e um desestímulo das novas gerações para os
valores culturais e de afirmação do sujeito índio. É preciso acrescentar os valores religiosos de
diferentes congregações instaladas num pequeno espaço da Aldeia urbana.
Um fator marcante para tal realidade descrita, foi a instalação do Gasodulto: Brasil x
Bolívia, na década de 90, e o investimento de recursos federais em parceria com os recursos
estaduais em municípios que estivessem áreas indígenas, através de melhorias na estrutura
habitacional, saúde e na área educacional indígena a partir de 2000, bem como, a implantação
de políticas educacionais que considerassem a escola indígena e a garantia de recursos
diferenciados. Tais fatores fizeram contribuíram para o início de um resgate e o despertar da
comunidade em lutar por melhorias e pela garantia de direitos adquiridos e inerentes aos
povos indígenas.
O gênero discursivo utilizado para materializar os discursos das
crianças/adolescentes da escola indígena A, marcam o relato subjetivo e próximo da
oralidade, pois é demonstra uma aparente espontaneidade dos sujeitos ao falar de um assunto
pessoal e individual, seria o que Bakhtin (2000) aponta como o gênero primário. Ao
propormos tal investigação tínhamos algumas hipóteses sobre o surgimento de enunciados
discursivos comuns ao discurso infantil, lembrando que para Foucault (2004, p.61), o discurso
é espaço de exterioridade em que se desenvolve uma rede de lugares distintos e que manifesta
a dispersão do sujeito e suas descontinuidades. Portanto, iríamos encontrar discursos nas
produções dos alunos indígenas Terena idênticos aos de crianças/adolescentes não-índias e
que determinados enunciados que iriam revelar o sujeito índio, marcado pelos discursos
institucionais: família, igreja e estado. Outro aspecto a ser destacado seria o posicionamento
de tais sujeitos enquanto índios.
Antecipadamente, sabíamos que a proposição: “As coisas que me fazem feliz são...”
– revelariam um discurso marcado pelas relações de poder: professor x aluno, na sala de aula,
mas era um risco a ser assumido na presente pesquisa que está no início.
Os recortes dos principais enunciados foram norteados a partir de 18 (dezoito)
produções textuais coletadas na escola estadual indígena A, em que foi possível detectar
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enunciados centrados na família, no consumo, em Deus, nos estudos e nas brincadeiras.
Observemos as tabelas abaixo os enunciados que foram recortados:
Enunciados produzidos por alunos da 4ª série, do ensino fundamental, da Escola
Estadual Indígena, denominada aqui de escola A, localizada na Aldeinha - aldeia urbana, no
município de Anastácio-MS,– alunos Terena.
Tabela 1 - Enunciados que associam a felicidade à família:
“O que me faz feliz é chegar em casa e conversar com que eu gosto Eu gosto mais dos meus
pais e dos meus irmão.” 40/08“...sou feliz quando eu estou com a minha família com meus amigo...” 43/08 “Meus pais me faz muito feliz quando me aconselham, ou me ajudam a enfrentar a vida com
atitude...” 46/04
É possível identificar na Tabela 1, os enunciados que mostram as relações familiares
e o apego ao núcleo familiar, característica comum em sujeitos índios e não-índios e que são
responsáveis pela realização e pela felicidade. É possível identificar a formação discursiva
familiar Meus pais me faz muito feliz quando me aconselham, ou me ajudam a enfrentar a
vida com atitude – tais enunciados revelam as condutas: proteger, aconselhar e encaminhar as
crianças e jovens – tal discurso marca a instituição família e seu papel. Outra característica
marcante de tais enunciados discursivos de crianças/adolescentes indígenas são marcadas pela
exterioridade, porque mesmo passando por problemas econômicos a família Terena é tida
como uma forma de resistência em MS e sobrevivência, pelo papel das mulheres índias jovens
e não tão jovens ligadas à maternidade e às responsabilidades inerentes, pois dificilmente
encontramos crianças abandonadas e ou excluídas pela família na Aldeinha de Anastácio-MS.
Tabela 2 -Enunciados que associam o querer (futuro do pretérito), o ter e o ganhar (v. no
infinitivo) de adquirir posses ou consumir produtos.
“...eu queria ter uma casa moves [móveis] para a minha casa ...moto eu queria ter muito
dinheiro eu queria ser milhonario...” 43/08“Ganhar muito dinheiro ter moto ter cama ter uma casa com piscina eu sou tão feliz ter uma
vida melhor que queria mudar pra algum lugar mais aqui na aldeinha eu também sou muito
feliz.” 44/08 [Conflito]“...eu tenho um sonho de ganhar tudo na minha vida que deus mi da tudo...”48/08
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“São aquelas coisas muito boa ter uma bicicleta ganhar muito dinheiro ter uma casa própria
eu quero ter ou ganhar um computador queria que tivece...”50/08“...eu queria viver como todos os rico dessa cidade.” 51/08
Os enunciados discursivos da Tabela 2 marcam uma materialidade expressiva
da sociedade de consumo através do verbo “querer”, “ter” e “ganhar” para o sujeito
criança/adolescente Terena, pois ele deseja algo que não possui em seu universo, isso revela
que tanto o índio quanto ao não-índio passam a ocupar na sociedade de consumo um lugar de
poder quando tem acesso aos bens de consumo (casa, móveis, moto, cama, bicicleta, piscina).
Para isso, o fato de ser feliz vem marcado pelo ter para ser e o dinheiro (capital) é o foco das
atenções, num segundo plano a Deus e num terceiro plano delega-se ao sonho, como projeto
futuro. Influenciados pela observação do contexto social em que a aldeia está localizada e por
fatores de uma sociedade de consumo através da mídia, o sujeito do discurso marcado em
44/08 vivencia um conflito entre mudar para “queria mudar pra algum lugar ...” e de
permanecer no local: “eu sou tão feliz”, “mais aqui na aldeinha eu também sou muito feliz”.
A acessão social também é algo a ser desejado como forma de viver e ser feliz para
a criança índia: “eu queria viver como todos os rico dessa cidade” – uma formação discursiva
que pode ser encontra com facilidade por grupos sociais excluídos, ou de classe menos
favorecidas socialmente que delegam a felicidade ao fato exclusivo, ou de maior intensidade
ao capital. Afinal, tais grupos estão inseridos num contexto maior e enunciam do lugar de
poder que ocupam.
Abaixo na Tabela 3, há exemplos de enunciados discursivos que revelam a
instituição religião e a felicidade delegada ao plano divino (Deus e Jesus) e ao sujeito através
de boas ações (acreditar em Deus, ser bom, estar sempre de bom humor, ouvir as palavras de
Deus).
Tabela 3 - enunciados que atribuem à felicidade aos dons espirituais, ou dons pessoais através
das boas ações:
“Ser feliz faz parte da nossa vida principalmente da nossa beleza, ser bom, para as pessoas
estar sempre alegre procurar alguma coisa para que te faça sorrir. Cuidar das plantas procurar
ajudar uns aos outros estar sempre de bom humor com a vida.” 41/08“...as coisas que me fazem são ouvir as palavras de Deus”43/08“não posso esquecer do nosso Deus o amigão da criança essa é a minha Redação” 44/08“a amizade sincera e o que me faz Sentir feliz!!!” 46/08
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“as coisas de deus...” 48/08“as coisas mais feliz que eu penso é Deus em minha Vida...” 50/08“tem uma coisa que me faz feliz e essa coisa e Jesus e Jesus e a nossa única oportunidade de
ser feliz porque ele é a nossa razão de viver...” 51/08“Deus, lua, a estrela...” 52/08
Nos enunciados do discurso do aluno indígena há a voz da instituição igreja que se
instaura de forma consciente ou inconsciente e passa um ethos de doutrinação, um tom
pastoral: as coisas que me fazem são ouvir as palavras de Deus – leitura da bíblia, “Deus
amigão da criança” – catequese, ou escolinha bíblica. Há também uma ligação com os
elementos da natureza: cuidar das plantas e ao etéreo: lua, estrela.
Como o contexto de produção dos discursos ocorreu em sala de aula, eis que nas
produções textuais dos alunos indígenas há enunciados que se referem à instituição escola, o
interessante que tais enunciados passam a refletir um sujeito dividido entre o ato de aprender
brincando associado à brincadeira própria da infância e início da adolescência; e ao ato de
aprender dissociado da brincadeira: Eu gosto de Estudar gosto de brincar, mas brincadeira
tem hora... 40/08. A voz do locutor adulto surge no enunciado com o objetivo de delimitar
regras e normas para instituição escola: mas brincadeira tem hora. O uso do “mas” nos
enunciadores revelam a argumentativa dos sujeitos em apresentar os dois posicionamentos: o
“eu” o que eu, criança, gosto de fazer e o que é permitido fazer, ou dizer na escola.
Tabela 4 - enunciados que apontam a felicidade ligada à escola, ou aos estudos:
“Eu gosto de Estudar gosto de brincar, mas brincadeira tem hora...” 40/08“na hora do estudar estudar as minhas aula...” 47/08“Estudar Na Escola brico [brinco] todos os dias...” 49/08“...estudar ne uma escola particular em aquidauana ou em anastácio queria bater Fanfarra em
cualquer escola...” 50/08“e nem posso ter escola bem rica mas tenho uma escola que eu posso ser feliz...” 51/08“...estudar sair fazendo desenho...” 52/08
O conhecimento de mundo partilhado pela criança/adolescente Terena reconhece e
delimita as diferenças entre escola: particular x pública e o desejo de ser feliz por estar numa
escola: particular e marcar sua acessão social: “...estudar ne uma escola particular em
aquidauana ou em anastácio queria bater Fanfarra em cualquer escola...” 50/08, ou de ter na
sua escola outras atividades pedagógicas que considerem a música e as artes. Outro aspecto
externo a essa relação: professor x aluno, diz respeito, da professora ser uma não-índia, pois a
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escola conta com apenas 01 (uma) professora Terena em formação e que não atua na 4ª série,
ou 5ºano, porque está lotada na 1ª série, ou 2ºano.
Na Tabela 5, os enunciados mostram o sujeito marcado pela suas atividades
recreativas e subjetivas de criança/adolescente Terena em sociedade e na sua fase de vida.
Tabela 5 - Enunciados que atribuem à brincadeiras, atividades de lazer:
“Gosto de assistir televisão também de ler um bom livro...nadar de viajar...” 40/08“ir ao rio tomar banho, ler o livro que eu gosto, assistir à televisão principalmente ouvir
música...” 41/08“jogar futebol, andar de bicicleta solta pipas, brincar de carrinho...sair para viajar...” 43/08“ir ao rio pescar e pegar muitos peixes.....” 45/08“jogar bola, nadar correr e fazer exersicios...comer macarrão...e pescar de vez em quando...”
47/08“Brincar sediverti mi deija feliz é asestir televisão asistir novela da globo da SBT” 50/08“brincar...pintar soltar pipa jogar bola sair para ver as estrelas, lua e o céu” 52/08
Enunciados que revelam atividades lúdicas próprias da idade que são responsáveis
pela felicidade do sujeito: nadar, viajar, tomar banho de rio, jogar futebol, andar de bicicleta,
soltar pipa, brincar com carrinho, pescar, observar estrelas e outras atividades que são
próprias de sujeitos índios e não-índios. Outros enunciados são marcados pelo acesso à mídia
(através do acesso à televisão) e a sociedade de consumo de produtos: “mi deija feliz é asestir
televisão asistir novela da globo da SBT (50/08)”; “Gosto de assistir televisão...40/08”. Há
também a inclusão da atividade de leitura: “ler um bom livro...” (40/08) e “...comer
macarrão...” (47/08). Ao longo das análises de tais enunciados, é possível detectar um
momento forte para os alunos indígenas da Aldeinha, pois eles falam de suas preferências
individuais e das atividades coletivas e lúdicas livres, desvinculadas da instituição escola e
igreja.
É preciso lembrar que o corte realizado para evidenciar os distintos enunciados
foram para esclarecer mais especificamente as principais formações discursivas isoladas, mas
que nos discursos produzidos pelos alunos indígenas há mais de uma formação discursiva
pela natureza da heterogeneidade mostrada e constitutiva dos discursos.
Por exemplo no discurso abaixo:
43/08as coisas que me fazem são ouvir as palavras de Deus eu queria ter uma casa moves para minha casa [....] moto eu queria ter muito dinheiro eu queria ser milhonario eu sou feliz quando eu estou com a minha familia com meus amigo.
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Em 43/08 é possível detectar a formação discursiva religiosa e a formação discursiva
da sociedade de consumo, tais formações duelam entre si e mostram o sujeito numa dispersão
de valores distintos e que ocupam o mesmo discurso.
E em outros o sujeito criança deixa de lado preocupações sociais e de adulto e passa
a enunciar de forma subjetiva e suas preferências, como por exemplo na produção textual
abaixo:47/04
O que me faz feliz sãona hora de jogar bola, nadar correr e fazer exersicios.Na hora de alimentaçãoque me faz felizcomer macarrão com carne moídae feijão com carne, alface e tomatee banana,e pesca de vez em quandona hora do estudarestudar as minhas aula....
O próximo grupo de enunciados “B” a serem apresentados corresponde aos discursos
produzidos por alunos indígenas da Escola Municipal Indígena, localizada na Aldeia Buriti,
área distante 40 km de cidade de Dois Irmãos do Buriti-MS e de 80 km do município de
Anastácio-MS.
As condições de levantamento do corpus de 22 (vinte e dois) discursos seguiram as
mesmas condições dos discursos produzidos pelo Grupo “A”. Passemos as análises, iniciando
pela Tabela 5.
Enunciados produzidos por alunos da 4ª série, do ensino fundamental, da Escola
Municipal Indígena B – Aldeia Buriti, localizada no município de Dois Irmãos do Buriti –
MS, índios Terena.
Tabela 5 -Enunciados que associam a felicidade à escola e as atividades lúdicas
(brincadeiras na escola e fora da escola):
“Vir a Escola todos os dias de manhã jogar bola na escola....Eu fico contente quando a
professora e na conta historí para nois fazermos muita redação....eu adoro quando ele faz
brincadeira com nós na sala..” 69/08“Eu gosto tambem dezenhar quando, eu faço algumas coisas na escola e eu aserto...E muitu
mais da minha professora que me ensina na sala...” 67/08“Eu adoro Estudar na minha Escola por que tem tudo tem carteiras para os alunos sentar para
Estudar e adoro a minha professora...” 70/08“Estudar e jogar bola e tamei desenhar e pescar tomar banho no corrego...” 71/08
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“E também na escola estudar, e quando eu venho nas brincadeiras na escola e quando eu vou
passear com as minhas primas...” 79/08“As coisas que me fazem feliz são...desenhar estudar e brincar pasear jogar futebol...” 84/08“estudar ajudar o meu pai...”88/08
A felicidade descrita nos enunciados discursivos de alunos indígenas, da escola B,
está primeiramente associada ao fato de estar na instituição escola, não muito diferente do
grupo A, contudo o “aprender” está vinculado diretamente ao ato de brincar durante as
atividades pedagógicas realizadas pela professora e fora da sala de aula. O lúdico e o
pedagógico revelam que os saberes institucionais podem estar aliados na prática de leitura e
produção textual. A formação discursiva da instituição escola não se distancia: Eu fico
contente quando a professora e na conta historí para nois fazermos muita redação....eu adoro
quando ele faz brincadeira com nós na sala..” 69/08, e desaparece a voz que impões regras:
hora de estudar – hora de brincar. Outro aspecto, é que o aluno índio escreve para a
professora, por isso procura manter uma relação amigável: “adoro estudar”, “gosto também de
desenhar...”; “adoro a minha professora”. Um fator relevante para esta relação está num
informação externa e de contexto social e político da Aldeia, pois a professora da escola
indígena B é índia Terena, formada num programa institucional específico para professores
indígenas e está lotada na 4ª série, ou 5º ano. Por reivindicação da liderança da Aldeia
(cacique, conselho comunitário e chefe de posto da FUNAI local) há uma pressão muito
grande para a contração de professores índios em formação, ou já formados para atuarem na
escola local. O ensino primeiras séries do ensino fundamental ocorre por falantes da língua
materna e em língua portuguesa o que mantém a diversidade cultural e lingüística do povo
Terena.
Tabela 6 - Enunciados que associam a felicidade às responsabilidades executadas
socialmente (divisão de trabalhos) na escola e na família (hoje) e uma preocupação com a
formação profissional futura:
“Como tarefas para casa, exercícios na sala de aula eu fico feliz por ser uma coisa que vai ser
bom para meu futuro, gosto de limpar em casa,..defazer muitas coisas.” 67/08“eu sou filiz com minha família eu meu pai mandar pegar cavalo...”68/08“...eu quero estudar muito para pagar a faculdade e estudar para ser uma infermeira e ajudar a
minha família e trabalhar para a minha aldeia..” 70/08“os meus pais por que eles tabém me fazem feliz eu gosto da mieha família e estudar para eu
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mi forma.” 77/08“são as coisas que eu faço em minha casa é ajudar a minha mãe quando ela varre o terreiro eu
jogo lixo....eu acendo o fogo de manhã para ela tomar mate com o meu pai...eu gosto de ir ao
campo com meu pai pegar o cavalo...” 80/08“ E eu quero estudar para, se alguma coisa na minha vida...se uma professora como a
professora Eva...” 81/08“ser estudante para um dia eu procurar serviço poder trabalhar e ter um futuro mas melhor e
fazer minhas família feliz queria ser uma professora para ensinar os alunos...” 82/08“e vou ajudar a minha mãe na limpesa da casa quando Ela estiver apurada para sair quando
éla chega esta tudo limpinho....e momter [manter] o meu estudo para que eu posso ter uma
profissão da quí para frente.” 87/08
Na Tabela 6 há enunciados discursivos que revelam as divisões de pequenos
trabalhos domésticos: “casa é ajudar a minha mãe quando ela varre o terreiro eu jogo lixo....eu
acendo o fogo de manhã para ela tomar mate com o meu pai...eu gosto de ir ao campo com
meu pai pegar o cavalo...” 80/08. Em outros momentos surge o uso dos verbos “queria”, “ter”
e o “ser” marcas lingüísticas que contribuem para o cotexto e marca a necessidade da
felicidade como plano futuro, pois o sujeito deseja ter algo “uma vida melhor” – “uma
profissão”. Eis que surge a formação discursiva da sociedade de trabalho e da instituição
escola, “momter [manter] o meu estudo para que eu posso ter uma profissão da quí para
frente.” 87/08 – a escola nos enunciados ganham a responsabilidade e o compromisso da vida
adulta nas enunciações da criança/adolescente indígena. E a figura professora e o seu papel
marcam o contexto social e histórico da comunidade, pois se torna um referencial se uma
professora como a professora Eva...” 81/08. O sujeito aluno indígena Terena – enuncia e neste
enunciado instaura a voz de um segundo locutor (pais, família e sociedade). É o que
Maingueneau & Charaudeau (2004, p. 457) afirma que o “sujeito do discurso é um sujeito
composto de várias denominações. Ele é polifônico, uma vez que é portador de vária vozes
enunciativas” – vozes de uma sociedade não-índia e vozes da sociedade que ele está inserido.
Assim, tais vozes informam também ao locutor sobre as intervenções políticas do
estado e do município no dia a dia da Aldeia e é o que temos na Tabela 6, abaixo:
Tabela 6 - Enunciados que abordam a felicidade vinculada às questões sociais (na
Aldeia não ter drogas, ou não ter índices de violência alarmantes...), questões políticas
(Programas de Segurança Alimentar (cesta básica), Bolsa Escola...,terras indígenas), bem
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como a denúncia de não ser feliz, pois a família está desempregada...., ou morar longe da
família para estudar...., ou destruição da natureza....
“aynda meu pai e gosta da minha aldeia padir [pedir] imprego para as pessoas para as familia
e fica feliz com os seus fililho como as minha mãe” 68/08“Morar na aldeia com o meu pai e a minha mãe e os meus irmãos e tabém o que eu sinto feliz
é guanhar a sexta Básica...o que me faz muito mais feliz e teve um Posto de Saúde Para as
Pessoas mais idosos e as doentes.” 70/08“...também gosto poque não tem droga aqui na aldeia e também gosto de andar de cavalo...”
71/08“E moro na aldeia Oliveiro mas estudo no Buriti...
“Eu gostaria que não existises droga nas nossa Aldeia e na cidade ...”72/08“Eu não me sinto feliz por que os meus pais não tem emprego proprio e..., mas me sinto um
pouco feliz tambem que tem a nossa escola propria e que tem o posto de Saúde na nossa
comunidade,...espero que tenha uma ambulancia...me sinto feliz também de morar na minha
comunidade por que não existe muito violença não há droga na nossa aldeia...” so existe uma
coisa que e a bebida alcolica.” 73/08“aminha felicidade e saber que aminha comunidade esta conseguindo o retomar as terras, ela
e muito importanti para nosa sobrevivensia.” 74/08“ a bolsa escola que nos tem agora a sexta básica e a reforma da nossa escola e as casas do
governo que as familia estão ganhando em todas as aldeias eu estou muito feliz...., mas tem
uma coisa que não me deícha feliz é o meu pai que não para de beber bebida alcolica e
tambem o emprego esta faltando nas aldeias...” 76/08“...e minha alegria e que o Prefeito mandou fazer uma quadra e duas as quadras para nós
jogar bola e as duas salas [de aula] para outros alunos que estudava a noite e turma de 8 serie
uma coisa que mi intristece é que os fazendero estão acabando com a natureza, puriso os
animais estão acabando o rio porque estão acabando com as arvore.” 78/08“Mas eu seria mais feliz se os meus pais tivesse um imprego próprio mas eu sou feliz
também porque eu gosto muito da minha família e dos meus amigos.” 79/08“...mas tem uma coisa que me deicha triste e ver índios que querem entra na faculdade e não
tem condição de sobreviver na cidade eles acabam desistindo e volta para a aldeia e para
trabalhar na roça.” 81/08“Mas esse felicidade é incompleta porque eu não moro com o meus pais, sem a minha família
eu não sou feliz.” 75/08
A felicidade passa a ter um sentido mais amplo, pois não está centralizada só
na 1ª p.s., no “eu”, mas no coletivo e na observação do sujeito para a comunidade, onde está
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inserido. Assim, os programas sociais e de assistência: “cesta básica”; “construção de casas de
alvenaria”; “Bolsa escola”; “reforma e ampliação da escola”, “quadra na escola”, “Posto de
Saúde” – passam a representar para o sujeito Terena melhorias que elevam a auto-estima do
grupo e que refletem também no ensino-aprendizagem, despertando para algo mais: “aminha
felicidade e saber que aminha comunidade esta conseguindo o retomar as terras, ela e muito
importanti para nosa sobrevivensia.” 74/08. O fato de não apresentar a violência dos grandes
centros urbanos.
Contudo o sujeito criança/adolescente Terena é capaz de avaliar os aspectos
negativos presentes na Aldeia, tais como: o alcoolismo entre os índios, falta de mais escolas,
falta de condições de cursar o ensino superior: “...mas tem uma coisa que me deicha triste e
ver índios que querem entra na faculdade e não tem condição de sobreviver na cidade eles
acabam desistindo e volta para a aldeia e para trabalhar na roça.” 81/08. O interessante é que a
proposta direcionava para a felicidade e os sujeitos ampliaram direcionando para a não-
felicidade, ou tristeza: pela falta de emprego e a destruição da natureza. Com isso, buscam um
posicionamento de crítica a realidade local. Há nos discursos produzidos por sujeitos Terena,
Escola Municipal Indígena B, uma maior incidência de enunciados que afirmam o lugar onde
moram: a Aldeia, isso se torna um referencial de afirmação do sujeito índio.
A língua portuguesa utilizada nas produções discursivas tanto na Escola A quanto na
Escola B demonstram o nível de escolarização que não é diferente de crianças não-índias em
escolas públicas. Portanto são sujeitos que dominam a segunda língua (língua portuguesa) e
que têm um distanciamento da língua materna (a Terena) isso ocorre, porque durante décadas
a instituição escola é responsável por um ensino tradicional, sem respeito às diversidades
culturais que teve como conseqüências: muitas reprovações, muitas exclusões, esquecimentos
culturas e negações da identidade indígena e conseguiram ao longo da escolarização fazer o
jogo da própria instituição escola: dizer aquilo que se quer ouvir, utilizando a língua do
dominador.
Enfim, ele se desdobra na medida em que é levado a desempenhar alternativamente dois papéis de bases diferentes: papel de sujeito que produz um ato de linguagem e o coloca em cena, imaginando como poderia ser a reação de seu interlocutor, e papel do sujeito que recebe e deve interpretar um ato de linguagem em função do que ele pensa a respeito do sujeito que produziu esse ato. (MAINGUENEAU & CHARAUDEAU, 2004, p.457)
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Em outros momentos o aluno Terena deixa fluir a liberdade de ser simplesmente
criança/adolescente e ser feliz realizando brincadeiras coletivas e individuais em contado com
a natureza, sem muitas preocupações do universo adulto. São alguns dos exemplos abaixo, em
que o sujeito criança/adolescente vem à tona no discurso.
85/08As coisas que me fazem feliz são... jogar futibol porque eu gosto de jogar e ficar de goleiro eu não gosto de brigar com os meus colega por que se não a caba o jogo e também au guns fica brabo e a caba brigando e machucando e fazendo os outros chorar.E tambêm eu gosto de andar de acavalo com os meus amígos e apostar corrída e também eu gosto de ir no córrego com os meu irmão e pescar e tomar banhoE tudo isso que ne faz feliz.
86/08As coisas que me fazem feliz são...brincar com meus amigos não fazendo brincadeira besta tem que faze bricadeira como de esconde esconde Essas brincadeira que e e jogar bola. Na escola no educação Física e e mais as. Coisas que me fazem feliz como. Estudar, ir na igreja fazer catequese isso que me fais feliz e caçar perdiz e cadorna e e nambu e tabem e pescar com os meus a migos no córrego Ena lagoas.
E algumas marcas da língua materna são identificadas nesses momentos de liberdade
e sem tantos crivos das regras da língua portuguesa: “E tambêm eu gosto de andar de acavalo
com os meus amígos e apostar corrída e também eu gosto de ir no córrego com os meu irmão
e pescar e tomar banho”(85/08); Na escola no educação Física e e mais as....; a tonicidade das
língua são diferentes, outra marca é a questão de gênero: masculino e feminino, para a língua
Terena isso não é relevante, já para a língua portuguesa isso é necessário. Tais marcas não se
configuram como erros, mas como ocorrência para falantes que têm contato com línguas
distintas, ou falantes que realizam mesmo na língua portuguesa marcas da gramática de uma
outra língua, ou resquícios dessa língua.
4 - Considerações Finais
Através das análises iniciais da presente pesquisa concluímos que os discursos
produzidos por crianças/adolescentes Terena revelam o jogo das relações de poder comuns
em toda sociedade índia e não-índia, pois eles não estão isolados do restante do país. Outro
aspecto fundamental é que a instituição família e as relações coletivas nas comunidades
localizadas em áreas urbanas ou em áreas rurais de reserva são fortes, bem como, os laços
entre pais, amigos e parentes.
Os enunciados discursivos são polifônicos revelando a voz do sujeito
criança/adolescente, do adulto e da sociedade com seus distintos valores. E a escola torna-se
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um espaço dialógico de confronto de idéias. Outro aspecto importante, diz respeito à prática
pedagógica que associa o aprender brincando, trazendo para prazer e felicidade e a que
distancia o aprender do brincar traz uma certa tristeza e rompimento das sensações de
felicidade e de prazer.
O contato com as distintas realidades sociais e políticas de afirmação, ou de não-
afirmação de grupos sociais, no caso específico, povo Terena torna-se elementos interessantes
para se tornar temáticas de aprendizagem na instituição escola. E pode contribuir de forma
positiva na identidade e resgate do ser índio e de conquistar direitos adquiridos em prol de
uma coletividade maior.
E por último foi possível encontrar no corpus coletado enunciados que manifestam
um posicionamento do sujeito criativo e em comum quando o sujeito índio passa enunciar a
liberdade de brincar, realizar ações como: pescar, tomar banho de rio, jogar futebol, andar a
cavalo, soltar pipa e outras, sem muitas preocupações inerentes a vida adulta.
Foi possível encontrar em algumas poucas ocorrências discursivas o uso da língua
portuguesa coloquial, na variedade lingüística da oralidade, com algumas realizações
concretas da língua Terena que não se configuram como “erros”, mas sim a fusão de tais
diversidades lingüísticas que precisam ser respeitadas e conhecidas pelos professores.
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