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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO A VEZ DO MESTRE
ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL
ALGUNS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS:
Revisão sobre os aspectos sócio-jurídicos nos meios processuais
DANIELE DAS DORES SILVA HONÓRIO
2
RIO DE JANEIRO, 2005 DANIELE DAS DORES SILVA HONÓRIO
ALGUNS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS:
Revisão sobre os aspectos sócio-jurídicos nos meios processuais
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação A Vez do Mestre, da Universidade Cândido Mendes, para obtenção do título de Especialista em Processo Civil.
3
RIO DE JANEIRO, Março de 2005
RESUMO
Uma Constituição não tem que fazer declaração de deveres paralela à declaração de direitos. Os deveres decorrem destes na medida em que cada titular de direitos individuais tem o dever de reconhecer e respeitar igual direito do outro, bem como o dever de comportar-se, nas relações inter-humanas, com postura democrática, compreendendo que a dignidade da pessoa humana do próximo deve ser exaltada como a sua própria. A origem histórica do mandado de segurança é a mesma do habeas corpus, sendo sua fonte imediata a doutrina brasileira constituída em torno do referido writ, pois desta se originou o instituto. A primeira disciplina legislativa do mandado de segurança veio com a Lei n.º 191, de 16 de janeiro de 1936, sendo posteriormente ignorado pela Carta de 1937, sendo o writ aplicado por intermédio do Decreto-lei n.º 6, de 6 de novembro de 1937, que estabelecia sua vigoração, nos termos da Lei n.º 191/36, exceto quanto aos Presidentes, Ministros, Governadores e Interventores. Foi elevado novamente ao plano constitucional em 1946 e mantido até nossos dias. A eficácia do Mandado de Injunção em face do seu perfil no texto constitucional de 1988, valendo dizer que, também interessa avaliar a quem a Constituição Federal atribuiu legitimidade para impetrá-lo. No que tange à problemática da omissão legislativa inconstitucional e seu controle advém, não do dever geral de legislar, mas da específica e concreta incumbência ou encargo constitucional, surgindo dessa forma, uma verdadeira ordem de legislar de cunho específico, cujo cumprimento está adstrito à emissão da normas correspondentes. Diante dessas considerações iniciais é que se baseará o tema central deste trabalho monográfico que ora será submetido à apreciação de estudo.
4
DEDICATÓRIA
À minha família, pelo amor, dedicação e paciência, que me
deram coragem e não me deixaram esmorecer. Pelo muito que
5
me proporcionou, para que a nossa caminhada em função da
elaboração deste trabalho monográfico fosse menos árduo.
Amo vocês!
AGRADECIMENTOS
DEUS:
nosso pai e criador pela possibilidade que nos concede de
levarmos ao nosso próximo o que aprendemos.
6
Ao Professores pelo profissionalismo com que me orientou
nesse trabalho monográfico.
A todos aqueles, que direta ou indiretamente contribuíram para
que eu alcançasse mais essa vitória.
O meu reconhecimento!
7
A esperança não é para amanhã. A esperança é este instante.
Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança porque esta
palavra significa sobretudo espera. E a esperança é já.
(Clarice Lipector)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9
1 - REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS: DEFESA E PROTEÇÃO DOS DIREITOS
INDIVIDUAIS ............................................................................................... 12
1.1 Significado dos remédios, ações e garantias constitucionais ....................... 12
1.2 Sobre o direito de petição ............................................................................ 13
1.3 Direito a certidões ........................................................................................ 15
2 – REFLEXÕES SOBRE “HABEAS CORPUS” ................................................ 16
2.1 Conceito ...................................................................................................... 16
2.2 Natureza jurídica .......................................................................................... 17
2.2 Condições da ação do pedido do Habeas Corpus ........................................ 18
2.5 “Habeas data” .............................................................................................. 19
3 - VISÃO GERAL SOBRE O MANDADO DE SEGURANÇA ............................. 21
3.1 Conceito ....................................................................................................... 21
3.2 Objeto do Mandado de Segurança ............................................................... 22
8
3.3 Objetividade jurídica .................................................................................... 27
3.4 Natureza Jurídica do Mandado de Segurança .............................................. 28
3.5 Urgência na impetração do mandado de segurança ..................................... 30
3.6 Prazo para impetração ................................................................................. 32
3.7 Mandado de Segurança contra Decisão Judicial: Violação ao Princípio
do Devido Processo Legal .......................................................................... 32
4 A IMPORTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO DIREITO PROCES-
SUAL BRASILEIRO ...................................................................................... 37
4.1 Competência ................................................................................................ 39
4.2 Objeto do mandado de injunção .................................................................. 39
4.3 Função do mandado de injunção .................................................................. 42
4.4 Finalidade do mandado de injunção ............................................................. 43
4.5 Eficácia do mandado de injunção ................................................................. 44
4.6 Legitimidade ativa ........................................................................................ 45
4.7 Legitimidade passiva .................................................................................... 46
4.8 O Estado Social: sua lógica e o mandado de injunção .................................. 48
5 REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE QUAL OU QUAIS AS CAUSAS DA FALTA DE
EFETIVIDADE DE ALGUNS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS SEGUNDO
CALMON DE PASSOS .................................................................................... 51
CONCLUSÃO ..................................................................................................... 60
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 63
9
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 enfatizou os direitos fundamentais, os quais
são considerados básicos para o Estado brasileiro, porquanto refletem a dignidade da
pessoa humana, no entanto, o fato de os direitos do homem serem reconhecidos não
foi suficiente para assegurar o respeito, havendo por isso a necessidade de se
estabelecer garantias contra a tendência ao abuso desses direitos.
Tal sistema de proteção de defesa dos direitos fundamentais do homem,
criado pelos legisladores, é compreendido por ações, as quais são também
denominadas de "Remédios Constitucionais ou Processuais".
O Mandado de Segurança, por ser considerado de relevante alcance, em face
do perfil do texto constitucional de 1988, e por apresentar um universo extremamente
amplo de normas de eficácia limitada e de aplicabilidade mediata ou indireta que
dependem, necessariamente, de providências normativas ulteriores para a produção
dos efeitos colimados pelo legislador constituinte. Quanto às normas de eficácia
10
limitada, cabe ao legislador ordinário conferir-lhes executoriedade plena, mediante leis
integrativas.
A Constituição da República não pode realizar nada, mas, por outro lado, pode
impor tarefa e, transformar-se em força ativa caso estas tarefas venham ser
efetivamente realizadas. Logo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em
força ativa se se fizer presente, na consciência geral, particularmente, na consciência
dos principais responsáveis pela ordem constitucional, não só a vontade de poder,
mas também a vontade da Constituição.
A inconstitucionalidade por omissão e seu controle, sob o enfoque da
aplicabilidade das normas constitucionais, em que acentuada é a problemática das
normas de eficácia limitada. Acredita-se que o processo de efetivação das normas de
constitucionais impõe como necessária a avaliação do modo pelo qual a ordem
jurídica enfrenta a problemática da omissão legislativa, ou obsta a efetividade das
normas constitucionais.
A Constituição só se torna viva e só permanece viva, quando há o esforço em
conferir-lhe realização, que não se coaduna com a omissão inconstitucional,
inviabilizadora de sua eficácia.
A liberdade de locomoção, o direito de ir e vir, e permanecer, é característica
inerente a todo e qualquer indivíduo, sendo, portanto, um direito fundamental absoluto,
um bem inalienável, irrenunciável, conquistando no Estado Moderno, mais
precisamente, no Estado de Direito. O seu reconhecimento, bem como, sua proteção,
figuram no instituto do Habeas corpus.
Entretanto, para que se possa compreendê-lo devidamente, faz-se necessário
diferenciar dos outros remédios constitucionais, quais sejam: Habeas Data e Mandado
de segurança.
Em relação ao habeas data, temos que este assegura o conhecimento de
informações relativas a própria pessoa ou a retificação de dados, ao passo que o
mandado de segurança assegura os direitos, líquido e certo, não amparados pelo
habeas data, nem pelo habeas corpus.
O habeas corpus constitui uma medida de notável importância para a defesa
da liberdade pessoal, pois é o remédio jurídico destinado a tutelar, com prontidão e
celeridade, a liberdade física, sendo esta proteção sua finalidade específica. Trata-se
11
de uma garantia constitucional, prevista no artigo 5º, inciso LXVIII, da Lei Maior:
"Conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de
sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso
de poder."
Não pairam dúvidas que o Habeas Corpus é o Remédio Constitucional mais
comum e largamente utilizado pelos indivíduos que são privados do direito de
locomoção (ir e vir).
Quanto ao Mandado de Injunção, está previsto na Constituição Federal de
1988, pois a concessão da medida dar-se-á "sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania" (art. 5.°,
LXXI), isto porque a injunction se destinará a preencher lacunas normativas, como
também resulta das regras de competência contidas nos arts. 102, I, "q", e 105, I, "h".
A eficácia do mandado de injunção implica na incorporação, por parte dos
órgãos aplicadores do direito, em particular por parte do Poder Judiciário, da lógica do
Estado de Bem-Estar Social. Pode-se mesmo dizer que este é o modelo de Estado
fixado pela ordem constitucional de 1988, que está a erigir da cultura jurídica a
incorporação de conceitos transformadores.
Pretende-se realizar um estudo sobre o tema proposto, de forma simplificada,
para que se possa focalizar o papel destinado ao mandado de segurança, ao habeas
corpus e ao mandado de injunção, assim como as relações de natureza pública e as
relações de natureza privada, em hipóteses de direitos previstos pela Constituição da
República Federativa de 1988, assim como, identificá-los como remédios processuais
constitucionais, como garantia inédita prevista pela Constituição.
12
1 - REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS: DEFESA E PROTEÇÃO DOS DIREITOS
INDIVIDUAIS
1.1 - Significado dos remédios, ações e garantias constitucionais
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, inclui entre as
garantias individuais o direito de petição, o habeas corpus, o mandado de segurança,
o mandado de injunção, o habeas data, a ação popular, aos quais se vem dando, na
doutrina e na jurisprudência, o nome de remédios de Direito Constitucional, ou
remédios constitucionais, no sentido de meios postos à disposição dos indivíduos e
cidadãos para provocar a intervenção das autoridades competentes, visando sanar,
corrigir, ilegalidade e abuso de poder em prejuízo de direitos e interesses individuais.
13
Alguns desses remédios revelam-se meios de provocar a atividade jurisdicional, e,
então, têm natureza de ação: são ações constitucionais.
Na medida em que são instrumentos destinados a assegurar o gozo de
direitos violados ou em vias de ser violados ou simplesmente não atendidos são tidas
como garantias constitucionais.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, embora não ache errôneo o emprego da
expressão "garantias de direito constitucional" em referência a ditos remédios,
denominação que também não lhe agrada, observa "que, rigorosamente falando as
garantias dos direitos fundamentais são as limitações, as vedações, impostas pelo
constituinte ao poder público".1
Contudo, permitido nos é lembrar que esses remédios não deixam também de
exercer um papel limitativo da atuação do Poder Público, quer, porque, em
________________ 1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 270-271. existindo, este se comporta de maneira a evitar sofrer-lhes a impugnação, quer,
porque o exercício desses direitos-remédios pelos titulares dos direitos ou interesses
violados ou ameaçados ou não satisfeitos nos termos da Constituição importa em
impor correção a seus atas e atividades, o que é um modo de limitar. E mais, tais
remédios atuam precisamente quando as limitações e vedações não foram bastantes
para impedir a prática de atas ilegais e com excesso de poder ou abuso de
autoridade. São, pois, espécies de garantias, que, pelo seu caráter específico e por
sua função saneadora, recebem o nome de remédios, e remédios constitucionais,
porque consignados na Constituição.
1.2 Sobre o direito de petição
Apesar de sua origem ser remota, tem-se conhecimento de que o direito de
petição nasceu na Inglaterra durante a Idade Média: é o right of petition que resultou,
especialmente, das Revoluções inglesas de 1628, mas que já se havia insinuado na
própria Magna Carta de 1215.2
14
Foi consolidado com a Revolução de 1689, através da declaração dos direitos
(Bill of Rights), consistindo, inicialmente, em simples direito de o Grande Conselho do
Reino, depois o Parlamento, pedir ao Rei sanção das leis. Porém, não foi previsto na
Declaração francesa de 1789, vindo constar, enfim, das Constituições francesas de
1791 (§ 3° do título I: La liberté d'adresser aux autorités constituées des pétitions
signées individuellement) e de 1793 (Declaração de Direitos, art. 32: Le droit de
présenter des pétitions aux dépositaires de l'autorité publique ne mui, en aucun cas,
être interdit, suspendu ni limité).3
O direito de petição define-se "como o direito que pertence a uma pessoa de
invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou uma situação",4 seja
para denunciar uma lesão concreta, e pedir a reorientação da situação, seja para
solicitar uma modificação do Direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade.5
________________ 2
Apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 387. 3
Ibidem. 4
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 387. 5
Ibidem. Ele está consignado no art. 5°, inciso XXXIV, alínea "a", que assegura a todos o direito
de petição aos Poderes Públicos em defesa e direitos ou contra ilegalidade ou abuso
de poder. Há, nele, uma dimensão coletiva consistente na busca ou defesa de direitos
ou interesses gerais da coletividade.
Esse direito vinha ligado ao direito de representação. Este não foi repetido. É
que o constituinte deve ter raciocinado, e com razão, que a representação pode ser
veiculada pela petição, de sorte que a legislação que regulamenta aquela permanece
em vigor.
O que se tem observado é que o direito de petição é mais uma sobrevivência
do que uma realidade. Nota-se também que ele se reveste de dois aspectos: pode ser
uma queixa, uma reclamação, e então aparece como um recurso não contencioso (não
jurisdicional) formulado perante as autoridades representativas; por outro lado, pode
ser a manifestação da liberdade de opinião e revestir-se do caráter de uma
informação ou de uma aspiração dirigida a certas autoridades. Esses dois aspectos,
15
que antes eram separados em direito de petição e direito de representação, agora se
juntaram no só direito de petição.
O direito de petição cabe a qualquer pessoa. Pode ser, pois, utilizado por
pessoa física ou por pessoa jurídica; por indivíduo ou por grupos de indivíduos; por
nacionais ou por estrangeiros. Mas não pode ser formulado pelas forças militares,
como tal, o que não impede reconhecer aos membros das Forças Armadas ou das
polícias militares o direito individual de petição, desde que sejam observadas as
regras de hierarquia e disciplina. Pode ser dirigido a qualquer autoridade do
Legislativo, do Executivo ou do Judiciário.
É importante frisar que o direito de petição não pode ser destituído de
eficácia. Não pode a autoridade a quem é dirigido escusar pronunciar-se sobre a
petição, quer para acolhê-la quer para desacolhê-la com a devida motivação. Algumas
constituições contemplam explicitamente o dever de responder (Colômbia, Venezuela,
Equador). Bem o disse Bascuñán:
O direito de petição não pode separar-se da obrigação da autoridade de dar resposta e pronunciar-se sobre o que lhe foi apresentado, já que, separado de tal obrigação, carece de verdadeira utilidade e eficácia. A obrigação de responder é ainda mais precisa e grave se alguma autoridade a formula, em razão de que, por sua investidura mesmo, merece tal resposta, e a falta dela constitui um exemplo deplorável para a responsabilidade dos Poderes
Públicos.6
A Constituição não prevê sanção à falta de resposta e pronunciamento da
autoridade, mas parece-nos certo que ela pode ser constrangida a isso por via do
mandado de segurança, quer quando se nega expressamente a pronunciar-se quer
quando se omite; para tanto, é preciso que fique bem claro que o peticionário esteja
utilizando efetivamente o direito de petição, o que se caracteriza com maior certeza se
for invocado o art. 5°, inciso XXXIV, alínea "a". Cabe, contudo, o processo de
responsabilidade administrativa, civil e penal, quando a petição visar corrigir abuso,
conforme disposto na Lei n.º 4.898/65.
1.3 Direito a certidões
16
Está previsto no art. 5°, incido XXXIV, que assegura a todos,
independentemente do pagamento de taxas: b) a obtenção de certidões em
repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de interesse pessoal.
Não se exige, como nas Constituições anteriores, que lei regulará a expedição de
certidões para os fins indicados, até porque sempre se teve a lei como desnecessária.
A jurisprudência entendeu, desde os primeiros momentos da aplicação da
Constituição de 1946, que tinha todos os requisitos de eficácia plena e aplicabilidade
imediata o texto que previa o direito a certidões como meio de obter informações e
elementos para instruir a defesa de direitos (aí seu caráter de garantia
constitucional) e para esclarecimento de situações. Esta é uma garantia que não raro
acaba por se realizar mediante outro remédio: o mandado de segurança, quando o
pedido é negado ou simplesmente não é decidido.
______________ 6
BASCUÑÁN, Alejandro Silva. Tratado de Derecho Constitucional. Santiago: Editora Jurídica do Chile, 1963, v. I, p. 255-256.
2 – REFLEXÕES SOBRE O “HABEAS CORPUS”
A origem romana do instituto habeas-corpus é visto por alguns autores no
interdictum da homine libero exhibendo, por tratar-se de remédio processual existente
no direito romano para assegurar ao homem livre sua faculdade de ir, vir e ficar,
restituindo-se-lhe tal poder quando restringido pela coação.
17
2.1 Conceito
Conforme tradução das duas palavras latina, temos que habeas corpus
significa tome o corpo, exiba o corpo.
Habeas Corpus é o remédio jurídico destinado a tutelar, de maneira eficaz e
célere, a liberdade de locomoção o direito de ir, permanecer e vir, enfim, a liberdade
ambulatória do cidadão, objetivando evitar ou fazer cessar a violência ou a coação
desta liberdade quando decorrente de ilegalidade ou abuso de poder.
O habeas corpus, de acordo com Pinto Ferreira:
É um remédio jurídico de direito constitucional, configurando-se como uma ação especial para permitir reclamação do estabelecimento de um direito fundamental violado que é a liberdade física, a liberdade de locomoção.
7
A Constituição Federal de 1988, no inciso LXVIII, do seu artigo 5º, prevê:
Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.
______________ 7FERREIRA, Pinto. Direito Constitucional. Brasília: Editora Consulex, 1998, p. 77.
2.2 Natureza jurídica
Para alguns doutrinadores, o tratamento dado à natureza jurídica do habeas
corpus era a de um recurso, e para outros uma ação autônoma.
Hodiernamente, a celeuma se encontra pacificada, pois o habeas corpus é
tecnicamente uma ação, cuja finalidade é amparar o direito à liberdade de locomoção.
Sobre o tema, José Barcelos de Souza, expõe que:
Algumas vezes o habeas corpus supre a falta de um recuso próprio, como no caso de despacho de recebimento de denúncia ou queixa inepta; outras vezes, mesmo comportando a decisão recursal propriamente dito, serve como outra manifestação jurisprudencial em contrário, a existência de um recurso não exclui a possibilidade da
18
impetração e da concessão do habeas corpus, se for caso dele. Assim, por exemplo, o recurso em sentido estrito cabível da decisão que negar fiança está praticamente em desuso diante da opção do habeas corpus, que não pode ser recusada pelos tribunais, visto que está escrito com todas as letras no art. 648, inciso V, que a coação considerar-se-á ilegal ‘quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autorize’. O que muito o distingue da generalidade dos recursos é exatamente a maior rapidez. Por isso mesmo, costuma ser usado em substituição ao recurso ordinário constitucional para o Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que a proibição da impetração originária substitutiva, que entrou para a Carta de 67 por força do Ato Institucional 6/69, não mais perdura.
8
Concluindo, o autor ainda nos coloca que:
Mas é bem de ver que nem por isso perdure sua natureza também de ação, uma vez que com ele se instaura uma relação processual nova ainda quando impetrado contra decisão judicia. Tem, porém, o espírito de um recurso.
9
Mas vale ressaltar que o recurso é mais abrangente do que o habeas corpus,
pois, este não comporta o exame de mérito, como também não é meio idôneo para
apreciação de prova. Haja vista, que o que é discutido em matéria de habeas corpus,
é se a prisão é ilegal ou não. Não vem ao caso a discussão de ser o paciente autor ou
não do crime a ele imputado.
____________ 8SOUZA, José Barcelos de. Habeas Corpus Processual. In: Boletim IBCCrim., 50, Janeiro/1997, p. 3.
9 Idem, ibidem.
2.3 Condições da ação do pedido do Habeas Corpus
Trata-se o habeas corpus de uma verdadeira ação e para exercer o direito de
pedir ao Estado a prestação de sua atividade jurisdicional, temos que de forma
obrigatória, observar a presença de certas condições, quais sejam:
· Possibilidade jurídica do pedido:
Para que o pedido de habeas corpus seja juridicamente possível, a pretensão
contida no mesmo deve ser tutelada pelo direito pátrio, ou seja, deve estar prevista
legalmente. No entanto, a doutrina pátria, no que se refere ao exercício do direito de
19
ação, tem conceituado a “possibilidade jurídica” em termos negativos, eis que, para
observar esta condição, deve-se analisar em qual hipótese a Constituição Federal
proíbe a possibilidade de impetração de habeas corpus. Senão; vejamos:
- A Constituição Federal dispõe em seu artigo 142, § 2º que: “não caberá
habeas corpus em relação a punições disciplinares militares”. Essa é a única hipótese
de inadmissibilidade de impetração do pedido de habeas corpus, que justifica-se
pelos princípios de hierarquia e disciplina inerentes às organizações militares.
Entretanto, como a própria Constituição Federal assegura que ‘a lei não
excluirá a apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ (art. 5º, inciso
XXXV), e a punição é ato administrativo, deve ele atender aos requisitos necessários
para a sua validade, quais sejam os da competência, motivo, forma, objeto e
finalidade; sob pena de ser ilegal, abusivo ou arbitrário.10
Na ausência destes requisitos, das formalidades legais ou ainda quando
houver excesso de prazo de duração da medida restritiva de liberdade, o pedido de
habeas corpus deve ser admitido, eis que torna clara a lesão ou ameaça a direito.
Perpetuando o entendimento acima, temos que, “se o simples rótulo de
punição disciplinar pudesse afastar a garantia constitucional, estaria aberta a porta
para os maiores abusos de poder e arbitrariedades”.11
______________
10MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.
833. 11 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Recursos no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 350. · Interesse de Agir:
De natureza processual, o interesse de agir, resume-se na pretensão de obter-
se a proteção do direito ameaçado através da providência jurisdicional. Nesse casso,
haverá interesse de agir quando o pedido se apresentar necessário para combater o
constrangimento ilegal.
Para ter acesso à via jurisdicional, é certo que, faz-se necessário que a
prestação jurisdicional seja essencial e adequada ao interesse contido na prestação.
Ressalte-se, que não tem interesse de agir co-réus absolvidos em primeiro e
segundo graus, como também, aquele que pretende o reconhecimento de falta de justa
20
causa para inquérito policial já arquivado ou para ação penal pela qual já resta
absolvido.
O pedido feito através do instituto do habeas corpus deve ter relação, ou seja,
deve estar adequado a situação de ilegalidade que deseja dirimir. Se assim não for,
faltará interesse de agir, por estar inadequado o pedido, se a pretensão não for
relacionada à garantia de liberdade de locomoção.
A livre locomoção, o direito de ir e vir, de entrar e sair, de ficar onde está - jus
tranendi, ambulandi, eundi, ultro citroque -, em si e por si, é protegida pelo habeas
corpus, mas se tal locomoção for apenas o prius para o desempenho de uma
atividade e cortar o caminho para tal atividade, nesse caso, é o mandado de
segurança, não o habeas corpus, o remedium iuris a ser empregado.
Como foi dito no parágrafo anterior se o direito não for amparado - ou
amparável - por habeas corpus, o remédio será o mandado de segurança. Isso no
sistema das Cartas Políticas de 1934, 1946, 1967, 1969 e 1988.
No sistema constitucional de 1988, o habeas corpus é uma das exclusões. A
segunda exceção é o habeas data, inovação constitucional de 1988.
2.4 “Habeas data”
Ao passo que a Lei n.° 1.533/51 alude apenas ao habeas corpus, instituto do
qual derivou o mandado de segurança, a Constituição de 1988 alude também ao
habeas data, inovação do texto. O habeas data é concedido:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do
impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidade governamentais
ou de caráter público, e
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo
sigiloso, judicial ou administrativo.
A referência ao habeas data, ao lado do habeas corpus, como medida que
exclui o uso do mandado de segurança, é a primeira inovação do texto constitucional,
em relação ao instrumento regulado pela Lei n° 1.533/51. Se o direito líquido e certo
não for amparado por habeas data - ou por habeas corpus -, o mandado de segurança
será o meio adequado para solicitar-se ao Poder Judiciário a revisão do ato ilegal ou
21
eivado de abuso de poder. Assim, a obtenção de certidões e a de documentos
necessários à defesa de direitos e esclarecimentos de situações, antes exigíveis pelo
mandado de segurança, agora são solicitadas ou pelo habeas data (art. 5°, inciso
LXXII, a, da Constituição de 1988), ou pelo mandado de segurança (art. 5°, inciso
XXXIV, a: "São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, a
obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal").
3 - VISÃO GERAL SOBRE O MANDADO DE SEGURANÇA
22
3.1 Conceito
Alguns autores, de renome, foram selecionados para que se obtivesse um
conceito real do mandado de segurança no direito brasileiro, senão veja o que nos
informam Hely Lopes Meirelles:
Cuida-se de ação civil de rito sumário especial, destinada a afastar ofensa a direito subjetivo próprio, privado ou público, através de ordem corretiva ou impeditiva de ilegalidade, ordem esta a ser cumprida especificamente pela autoridade coatora em atendimento da notificação judicial.
12
Para Celso Agrícola Barbi, mandado de segurança:
É ação de cognição, que se exerce através de um procedimento especial da mesma natureza, de caráter mandamental, pois só admite prova dessa espécie, e caracterizado também pela forma peculiar da execução do julgado.
13
Enquanto que para Othon Sidou representa "uma súmula de todos os writs do
direito anglo-saxão, com os muitos e valiosos subsídios recebidos do amparo
mexicano".14
Para Moacyr Amaral Santos, é "uma das instituições constitucionais
_________________ 12
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 642. 13
BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 73. 14
OTHON SIDOU, José Maria. Do mandado de segurança. 12 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 96-97. destinadas à garantia dos direitos individuais e até certo ponto peculiar ao Direito
Brasileiro".16
Segundo Diomar Ackel Filho, em verdade, o mandado de segurança é tudo
isso e mais ainda, pois, na categoria dos writs constitucionais constitui direito
instrumental sumário à tutela dos direitos subjetivos incontestáveis contra ilegalidade
ou abuso de poder de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público.16
23
3.2 Objeto do Mandado de Segurança
- Critério constitucional de delimitação
O primeiro critério para delimitação do campo de ação do mandado de
segurança é fornecido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, incisos
LXVIII e LXIX.
Dispõe o primeiro desses itens que será concedido habeas corpus sempre
que alguém sofrer, ou estiver ameaçado de sofrer, violência ou coação em sua
liberdade de locomoção. E o inciso LXIX diz que será concedido mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo não amparável por habeas corpus ou
habeas data.
Em outras palavras, o objeto do mandado de segurança será sempre a
correção de ato ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito
individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante.
Este ato ou omissão poderá provir de autoridade de qualquer dos três
Poderes. Só não se admite mandado de segurança contra atos meramente normativos
(lei em tese), contra a coisa julgada, e contra os interna corporis, de órgãos
colegiados. E as razões são óbvias para essas restrições: as leis e os decretos
gerais, enquanto normas abstratas, são insuscetíveis de lesar direitos, salvo quando
proibitivos; a coisa julgada só é invalidável por ação rescisória, como
_______________ 15
SANTOS, Moacyr Amaral. Natureza jurídica do mandado de segurança. In: Revista de Direito Público, São Paulo, 1970, n. 17, p. 10. 16
ACKEL FILHO, Diomar. Writs constitucionais: “habeas corpus”, mandado de segurança, mandado de injunção, “habeas data”. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 59-60. preceitua o Código de Processo Civil, em seu art. 485 e a Súmula 268, do Supremo
Tribunal Federal; e os interna corporis,17 se realmente o forem, não se sujeitam à
correção judicial.
A lei em tese, como norma abstrata de conduta, não é atacável por mandado
de segurança (STF, Súmula 266), pela óbvia razão de que não lesa, por si só, qualquer
direito individual. Necessária se torna a conversão da norma abstrata em ato concreto,
24
para expor-se à impetração, mas nada impede que, na sua execução, venha a ser
declarada inconstitucional pela via do mandamus. Somente as leis e decretos de
efeitos concretos tornam-se passíveis de mandado de segurança, desde a sua
publicação, por equivalentes a atos administrativos nos seus resultados imediatos.
Deixou-se de excluir do âmbito do mandado de segurança os chamados atos
políticos, porque não passam de atos das altas autoridades, praticados com imediato
fundamento constitucional. Mas se desbordarem da Constituição e lesarem direito
individual ou coletivo, líquido e certo, sujeitam-se ao controle de legalidade, inclusive
pelo procedimento do mandamus de proteção a direito individual, uma vez, que a
Constituição só inovou na legitimidade ativa das entidades, que podem impetrá-lo na
defesa de direitos ou prerrogativas de seus associados ou filiados.
Vê-se, portanto, que o objeto normal do mandado de segurança é o ato
administrativo específico, mas por exceção presta-se a atacar as leis e decretos de
efeitos concretos, as deliberações legislativas e as decisões judiciais para as quais
não haja recurso capaz de impedir a lesão ao direito subjetivo do impetrante.
Por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se aqueles que trazem em
si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos de
urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou desmembram
distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem atividades
ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os
_______________
17Sobre interna corporis, nos reporta Hely Lopes Meirelles, que “são só aquelas questões ou assuntos
que entendem direta ou imediatamente com a economia interna da corporação legislativa, com seus privilégios e com a formação ideológica da lei, que, por sua própria natureza, são reservados à exclusiva apreciação e deliberação do Plenário da Câmara” (...) Por analogia com os Legislativos têm-se reconhecido como interna corporis dos tribunais judiciais aquelas questões afetas á sua organização interna, que o Plenário, o Conselho Superior da Magistratura ou a Presidência pod4em solucionar soberanamente, tais como eleição de seus dirigentes, a distribuição de seus membros em Câmaras ou Turmas e as disposições sobre seu funcionamento, normalmente consignadas no regimento.” Direito Administrativo Brasileiro, 1999, ob. cit., p. 640-641. que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de
normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou
decreto, por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem
apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente
como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual
se expõem ao ataque pelo mandado de segurança.
25
Em geral, as leis, decretos e demais atos proibitivos são sempre de efeitos
concretos, pois atuam direta e imediatamente sobre os seus destinatários.
Por deliberações legislativas, atacáveis por mandado de segurança,
entendem-se as decisões do Plenário ou da Mesa ofensivas de direito individual ou
coletivo de terceiros, dos membros da corporação, das Comissões, ou da própria
Mesa, no uso de suas atribuições e prerrogativas institucionais. As Câmaras
Legislativas não estão dispensadas da observância da Constituição, da lei em geral, e
do Regimento Interno em especial.
A tramitação e a forma dos atos do Legislativo são sempre vinculadas às
normas legais que os regem; a discricionariedade ou soberania dos corpos
legislativos só se apresenta na escolha do conteúdo da lei, nas opções da votação e
nas questões interna corporis de sua organização representativa.
Nesses atos, resoluções ou decretos legislativos caberá a segurança, quando
ofensivos de direito individual público ou privado do impetrante, como caberá também
contra a aprovação de lei, pela Câmara, ou sanção, pelo Executivo, com infringência
do processo legislativo pertinente, tendo legitimidade para a impetração tanto o lesado
pela aplicação da norma ilegalmente elaborada, quanto o parlamentar prejudicado no
seu direito público subjetivo de votá-la regularmente.
Por decisões judiciais, para fins de mandado de segurança, entendem-se os
atos jurisdicionais praticados em qualquer processo civil, criminal, trabalhista, militar ou
eleitoral, desde que não haja recurso ou seja este sem efeito suspensivo. Desde que a
decisão ou a diligência não possa ser sustada por recurso processual capaz de
impedir a lesão, nem permita a intervenção correcional eficaz do órgão disciplinar da
magistratura, contra ela cabe a segurança.
Quanto aos atos administrativos praticados por autoridades judiciárias ou
órgãos colegiados dos tribunais, sujeitam-se a mandado de segurança em situação
idêntica aos das autoridades executivas.
Exclui, assim, o legislador constitucional o mandado de segurança onde
couber o habeas corpus ou o habeas data.
- Conceito de liberdade de locomoção
26
Necessário, portanto, fixar os casos em que o remédio adequado seja o
habeas corpus, como primeiro passo para determinar o campo do mandado de
segurança.
A Constituição Federal facilitou bastante esta tarefa, ao dizer que o habeas
corpus é utilizável quando o bem lesado for a "liberdade de locomoção". Por esta
entende-se não apenas a prisão ou ameaça de prisão, pois há outras formas de
restrição àquela liberdade.
O conceito de liberdade de locomoção é amplo, abrangendo as formas
elementares de ir, ficar e vir. Mas o exercício de empregos, cargos ou funções, mesmo
quando exige o ingresso do indivíduo em repartições ou casas, nada tem a ver com o
conceito jurídico de liberdade de locomoção. É claro que a pessoa necessita desta
para desempenho daquelas atividades. Todavia, se a restrição é ao exercício
daquelas, se o que se nega é o direito às referidas atividades, o bem lesado não é a
liberdade de locomoção, mas sim o direito ao exercício das funções.
A proteção, nesses casos, não se dará pelo habeas corpus, porque não está
em jogo a liberdade de locomoção, mas sim outro bem jurídico. Por exemplo: A
proibição ao advogado de ingressar no prédio do foro ou tribunal, a vedação da
entrada do cidadão no recinto destinado à assistência nas Casas Legislativas
constituem exemplos de restrição a "bem jurídico" diverso da liberdade de locomoção,
e que não cabem, portanto, no âmbito do habeas corpus e sim no mandado de
segurança.
- Critérios distintivos
Para solucionar os casos duvidosos, sugeriu Castro Nunes adequado critério,
qual seja verificar se o "indivíduo" está cerceado no uso dos seus meios naturais de
ação, ou se o "profissional, o contribuinte, o funcionário" é que estão proibidos de
exercer sua atividade lícita. Na primeira hipótese, será caso de habeas corpus e na
segunda de "mandado de segurança".18
Aproveitando a linguagem da teoria brasileira do habeas corpus, pode-se
dizer que foram, pela Constituição, excluídos da proteção por essa via exatamente
aqueles casos a que a famosa doutrina pretendia estendê-la, isto é, as hipóteses em
27
que a liberdade individual "tem por fim próximo o exercício de um determinado
direito".19 A proteção nesses casos, faz-se hoje pelo mandado de segurança, e não
mais pelo habeas corpus.
- Cabimento do “habeas data”
Esse instituto surgiu na Constituição Federal de 1988, como reação contra o
sigilo e abusos dos arquivos da Polícia política, no período dos Governos Militares
iniciado em 1964. Destina-se ele, segundo o artigo 5°, inciso LXXII, a assegurar o
conhecimento das informações relativas à pessoa de quem o requerer, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público.
Serve também para a retificação desses dados, quando o interessado não preferir
fazê-lo por procedimento sigiloso, judicial ou administrativo.
- Ação popular
Foi largamente discutida a possibilidade de utilização da forma processual do
mandado de segurança para ajuizamento da "ação popular" prevista no artigo 141, §
38, da Constituição Federal de 1969 e no artigo 5°, inciso LXXII, da Constituição
Federal de 1988, mas a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orientou-se no
sentido contrário à admissão como informa a Súmula do STF, n.º 101: "O mandado de
segurança não substitui a ação popular". Realmente, os pressupostos do mandado de
segurança são diversos dos da ação popular e o rito processual daquele não se
coaduna com a maior amplitude das discussões e provas necessárias ao julgamento
da ação popular.
_________________ 18
CASTRO NUNES, Do Mandado de Segurança. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 38-39.
19PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946, volume III, Rio de
Janeiro: Forense, 1987, p. 308. A controvérsia, no entanto, está superada pelo advento da Lei n.° 4.717, de
29/6/65, que regula a ação popular, prescrevendo a forma processual que deverá
seguir, o que, obviamente, exclui o uso do procedimento do mandado de segurança.
28
3.3 Objetividade jurídica
O mandado de segurança visa resguardar toda espécie de direitos lesados ou
potencialmente ameaçados por atos ou omissões de autoridade ou de seus
delegados, desde que não amparados por outros writs específicos.
Sidou anota que "há mandado de segurança contra o ato materializado ou
quando houver justo receio de que se venha a materializar",20 porém, esse ato deve
derivar de autoridade pública, assim considerado o representante do Poder Público no
exercício de funções originárias ou derivadas previstas em lei, com atribuições
decisórias
Hely Lopes Meirelles adverte para a distinção obrigatória entre autoridades
públicas e agente público, ressaltando que:
Aquelas detêm, na ordem hierárquica, poder de decisão e são as únicas competentes para praticar atos administrativos decisórios", ao passo que "os agentes públicos não praticam atos decisórios, mas simples atos executórios e, por isso, não respondem a mandado de segurança.
21
O primeiro anteprojeto proposto por Bernardo Cabral, relator da Comissão de
Sistematização, ao disciplinar o mandado de segurança, não aludia a atos de
autoridade ou de seus agentes. Pelo contrário, permitia o writ contra toda e qualquer
ilegalidade, fosse de pessoa física ou jurídica, autoridade ou não, consoante se vê:
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, seja o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado" (Anteprojeto I da Comissão de Sistematização, art. 35).
__________________ 20
OTHON SIDOU, José Maria. Do mandado de segurança, p. 13-14. 21
MEIRELLES, Hely Lopes Direito Administrativo Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 640-641.
A proposta não vingou e a redação afinal aceita seguiu os mesmos trilhos das
Cartas anteriores, salvo no tocante à inclusão dos agentes das pessoas jurídicas no
exercício de atribuições do Poder Público, como sujeitos à impetração.
29
A tutela objeto do mandado de segurança é, pois, contra os atos dessas
autoridades ou agentes que, com conteúdo decisório, representem um dano efetivo ou
potencial contra o direito dos administrados. Atos praticados em obediência ao ato
superior, este sim de caráter decisório, não se sujeitam à impugnação pelo writ,
que deve ser intentado contra o fato gerador da violação ao direito subjetivo, que se
insere no ato indigitado de autoridade que editou o ato a ser cumprido. Assim, os atos
de funcionários hierarquicamente inferiores a quem expediu o ato decisório não são
passíveis de proteção pelo mandado de segurança, visto que se cuida aí de mera
execução.
3.4 Natureza Jurídica do Mandado de Segurança
- Doutrina que não considera o mandado de segurança como ação
A natureza jurídica do mandado de segurança, isto é, se ele é ou não ação e,
em caso afirmativo, a qual classe de ação pertence, constitui assunto de acentuada
divergência entre os que se dedicaram ao seu estudo. Os motivos desse desacordo
encontram-se nas raízes históricas do instituto, inclusive na diversidade de sistemática
dos vários projetos legislativos, bem como no caráter excepcional que lhe quis dar o
primeiro texto legal regulador da matéria.
No início de sua aplicação pelos tribunais, houve quem dissesse que ela é
“causa” e não “ação”. Afirmou-se que o mandado de segurança é "remédio" de
natureza especial e não "ação". Sustentou o Ministro Carvalho Mourão, em voto
proferido no Supremo Tribunal Federal, que o mandado de segurança não é "causa"
nem "ação", e sim medida "acautelatória, remédio com finalidade preventiva"
principalmente, embora sirva também para reposição das coisas no estado anterior,
até serem decididas pela ação competente.22
________________ 22 Voto no Mandado de Segurança n.° 60, in Arquivo Judiciário, vol. 39, p. 346. - Doutrina preponderante e suas divergências
30
Atualmente, prepondera a opinião de que o mandado de segurança é "ação".
A divergência é, porém, imensa, quando se trata de determinar a espécie de ação a
que pertence o instituto: para Sebastião de Sousa, é ação constitutiva;23 Lopes da
Costa e outros afirmam ser ação mandamental;24 Temístocles Cavalcanti considera-o
executório;25 Castro Nunes aproxima-o das ações prejudiciais e das declaratórias,
mas conclui por afirmar que ele é executório;26 Luís Eulálio de Bueno Vidigal afirma
que:
Quando a administração faz justiça por suas mãos, passa a encontrar-se na situação do particular favorecido por medida executiva, possessória ou acautelatória, com a vantagem de não precisar recorrer ao processo principal. O mandado de segurança é o remédio que cabe ao particular para anular as medidas de execução, possessórias ou acautelatórias, que a administração pode, sem intervenção judicial, efetivar. O mandado de segurança é, pois, se nos for permitida a metáfora, o antídoto dessas medidas.
27
Rubens Gomes de Sousa sugere, de jure condendo que, em matéria fiscal
o mandado de segurança apenas suspenda o privilégio da executoriedade, ficando ao
Fisco, vencido, a iniciativa de renovar a questão, mas sem o privilégio.28
- Classificação das ações, segundo a forma de atuação da lei no processo
Geralmente se admite que a atuação da lei no processo pode assumir três
________________ 23
SOUSA, Sebastião de. Dos processos especiais. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 50. 24
LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Direito Processual Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 431. 25 CAVALCANTI, Temístocles Brandão. Do mandado de segurança. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 22. 26 CASTRO NUNES, Do mandado de segurança, Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 71-75. 27 BUENO VIDIGAL, Luis Eulálio. Mandado de Segurança. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 199-200. 28 Idéias gerais para uma concepção unitária e orgânica do processo fiscal, in Revista Forense, vol. 152, p. 21. O ponto de vista desse autor aproxima-se, assim, do de Vidigal, apesar de não haver coincidência em outros aspectos.
31
formas: "cognição, execução e conservação". Daí a correspondente classificação das
ações, tendo em vista a forma de atuação desejada "ações de cognição, ações
executivas e ações cautelares". As primeiras visam a obter do juiz a decisão da causa,
e que geralmente tem a forma de "sentença"; as segundas objetivam providências de
natureza executiva, que modifiquem o estado de fato e o tornem conforme à relação
jurídica ajuizada; as últimas postulam providências para a conservação de um estado
de lato, a fim de tornar possível a efetivação do direito pretendido em outra ação.29
3.5 Urgência na impetração do mandado de segurança
Segundo nos informa o Código de Processo Civil, no seu art. 326: ”Em caso de
urgência, o pedido de mandado de segurança, as comunicações e quaisquer ordens
do juiz ou tribunal poderão transmitir-se por telegrama ou radiograma”.
- Caso de urgência:
O mandado de segurança, conhecido também pelo nome de remédio heróico,
dada a sua natureza, é ação documental de rito fulminante, não se comparando, sob
esse aspecto, de modo algum, com outros tipos de ações, como a ação ordinária, cuja
celeridade é bem menor, já que admite, entre outras medidas demoradas, a dilatação
probatória.
A lei permite, no entanto, que o sujeito passivo da lesão, o impetrante, em
caso de urgência, faça uso de outros veículos de comunicação mais rápidos do que a
simples petição inicial escrita. Quem determina, na hipótese, a urgência é o
impetrante, não o juiz.
O impetrante requer: o juiz é obrigado a conceder. A concessão ou outorga ao
pedido é ato administrativo material do juiz. É ato vinculado ou predeterminado, ou
seja, medida que o magistrado é obrigado a deferir, desde que o impetrante preencha
os requisitos prescritos em lei.
Aliás, há precedentes de urgência no Código de Processo Civil (Código de
_______________
32
29MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1991,
p. 46. Processo Civil de 1939, art. 7°, e Código de Processo Civil de 1973, art. 205), quando
se trata de transmissão de Carta de ordem e de Carta Precatória, quando o veículo é o
telegrama, o radiograma ou o telefone.
Nesses casos, como nos casos do mandado de segurança, impetrada a ação
pelos meios modernos mais rápidos, "telegrama ou radiograma", cessa a faculdade
de solicitar o benefício excepcional da rapidez, prescrita na lei, exaurida na fase da
impetração. Agora cabe ao juiz, querendo, acelerar o rito processual. A extensão da
urgência à impetração dirigida à autoridade coatora é da alçada do juiz que pode
outorgá-la ou não, baseando-se para tanto no seu critério discricionário, consultando,
para tanto, a oportunidade ou conveniência da medida.
Ao contrário da medida inicial, cuja natureza é a de ato vinculado, a notificação
à autoridade coatora para a prestação de informações é a de ato discricionário,
podendo o magistrado atender ou não à solicitação feita.
- Requisitos desta lei:
O legislador quis dizer que o privilégio da permissão da urgência se exaure
em si mesmo, não se transmitindo aos requisitos legais (nem para mais nem para
menos) que continuam a ser os mesmos requisitos exigidos para a impetração de
mandado de segurança em geral. Entre os requisitos de que fala a lei há os que se
referem aos da petição inicial (Código de Processo Civil, art. 282).
Não se pode, entretanto, exigir as duas vias, nem muito menos os documentos
reproduzidos por cópia, de que fala a lei que estamos comentando, no art. 6°.
- Juiz competente:
O mandado de segurança deve ser impetrado contra o ato danoso ou contra a
ameaça potencial, não contra seu autor. Desta regra se induz que é a condição da
autoridade coatora que determina a competência jurisdicional.
- Notificação à autoridade coatora:
33
Cabe agora ao magistrado e não ao impetrante, determinar se a notificação à
autoridade coatora deve ser feita em caráter de urgência ou não. A urgência na
notificação se inscreve na esfera do poder discricionário do magistrado.
3.6 Prazo para impetração
O artigo 18 da Lei n.º 1.533/51 estabelece que o direito de requerer o
mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte (120) dias contados da
ciência, pelo interessado, do ato impugnado. Houve quem sustentasse, sem êxito, a
inconstitucionalidade na fixação do prazo, uma vez que impunha limitação ausente do
texto constitucional.
A discussão teórica concluiu que tal prazo é de decadência não admitindo,
assim, interrupção ou suspensão. Para Pontes de Miranda30 (1978, p. 268) seguido
por Flaks,31 o prazo é preclusivo, afirmando o último, que há perda da faculdade
processual de requerer mandado de segurança. Para Chiovenda32, a preclusão
consiste em que depois da realização de determinados atos ou do transcurso de
certos períodos fica precluso à parte o direito de realizar outros atos processuais
determinados, ou em geral, atos processuais. De todos os modos, a jurisprudência
dos tribunais fala sempre em prazo de decadência.
3.7 Mandado de Segurança contra Decisão Judicial: Violação ao Princípio do
Devido Processo Legal
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro.
C.PA. e M.C.T.S., ambos residentes nesta cidade no lote II, quadra II, do
loteamento J.W (ou A.G.), localizado na Av. C. de M. I, pelo Defensor Público do
_______________ 30
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 268.
34
31 FLAKS, Milton. Mandado de segurança: Pressupostos da impetração. Rio de Janeiro: Forense,
1990, p. 189. 32
Chiovenda 1970, v. I, p. 90 apud CHAVES, Alfredo Guimarães. "O Mandado de Segurança - prazo de decadência", in Revista Forense, 127/66, Rio de Janeiro, 1973, p. 127. Núcleo de Loteamentos, vêm, com fundamento no art. 5º, inciso LXIX, da Constituição
Federal, e arts. 1º a 7º, ambos da Lei n.º 1.533, de 31/12/51, impetrar
MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR
contra decisão prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível Regional de...,
citando-se, como litisconsorte passivo, A.T.N., brasileiro, casado, comerciante,
residente nesta cidade, pelos motivos a seguir expostos.
I. Do Patrocínio do Núcleo de Loteamentos da Defensoria Pública
Inicialmente, cumpre esclarecer que os impetrantes estão sendo patrocinados
pelo Defensor Público do Núcleo de Loteamentos, sediado nesta cidade na Rua da
Quitanda n.º 50, 15º andar, Centro, para onde deverão ser encaminhadas as
intimações, beneficiando-se assim da Justiça Gratuita a que se refere a Lei n.º
1.060/50 (declarações anexas).
II. Da Tempestividade do Mandamus
A decisão impugnada é originada dos autos da ação de reintegração de
posse proposta por ATN em face dos impetrantes e outros (Proc. N.º ...), tendo sido
publicada na audiência de justificação de posse realizada no dia 15 de julho de 1998,
expirando-se o prazo decadencial no dia 2 de novembro de 1998, não havendo assim
dúvidas quanto à tempestividade da impetração.
III. Do Cabimento do Mandamus
A decisão prolatada pela autoridade coatora é do seguinte teor:
35
Vistos, etc. ... Homologo para que produza seus jurídicos e regulares efeitos o acordo acima, celebrado livrem ente pelas partes, por conseguinte, julgo extinto o processo com julgamento do mérito com fulcro no art. 269, inciso III do C.PC. Custas na forma convencionada.
Como se vê, trata-se de sentença definitiva, com julgamento do mérito, que
homologou transação feita entre as partes litigantes, da qual não cabe a interposição
de qualquer recurso, posto que é ato jurídico perfeito e acabado. Esse é, aliás, o
posicionamento da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, quando
do julgamento do A.I. n.º 9.789, de 10/11/95, sendo relator o Des. Pedro Abreu, cuja
decisão unânime firmou o seguinte entendimento:
Transação - Retratação - Impossibilidade. O acordo formalizado pelas partes em audiência, reduzido a termo é ato jurídico perfeito e acabado, obrigando definitivamente os contraentes, sendo inoperante o arrependimento unilateral, de sorte que a rescisão somente é possível em ação própria, por dolo, violência ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa - Código Civil, art. 1.030. inteligência do art. 158 do CPC. (Publicado pela COAD/ADV verbete 73080)
Em idêntico sentido, não admitindo a interposição de qualquer recurso,
ressalvando á parte prejudicada a ação prevista no art. 486: RT 665/126; JTA 100/159,
120/312; LEX-JTA 142/328.
Mesmo que se admita ad argumentandum a hipótese de recurso, o
ensinamento de Hely Lopes Meirelles é expressivo ao enfatizar que:
A só existência do recurso processual cabível não afasta o Mandado de Segurança, se tal recurso é insuficiente para coibir a ilegalidade do Judiciário e impedir a lesão ao direito evidente do impetrante. Os recursos processuais não constituem fins em si mesmos, são meios de defesa do direito das partes, aos quais a Constituição aditou o mandado de segurança para suprir-lhes as deficiências e proteger o indivíduo contra os abusos da autoridade, inclusive da judiciária.
33
Acontece que, pela transação homologada pela autoridade coatora, foi
concedido aos impetrantes o prazo de oito meses para desocuparem o imóvel, ou
seja, até o dia 15 de março de 1999, prazo esse excessivamente exíguo para obterem
a rescisão da sentença por intermédio do procedimento ordinário, dai buscarem a
proteção pela via mandamental.
36
Na hipótese de se argüir a existência de coisa julgada em relação à sentença
_______________ 33
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 15. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 643. impugnada, Teresa Arruda Alvim se alinha ao entendimento de que:
Se presentes os pressupostos do Mandado de Segurança, não há qualquer razão para que se o inadmita contra decisão judicial transitada em julgado. Mas não se esgota, segundo pensamos e já expusemos, nesta hipótese, o âmbito de cabimento de Mandado de Segurança contra ato judicial. Acatamos os demais abrandamentos feitos pela doutrina, embora relativamente distanciados do art. 5º, LXIX da CF e com a intenção global dos sistemas jurídicos, que são a sua própria ratio essendi: não deixar situação alguma sem solução.
34
Sublinha ainda a ilustre professora que:
Hely Lopes Meirelles considera em princípio, inadmissível o Mandado de Segurança contra coisa julgada - a menos que o julgado seja inexistente ou nulo de pleno direito ou não deva alcançar a impetrante nos seus efeitos. Então, na verdade, o admite! Kazuo Watanabe afirma que da análise dos precedentes do STF parece-lhe lícito concluir que neles está implicitamente afirmada a admissibilidade do Mandado de Segurança contra decisão transitada em julgado.
35
Na observação de Teresa Celina de Arruda Alvim Pinto e Nelson Luiz Pinto,
Ainda que se sustentasse, ad argumentandum, que uma sentença proferida nestas condições transita em julgado, ainda assim, resta à parte uma forma por meio da qual pode afastar a cristalização dessa ilegalidade, que fere seu direito líquido e certo, e lhe causa prejuízo irreparável: o Mandado de Segurança... A coisa julgada, de fato, é uma das garantias à segurança previstas em nosso Direito, quer a nível constitucional quer a nível de lei ordinária. Já tivemos ocasião de sustentar, entretanto, que esta certeza pode e deve cair por terra, ante prova de direito líquido e certo, incompatível com o teor e com a exeqüibilidade do ato impugnado. Neste caso, o Mandado de Segurança terá função rescindente.
36
_______________ 34
ALVIM, Tereza Arruda. Medida Cautelar Mandado de Segurança e Ato Judicial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
37
35 ALVIM, Tereza Arruda. Controle Jurisdicional e Mandado de Segurança contra Atos Judiciais. São
Paulo: Editora RT, 1980. 36
PINTO Teresa Celina de Arruda Alvim; PINTO, Nelson Luiz ("Mandado de Segurança contra Decisão Transitada em Julgado", in Revista de Processo n. 61, 1991.
Conforme anotação contida no Código de Processo Civil de Theotônio
Negrão, 29. ed., Ed. Saraiva,
Embora o impetrante não haja também recorrido, em alguns casos o Mandado de Segurança ter sido conhecido e concebido, em caráter excepcional (JTJ 758/160), ou porque impetrado contra decisão que, embora recorrível, era de natureza provisória (RJTJESP 64/268), ou porque a decisão impugnada exigia pronto e eficaz reparo, sob pena de se tornar inócua (RT 653/109, RTRF 3ª Região 5/212), ou porque, mais amplamente, constituía decisão teratológica (RSTJ 83/92, STJRT 715/269) ou de flagrante ilegalidade (v, p. ex., RSTJ 95/53, JTJ 173/279, maioria).
37
Segundo Lúcia Valle Figueiredo, a jurisprudência, de longa data, pacificou-se
no sentido de admissão do Mandado de Segurança contra ato judicial, sendo fartos os
julgados nesse sentido, podendo-se destacar os seguintes.
Processo civil - Mandado de Segurança - Cautelar incidental - Liminar - Ilegalidade - Cabimento do writ. A ação mandamental pode ser usada contra ato judicial passível de recurso próprio quando evidente a sua ilegalidade, presente ainda o perigo decorrente da demora. A ação cautelar não pode antecipar a tutela da ação principal da qual é dependente, sendo também vedado tal efeito satisfativo á liminar nela pleiteada, sob pena de ilegalidade. Segurança concedida. (TRF – 3ª R., 7ª S., MS 92.030024319-Se rel. Juíza Sylvia Steiner, DJU 26/3/96, p. 18.774) Mandado de Segurança contra ato judicial - Decisão teratológica. O Mandado de Segurança contra ato judicial só pode ser admitido em face de decisão "teratológica " ou que cause lesão grave e de difícil reparação ao direito da parte. (...) (TRF- 2ª R., 4ª T, MS 94.0223793-R), rel. Juiz Carreira Alvim, DJU 21/2/96). Constitucional - Mandado de Segurança contra ato judicial – Requisitos Mandado de Segurança contra ato judicial passível de recurso requer além da ilegalidade ou abusividade da decisão, que dele decorra dano irreparável para o impetrante. (... ) (TRF – 1ª R. – 2ª S., MS 94. 0138188, rel. juiz Eustáquio Nunes da Silveira, DJU 13/11/95).
38
38
_______________ 37
NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil 29. ed., São Paulo: Saraiva, 2002. 38
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Mandado de Segurança. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
4 – A IMPORTÂNCIA DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL
BRASILEIRO
No Brasil, a situação de grave crise por que atravessamos hoje, a pobreza, a
corrupção, a poluição cada vez maiores, de amálgama com o exercício de alguns dos
direitos da democracia formal e o processo de redemocratização que se esboça,
contribuem, também, talvez de forma paradoxal, à importância sempre mais decisiva
do papel do Poder Judiciário.
Por força de autorização constitucional, presente também na Constituição
Federal de 1988, art. 114, § 2.°, concedeu-se aos tribunais trabalhistas o de
estabelecer normas e condições de trabalho.
Este notável poder deu origem a excelente criação legal, pretoriana e
doutrinária que não pode, de forma alguma, ser esquecida. Ao contrário, a axiológica
significativa que aproxima, a nosso ver, a sentença normativa "mandado de injunção",
este também destinado a suprir lacunas implica a possibilidade de igualdade de
tratamento jurídico, com a conseqüente transferência, por meio de integração
analógica, da regulamentação do instituto mais antigo para o mais novo.
O mandado de injunção é, pois, garantia constitucional inédita, prevista pela
Constituição de 1988 no capítulo dedicado aos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos, capítulo que integra o título II, relativo aos Direitos e Garantias Fundamentais.
Localizado no artigo 5°, inciso LXXI, da Constituição, o mandado de injunção surge ao
lado das demais garantias constitucionais, a saber, do mandado de segurança
individual e coletivo, do habeas corpus, do habeas data e da ação popular.
39
Trata-se de verdadeira ação constitucional, delineada nos termos do artigo 5.°,
inciso LXXI, que dispõe: "conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta da
norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania".
Importa destacar, para que se possa compreender o alcance do novo instituto,
que a concessão da injunção está condicionada à uma relação jurídica de causa e
efeito. Vale dizer, à uma causa - a falta da norma regulamentadora - a ordem jurídica
atribui uma conseqüência - a inviabilidade do exercício de direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania.
Para que se conceda o mandado de injunção, há de estar clara esta relação
que envolve nexo de causalidade. Como foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do MI 81/6, tem-se que:
A situação de lacuna técnica - que se traduz na existência de um nexo causal entre o vacum juris e a impossibilidade do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania - constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade desse nosso remédio instituído pela Constituição de 1988.
39
A seguir, serão examinados os termos envolvidos nesta relação de
causalidade, que constitui o pressuposto de cabimento do mandado de injunção.
O texto constitucional alude, de um lado à "falta de norma regulamentadora". A
ela, a Carta constitucional relaciona o segundo termo da relação, que é a inviabilidade
"do exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania".
A definição de "norma regulamentadora", a que faz atenção o dispositivo
constitucional pertinente ao mandado de injunção, deve ser extraída a partir de
interpretação sistemática da Constituição, levando-se em consideração o princípio
interpretativo de que às garantias constitucionais deve ser conferida a mais ampla
eficácia possível. Se a Constituição é sistema e unidade, é deste sistema e desta
unidade que se deve inferir o conceito de norma regulamentadora.
40
Voltando à analise da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, já
que, tal como esta ação, o mandado de injunção também se situa como instrumento
de controle da inconstitucionalidade por omissão, constata-se que, nos
_______________
39 REVISTA DOS TRIBUNAIS, n.º 659, p. 213, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais.
termos do artigo 103, parágrafo 2.° do texto, a ação direta está condicionada à
"omissão de medida para tornar efetiva a norma constitucional".
Assim, é possível sustentar que a "falta de norma regulamentadora" invocada
pelo artigo 5.°, inciso LXXI, seja, pois, definida como "omissão de medida para tornar
efetiva a norma constitucional". Acolhendo-se este raciocínio, norma regulamentadora
significa toda e qualquer medida para tornar efetiva a norma constitucional, o que inclui
leis complementares, ordinárias, decretos, regulamentos, resoluções, portarias, dentre
outros atos.
4.1 Competência
Os próprios dispositivos constitucionais relativos à fixação de competência
para processar e julgar o mandado de injunção corroboram a interpretação acima
transcrita, pois, tanto o artigo 102, inciso I, alínea "q", como o artigo 105, inciso I, alínea
"h", da Constituição Federal, quando disciplinam a competência originária do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, para processar e
julgar o mandado de injunção, fazem alusão à norma regulamentadora de atribuição do
Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do
Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de
Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal
Federal (artigo 102, inciso I, alínea "q"), como também à norma regulamentadora de
atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou
indireta (artigo 105, inciso I, alínea "h"). Logo, extrai-se da própria Constituição uma
leitura extensiva da expressão "norma regulamentadora", a que faz menção o
dispositivo concernente ao mandado de injunção.
4.2 Objeto do mandado de injunção
41
À luz do disposto no artigo 5°, inciso LXXI, da Constituição Federal, o objeto
do mandado de injunção corresponde:
a) a todo e qualquer direito e liberdade constitucional;
O Supremo Tribunal Federal entende que:
Não cabe mandado de injunção, ut art. 5.°, LXXI, da Lei Maior de 1988, em se cuidando de falta de norma regulamentadora a tomar viável o exercício de direitos previstos em lei complementar. A via processual pode ser utilizada, em princípio, somente quando a falta da norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
(grifo nosso)
40
b) a toda e qualquer prerrogativa inerente à nacionalidade, à cidadania e à
soberania, cujo exercício estiver obstado por faltar norma regulamentadora.
Observa Celso Agrícola Barbi:
De compreensão menos fácil parecem ser as prerrogativas de soberania, porque esta, com mais freqüência, é considerada como atributo do Estado, da Nação, ou do Poder Constituinte, e não do indivíduo. Mas é possível pensar que o legislador tem em vista a soberania popular, a qual é referida no art. 14, com os meios de seu exercício, isto é, sufrágio universal, voto secreto e direto, com igual valor para todos, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular.
41
Com efeito, se a Carta de 1988 determina que "todo poder emana do povo,
que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição", a soberania a que alude o art. 5°, inciso LXXI do texto, há de se referir à
soberania popular. No entanto, larga discussão jurídica se instaurou acerca do objeto
do mandado de injunção. Apresentaram-se, basicamente, três correntes doutrinárias.
A corrente mais restritiva sustenta que a parte final do artigo 5°, inciso XXI, ao
se referir a prerrogativas "inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania'",
restringe o alcance da expressão "direitos e liberdades constitucionais'" a estes bens
jurídicos.42
42
Uma segunda corrente limita a expressão "direitos e liberdades
constitucionais" aos direitos e garantias fundamentais do Título II do texto.43
_________________ 40
MI 296-7, DJ 28/02/92, Jornal do Supremo Tribunal Federal, LEX 163, julho de 1992, p. 87-99. 41
BARBI, Celso Agrícola. "Mandado de Injunção". In: Revista dos Tribunais, 637/8. 42
Este é o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, 18. ed. São Paulo: Saraiva, p. 276-277. 43
BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 222. A terceira corrente, a que se adota, é aquela que entende que os direitos,
liberdades e prerrogativas tuteláveis pela injunção não são apenas os constantes no
Título II da Carta Maior, que se refere aos direitos e garantias fundamentais, mas
“quaisquer direitos, liberdades e prerrogativas, previstos em qualquer dispositivo da
Constituição”, tendo em vista que inexiste qualquer restrição no art. 5°, inciso LXXI do
texto. Entende-se que “o mandado de injunção protege direitos e liberdades
constitucionais e prerrogativas, estes sim, inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania”.44
José Afonso da Silva, compartilhando desse entendimento afirma que:
Não importa o direito que a norma confere; desde que seu exercício dependa de norma regulamentadora e desde que esta falte, o interessado é legitimado a propor o mandado de injunção, quer a obrigação de prestar o direito seja do Poder Público, quer incumba a particulares.
45
Seguindo este raciocínio, é objeto do mandado de injunção assegurar o
exercício:
a) de qualquer direito constitucional não regulamentado,
b) de qualquer liberdade constitucional não regulamentada, e
c) das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à cidadania e à soberania,
também quando não regulamentadas.
O resultado deste raciocínio é o não cabimento do mandado de injunção
quando se tratar de norma jurídica auto-aplicável, que não dependa de norma
regulamentadora para viabilizar o exercício do direito que consagra. Neste sentido tem
sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
43
Ainda sobre o tema, no julgamento de MI 111-1 que objetivava tornar viável o
exercício do direito previsto pelo artigo 7°, inciso I, da Carta de 1988, que se encontra
provisoriamente regulamentada pelo artigo l0 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, entendeu o Supremo Tribunal Federal que:
_____________ 44
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 390. 45
Idem, p. 390. O direito concedido pela Constituição não está inviabilizado por faltar norma regulamentadora, uma vez que a própria Constituição já disciplinou provisoriamente o regime a ser observado para o exercício do direito em causa, o que implica em dizer que, enquanto esta norma estiver provisoriamente em vigor - e na Constituição não se estabeleceu prazo de vigência para ela - não há inviabilidade do exercício do direito, nem se pode falar em mora regulamentar.
46
Também sobre o assunto, decidiu o Supremo que falece cabimento ao
mandado de injunção se o projeto de lei já foi apresentado na Câmara dos Deputados
ou no Senado Federal.47
4.3 Função do mandado de injunção
A função do mandado de injunção é possibilitar seja a norma constitucional
aplicada, independentemente de regulamentação e exatamente porque não foi
regulamentada.
Se houvesse regulamentação, faltaria cabimento para a impetração de
mandado de injunção. Como explica José Afonso da Silva:
O direito, a liberdade ou as prerrogativas estabelecidas em normas constitucionais regulamentadas, quando não satisfeitos, só podem ser reclamados por outro meio judicial (mandado de segurança, ação cautelar inominada, ação ordinária).
48
44
Também esta é a posição de Carlos Ad Sundfeld: "A injunção não é um modo
de tomar de fato respeitadas as normas de eficácia plena mas sim de tornar
plenamente eficazes as de eficácia limitada." 49
Com efeito, no julgamento do MI 182-1 determinou o Supremo que "se a
omissão do legislador inexiste, o caso não é de injunção, mas sim de mandado de
________________ 46
REVISTA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 143/707, março de 1993, REVISTA DOS TRIBUNAIS, 666/209. 47
MI 193-6, DJ 28/05/90, p. 4. 680; MI 96-4, DJ 01/03/90, p. 1.320; MI 215-1, DJ 16.03.90, p. 1870. 48
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 388. 49
SUNDFELD, Carlos Ari. "Mandado de Injunção". In: Revista de Direito Público, n. 94, p. 147. segurança". 50
Deste exame pode-se extrair que o mandado de injunção tem como principal
finalidade conferir imediata viabilidade ao exercício de direitos, liberdades e
prerrogativas constitucionais, obstado em virtude de ausência de regulamentação.
Revela-se, o mandado de injunção, como verdadeiro instrumento de
realização do princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras dos
direitos e garantias fundamentais, previsto pelo artigo 5°, parágrafo 1° da Constituição
Federal de 1988.
Ressalte-se, por fim, que o mandado de injunção é garantia auto-aplicável,
tendo em vista o próprio princípio da aplicabilidade imediata das normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais.
A auto-aplicabilidade do mandado de injunção é acolhida por tendência
predominante da doutrina constitucional.51
Admitir o contrário resultaria no curioso paradoxo da ação Institucional dirigida
contra a inação normativa, permanecer inerte em virtude de norma regulamentadora.
Assim, enquanto não for instituído um procedimento específico, aplicar-se-á ao
mandado de injunção o procedimento do mandado de segurança previsto pela Lei n.º
1.533/51, como determinou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MI 107-3,
determinação seguida pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 216 do
Regimento Interno deste Tribunal, Note-se que o Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Mandado de Injunção 107-3, em votação unânime, firmou entendimento
que: "a injunction é auto-aplicável, independentemente de norma jurídica que a
45
regulamente, inclusive quanto ao procedimento. Relativamente a este, aplicar-se-á, no
que couber, e analogicamente, o do mandado de segurança” .52
4.4 Finalidade do mandado de injunção
A finalidade do Mandado de Injunção está previsto na Constituição Federal
________________ 50
MI 182-1, DJ 22/03/1991, Revista do Supremo Tribunal Federal, LEX 148, abril de 1991, p. 87. 51
CALMON DE PASSOS. Mandado de Segurança Coletivo, Mandado de Injunção, Habeas Data, Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 122. 52
Supremo Tribunal Federal, MI 107-3, Seção I, 21/09/90, p. 9782, rel. Min. Moreira Alves. de 1988, pois a concessão da medida dar-se-á "sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania" (art. 5°, inciso
LXXI), isto porque a injunction se destinará a preencher lacunas normativas, como
também resulta das regras de competência contidas nos arts. 102, inciso I, alínea "q",
e 105, inciso I, alínea "h", como se vê abaixo:
Art. 102 - Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal:
Ainda:
Art. 105 - Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal: ...
46
4.5 Eficácia do mandado de injunção
O Mandado de Injunção somente pode ser impetrado contra pessoa jurídica de
direito público.
Primeiro, porque o dispositivo criador do Mandado de Injunção refere-se a
matérias de ordem pública, como liberdades constitucionais, nacionalidade, soberania
e cidadania.
Em segundo lugar, porque é ilógico imaginar-se uma ação proposta contra
particular pleiteando direitos que não foram conferidos em razão de ausência de
norma regulamentadora. Seria considerar responsável o particular por ato que se
deveu a omissão do Poder Público. Aqui aplica-se a máxima: é incompatível com o
Direito a interpretação que leva ao absurdo.
No caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior
eficácia aos direitos fundamentais.
Também cabe mandado de injunção nas relações de natureza pública como
nas relações privadas, como, por exemplo, nas relações de emprego privado,
hipóteses de direitos previstos no art. 7º da Constituição Federal de 1988.
4.6 Legitimidade ativa
Aqui, interessa, avaliar a quem a Constituição de 1988 atribuiu legitimidade
para impetrar o mandado de injunção.
Um primeiro elemento a ser destacado, no exame da legitimidade ativa, é a
própria localização do dispositivo relativo ao mandado de injunção. Como ressaltado,
situa-se ao lado das demais garantias constitucionais, no inciso LXXI, do artigo 5° do
texto, que, enquanto verdadeira Carta de direitos, tem como endereçado toda e
qualquer pessoa, logo, o mandado de injunção pode ser impetrado por toda e qualquer
pessoa, diversamente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cuja
legitimidade ativa é reservada aos entes elencados no artigo l03, incisos I a IX da
Constituição Federal de 1988.
47
Na possibilidade de impetração do mandado de injunção por entes coletivos,
como organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída,
o mandado de injunção viria a ser impetrado em defesa de direitos constitucionais
coletivos, cujo exercício se encontrasse obstado por faltar norma regulamentadora.
À luz de uma interpretação sistemática da Constituição, especialmente em
face do que dispõem o artigo 5°, inc. XXI - que prevê a legitimidade das entidades
associativas, quando expressamente autorizadas, para representar seus filiados
judicial ou extrajudicialmente - e o artigo 8°, inc. III - que estabelece a legitimidade dos
sindicatos de efetuar a defesa dos direitos e interesses coletivos da categoria,
inclusive em questões judiciais -, é possível admitir-se a impetração do mandado de
injunção por estes entes coletivos, em defesa dos direitos coletivos da categoria.53
_______________ 53
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 397. Defende-se aqui a possibilidade de cabimento do mandado de injunção para
a tutela de direito coletivo, mas não difuso. Caso se admitisse a tutela também de
direito difuso, o instrumento do mandado de injunção estaria, até certa ponto, a se
confundir com o instrumento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Isto
é, caberia, em julgamento de mandado de "injunção, a elaboração da norma
regulamentadora geral e abstrata.
O mandado de injunção deixa de constituir instrumento de defesa de direito
subjetivo, voltado a viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais, para
se transformar em instrumento de tutela de direito objetivo, permitindo a eliminação de
lacunas do sistema jurídico-constitucional. Contudo, embora pareça admissível o
"mandado de injunção coletivo", a título de proposição, sugere-se a criação deste
instrumento de forma clara e precisa, nos moldes até do mandado de segurança
coletivo previsto pelo artigo 5°, inciso LXX, da Constituição Federal de 1988. Esta
alternativa viria a calar qualquer divergência doutrinária acerca da possibilidade de
impetração de mandado de injunção para a defesa de direitos coletivos, cujo
exercícios encontre inviabilizado por faltar norma regulamentadora.
4.7 Legitimidade passiva
48
Reiterando-se, o mandado de injunção, objetiva tornar viável o exercício de
direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
cidadania e à soberania, quer a obrigação de prestar o direito seja do Poder Público,
quer incumba a particulares.
Vale dizer, que cabe mandado de injunção tanto nas relações de natureza
pública, como nas relações privadas, como, por exemplo, nas relações de emprego
privado, hipótese que envolve os direitos previstos no artigo 7° do texto constitucional.
Sustenta-se, dessa feita, que no mandado de injunção a legitimidade passiva
recai sobre a parte privada ou pública que visa a suportar o ônus de eventual
concessão da injunção. Isto é, a legitimidade passiva recai sobre o ente cuja atuação é
necessária para viabilizar o exercício do direito e não recai, portanto, sobre a
autoridade competente para elaborar a norma regulamentadora faltante.
Quando o texto constitucional fixa ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior
Tribunal de Justiça competência para o julgamento do mandado de injunção, não está,
com isso, a apontar ao pólo passivo da ação do mandado de injunção. Trata-se tão
somente de um critério de partilha de competências entre os órgãos jurisdicionais. A
adoção deste critério de fixação de competências se pauta no órgão competente para
a adoção da norma regulamentadora.
Na lição do Ministro Carlos Mario Velloso:
A competência para o julgamento do mandado de injunção firma-se não em razão da autoridade ou órgão que deve suportar os efeitos da sentença, mas em razão da autoridade ou órgão incumbido da elaboração da norma regulamentadora.
54
Ou seja, a competência para o julgamento do mandado de injunção é definida
pelo órgão ou entidade a que caiba a edição do diploma legal regulamentador. No
entanto, repita-se, não se extrai deste critério qualquer regra atinente à letigimidade
passiva. Como observa Sérgio Bermudes,
'nem há razão por que se haverá de trazer a autoridade ao processo, quando a sentença concessiva da injunção limitará seus efeitos ao impetrante, não se estendendo, pela falta de regra que lhe empreste efeito abrangente, a quem não tiver sido parte no processo.
55
49
No entanto, não tem sido esta a posição do Supremo Tribunal Federal que, por
maioria de votos, firmou o entendimento de que parte passiva é apenas a autoridade e
o órgão omisso. Com efeito, no julgamento do MI 323-8 o Supremo determinou:
Em face da natureza mandamental do mandado de injunção, como já afirmado por este Tribunal, ele se dirige às autoridades ou órgãos públicos que se pretendem omissos quanto à regulamentação que viabilize o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, não se configurando, assim, hipótese de cabimento de listiconsórcio
_______________ 54
VELLOSO, Carlos Mario. "As Novas Garantias Constitucionais". In: Revista de Direito Administrativa, n. 177, p. 14. 55
BERMUDES, Sérgio. “O Mandado de Injunção”. In: Revista dos Tribunais, n. 642, p. 24. passivo entre essas autoridades e órgãos públicos que deverão, se for o caso, elaborar a regulamentação necessária, e particulares que, em favor do impetrante do mandado de injunção, vierem a ser obrigados ao cumprimento da norma regulamentadora, quando vier esta, em decorrência de sua elaboração, a entrar em vigor.
56
Reiterando esta posição, no julgamento do MI382-3 determinou o Supremo:
Neste (mandado de injunção) não há, igualmente, lugar para a citação, como interveniente, ou terceiro interessado, dos particulares, bem como para listisconsórcio passivo entre eles e a autoridade competente para a elaboração da norma regulamentadora.
57
4.8 O Estado Social: sua lógica e o mandado de injunção
Há de se ressaltar que a eficácia do mandado de injunção implica na
incorporação, por parte dos órgãos aplicadores do direito, em particular por parte do
Poder Judiciário, da lógica do Estado de Bem-Estar Social. É importante, pois,
salientar, que este é o modelo de Estado fixado pela ordem constitucional de 1988,
que está a exigir da cultura jurídica a incorporação de conceitos transformadores.
A concretização constitucional envolve, assim, o prestígio dos conceitos e
valores que lhe são essenciais, como os valores da igualdade material e a
aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais.
50
O novo procedimento interpretativo, consonante com a lógica do Estado
social, é o Tércio Sampaio Ferraz Jr.58 denomina de procedimento interpretativo de
legitimação de aspirações sociais à luz da Constituição.
Sob as exigências do Estado de Bem-Estar Social e sob a percepção de que
as regras constitucionais devem servir como instrumento de legitimação de tarefas
postas ao Estado, emergem métodos interpretativos de legitimação de aspirações
sociais à luz da Constituição, que reflete a pretensão de realização inerente à própria
Constituição Federal. Esta expectativa de concretização da ordem constitucional, só
pode ser atendida na medida em que se introduz, na hermenêutica constitucional,
________________ 56
MI 323-8, DJ 14/02/92, Jornal do Supremo Tribunal Federal, LEX 161, maio de 1992, p. 100-106. 57
MI 382-3, DJ 12/02/93. In: Jornal do Supremo Tribunal Federal, LEX 175, julho de 1993, p. 147-150. 58
FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1998, p. 12-13. um elemento de ordem axiológica. A aplicação das normas constitucionais converte-se
assim, em realização de valores sociais.
O sucesso do mandado de injunção, o sucesso do Estado de Bem Estar
Social cunhado pela Constituição, o sucesso da concretização efetiva dos direitos e
garantias fundamentais e em uma só palavra, o sucesso da própria Constituição, está
em muito condicionado à adoção do procedimento interpretativo de legitimação.
A efetividade do mandado de injunção requer a todo tempo, uma interpretação
teleológica condizente com a lógica social, que implica em doar novo sentido à
separação dos Poderes, convertendo o Poder Judiciário em poder responsável por
uma justiça substancial e distributiva, que eleja, como principal valor, a igualdade
material e, como parâmetro obrigatório e vinculante, os direitos e garantias
fundamentais.
Aguarda-se, sob esta perspectiva, um Judiciário mais aberto, mais social e
politicamente mais responsabilizado e ainda, aguarda-se a participação sistemática
mais intensa do Judiciário para a construção da sociedade do bem-estar, com maior
sensibilidade às finalidade sociais, tipicamente perseguidas pelo moderno welfare
state, ou seja, compartilha-se da afirmação feita por Mauro Cappelletti de que:
A mentalidade do Judiciário está demasiada e profundamente dominada pelas tarefas tradicionais da justiça civil e penal, o que
51
encerra algumas dificuldades para uma mudança de postura, necessária para a interpretação e aplicação das leis promocionais e programáticas, orientadas para o futuro.
59
Somente uma interpretação neste sentido é capaz de vivificar o fenômeno
constitucional, prestigiando a prevalência da Constituição e sua concretização, a fim
de que a vontade da Constituição definitivamente prepondere sobre a vontade
discricionária do Poder.
A reposta à indagação sobre se o futuro do Estado é uma questão de poder
ou um problema jurídico depende da preservação e do fortalecimento da força
normativa da Constituição, bem como de seu pressupostos fundamental, a vontade da
Constituição.
________________ 59
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?, trad. Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 51.
A intensidade da força normativa da Constituição corresponde, nesta ótica, à
maior ou menor convicção sobre a individualidade da Constituição entre os principais
responsáveis pela vida constitucional.
52
5 - REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE QUAL OU QUAIS AS CAUSAS DA FALTA DE
EFETIVIDADE DE ALGUNS REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS SEGUNDO
CALMON DE PASSOS
O tema sugere, de pronto, uma resposta à indagação sobre que meios estão
disponíveis aos cidadãos para que tornem efetivas, as liberdades que lhes foram
constitucionalmente asseguradas, via Poder Judiciário, portanto, matéria suscetível de
abordagem dogmático-exegética, sem dúvida pertinente e até indispensável. Em
primeiro lugar, porque muitos já o fizeram, tantos e tão bem, que mais não poderia
senão repetidos ou inserir-me num processo de mútua citação e mútuo louvor, bem
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pouco construtivo. Por outro lado, repugna-me atribuir ao jurista o papel de autor e
contos da carochinha. Por todos esses motivos, dispenso-me de falar, prioritariamente,
das garantias que a Constituição Federal institucionalizou para proteção das
liberdades por ela enunciadas ou de como postulá-las de modo tecnicamente correto
perante o Poder Judiciário.
A primeira ponderação a ser feita é sobre a impossibilidade de podermos
compreender a liberdade sem antes refletirmos sobre a "não-liberdade". Entendida
exclusivamente como poder de autodeterminação inerente a todo homem, por força do
qual direciona sua conduta a liberdade é um contínuo e pleno operar de um ente capaz
de opções, sem lacunas e sem obstáculos, descomportando, consequentemente,
problematização.
A problematização se faz apenas necessária e relevante por motivo das
inelutáveis "limitações" com que se defronta. Obstáculos oferecidos pela Natureza, a
par dos que os homens se colocam uns aos outros, os problemas da liberdade são,
pois, na sua essência, "problemas de não-liberdade". Os limites impostos pela
Natureza escapam ao interesse imediato do jurista. Limitações imprescindíveis, pois
sem elas, a convivência humana se inviabilizaria.
Todo o ato de liberdade é também, e necessariamente, um ato de não-
liberdade, auto-limitação da liberdade, por força da exclusão, pelo ator, das opções
rejeitadas. Uma não-liberdade alternativa seria a negação de si mesma. Também esta
é uma dimensão da liberdade que escapa ao interesse imediato do jurista. Para ele,
relevante é a liberdade social, relação de interação entre pessoas ou grupos, ou seja,
o fato de que um ator deixa outro ator livre para agir de determinada maneira. Esse
conceito, entretanto, para ser definido, pede também, como visto antes, seja feita
referência a outra relação de interação, a de "não-liberdade interpessoal ou social".
Somos socialmente livres quando inexiste algum agente em condições de nos
obstar de fazer aquilo que nos dispúnhamos a fazer. Cuida-se de uma autolimitação
diferente da precedentemente analisada, porque, neste contexto, as ações excluídas o
foram por força de valoração em que o outro, com quem interagimos, foi levado em
consideração. Individual em sua implementação, é social em seu alcance. Ainda
quando relevante e socialmente eficaz, é, contudo, insuficiente, por si só, para oferecer
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a segurança que a convivência humana reclama, donde ser fundamental a
heterolimitação.
A não-liberdade, em sua dimensão social, diversamente do que se passa com
a liberdade, precisa, fundamentalmente, para existir e operar, da heterolimitação, visto
como a autolimitação da liberdade, é impotente e insuficiente para gerar segurança
social em termos satisfatórios.
A não liberdade social, requer para existir, que alguém recuse adesão ao
limite que o outro pretende impor a sua liberdade. Inexiste limitação efetiva à liberdade
se ausente o fato do poder, tanto do poder da vontade do indivíduo sobre seus
impulsos ou motivações - poder que tem sobre si mesmo (pouco importa o que o induz
a assim agir) -, quanto do poder do outro ou dos outros - a heterolimitação -, efetive-se
da pelo exercício da força bruta ou realize-se mediante coerção legitimada, seja por
sua institucionalização social (sanção difusa) ou política (sanção jurídica). Não-
liberdade social e poder ou controle são, destarte, categorias indissociáveis.
Todos temos consciência de que é impossível organizar politicamente a
convivência humana de molde a que, em toda e qualquer situação particular de
confronto de liberdades, esteja presente e atuante um agente do poder político em
condições de tornar efetivo o limite juridicamente imposto à liberdade do mais forte,
vale dizer, a efetivar sua não-liberdade, tutelando, assim, a liberdade do desfavorecido.
A "não-liberdade jurídica" traduz-se em mera expectativa compartilhada pelos
integrantes do grupo social, sem possibilidade de ser garantida sua efetividade em
todos os lugares e em todas as circunstâncias nos termos prometidos. Diversamente,
a não-liberdade de fato é sempre o resultado da atuação de uma força inibidora mais
decisiva, porque derivada da pressão social do grupo, bem mais constante e
abrangente.
A garantia de nossa liberdade repousa muito menos no que nos é prometido
em proclamações político-jurídicas e muito mais, senão quase que exclusivamente, na
institucionalização social de limites postos à liberdade dos indivíduos, isto é, das não-
liberdades sociais, daí a falácia das proclamações exclusivamente jurídicas de
liberdades, quando falta a prévia institucionalização social da não-liberdade
correspectiva ou inexiste a vontade social e política de institucionalizá-la. Sabemos
todos que o homem é um animal desaparelhado para agir à base de seus instintos. O
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que deles recolhe, em termos de orientação de seu comportamento, é irrelevante. Por
outro lado, a ponderação das alternativas possíveis em cada situação concreta do agir
humano é tarefa por demais empenhativa, da qual procura o homem libertar-se ou
reduzir-lhe o impacto. Isso ele logra mediante a aquisição de hábitos. Comportamento
originariamente fruto de reflexão e ponderação de opções, o hábito é o agir adotado
sem prévia ponderação no ato concreto, mas fruto de uma escolha consciente feita no
passado e internalizada, a ponto de se fazer resposta imediata a determinado
estimulo, à semelhança da que é provocada pelo instinto. Sua dimensão social o
institucionaliza e ele passa a operar também nas interações sociais, dispensando
qualquer coerção externa. Habituei-me a não jogar lixo nas ruas, adoto esse
comportamento instintivamente, sem que para sua efetividade se exija a presença do
agente social ou político inibidor. A institucionalização do hábito pode, inclusive,
revesti-lo da natureza de costume, regra coercitiva disciplinadora da convivência
social, servida também por uma sanção social efetiva. Daí a exigência da juridicização
das condutas. Em verdade, a tutela excelente das liberdades, pelo grau ótimo de
eficácia, é a resultante da autolimitação que os indivíduos se impõem. É o que
poderíamos chamar de "institucionalização do dever". Falhando, sua falta é suprida
pela sanção difusa da heterolimitação social. Diante do fracasso desses meios, lança-
se mão do recurso extremo e menos desejável da sanção política institucionalizada, de
que se ocupa o direito.
Se quisermos ser fiéis à realidade, concluiremos que a segurança das
liberdades sociais assenta, em termos de sua efetiva garantia, em primeiro plano e
quase decisivamente, na autolimitação da liberdade, fruto da aquisição de hábitos pelo
indivíduo. E isso só se dá por via da educação - tomado o termo em seu sentido mais
abrangente -, mediante a qual os hábitos são institucionalizados.
Um dos mais graves descaminhos da modernidade foi a exagerada ênfase
dada à liberdade em desfavor da autolimitação da liberdade, que é o relevante.
Dizendo de outro modo, colocou-se o Direito no primeiro plano, quando a consciência
do dever é a garantia única da excelência da ordem social. O dever assumido é a
liberdade do outro efetivamente tutelada. A liberdade heterolimitada é violência que
submete o outro e mobiliza-o para a resistência. Daí este mundo de conflituosidade
progressiva que estamos institucionalizando.
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Nos tempos pré-modernos, a idéia do dever sempre se colocou no primeiro
plano. Os homens submetiam-se a limitações que os deuses ou a tradição lhes
impunha. A modernidade libertou o homem dessas amarras e colocou-o como sua
própria medida - fê-lo senhor de si mesmo. Deu-lhe como parâmetro a razão e a partir
dela buscou institucionalizar o dever. Daí para o subjetivismo, o individualismo e o
relativismo foi um passo curto. Se eu sou a medida de mim mesmo, é a partir dessa
minha autarquia que a melhor conduta deve ser institucionalizada. Estava dado o
passo para o utilitarismo, o pragmatismo e pensamentos afins, que se maximizariam
com o absolutismo da razão instrumental e da ideologia tecnocrática. O demônio,
como símbolo do mal, foi transferido para nossa própria subjetividade, e o inferno
(lugar da expiação), para recordar Sartre, passou a ser o outro - o social.
Tudo isso conduziria necessariamente à hipostasia do sujeito e de sua
afirmação, o que implica a prioridade dos valores da liberdade em detrimento de seus
limites, vale dizer, das não-liberdades. A par disso, e talvez sua mais grave
conseqüência, fragilizou-se a autolimitação da liberdade, que, como visto, é a mais
efetiva maneira de se tutelar a liberdade e de todo dependente da institucionalização
de hábitos, por via da introjeção de valores.
A presença do jurista - doutrinador, postulador ou julgador - denuncia a vitória
da doença no corpo social, como a do médico comunica a vitória da doença no corpo
biológico. Feliz a sociedade que precisa pouco de médicos. Feliz a sociedade que
precisa pouco de juristas. O que ocorreu em nossos dias, entretanto, foi o oposto. A
nossa perda de perspectiva nos levou à apologia da doença e do doutor, ao invés de
cuidarmos da sua profilaxia e prevenção.
É dessa ótica que vejo o espetáculo montado para levar ao grande público a
opereta dos direitos humanos, dos direitos fundamentais, civis, políticos e sociais,
protegidos por cláusulas pétreas, para que todos saibam que eles têm a resistência
milenar das pirâmides e das esfinges, ou dos mandamentos de ontem, outorgados
pelos deuses ou pelo Deus único, no monte Sinai, ao intermediário privilegiado -
Moisés.
Só que agora nem mesmo são mais os deuses que dizem a palavra suprema,
e sim alguns humanos, que se atribuem virtudes e poderes que os tornam iluminados.
Valeria a pena relembrarmos que de nada valem os mandamentos dos deuses para os
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que não têm fé, como de nada valem as proclamações de direitos para os que não têm
a consciência do dever. Não se veja nessa colocação uma atitude de menosprezo ou
menoscabo no tocante aos direitos humanos e sua proclamação universal.
Quisemos acentuar, a falácia dessas proclamações quando desassistidas da
vontade social e política que efetivamente as institucionaliza, e essa vontade política
não pode ser imposta ou surgir por força de prescrições jurídicas. Ela é fruto do
esforço incessante, individual e social, de introjeção de valores que domesticam
nossos ímpetos e nos dão a consciência de que perdendo algo em favor de alguns se
lucra muito em benefício de todos. Essa sabedoria da solidariedade é indissociável,
contudo, de um compromisso social que reclama empenho, convencimento e
vigilância, inicialmente moldado no ambiente familiar e depois ampliado e consolidado
no espaço da convivência social. Só depois desse longo percurso, chega ao espaço
político institucionalizado de modo eficaz. O caminho inverso jamais foi feito na história.
Nem o será em nossos tempos em nosso país.
Vale ponderar que liberdade e tutela se revelam coisas incompatíveis,
porquanto liberdade tutelada não é mais liberdade. É dádiva, concessão, proteção,
dependência, tudo isso negação mesma da liberdade. A liberdade só comporta
limites, jamais tutela. Toda a tutela de liberdade é perda de liberdade por alguém que
deixou de poder o que potencialmente podia poder, e, inferiorizado, pretende ver
reparada essa perda, socorrendo-se de quem mais poderoso que o poderoso que o
submeteu. Muda-se de senhor, porém se continua servo. Essa incontestável realidade
é que confere a toda ordem social o caráter de um sistema de dominação. Liberdade
social e poder ou controle são categorias indissociáveis.
Quem carece de proteção não é livre, senão na medida da vontade de quem o
protege. Isso nos alerta, mais uma vez, para a inocuidade das proclamações de
liberdades, um modo de dizer sem conseqüências, porque dependente da eletividade
da proteção prometida. Em suma, os problemas da liberdade são políticos, não
jurídicos. Eles se juridicizam como conseqüência e projeção, mas não se
substancializam juridicamente, nem são solucionáveis juridicamente em termos
satisfatórios.
Essa evidência levou juristas, cientistas políticos e sociólogos a refletir mais
profundamente sobre a correlação substancial entre o enunciar direitos e o organizar
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politicamente a sociedade para a qual são enunciados, a par da adequação dos
instrumentos postos para assegurar sua efetividade. Mais importante que o elenco de
liberdades, direitos e garantias proclamados é a real correlação de forças na
sociedade e sua institucionalização em termos de organização do poder político. Nada
é mais revelador dessa verdade que observarmos como prescrições linguisticamente
idênticas se efetivam de modo tão diverso, a depender do contexto sociopolítico em
que foram enunciadas. Quando a nossa liberdade não tem a garantia da consciência
ética do outro de que deve, na situação concreta, limitar a sua em benefício da nossa,
colocamo-nos na total dependência da presença e da vontade do beleguim,
englobando este termo todos os indispensáveis agentes do poder político
responsáveis pelo controle e pela sanção, sejam eles militares ou civis,
administradores ou julgadores.
Toda a tutela implica poder do tutor sobre o tutelado, que permanece
dependente e inferiorizado, sendo que na tutela jurisdicional, esse tutor é o juiz e será
ele, dentre os agentes do poder político institucionalizado, alguém que escapa aos
condicionamentos do sistema de dominação que o legitima? Poder que se organiza
institucionalizando instrumentos que viabilizem sua neutralização é tudo, menos poder,
nem subsistirá como poder, porque poder suicida. Podemos, concluir, portanto, que os
problemas da liberdade são, fundamentalmente, problemas políticos, problemas de
não-liberdade que subsistem enquanto não resolvidos politicamente.
A frase de Raimundo Faoro resume nossa infeliz colonização - "Fomos
Estado, antes de sermos Nação", o que, traduzido, significa: impingiram-nos
instituições, sem que jamais tenhamos tido espaço político para plasmá-las à nossa
feição e segundo nossas necessidades. Some-se a isso o fato de que nossa
economia fincou raízes no latifúndio, na monocultura, na mão-de-obra escrava e na
dependência internacional, o que a fez concentradora de riqueza. A dramática
ausência de classe média por alguns séculos, a par de sua emergência tardia sob a
tutela do Estado ou do poder econômico, marcou-nos como estigma de sermos, no
dizer de Hobsbawm, "um monumento à negligência social", porque sempre
transferimos para o poder público o que essencial e originariamente é de nossa
responsabilidade. Nossa criminosa indiferença para com o outro, principalmente o
mestiço e o nacional, acentuado pelo desastroso interregno autoritário de um quarto de
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século, fez-nos um país marcado por uma desigualdade real que torna a igualdade
formal mera e pungente caricatura. A tudo isso, somamos o fato de havermos chegado
muito tarde num mundo cada vez mais opressivo e excludente, padecendo da falta de
consciência dessa tragédia ou desse desafio.
Nesse cenário, valeria pouco falar sobre as roupas que cobrem o corpo do
indigente, pois é ele que precisa ser cuidado. Principalmente porque ainda tem cura.
Daí ter preferido exibi-lo assim, na sua gritante esqualidez, para chocar as pessoas,
despertando-as e mobilizando-as para as mudanças que realmente se fazem
necessárias e urgentes - institucionais, de base, profundas, porque indo até às raízes.
Nossas liberdades políticas têm a seu serviço um inexcedível arsenal de instrumentos.
Dispomos do habeas corpus e do habeas data, do mandado de segurança,
tanto individual quanto coletivo, sem esquecer o mandado de injunção. Ainda se
colocam a nosso dispor a ação popular, a ação direta de inconstitucionalidade, o
controle difuso da constitucionalidade das leis, com possibilidade de tutela liminar
satisfativa, mesmo que provisória, e com a garantia de que todos quantos a isso se
opuserem estarão sob a ameaça de cadeia, mesmo que sem forma nem figura de
juízo, trate-se de ministro, empresário, banqueiro, soldado ou menestrel. Se estiver em
risco sua liberdade de ir e vir, impetre habeas corpus. Hoje, inclusive, a pedir reflexão
ampliativa, visto como se propugna cada vez mais prender menos e cada vez mais
sancionar com penas restritivas de direitos. Se estiver em jogo outra liberdade que não
a de ir e vir, impetre mandado de segurança, tanto individual, para defesa de seu
interesse específico, como coletivo, se você deseja ser um paladino do interesse
público em face das agressões do poder político opressor (entenda-se como tal o
Poder Executivo).
Se algum ato desse poder político opressor lesar ou ameaçar de lesão o
patrimônio público - e tudo é público e de todos, a luz, o ar, a terra, o céu, os sonhos e
os pesadelos -, ajuíze uma ação popular. Se houver registros secretos a seu respeito,
traga-os à luz pelo habeas data, e se o reumatismo normativo deixar desprotegido seu
direito, ajuíze mandado de injunção.
Na hipótese de o Legislativo ou o Executivo desrespeitarem, manhosamente,
qualquer dos mil direitos fundamentais que a Constituição lhe outorgou, tentando fazê-
lo de bobo, afore alguma cautelar inominada, com pedido de liminar e de antecipação
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de tutela sem audiência da parte contrária, caso não tenha conseguido sensibilizar
alguma das entidades guardiãs da ordem jurídica, legitimadas para a ação direta de
inconstitucionalidade, também com direito a liminar inaudita altera pars.
Ao lado desse respeitável estoque, você também dispõe de armas de menor
calibre, ainda que dotadas de respeitável poder de fogo, como sejam a ação civil
pública, para a qual você é impotente como pessoa física, inconveniente facilmente
contornável, todavia, desde que você convoque algum amigo do peito, fundando com
ele alguma entidade que tenha apelido pertinente e sugestivo, o que lhe dará
legitimidade, por força de sua "adequada representatividade" (na dependência do que
pensar o magistrado, é bom advertir) para pleitear o que desejava pleitear e lhe foi
interditado. Nem esqueça que há outros meios de você se afirmar politicamente,
através do disfarce dos interesses difusos, coletivos e homogêneos, que aceitam sua
encarnação em modestas ações comuns, ainda que em juizados incomuns e
atendendo a princípios incomuns.
Nem olvide que você tem no Ministério Público e, de resvalo, em algumas
Defensorias Públicas, um exército de anjos tutelares, mobilizados para lhe darem a
proteção que você, com suas poucas forças, jamais lograria conseguir.
Para concluir, serão usadas na íntegra, as palavras do autor, ressaltando, de
antemão, a primazia e a sinceridade do texto, sendo esta justamente a razão dessa
escolha:
Acredita-se tenha chegado o momento de encerrar. Suportaram-me além do tolerável. Em muitos, quanto disse deve ter despertado revolta. Vêem-me como alguém negativo e ressentido que destila a bílis que não pôde empregar para sua própria digestão. Em outros, devo ter provocado perplexidades. Estes se perguntam se há alguma verdade por trás de tudo quanto foi dito. Olham para mim entre surpresos e receosos; nem me rejeitam, nem me aceitam totalmente: propõem-se, entretanto, refletir e correr o risco de se desinstalarem. Outros, e não serão poucos, colocarão em dúvida minha higidez mental, associável, sem muito esforço, a minha já avançada idade. Digo-lhes, entretanto, que meu posicionamento nem é insano, nem irrefletido, nem ressentido. Resgato apenas um compromisso assumido comigo mesmo de dizer, antes de tanto me ser impossível, quanto infiro de tudo o que ocorre no meu país, em termos de conjuntura jurídica. Quero unicamente documentar quanto penso, fazendo-o radicalmente, para que amanhã, quando apenas "me chamar saudade" e só puder ser lido e não mais ouvido (se por acaso ainda se derem, no futuro, à generosidade de me lerem), seja feito meu julgamento. Aí, sim, haverá objetividade e isenção para tanto.
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A veste mágica que os intrujões teceram para o rei e dolosamente proclamaram só poder ser vista pelos puros é, em verdade, pura empulhação dos que se banqueteiam às custas dos crédulos e dos tímidos. Também os velhos, já na porta de saída, sabendo que nem o fasto nem o nefasto será para eles, têm essa libertária temeridade de poder dizer, com a voz mais forte que ainda lhes é dado emitir: "Vocês estão sendo enganados. O rei está nu, o rei está nu, o rei está nu...". Minha fala bem que poderia ter-se resumido, para beneficio de todos, nesta curta e incisiva exclamação: O rei está nu!
Enfim, para Calmon de Passos, de fome jurídica não morreremos nós, os
brasileiros. Se houver algum risco, esse risco será de indigestão. Mas sua fome só
será satisfeita segundo a vontade soberana e sem controle efetivo dos que podem lhe
impedir o acesso a elas e têm poder para deturpar-lhes o sabor e o teor nutritivo, sem
esquecer que nem eles mesmos são assim tão livres, porque se o menu anuncia
fartura, a verdade é que a despensa está em falta de quase tudo, porque os que
prometeram fornecer as mercadorias se descuidaram ou se desinteressaram de
produzi-las. Digo-lhes, que meu posicionamento nem é insano, nem irrefletido, nem
ressentido. Resgato apenas um compromisso assumido comigo mesmo de dizer,
antes de tanto me ser impossível, quanto infiro de tudo o que ocorre no meu país, em
termos de conjuntura jurídica.
CONCLUSÃO
A Ciência do Direito isolada em seu saber puro não é suficiente para
compreender e resolver a contento os conflitos advindos de uma sociedade tão
confusa e complicada.
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Como pôde ser observado, o cidadão brasileiro, vive num emaranhado
sistêmico institucional idealizado pela Magna Carta Constitucional de 1988 que se
devidamente atendido, tem perfeitas condições de levar ao efetivo "Estado
Democrático de Direito".
Como instrumento protetor da liberdade de locomoção, o habeas corpus é
reconhecido, atualmente, em todas as sociedades democráticas de direito, como um
instituto de direito público.
Em nosso direito pátrio figura como garantia ou como remedium juris contra
as turbações da liberdade de ir, vir e permanecer, sendo sua finalidade a cessação
imediata do constrangimento ilegal ou da sua iminente ameaça, assegurando dessa
forma, aquilo que é inerente e fundamental a todo homem, sua liberdade física, um bem
inalienável e imprescindível.
Sua aplicabilidade ganha vulto a partir do momento em que vivemos em uma
"democracia" onde os direitos elementares dos cidadãos, na maioria das vezes, não
são respeitados se fazendo mister a existência de um mecanismo rápido e eficiente
que garanta ao cidadão a possibilidade de resguardar seu direito de ir e vir livremente
ou que venha a garantir a manutenção e o respeito ao Processo Legal, obrigando aos
entes públicos a observância dos prazos e requisitos para que se mantenha um
indivíduo privado de sua liberdade.
Sua importância, dentro do nosso Ordenamento Jurídico é tão grande que,
segundo o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, Lei n.º 8.906/94, em seu § 1º,
inciso II, do artigo 1º, o habeas corpus constitui-se numa das hipóteses em que se
dispensa a presença do advogado para sua impetração, ou seja, poderá ser
impetrado por qualquer cidadão não existindo rigidez quanto a forma.
O instituto do habeas corpus, é portanto, uma verdadeira conquista da
humanidade que através de muita luta, desde o Século XV com o nascimento da
Teoria Contratualista do Estado passando pela consolidação com a Revolução
Francesa, até os dias atuais, vem, galgando, passo a passo a plena instituição de um
Estado Democrático de Direito onde, figura o Habeas Corpus, não somente como um
dos seus elementos mas como um dos seus principais garantidores.
Quanto ao mandado de segurança, há de observar-se que tudo o que se tem
escrito sobre o mandado de segurança e, especificamente, a respeito de sua liminar,
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constata-se, com transparência, que esta ação, nascida da interpretação generosa
que a jurisprudência brasileira deu ao habeas corpus, sempre foi ação potencializada -
de eficácia plena - contra os abusos ou ilegalidades do Poder Público.
Se, hoje, a tônica de todo o processo civil está, expressamente, embebida
desta mesma premissa de eficácia, os artigos 273 e 461 do Código de Processo
Civil, trazidos pela Lei n.º 8.952/94, estão aí para confirmar o acerto desta afirmação,
pareceu que havia espaço para uma revisita ao instituto do mandado de segurança,
em especial de sua liminar, através da análise dos temas que parece ser de interesse
e de importância à luz do sistema processual, e constitucional, evidentemente
potencializado.
Sendo o mandado de segurança verdadeiro baluarte do Estado de Direito,
não se pode concordar com a opinião de autores que, por exemplo, entendem que o
recurso dirigido contra as decisões denegatórias não possa ser recebido no seu duplo
efeito e, mais, que este duplo efeito fosse tido como impróprio para sustentar a
eficácia de liminar concedida quando da distribuição da ação ao longo do segmento
recursal.
Como foi visto, o mandado de injunção é garantia constitucional inédita
prevista pela Constituição de 1988. Nos termos do artigo 5°, inciso LXXI, a concessão
da injunção está condicionada a uma relação jurídica de causa e efeito. Vale dizer, a
uma causa - a falta da norma regulamentadora - a ordem jurídica atribui uma
conseqüência - a inviabilidade do exercício de direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
A "falta de norma regulamentadora" invocada pelo artigo 5°, inciso LXXI, pode
ser definida como "omissão de medida para tomar efetiva a norma constitucional".
Acolhendo-se este raciocínio, norma regulamentadora significa toda e qualquer
medida para tornar efetiva a norma constitucional. Neste sentido, admissível é o
cabimento do mandado de injunção no caso de omissão legislativa parcial, seja pelo
atendimento defeituoso do dever constitucional de legislar, seja pelo estabelecimento
de discriminação ofensiva ao princípio da isonomia.
O mandado de injunção pode ser impetrado por toda e qualquer pessoa,
diversamente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cuja legitimidade
ativa é reservada aos entes elencados no artigo 103, incisos I a IX da Constituição.
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Em suma, as garantias individuais, geralmente, são encontradas agrupadas
em função de seu objeto em legalidade (princípio da legalidade), proteção judiciária,
estabilidade dos direitos subjetivos, segurança jurídica (direito à segurança) e
remédios constitucionais.
A Constituição Federal inclui entre as garantias individuais o direito de
petição, o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de injunção, o
habeas data, a ação popular, aos quais encontram-se na doutrina e na jurisprudência,
o nome de remédios de Direito Constitucional, ou remédios constitucionais, no
sentido de meios postos à disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a
intervenção das autoridades competentes, visando sanar, corrigir, ilegalidade e abuso
de poder em prejuízo de direitos e interesses individuais. Alguns desses remédios
revelam-se meios de provocar a atividade jurisdicional, e, então, têm natureza de ação:
são ações constitucionais.
São garantias constitucionais na medida em que são instrumentos destinados
a assegurar o gozo de direitos violados ou em vias de serem violados ou
simplesmente não atendidos.
BIBLIOGRAFIA
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