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48 ANO VIII / Nº 14
49ANO VIII / Nº 14
RatonesFortaleza de
Santo Antônio de
Fortaleza de Ratones, como popularmente ficou conhecida, era um dos
vértices do triângulo de segurança que protegia a baía de Santa Catarina, contra a
ameaça espanhola. Contaremos, nesta reportagem, a sua história, características
e peculiaridades, desde a sua construção, em 1744, até os dias atuais
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA
FOTO: ALBERTO BARCKERT | ACERVO: WWW.FORTALEZASMULTIMIDIA.COM.BR
50 ANO VIII / Nº 14
AA história registra que, no ano de 1680, Portugal
fundou a Colônia do Sacramento, atual República
do Uruguai, em frente a Buenos Aires. O objetivo
econômico era partilhar as riquezas que se en-
contravam na Bacia do Rio da Prata, dali, destina-
vam-se à Espanha. Por outro lado, havia, também,
a visão geopolítica, cujo interesse era assegurar e
apoiar a integração, por água, do centro do poder
do Brasil Colônia com o Mato Grosso, atingido
pelos bandeirantes paulistas, no período da união
das coroas de Portugal e Espanha, de 1580 a 1640.
A reação da Espanha foi imediata. A Colônia so-
freu vários ataques oriundos de Buenos Aires.
O suporte logístico provinha do Rio de Ja-
neiro. Era muito difícil mantê-lo, principalmente
depois que os espanhóis apoderaram-se de Mon-
tevidéu. Os portugueses tentaram, então, resta-
belecer seu domínio, contudo, não conseguiram.
A Ilha de Santa Catarina, estrategicamente,
oferecia excelentes condições para ser transforma-
da em uma base naval, militar e logística. Era pre-
ciso fortificá-la.
Em 1738, foi criado o Governo militar de San-
ta Catarina, desvinculando a região de São Paulo
e subordinando-a ao Rio de Janeiro. O primeiro
governador nomeado, em 1739, foi o Brigadeiro
José da Silva Paes, hoje considerado o fundador
do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
Silva Paes transferiu o Governo de Laguna
para a ilha, transformando-a em centro da vida
catarinense. Erigiu uma igreja, dotando-a de re-
partições civis, e criou um regimento de Infanta-
ria, entre outras benfeitorias.
No período de 1739 a 1741, construiu quatro
fortalezas com o intuito de transformar a ilha em
poderosa base portuguesa.Com as de São José da
Planta da
Fortaleza de
Ratones
(à direita),
de autoria
do Engenheiro
Militar José
Custódio
de Sá e Faria,
em 1764.
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Ponta Grossa, Santa Cruz e Santo Antônio, fechou-
se a entrada da Baía Norte, um triângulo de defe-
sa para impedir o acesso dos navios estrangeiros.
No sul da ilha, a fortaleza de Nossa Senhora
da Conceição, ou de Araçatuba, fechava a entrada
da Baía Sul.
HistóriaA Fortaleza de Santo Antônio de Ratones
foi projetada e construída pelo engenheiro mili-
tar, Brigadeiro José da Silva Paes, primeiro gover-
nador da Capitania de Santa Catarina, entre 1739
e 1745. Sua construção iniciou-se em 1740 e foi
concluída em 1744. É um dos vértices do triângu-
lo defensivo que protegia a barra da baía e o ca-
nal norte da Ilha de Santa Catarina, integrado,
ainda, pela Fortaleza de Anhatomirim e pela For-
taleza de São José da Ponta Grossa. Para maior
eficácia do sistema defensivo, Silva Paes iniciou a
construção, em 1742, da Fortaleza de Araçatuba,
Rampa de
acesso à porta
de entrada.
52 ANO VIII / Nº 14
na barra da Baía Sul. Juntas, estariam con-
solidando o sistema de defesa, oferecendo
proteção contra as investidas estrangeiras,
principalmente espanholas, e constituin-
do-se de base estratégica para a manuten-
ção do domínio português sobre a disputa-
da Colônia do Sacramento.
Em 1760, por determinação do Mar-
quês de Pombal, o Governador do Rio de
Janeiro, Capitão-General Gomes Freire de
Andrade, enviou o engenheiro militar, Te-
nente-Coronel José Custódio de Sá e Fa-
ria, do Real Corpo de Engenheiros, para
realizar um levantamento das defesas da
Ilha de Santa Catarina. Pertencem a essa
época as primeiras iconografias da forta-
leza. A exemplo das demais, realizaram-se
pequenos reparos e acresceram-se várias
peças de artilharia.
Em 1777, por ocasião da invasão es-
panhola, chefiada pelo General D. Pedro
Acima, canhão
colonial
em posição.
Ao fundo,
a baía de Santa
Catarina.
Ao lado, guarita
da entrada.
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de Ceballos Cortés y Calderón, a guar-
nição da fortaleza abandonou as ins-
talações e os espanhóis apossaram-se
da ilha.
Em 1778, pelo Tratado de Santo Il-
defonso, acordo ainda assinado em 1777,
a Espanha cedeu a Portugal a Ilha de
Santa Catarina, recebendo em troca a
Colônia do Sacramento. A ocupação es-
panhola perdurou um ano e cinco me-
ses; após isso, os portugueses ocuparam
novamente a fortaleza.
Em meados do século XIX, já de-
sativada, algumas instalações foram
adaptadas e convertidas em enferma-
rias para tratamento de epidemias de
cólera e de outras doenças contagiosas,
funcionando, também, como lazareto
ou leprosário até o início do século XX.
Em 1893, durante a Revolução Fe-
deralista, à qual se juntaram os inte-
grantes da Revolta da Armada, foi ocu-
pada pelos rebeldes, que ali instalaram
dois canhões raiados, um de calibre 70,
outro Krupp, de calibre 8 e, ainda, um
canhão Whitworth, de alma sextavada,
que permanece até hoje nas proximi-
dades do ancoradouro.
Em 1938, foi tombada pelo Patri-
mônio Histórico e Artístico Nacional
(Iphan). Nessa época, a fortaleza en-
contrava-se em precárias condições de
conservação, abandonada e em ruínas.
Várias tentativas sucederam-se com o
propósito de preservar o patrimônio.
Estas efetuaram-se nas décadas de 1950,
1960 e 1980, todavia permaneceria em
péssimas condições.
A partir de setembro de 1982, uma
grande campanha pública mobilizou
No alto, casa
dos oficiais.
Ao centro, bateria
da fortaleza.
Abaixo, canhão
Whitworth de
alma sextavada,
próximo
ao ancoradouro.
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empresários, universitários, professores, entre ou-
tros voluntários, que, durante um ano, em to-
dos os finais de semana, realizaram a limpeza das
instalações da fortaleza e de seu entorno. Essa
cruzada culminou, entre os anos de 1990 e 1991,
com o início de um novo projeto de restauração,
em cooperação com a Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC).
Atualmente, o Projeto Fortalezas da Ilha
de Santa Catarina, uma iniciativa elaborada pe-
lo Iphan e pela UFSC, vem resgatando o valioso
patrimônio histórico. A universidade gerencia e
administra a fortaleza.
A FortalezaEstá localizada na Ilha de Ratones Grande,
na Baía Norte, em frente à Praia de Sambaqui.
Sua denominação deve-se ao explorador es-
panhol D. Álvaro Núñes, dito Cabeza de Vaca,
que, em 1541, batizou-a Ratones, por considerá-
la semelhante a um enorme rato – ou ratón, em
espanhol. É, provavelmente, entre as fortalezas
Porta de entrada
da casa
do comandante.
Ao lado, acesso
ao aqueduto,
que une a casa
do Comandante
ao alojamento
e que fazia parte
do sistema
de captação das
águas pluviais.
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formato curvo, seguindo retilineamente para su-
doeste. O Paiol de Pólvora foi construído em lo-
cal que oferece maior segurança à guarnição da
fortaleza. Está localizado em ponto proeminen-
te do terreno e estruturado em dois pisos. As ins-
talações e as muralhas que a protegem foram
construídas em alvenaria de pedra, com arga-
massa e revestimento à base de cal. O material de
construção de rocha do tipo riólito foi extraído
da própria ilha, fazendo-se exceção aos elemen-
tos de cantaria do portal de entrada, na Fonte de
idealizadas por Silva Paes, a que menos sofreu
modificações posteriores.
Assim como as outras edificações similares
construídas no século XVIII, no Brasil, Santo An-
tônio de Ratones possui traços de influência re-
nascentista. Apresenta planta poligonal orgâni-
ca, com os seus edifícios erguidos em linha sobre
o terrapleno, protegidos, à retaguarda, pela en-
costa e voltados para o mar, quase todos locali-
zados em único platô, guarnecido por uma mu-
ralha de pedra, que se desenvolve ao norte, em
Na foto maior,
alojamento
da guarnição.
Ao fundo,
a guarita, com
domínio de
vistas sob toda
a frente.
Abaixo, salão
no interior
do alojamento,
hoje usado
para exposições
temporárias.
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Água e nos degraus da escadaria que dá
acesso ao Paiol de Pólvora. Todas as alve-
narias, inclusive as das muralhas, foram
rebocadas e caiadas.
O Pórtico Principal, lavrado em gra-
nito rosa, emoldura o acesso a um pequeno
túnel com teto abobadado. É decorado com
um frontão triangular de influência clássi-
ca. O acesso efetua-se através de uma ponte
levadiça sobre um fosso.
A Fonte de Água é uma obra de singu-
lar beleza e arrojada concepção arquitetô-
nica. De água pura e cristalina, supria toda
a guarnição, que tinha um cuidado todo
especial com ela.
O aqueduto, que une a casa do co-
mandante aos aquartelamentos, fazia par-
te do sistema de captação das águas plu-
viais, provenientes dos telhados dos edifí-
cios principais, e que complementava o su-
primento proveniente da Fonte de Água.
Acima, pórtico
principal, lavrado
em granito rosa.
O acesso a ele
efetuava-se
através de uma
ponte levadiça
sobre um fosso.
Ao lado, casa
do comandante,
alojamento
e casa
dos oficiais.
Abaixo, a fonte
de água que
supria toda a
guarnição.
Obra de singular
beleza e arrojada
concepção
arquitetônica.
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Curiosidade
“Em 1990, durante as obras de restauração da fortaleza, a
empresa contratada para a obra estava realizando uma escavação
para instalar as fossas sépticas dos sanitários públicos da fortaleza.
Esses trabalhos ocorriam junto à bateria sudoeste de canhões, nos
fundos da Casa dos Oficiais, edifício que estava sendo restaurado
naquele momento com a participação de vários operários.
Logo no começo daquela escavação, a poucos centímetros de
profundidade, foram encontradas duas ossadas humanas.
Um grande alvoroço ocorreu entre os operários da obra, que
acorreram ao local, curiosos sobre a descoberta. Ficaram muito
assustados com a presença daquele sepultamento, cuja razão da
existência naquele local era desconhecida.
Os operários dormiam na fortaleza de segunda a sexta-feira.
No período noturno eram poucos os que se arriscavam a sair do
alojamento, localizado junto à fonte da fortaleza, portanto bas-
tante distante do temido local, e absolutamente nenhum deles
subia até a parte superior da fortaleza antes de a luz do sol surgir.
Por superstição ou puro medo, todos os operários da obra
recusavam-se a dar continuidade aos trabalhos que vinham reali-
zando naquela Casa dos Oficiais, em função da proximidade do
edifício com as “assustadoras” ossadas.
Sem outra alternativa para dar seqüência às obras, a empre-
sa de restauração necessitou contratar novos operários, que, desco-
nhecendo o sepultamento, já agora coberto e aguardando uma
futura prospecção arqueológica após o término das obras, pude-
ram dar seqüência às obras.
Posteriormente, durante a investigação arqueológica dessas
ossadas, com base nos vestígios encontrados e na pesquisa docu-
mental, comprovou-se que se tratavam de dois entre onze sepulta-
mentos ali ocorridos em meados do século XIX, quando a fortaleza
foi utilizada como lazareto, para isolamento de doentes com cóle-
ra. Em razão da possibilidade de contágio, os onze sepultamentos
ocorreram na própria fortaleza, em covas rasas, às pressas, e com
todos os pertences pessoais dos mortos.
As duas ossadas em questão foram retiradas juntamente com
os artefatos, estudadas e documentadas. Os outros nove sepul-
tamentos aguardam por uma futura investigação arqueológica.”
ROBERTO TONERA
Arquiteto e coordenador do Projeto Fortalezas Multimídia
www.fortalezasmultimidia.com.br
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EncerramentoAo encerrarmos, sintetizando sua história,
lembramos que a construção da Fortaleza de Ra-
tones iniciou-se em virtude da ameaça crescente
dos espanhóis contra as terras da Colônia por-
tuguesa. Era uma área de grande importância
estratégica e que impunha um arrojado esque-
ma de defesa para impedir o acesso do inimigo
a uma região que serviria, pela sua localização,
de base logística e militar, para ações futuras.
O Brigadeiro José da Silva Paes foi o perso-
nagem que comandou o desenrolar das medidas
de defesa da Ilha de Santa Catarina. Várias forti-
ficações foram construídas, e Ratones foi uma
delas, que, juntamente com Anhatomirim e Pon-
ta Grossa, formavam um triângulo de proteção
que impedia o acesso à Baía de Santa Catarina.
Ao longo da história, nunca entrou em combate.
Os espanhóis tomaram posse da fortaleza
em 1777, após o abandono dos portugueses. Com
a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, em
1778, aqueles tiveram que devolvê-la. A ocupa-
ção estendeu-se por um ano e cinco meses. Dessa
época até os dias de hoje, poucos fatos históricos
ocorreram, ainda que, na Revolução Federalista,
haja sido tomada pelos rebeldes.
Transformou-se, no século XIX, em hospi-
tal, cujos espaços das instalações destinaram-se
ao atendimento de uma epidemia de cólera. Fun-
cionou mais tarde, também, como leprosário e,
em 1938, foi tombada pelo Iphan, iniciando-se
um intenso trabalho para sua restauração e con-
Panorâmica
da Fortaleza de
Ratones.
Observa-se à
esquerda,
painéis solares,
para captação
de energia
que abastece
a ilha.
FOTO: VICENZOBERTI.COM.BR | AGÊNCIA DE COMUNICAÇÃO DA UFSC
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REFERÊNCIAS
CORREIA, João Rosado (Coord.). Fortificações portuguesas no Brasil. Monsaraz: Centro de Estudos Patrimoniais Lusófonos
da Fundação Convento da Orada, 1998.
FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos anos de História do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2000.
O EXÉRCITO na História do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEX; Salvador: Odebrecht, 1998. 3 v.
SIQUEIRA, Ricardo. Fortes e faróis. Rio de Janeiro: R. Siqueira, 1997. 183 p.
SOARES, João Batista. Ilha de Santa Catarina, fortificações históricas, memórias (palestra).
TONERA, Roberto. Fortalezas multimídia. Florianópolis: Projeto Fortalezas multimídia/ Editora da UFSC, 2001. (CD-ROM)
PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA – Coronel de Infantaria e
Estado-Maior, é natural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior
e da Escola Superior de Guerra. Atualmente é
assessor da FunCEB e redator-chefe da revista DaCultura.
servação. Atualmente, totalmente recuperada, são
realizadas exposições temporárias em seu inte-
rior. É muito bem administrada pela UFSC, que
desenvolve o Projeto Fortalezas Multimídia e con-
duz todas as atividades de manutenção e apro-
veitamento turístico da fortaleza.
As visitas podem ser realizadas diariamen-
te, com o apoio de serviços de escunas, que ofere-
cem passeios marítimos na região, partindo de
diferentes pontos da cidade e proporcionam aos
visitantes a oportunidade de desfrutarem desse
belíssimo patrimônio histórico.
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Escuna trazendo
os turistas
que, diariamente,
visitam
a fortaleza.
Acima, muralha
de pedra que
protege a bateria
de tiro com
os seus canhões
coloniais.
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