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Revista anarco-sindicalista, publicada pela Associação Internacional dos Trabalhadores - Secção Portuguesa
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Apoio MútuoRevista anarcosindicalista
# 2Janeiro201 3
- Fazer sindicalismo p. 3- E atingem-se os pontos de ruptura p. 4- A contestação pelos monitores p. 5- Sobre uma visita p. 6- Media, Estado e Capitalismo p. 7- Mais um que morreu… dizem que foi um acidente p. 9- Importância da geografia na actividade anarco-sindicalista p. 10- A CGT e a fundação da AIT p. 11- Há noventa anos: o congresso de fundação da AIT... p. 17- Entrevista: KRAS - secção russa da AIT p. 18- Saint Imier – Encontro Internacional Anarquista p. 21- Crise? p. 22- Entre esquerdas e direitas p. 23
Apoio Mútuo #2 Janeiro 20132
As opiniões expressas nos artigosassinados não correspondemnecessariamente a posições da AITSP
Editorial
A correspondência para o ApoioMútuo deve ser enviada para:
Apartado 50029 / 1 701 -001 LisboaPortugale-mail : ait. l isboa@gmail .com
Este segundo número da revista anarcosindicalista Apoio Mútuo surge mais de três anos depois do primeiro, publicado em Maio de 2009.A razão de tal demora prendese com as vicissitudes de uma organização totalmente fundada no esforço voluntário e militante dos seus membros.Apesar das dificuldades, insistimos em afirmar o anarcosindicalismocomo a corrente do movimento social dos trabalhadores que contém em sias práticas mais consequentes com os princípios de autoorganização e autonomia das lutas. Acreditamos que cabe aos próprios trabalhadores tomarem a luta nas suas mãos, deixando de a confiar a intermediários e representantes. São necessários novos sindicatos, que não sejam meros gabinetesjurídicos, nem corpos de funcionários que já nada têm a ver com o mundodo trabalho e muito menos máquinas de mobilização das massas ao serviçode partidos políticos.Assistimos cada vez mais a um incremento da ofensiva do patronato edos governos contra as condições de vida dos trabalhadores. Mas, ao mesmotempo que se torna cada vez mais urgente organizar a resistência a este ataque, constatamos que as organizações que se reclamam defensoras dos trabalhadores são completamente inúteis para esta tarefa. Não podemos deixarde concluir pelo acerto da tendência antiautoritária no seio do movimentodos trabalhadores, que, pelo menos há cerca de século e meio, vem defendendo a descentralização e a autonomia organizativas, e recusando qualquer estratégia de conquista do poder ou de utilização de métodos políticorepresentativos na luta pela emancipação do trabalho.Sabemos que hoje, num contexto em que cada vez mais trabalhadoresestão dispostos a trabalhar sob quaisquer condições, as condições para fazersindicalismo são também muito mais difíceis. Da mesma forma, a constituição de sindicatos de acordo com os nossos princípios, sem funcionários pagos, mantidos apenas pelo esforço dos seus membros, onde tudo deve serdiscutido em assembleias e que praticam a solidariedade efectiva entre trabalhadores é extremamente exigente. Esta concepção de sindicalismo exigedos membros do sindicato uma militância, um compromisso e uma disponibilidade que nem todos estão dispostos a assumir. É claro que não é necessário ser um militante activo para ser membro de um sindicato organizado segundo o modelo anarcosindicalista, mas sem militantes activos estesindicato nunca poderá funcionar nem avançar rumo aos seus objectivos.A melhoria imediata das condições de vida dos trabalhadores é um objectivo importante do anarcosindicalismo, quer através da conquista de direitos, como também através do estabelecimento de redes de apoio mútuo esolidariedade, quer ainda através da realização de projectos de produção econsumo alternativos. Mas sabemos, e a realidade insiste em demonstrálo,que os grandes problemas que enfrentamos, como, por exemplo, a destituição de sentido do trabalho ou a brutal destruição do planeta, não podem serresolvidos no contexto do modelo económico e político actual. É por issoque defendemos um projecto de transformação da sociedade, com vista aestabelecer as máximas condições de liberdade e igualdade social.A Associação Internacional dos Trabalhadores comemora este ano o seunonagésimo aniversário. Desde que foi criada, na passagem do ano de 1922para 1923, as organizações que a compõem enfrentaram grandes adversidades. Os sindicatos revolucionários tiveram de se bater, durante largas décadas, contra o predomínio de concepções autoritárias e vanguardistas da lutaoperária; contra a repressão das ditaduras, fascistas ou ditas “comunistas”,que aniquilaram e levaram para a prisão muitos militantes, obrigando asorganizações à clandestinidade; e, finalmente, contra o triunfo de um capitalismo integrador e de um Estado dito “social”, que conseguiram iludir ostrabalhadores, levandoos mesmo a pensar que já não existiam classes sociais, e que os seus problemas se resolveriam tãosomente com o preenchimento de um formulário ou com o voto no candidato mais bemfalante dequatro em quatro anos.Chegados ao ano de 2013, quando está à vista de todos uma guerra socialde que são os trabalhadores as grandes vítimas não podemos deixar de nossentirmos orgulhosos por pertencermos a esta comunidade de luta quetransporta no seu seio um mundo novo.
Associação Internacional dosTrabalhadores
Secção Portuguesa
http://ait-sp.blogspot.com
Contactos:
Núcleos e sindicatos:
LisboaNúcleo de LisboaApartado 50029 / 1 701 -001 Lisboae-mail : ait. l isboa@gmail .com
PortoSindicato de Ofícios VáriosRua dos Caldeireiros, n.º 21 34050-1 41 Porto(à Cordoaria, junto da Torre dos Clérigos)e-mail : sovaitporto@gmail .comweb: sovaitporto.blogspot.com
Outros contactos:
Algarvee-mail : aitsp.contacto.algarve@gmail .com
Chavese-mail : anarquismo.chaves@yahoo.com
Guimarãese-mail : aitguimaraes1 2@gmail .com
Setúbale-mail : setubal.aitport@gmail .com
Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 3
A partir do momento em que essa pressão desaparece, haverá,em primeiro lugar, a tendênciapara ignorar a lei e, posteriormente, apartir do momento em que surja algoque convide a burguesia a aumentar aexploração sobre os trabalhadores, apressão para que as leis sejam, nãoapenas ignoradas, mas reescritas. Nãoé possível para a classe trabalhadoracontrariar esta pressão por meios políticos, visto que os aparelhos políticosque dominam o Estado não lhes pertencem. Ainda que assim não fosse, acapacidade da classe trabalhadora para tornar válidos quaisquer triunfosconseguidos na esfera legal tem por limite a sua força e capacidade de resistência na esfera das relações de trabalho. Ou a classe trabalhadora consegueimpor ao patronato o cumprimento dalei por via da sua força e organizaçãono próprio local onde a exploraçãoacontece, ou a lei é inútil. Em situaçõesde fraqueza, como se conhecem tantas,o próprio trabalhador irá colaborarcom o patrão na tarefa de o ajudar afurtarse à lei.A luta contra as tentativas de reestruturação das relações de classe porparte do Estado não deve limitarse asimples manifestações de descontentamento passíveis de serem ignoradas e,consequentemente, inúteis. Um sindicato não é um grupo de cidadãos ou desimples activistas, e não deverá actuarcomo tal, conferindo à sua acção umcariz peticionário que apenas contribuirá para embotar a sua capacidadeefectiva de luta, alimentando pelo caminho ilusões cidadanistas no seio daclasse trabalhadora, nomeadamente anoção da neutralidade do Estado e dalei perante as classes sociais. As leis laborais não estão constantemente a serreescritas desde há 10 anos a esta parte devido a «equívocos», ou por os decisores políticos se encontrarem refénsde uma má ideologia, nomeadamenteo neoliberalismo, mas porque o meiomais expedito que a burguesia tem aoseu dispor para ultrapassar as crises écolocálas sobre os ombros da classetrabalhadora. Quando o Estado pretende facilitar os despedimentos ou
cortar nas indemnizações argumentando que desta forma aumentará oemprego, não se deve replicar afirmando que existem estudos que demonstram que a criação de novos postos de trabalho é negligenciável, masdenunciando a intenção real por trásde semelhantes manobras, nomeadamente o desejo de enfraquecer a capacidade negocial dos trabalhadoresdentro da empresa.As greves gerais deverão ser declaradas com reivindicações concretas e adisposição para as prosseguir até ondeseja necessário. Não compete aos sindicatos fazer o trabalho do Estado e limitar as reivindicações e os métodosde luta dos trabalhadores àquilo que asociedade burguesa consegue digerir.Uma greve geral não é uma «demonstração de descontentamento», masuma luta que se desencadeia, no mínimo, com o objectivo de exercer coacção sobre um aparelho de coacção, deobrigar o Estado a ceder, enquanto representante e regulador da sociedadeburguesa, naquilo que os trabalhadores desejem e, se os trabalhadores conseguirem, pela sua força, derrubar aprópria máquina de opressão capitalista, tal não será uma catástrofe, umatragédia, uma «crisepolítica»,mas otriunfo. Será ofim daopressão e o fimdo capitalismo. Eum trabalhadorque não aspira aoderrube do capitalismo é um trabalhador que não aspira a ser livre.Vemos o sindicalismo a ser manietado por partidospolíticos que, ou sãosimples apêndices dopoder burguês e, consequentemente, pouco
inclinados a favorecerem os interessesdos trabalhadores, ou, por não o serem, permanecem minoritários, dispondo de pouca força e poder, umaparte nada menosprezável da mesmadevendose justamente ao controloexercido sobre o movimento sindical.Longe de lhe serem úteis, de terem algo a oferecerlhe, os partidos políticosvêm ao mundo do trabalho para o parasitar, fazendo dos sindicatos simplescâmaras de ressonância para as suasfrases de ordem e paralisandolhes osmovimentos de acordo com as conveniências do sistema político onde seencontram bem instalados. Para todasas finalidades práticas, os partidos políticos são uma correia de transmissãoentre o poder burguês e o movimentooperário, actuando sempre no sentidode ensaiar a integração dos trabalhadores no aparelho burocrático de administração do capitalismo, integraçãoessa que só poderá levar o sindicalismo à morte mas, como os trabalhadores não podem prescindir de resistir aocapitalismo e uma organização criadapara a luta mas que se recusa a lutar éinútil, é forçoso que à integração dosindicalismo na sociedade burguesacorresponda, a prazo, o colapso dopróprio sindicalismo e a necessidadede criar novos instrumentos de luta deraiz.JTOutubro de 2012
Fazer sindicalismoTudo o que concerne à lei e não se limite à defesa dosprivilégios da classe dominante e às necessidades dearbitragem para as suas quezílias internas, apenas existeporque a pressão da classe trabalhadora a isso obrigou.
Apoio Mútuo #2 Janeiro 20134
E assim foi: a austeridade paracombater a dívida produziu maisdívida e háde continuar a fazê
lo, visto que ainda há muito que caminhar até se chegar a esse ponto, cadavez mais semelhante a uma linha do horizonte, onde finalmente se obtém umexcedente orçamental. É apenas a partirdesse momento que a dívida começa realmente a ser paga e, para cortar pelomenos ao meio, como o pacto orçamental de Bruxelas prevê, uma dívida pública superior (120%) à totalidade da riqueza produzida neste país durante umano, será necessário que o Estado semantenha em austeridade durante muito tempo. Portanto, mais, muito maisausteridade e talvez durante décadas.Ou isso, ou o cancelamento ou recompra da dívida. Ou, como Portugal já é aGrécia, as duas coisas simultaneamente.
A armadilha institucional onde aburguesia portuguesa se prendeu, desua muito livre e espontânea vontade,deixou fora do alcance do Estado os artifícios habituais para a redução do défice, nomeadamente a desvalorizaçãoda moeda – cujo emprego, como a esquerda esquece constantemente, acabaria por repartir uma proporção nadanegligenciável dos custos do ajustamento pela classe trabalhadora, ao devorarlhe os salários reais – e forçandoo a colocarse à disposição dos chamados mercados financeiros, visto o financiamento junto do Banco Central Europeu, na prática pura emissão monetária, também lhe estar estatutariamenteinterdito. Mas, em função do desempenho medíocre do capitalismo portuguêse visto que a dívida do Estado sobe continuamente desde há décadas, começaram a ser exigidas taxas de juro cadavez mais elevadas, e, como isso não bastasse, os bancos portugueses, os mais«alavancados» de toda a Europa, também começaram a ser atacados pelascélebres agências de rating, acabandopor empurrar definitivamente o Estadopara o resgate.
Possivelmente, se o problema se tivesse circunscrito à Grécia, nada teriaimpedido a Troika de continuar a apertar o torniquete até o paciente sucumbir, mas a crise alastrouse. Para a Irlanda e Portugal primeiro e, posteriormente, para a Espanha e até a Itália.Nestas condições, impôsse outro trata
mento que não a sangria, porque toda asaída real para a crise passa por o capitalismo alemão entender que, ao fim eao cabo, participar no Euro significatambém participar nas perdas. Mas aburguesia alemã resiste, visto ser aprincipal beneficiária do sistema vigente, e resistirá enquanto lhe for possível.Tornase inclusivamente duvidoso acreditar que ela aceite fazer, à escala europeia, aquilo que a burguesia catalã jánão quer fazer à escala espanhola.
Até à data, não andámos tanto asentir os efeitos da presença da Troika,quanto os dos projectos de engenhariasocial da direita coligada, mas o momento em que a Troika tinha que começar a fazerse sentir como algo mais doque uma espectadora parece ter chegado. Porque, após a tentativa gorada deaumento na TSU e o fiasco nas contaspúblicas, o Governo teve que fazer assuas intenções passarem para um segundo plano. Houve a pressão da rua,evidentemente, naquela que foi uma dasmaiores manifestações da história recente portuguesa. Mas não apenas: oconsenso no seio da burguesia sobre aausteridade acabou, porque a economiamergulhou na maior crise desde 1975.Para o patronato, impedir medidas quepossam significar um aprofundamentoda crise tornouse uma questão de sobrevivência. Para a Banca, sobrecarregada de títulos da dívida pública portuguesa e a receber uma parcela nada menosprezável da «ajuda» de Bruxelas, aausteridade pura e simplesmente não énegociável.
A disputa daria origem a uma muitomediatizada troca de galhardetes entreAntónio Borges, verdadeiro «ministrosem pasta», e diversos representantesda confederação patronal. Portanto, esta espécie de governo de representaçãode todas as classes possidentes, paraonde concorriam todos os interesses eonde a todos algo se ofereceu, invariavelmente à custa dos de baixo, acabouporque a crise tornouse tão grave quesobrepôs à guerra da burguesia contraos trabalhadores a guerra no seio daprópria burguesia, e a instabilidade noGoverno, onde apenas o receio de umacrise política a somar à crise económicamantém de pé a actual coligaçãoPSD/CDS, por entre ameaças de demissões, é o reflexo mais imediato desta situação.
A baixa produtividade crónica docapitalismo português, onde as qualificações dos patrões já são, em média,inferiores às dos trabalhadores e novedécimos de todas as empresas têm menos de cinco empregados, já nos ofereceu uma crise de características semelhantes há um século atrás. Ainda quenão se possa menosprezar o papel que aintegração europeia teve no declínio daagricultura portuguesa, importa não esquecer que a mesma, entre o minifúndio que produzia pouco e o latifúndioque não produzia nada, era à partidaum alvo fácil. Mesmo a industrializaçãofoi, em boa medida, produto do afluxode capital estrangeiro, com 75% de certos ramos de actividade nas mãos decapitais americanos. A indústria autóctone, ou dependia dos mercados protegidos das colónias, ou das subvenções econdições especiais oferecidas pelo Estado fascista, sem as quais Champalimaud jamais teria conseguido montar asua Siderurgia, ou ainda de taxas de exploração só possíveis mediante uma repressão sem piedade ao movimentooperário. Eliminados esses factores, nãopodia ficar muito de pé. Mais tarde, oprojecto de utilizar os trabalhadoresportugueses como fonte de mãodeobra barata para o capital estrangeiroviuse gorado ao surgirem fontes demãodeobra mais baratas noutras partes. Inútil culpar por isso a Europa e oEuro.
A situação grega pode fornecernospistas úteis acerca do nosso próprio futuro, com um ano a um ano e meio deantecipação, mas as analogias têm limites. Não se imagina que um movimentofascista de tipo clássico venha a conseguir a mesma força em Portugal que aAurora Dourada grega, ainda que boaparte do ímpeto do fascismo seja simplesmente o resultado dos aparelhossecuritários do Estado a empurrarempor trás. Assistimos nas ruas a um discurso sobre a classe política, a corrupção e a soberania nacional que poderiaser facilmente instrumentalizado pelaextremadireita, apesar de a esquerdainstitucional também estar presentepara cantar em coro e produzir uma literatura abundante onde tenta explicartoda a situação como o resultado dapromiscuidade entre o poder político eo económico mas, de Estado para Estado, apenas vemos variar as modalidades
... E atingem-se ospontos de ruptura
Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 5
específicas desta «promiscuidade», que nãosignifica outra coisa senão a unidade da classedominante, que não se pode cindir em duas,uma para a economia e outra para a política, eargumentos desta ordem não são explicaçãopara nada.
A aspiração a um Estado burguês semburgueses, tutelando um capitalismo onde seoperaria, finalmente, a «justiça na economia», constitui todo um programa para umacerta esquerda facilmente identificável, masvive de fantasias sobre o que são ou podemser o Estado e a Lei. Apesar de nada disto serinédito, apetece dizer que falta ainda à esquerda das ilusões passar por aquele choquede realidade que é afrontar directamente opoder da burguesia em vez de apenas falarsobre fazêlo. A burguesia não se faz obedecerporque capturou o Estado e esvaziou a Democracia; é a Democracia que, mesmo pretendendo outra coisa, tem que lhe prestarvassalagem porque a produção social está nassuas mãos. Os trabalhadores apenas têm umapalavra a dizer sobre isso na medida em que,se assim o quiserem, podem fazer com que aprodução se interrompa e, se a força da burguesia está já na própria instituição da propriedade privada, a força dos trabalhadoresnão é um dado adquirido mas depende da suacapacidade para agir concertadamente, deuma capacidade de organização que podeexistir ou não, funcionar melhor ou pior, peloque varia bastante.
A exigência de «gente séria» para governar, que tanto se faz notar nas ruas, adquirecontornos no mínimo conservadores, vistobasearse ainda no apego a um «deve» distante do «haver». Este movimento de protesto revelase profundamente ambivalente, primário e confuso. Ele significa na prática odescrédito completo, total, do sistema políticoexistente e a tendência para o ver substituídopor qualquer coisa de contornos imprecisos,até para os próprios manifestantes e que, nofuturo, ao clarificarse, terá invariavelmenteque operar uma ruptura no seio daqueles queontem, solidariamente, calcaram as ruas, polarizandoos e atirandoos uns contra os outros. Porque parte disto desemboca necessariamente no fascismo e tornase necessárioque a outra parte, pelo menos, lhe resista.
JTOutubro de 201 2
Pelos monitores de televisão (eafins), é possível ver imagensque aparentemente denunci
am o descontentamento com a classe política, uma luta contra as medidas de austeridade impostas pelosrepresentantes das multinacionais.Político vaiado é político integradonum círculo próprio para ilustresrepresentantes do povo. O políticovaiado é um político reconhecido,com imagem famosa, não passa despercebido, entra na caderneta.
Pelos livros e pelo contacto comas pessoas, aprendese que ao longoda história sempre existiram uns fulanos que sempre quiseram impormedidas de austeridade e de controlo da população, medidas que segundo os implantadores foram empregues para o bem de povos, viuseos resultados: a segunda guerramundial e os crimes contra a humanidade perpetrados pelos Estadosnazi e soviético entre outros, seusparceiros. No caso português a estupidez da ditadura durou tanto (amais longa da Europa) que ficoumesmo enraizada no sistema político e social (o filho do pide hoje é diretor de escola, ministro, secretáriode estado, etc.; o bufo da secretariahoje é chefe, por exemplo), mesmodepois de um cenário de revoluçãomilitar.
Cenário é a palavra que descrevebem a farsa que se vive na atualidade, pois o território dito portuguêstem cerca de dez milhões de habitantes que fazem um milhão de endividados, consumidores da tecnologia, de centros comerciais e afins,a reclamarem dos governantes quelhes garantiram uma vida a crédito.
A televisão, a comunicação social, quer o direto, o acontecimento, oato performativo, a morte em direto,qual sociedade barroca, agora é queé: a imagem comove e vale milhõesde euros ou de dólares; quanto custauma imagem às agências noticiosas?(Quanto ganha um jornalista?)
Se as manifestações não fossemdos endividados e dos clientes daslojas da moda, ainda se fossem ummilhão de pessoas a arremessar coma tecnologia aos bancos, a não vertelevisão, mais os milhões de pessoas que não elegeram nenhum dos
politiqueiros que se dizem governo(foi a abstenção que ganhou as eleições), mais os milhões que não têmordenado algum, mais os que têmpensões de miséria e trabalharam avida toda, mais os milhões que nãotêm qualquer qualidade de vida,nessa condição talvez qualquer governo fique abalado. Assim, isto nãopassa de fazer imagens e notíciaspara difundir na tecnologia e nosmeios que sustentam o capitalismo.
Na Idade Média as cidades pagavam para não serem atacadas,contratavam mercenários para asproteger, assim se fizeram os nobresheróis e senhores do passado (epresente), assim se defenderam osburgueses, pois uma espécie deburguesia mercantilista continua naatualidade a manter a casta em cima, não deixa que o poder caia narua. Assim temos as manifestaçõesconvocadas via internet, telemóvel,manifestações do andar à volta como carneiros, sim, um centro e andase à volta tudo muito contido,muito politicamente correto, o cartaz com a frase que vai mudar omundo, a faixa do sindicato impressa em alta tecnologia, os brindes damanifestação não devem faltar aaparecer, assim como o kit manifestação. Enquanto a manifestaçãoocorre, os bancos continuam a roubar, os politiqueiros de carreira agovernaremse, milhares de pessoasmorrem vítimas da guerra paga pelos Estados democráticos para aniquilarem e subjugarem outros povosao capitalismo.
Como diz alguém "nesta latrinahá muito que cheira mal", mesmosendo um jardim à beiramar, cheira a morto!
A crise é mundial, para ondeformos lá está um Estado sujo, politiqueiros corruptos e amigos para segovernarem.
O Planeta Terra não é propriedade de nenhum grupo de pessoas,é de todos/as: pessoas, animais evegetais, é um organismo vivo, ninguém tem de se subjugar a um governo nem a um Estado.
Até quando isto vai ser assim?HM
Setembro 2012
A contestaçãopelos monitores
Apoio Mútuo #2 Janeiro 20136
No próprio dia em que Merkel visitava Portugal, Álvaro SantosPereira, ministro da Economia,
foi peremptório: tudo o que a burguesiaportuguesa faz, fálo para o seu própriobem, não por desejar ser a «boa aluna»das burguesias estrangeiras. Não devemos esquecer que foi a pressão da Banca portuguesa que levou à vinda daTroika, que uma parte muito considerável do empréstimo destinase a recapitalizála e que uma bancarrota do Estado atirálaia imediatamente para a insolvência. A Alemanha inserese nestalógica na medida em que os bancos alemães emprestaram muito dinheiro aosda Europa do Sul, traduzindose esteúltimo em crédito barato para financiarbolhas imobiliárias e um endividamento crescente nestes países. A haver falências, os seus congéneres alemães, jáde si fragilizados pelo crash financeirode 2008, seriam afectados de uma forma muito dura. De igual modo, a maiorparte da dívida pública portuguesa egrega encontrase nas mãos de fundos
estrangeiros e estimase que um default(incumprimento) grego seja quantobaste para levar os mercados financeiros europeus ao colapso. Merkel sabeque tem de ser cautelosa com o uso quedá aos seus superavits (excedentes) orçamentais. Ainda pode carecer delespara socorrer a sua própria banca.
Apesar de aludir frequentemente aum «descontrolo orçamental» que podeparecer desconcertante aos olhos depessoas como nós, que viram os orçamentos de austeridade a sucederemseuns aos outros desde há anos a estaparte, a classe política alemã compreende muito bem que, se a única forma deobter orçamentos equilibrados consisteem impor aos Estados grego e português uma dieta que raia a greve de fome, os défices voltarão a crescer assimque esses Estados regressarem a umfuncionamento normal. Por isso FrauMerkel, Herr Schäube, o seu colega dasfinanças e Herr Weidemannn, do Bundesbank, personagem que só parecesair da obscuridade e abrir a boca para
cravar mais um prego no caixão dosgregos, resistem tanto a perdões parciais da dívida grega e insistem em medidas estruturais que significam na prática pelo menos o fim do Estado Socialnesses países.
Existe consonância entre Passos eMerkel porque a forma como a últimaespera conseguir combater a crise dadívida que ameaça o Euro, é idêntica aoque o primeiro planeou para combater acrise que ameaça a burguesia portuguesa desde a entrada no Euro e, ainda quetudo isto possa ser contraproducente doponto de vista restrito do défice, é necessário para relançar a acumulação capitalista em Portugal, mesmo que, comoem qualquer outra crise, muitos capitalistas tenham que ficar pelo caminho.Quanto ao défice, e ainda que o «Pedro», o Gaspar e os seus amigos nuncanos venham interromper o jantar para odizer, tudo o que resta aos decisorespolíticos é aguardar que a austeridadecontinue a falhar e a burguesia alemãaceda finalmente a fazer a sua parte epartilhar a factura dos «choques assimétricos» da globalização com os seusdepauperados vizinhos do Sul, masMerkel está tão determinada a empurrar os problemas com a barriga quantoos nossos amáveis governantes e, apesar dos malabarismos numéricos deGaspar, das datas salvíficas sucessivamente adiadas e das «visitas que valemmais do que qualquer manifestação», élíquido e certo que o Estado português,a braços com um serviço da dívida denove mil milhões de Euros por ano, sóvai escapar da bancarrota à custa dedeclarar uma série de bancarrotazinhas.
JT12 de Novembro
Sobre uma visita
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Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 7
Os Media e a Construção socialda realidadeA objectividade, a imparcialidade,a isenção dos(as) jornalistas oucomentadores(as), é um dado
como adquirido. O 4º poder, afirmase,são os Media. A realidade a aconteceracontece na televisão. O verdadeiro espírito do jornalismo acontece na rádio.Se não deu nas notícias, não existiu, nãoaconteceu. Estas são premissas do nosso quotidiano, as quais comentamos ereproduzimos no nosso discurso e nanossa “abordagem pessoal” da realidadelocal mas igualmente internacional, e nanossa relação com o mundo e, em particular, com o campo dos Media, dos meios de informação jornalística.
A importância dos Media em grandeparte das sociedades “modernas” actuais tem uma marca histórica e socialconcreta e um percurso de objectivaçãoda realidade, de construção da mesma,que podemos encontrar no princípio doséc. XIX, mas cujas raízes podemos encontrar na malha antropológica da história humana. Pretendese salientar sobretudo que os Media são um produtoda sociedade capitalista, da sua formade organização e divisão do trabalho social, intimamente ligada ao consumo eaos estilos de vida de onde deriva grande parte da explicação da sua massificação. A importância que se atribui aosMedia e ao papel que desempenham nassociedades capitalistas é um aspectoque deve ser central na crítica anarquista actual, pois esta é uma faca com doisgumes e um terreno pantanoso em que
é necessária uma posição de permanente confronto e de debate, porque o queestá aqui em causa é a construção socialda realidade por parte dos jornalistas edos meios de comunicação para osquais trabalham. Temos que ter presente a manipulação capitalista e democrata forjada através das mensagens quetodos os dias comentamos, ouvimos, lemos e vemos nas notícias, comentários,opiniões, desmascarando o seu discursopara compreendermos o que se escondepor detrás de cada mensagem.
Os Media, os meios de comunicaçãoe informação actuais, são uma das pedras bases do sistema capitalista actuale a sua influência junto da opinião pública um assunto de permanente debatee rivalidade democrática entre partidose facções empresariais na luta pela posse do poder de dominar através da informação. É um campo de lutas ideológicas e de poder, assim como de interesses políticos e económicos mais ou menos dissimulados. Isto é facilmente verificável ao assistirmos à enorme preponderância de comentadores políticose económicos em especial na televisão,rádios e jornais. Estes comentadores,por muito que apregoem imparcialidade, a verdade é que não são jornalistas,não podendo como tal esconderemsecom essa capa ética. São mediadoresdos corporativismos em que se moveme dos interesses políticos e económicosque se utilizam (e se deixam utilizar)das suas capacidades oratórias e da mediatização que os rodeia. As luzes e ascâmaras são palcos de notoriedade, ainscrição do nome por debaixo da colu
na do jornal condição de status, o grauacadémico de Doutor equivale a poderopinar sobre tudo e todos com o maiorgrau de certeza de que o que diz corresponde à mais pura e crua realidade. Eos jornalistas? Não possuem interessesnem valores individuais para além daética normativa jornalística? Sim, porque eles afirmam a sua objectividade eimparcialidade porque se regem peloCódigo Deontológico que assim o exige.Então, o que entendemos por neutralidade jornalística? A faculdade do ou dajornalista serem neutros no que dizem eno que fazem na produção de uma notícia, na apresentação de um facto jornalístico? Vejamos: a realidade social, arealidade que vivenciamos diariamenteem diversos pontos de globo, não é algototalmente coerente e homogéneo queos Media se limitassem simplesmente arevelar e a mostrar ao mundo; aquiloque os jornalistas classificam como“acontecimento” não existe como umfacto isolado, mas na convergência entre a ocorrência e a percepção que temos dele; os Media não são estruturas àparte da sociedade, nem os jornalistasvivem numa redoma separada do restodos comuns mortais, eles pertencem aoambiente que os rodeia e são agentes dahierarquização e tematização da realidade social, seleccionando as notíciasnessa simbiose de articulação entreaquilo que são as convicções pessoais eindividuais de cada um e as directrizesda orientação jornalística do meio deinformação ao qual pertencem; o olharjornalístico não é algo exterior e distante, totalmente independente e com umaneutralidade infalível, como se existisseuma barreira entre o que se narra e ojornalista. Factualmente não existequalquer distanciamento temporal, espacial ou cultural por parte desse mesmo olhar. Mais: o jornalista ao escreversobre alguma coisa, escreveo no interior de um grupo de comunicação social,que tem a sua própria prática de fazerjornalismo, os seus valores e isso condiciona objectivamente a prática jornalística. Vemos como em Portugal, e discutese na praça pública este caso, temosassistido à concentração de diversosmeios de comunicação em grandes grupos empresariais (muitas vezes nem sequer ligados ao mundo do jornalismo) equestionase até que ponto isso não irácondicionar o trabalho dos jornalistasdevido à necessidade desses grupos emfazerem dinheiro sem olhar à “qualida
Media, Estado e Capitalismo
Apoio Mútuo #2 Janeiro 20138
de” do que é produzido. Uma empresaserve para fazer dinheiro e o mundo daGestão não é de modo algum o mundodo jornalismo. A prática jornalística será sempre objectivamente condicionadano que produz de modo a apresentar lucros, levando à deterioração ainda maior da maioria dos conteúdos jornalísticos.O AnarcoSindicalismo face aosMedia: pedagogia e acção
Narrar sobre alguma coisa, já é reflectir sobre aquilo que aconteceu, eclassificar esse procedimento e o seuproduto como total e inequivocamentecomo realidade é ter um poder de dominação e de construção da opinião pública deveras preocupante e do qual devemos ganhar consciência e capacidadede compreender para além daquilo quelemos, vemos ou ouvimos. Não nos dizem como pensar, mas indicamnos sobre o que pensar. E esse facto não significa que tudo o que lemos, vemos e comentamos é a total manipulação porparte dos Media. Eles são, sem dúvida,agentes sobre a forma como percepcionamos a realidade, mas felizmente hojepossuimos ferramentas sociais e culturais provenientes das mais diversas áreas de conhecimento que nos permitemquestionar, recusar e lutar contra essaimposição de uma realidade normativa.O que nos coloca perante algumasquestões: como nos relacionamos e quala nossa posição, enquanto anarquistas eanarcosindicalistas, face aos Media?Como pensar os Media actuais no contexto inseparável de um mundo globalizado? Que formas de luta e de intervenção equacionamos neste campo? Deveesta questão ficar no âmbito laboral ouestender a sua actuação para outros?Claro que podíamos colocar outrasquestões, sobre os mais diversos assuntos, contudo proponho uma discussão euma reflexão aberta face a estas e quemais possam surgir. Esta abordagemprivilegia a pedagogia e a educação nossindicatos e associações anarcosindicalistas como base de formação teórica eprática.
A forma como nosrelacionamos com osMedia não deve ser algo a tomar de ânimoleve e automaticamente descartado como uminimigo a abater, édesnecessário reafirmar o anticapitalismoque norteia a acçãoanarquista, logo, osMedia capitalistas incluemse nesse rol. Ou
seja, énos impossível fugir ao efeitoque os Media têm sobre a sociedade esobre nós, por muito revolucionário queseja o nosso coração, muit@s de nóscompramos jornais que entendemospertencerem a esses Media capitalistas,assim como lemos e comentamos diversos assuntos baseados nas mais diversasnotícias desses meios de comunicação.Podemos é ter uma atitude crítica faceaos mesmos, um constante e objectivoataque à construção mediática da desigualdade e a muita da normatividadeque nos querem impor. Sim, porquenem tudo o que lemos, ouvimos e lemosnos Media é essencialmente capitalistana forma de agir e nos objectivos de exploração a que se propôem, a dificuldade reside na filtração da informaçãocom que somos inundados a um nívelcada vez mais superior e a de propor alternativas factuais da realidade do dia adia. Quanto à nossa posição, ideologicamente referi anteriormente a questãoanticapitalista, e desse ponto de vistapuramente teórico e prático, os Mediacapitalistas incluemse nessa luta. Contudo, julgo importante salientar que aliberdade de imaginação e construçãocom objectivos claros de recusa do papel de construção mediática da realidade por parte dos meios de comunicaçãocapitalistas é um ponto a ter em conta.Pensar essa luta representa igualmentecompeender a linguagem dos Media e ocontexto em que operam, a nível globale local. Como pensar então os Mediaactuais no contexto de um mundoglobalizado? Essa questão deve seralicerçada (e colocada) na realidade em que vivemos a nível global econcretizada pelas, e nas, diversidades geográfica e cultural de cadaacção. Assim como o mercado detrabalho e as condições laboraisvariam de país para país, aindaque a tendência seja a de umahomogeneização cada vez maior,os Media de cada país assentamnuma posição ideológica diversificada, variam no apoio a certacor partidária, pertencem a certaempresa privada (que muitas das
vezes nem à área da comunicação pertence), têm nos seus quadros indivíduosque são comentadores, lobbystas emembros de partidos políticos ou deinteresses privados dissimulados, emuito importante: empregam e exploram trabalhador@s que cada vez maissão precários, inclusive na profissão dejornalistas. Como lidar então com estesfactos? Esta questão remetenos também para a necessidade de pensar aslutas em termos laborais ou deslocandoa, num movimento pendular, paraoutros campos. Nesta questão ela deveser colocada contextualizando o que édesejável nos objectivos d@s trabalhador@s face à situação que requer umaintervenção da sua parte, ou seja, seriainteressante pensar justamente essa acção num movimento pendular de intervenção entre a contrainformação, orientada para desmascarar a informaçãocapitalista, e a própria informação capitalista, que permita não simplesmenteuma aculturação ideológica das ideiasanarquistas, mas igualmente dos mecanismos de desinformação utilizados pelos Media vistos numa perspectiva externa ao contexto do grupo ou dos indivíduos anarquistas. Por exemplo, comrecurso ao conhecimento que já existenas ciências sociais sobre esses mesmosmecanismos mediáticos, desse modo
Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 9
contribuindo para esbater a desigualdade que existe entre os que têm acesso ao conhecimento e os que não têm,porque tendoo, cada um decidirá como utilizálo.. Porque nem todos osque pertencem a um sindicato ou associação anarcosindicalista são, ou serão, necessariamente anarquistas, e aeducação e propaganda que se faz noseu interior e exterior não deve sermais uma voz crítica na multidão devozes críticas que diariamente ouvimosno nosso quotidiano. Felizmente nãosomos @s únic@s a reclamar ummundo melhor (ainda que os contornos desse mundo sejam divergentes) ese pensarmos que um dos principaisproblemas apontados por um dos críticos do marxismo, Herbert Marcuse1,da modernidade, é justamente a tentativa de destruição do pensamento crítico através da acção cultural e social docapitalismo sobre os indivíduos, é realmente reconfortante que existam muitos espíritos críticos do capitalismo eda democracia no sentido de um pensamento livre do ser humano, em quenós possamos pensar sem constrangimentos que nos consomem e destroemas vidas.
Uma questão contudo fica por responder nesta reflexão: que formas deluta e de intervenção equacionamosneste campo? Essa resposta, no meuentender, deve ficar na acção práticados indivíduos e na discussão abertadesta questão. A luta anarcosindicalista não é uma acção no seu essencialdominada por constrangimentos teóricos (ainda que ideológicos) mas assente na acção directa, ou seja, na capacidade de intervenção que tenha comobase a acção individual e/ou em gruposem constrangimentos de hierarquiaou de poder, numa base antiautoritária, que tome nas suas mãos a decisãode modificar as desiguais condições deexistência que o sistema capitalista impõe indiscriminadamente. Tratase deagir sobre os problemas procurandonão a sua reforma, mas a sua melhoria,ou a sua substituição como fomentadores de desigualdade humana. Tornase importante reflectir sobre a práticanesse campo porque está em causa atransformação da nossa consciênciaque posteriormente terá repercurssõesno campo da acção, porque o que pensamos e agimos deve ser coerente coma crítica de uma realidade transformada pelos meios de comunicação capitalistas.
Nuno1 - Marcuse, Herbert, A Ideologia da Socieda-
de Industrial, 1 964, Zahar Editores, Brasil .
Em 25 de março de 1911, irrompeuum incêndio na fábrica téxtil“Triangle Shirtwaist”, um dos pi
ores desastres industriais dos EstadosUnidos da América, impulsionando umforte movimento laboral, que contoucom a violenta repressão do Estado. Inicialmente, as testemunhas no local descreveram fardos de roupa a saltar pelajanela, para então se aperceberem deque eram pessoas, trabalhadores, na suamaioria jovens mulheres, que haviamsaltado num acto de desespero. Após orescaldo do incêndio, os bombeiros descreveram portas, que haviam sido trancadas, com marcas de unhas. Foi devidoàs más condições laborais. Resultaram146 mortos.
Em 14 de dezembro de 2010, cercade 100 anos depois, irrompe um incêndio numa fábrica textil, em Ameen, noBangladesh. A mesma descrição, a mesma história. Devido às más condições detrabalho, resultaram mais de 100 vítimas. Os trabalhadores protestaram, oEstado ofereceulhes o cassetete.
Todos os dias ouvimos, por intermédio de amigos, familiares ou conhecidos,sobre alguém vítima de um acidente detrabalho ou doença profissional, a maioria das vezes sob a forma da famosa expressão: “está de baixa”. No entanto, sea maioria dos casos de acidente laboraltem consequências reversíveis, já outrosresultam em danos ou lesões permanentes, outros ainda, acabam na forma maisirreversível de todas, a morte. E, se emPortugal os acidentes laborais, que deacordo com a ACT, ascendem a mais de250 000 por ano, tornaramse demasiado familiares, então as 115 mortespor acidente de trabalho e as 132relacionadas com doenças profissionais, em 2009, são aterrorizadoramente comuns. A maioria destas tiveram a sua origem nas indústrias que, segundo os moralistas (os capitalistas e osseus defensores), têm sido o pilar daeconomia e do progresso em Portugal, atransformadora e o sector da construção. A título de exemplo, dentro do sector da construção, uma das principaiscausas de morte é a “queda em altura”.E são esses mesmos moralistas que defendem regras mais apertadas para adefesa do capital e da propriedade privada, mas que torcem o nariz quando sefala de melhores condições de trabalho,pois, segundo eles, isto já representa um“impedimento ao mercado livre” ou algoque nos torna “incompetitivos”.
E para quem ainda tenha dúvidas,um acidente de trabalho, assim comouma doença profissional, não é fruto doacaso. Estes não, simplesmente, “acontecem”, da mesma forma que o céu nãoirá, eventualmente, cairnos em cima.Isto são mitos. Estes fenómenos são fruto de negligência. Uma negligência criminosa, pois mata e quando não matapode deixar danos que marcarão a vítima para o resto da sua vida.
E o Estado? Esse cria “autoridades”,como a autoridade para as condições detrabalho (ACT), para logo a seguir depauperála de meios humanos, tornandoa ineficaz e ineficiente para cumprira sua função fiscalizadora.Na Europa
Enganase quem acha que isto éapenas um fenómeno exclusivamenteportuguês. Na Europa, de acordo com aAESST ocorre 1 acidente a cada 5 segundos resultando na morte de umtrabalhador a cada 2 horas, e maisde 140 mil casos de doença profissional, todos os anos. Um terço destesatribuíveis à exposição de substânciasperigosas no local de trabalho. E o tempo não pára...No mundo
Quando observamos o todo, somosconfrontados com a realidade. Em todoo mundo, segundo a OIT, ocorrem 270milhões de acidentes de trabalhoproduzindo mais de 2 milhões de vítimas mortais, e 160 milhões decasos de doença profissional, porano. E, ao compararmos os números,concluímos que os acidentes de trabalhoprovocam mais vítimas que os conflitos armados (500 mil por ano, segundo a AI)! E isto tem um nome: terrorismo! Pois a melhor forma de continuar vivo, não é evitando uma guerra,mas antes o trabalho.
Mais um que morreu... foi umcrime...
Hoje, como ontem, acidente laboral é terrorismo patronal!
O.
Mais um que morreu...dizem que foi um acidente...
Fontes: OIT (Organização Internacional de Traba-lho), Agência de Bilbao, ACT (Autoridade para asCondições de Trabalho), GEP (Gabinete de Estraté-gia e Planeamento), CNPCRP (Centro Nacional deProtecção contra os Riscos Profissionais), PRIO(Peace Research Institute Oslo), AESST (AgênciaEuropeia para a Segurança e Saúde no Trabalho), AI(Amnistia Internacional)
Apoio Mútuo #2 Janeiro 201310
A lgumas das figuras historicamente mais conhecidas do anarquismo internacional eram geó
grafos: Élisée Reclus, refugiado da Comuna de Paris e impulsionador em Portugal da Iª Internacional, do anarquismo e do sindicalismo revolucionário,nos fins do séc. 19, foi geógrafo e o autorda obra geográfica magistral “A Terra eo Homem” – da qual foi editado há unsanos, por um conhecido diário português actual, um pequeno resumo. Também Kropotkin, outra figura do Anarquismo histórico internacional, foi geógrafo, tendo inclusive algumas montanhas do território russo o seu nome. Porém a importância da geografia e sobretudo da geografia social, económica e ambiental hoje ligase à necessidade da acção de ligação emergenteda nossa actividade aos meios sociaismais explorados e dominados pelo capitalismo e pelo Estado.
À escala de cada cidade ou vila, decada região, de cada província como decada país e grupo de países, temos a necessidade de ter uma visão de conjunto, rápida, clara, elucidativa e evolutiva da situação das populações trabalhadoras, empregadas e desempregadas,da localização das principais concentrações laborais, das fábricas, empresas,serviços públicos, dos bairros, das zonasdegradadas, dos locais de habitação, depassagem, de lazer, das principais fontes de contaminação ambiental das populações, das zonas “azuis” de habitaçãoe luxo da burguesia, etc., etc.
Tal é a função da geografia social,económica e ambiental – que não seráavatar apenas de geógrafos profissionaisespecializados – embora eles possamajudar se estiverem implicados na nossaactividade. A NET e o Google Earth,com as suas coberturas espaciais devastas zonas do globo terrestre, às vezesem indiscreto pormenor, promovidospela “National Geographic” e ao serviçodas CIAs e outras polícias planetáriascom vista ao controlo mundial das populações e das regiões, podem ser utilizados por qualquer pessoa interessada– pelo menos por agora!... Mas o bom evelho hábito de leitura e utilização dasvárias cartas topográficas, mapas geográficos, plantas urbanas, mapas turísticos, etc., “equipandoos” com a informação e localizações que se vão desco
brindo no terreno, são algo imprescindível numa actividade que se pretendemilitante e continuada. Assim faziamos velhos militantes anarquistas e anarcosindicalistas para irem registando aevolução da sua implantação local e regional, ou para “baterem o terreno” dassuas actividades de propaganda, agitação e organização, assim o deveremosfazer hoje.
Um núcleo de militantes local, umcomité regional, uma secção empresarial, um comité popular, não passam semtal instrumento – que logicamente, pelasua importância táctica, não é algo quedeva ser acessível a pessoas fora da organização e constitui um instrumentode trabalho evolutivo, em cada reuniãoorganizativa, em cada decisão de acçãocolectiva, em cada avaliação da situaçãoda nossa implantação nos meios laborais e populares.
Numa situação em que nem sequersomos ainda aquilo a que os companheiros brasileiros chamam de “sindicato de porta de fábrica”, num momento em que temos princípios e tácticasgerais (acção directa, antirepresentativismo, etc.) mas não temos ainda umaestratégia comum, tácticas, métodos,etc., para assumirmos perseguir consequentemente na prática os nossos objectivos estatutários de construção deuma confederação sindical revolucionária, à semelhança da velha CGT portuguesa ou mesmo da actual CNT espanhola, rumo ao comunismo libertário –que passam pela implantação local e regional nos meios laborais e populares,hoje na maioria “controlados” pelaCGTPIN e pelo PCP (e conviriamuito analisarmos oporquê da sua contínua implantaçãonalgumas regiões), numa situação em queproclamamosa nossa vontade de lutarmos ao ladodos demaistrabalhadores, classecontra classe,na situação social miserável emque Troikas, FMIs,
patronato, governos e “concertações sociais” e seus “concertantes”, todos, estãoa meter a maioria da população de quefazemos parte, independentemente dafiliação sindical ou partidária dos explorados e dominados (mas não do graude envolvimento dessa filiação…) énosportanto imprescindível este instrumento práticoteórico que faz parte dageografia: o mapa monográfico local/regional e o seu completamentopermanente.
O bom conhecimento da geografiasocial (e ambiental) da cidade ou/e daregião onde vivemos deverá servir naactualidade para algo mais do que realizarmos trajectos históricos – emboraeles possam ser sempre úteis na formação de militantes e associados. Deveráservir sobretudo para nos ajudar deuma forma gráfica a planear, programare observar a nossa acção actual, as nossas limitações e pontos fortes (porqueos há!..), tanto no que já fazemos nestemomento como no que nos falta e émais prioritário fazer, em termos deimplantação local e regional.
Avante na implantação local eregional anarcosindicalista!
Avante na organização da AITSP!
Avante na resistência social!Viva o comunismo libertário!
Porto, Fev. 2012Pego Negro
Importância da geografia na actividadeanarco-sindicalista (e anarquista social)
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Já no Congresso PróPaz realizadoem 1915 na cidade portuária galega de Ferrol, no qual o anarquista
Manuel Joaquim de Sousa representoua secção Norte da União Operária Nacional (UON)[3], os delegados portugueses e espanhóis haviam concordado nanecessidade de “estreitar os laços de solidariedade entre o proletariado de ambos os países, dandose assim princípioà organização da Federação Ibérica, célula inicial da Federação Internacionaldos Sindicatos Operários, contra aguerra, contra todas as guerras, contraa exploração capitalista e contra a tirania do estado”[4].
Em Setembro de 1919, realizase emCoimbra o 2º Congresso Operário Nacional[5], no qual é criada a ConfederaçãoGeral do Trabalho, que agrupa cerca deduas centenas de sindicatos, representando pelo menos 85 mil trabalhadores[6]. A fundação da CGT tem lugarnum contexto de expansão e radicalização do movimento sindical. Sucedemseos movimentos grevistas que colocam
violentamente em confronto o operariado, o patronato e o Estado[7]. A 23 deFevereiro de 1919, iniciase a publicaçãodo diário A Batalha, ainda como órgãoda UON, que rapidamente se torna noterceiro jornal de maior tiragem emPortugal.
No Congresso de Coimbra é discutida a questão da filiação internacional daorganização confederal, concluindosepela rejeição da adesão à Internacionalde Amesterdão (reformista) e pela necessidade de estabelecer relações comcentrais sindicais de outros países comvista à criação de uma internacionalsindicalista revolucionária. É aprovadaa seguinte tese da autoria de ManuelJoaquim de Sousa:
“1.º O Congresso Operário Português, reunido em Coimbra, resolve pôrde parte a resolução votada no Congresso de Tomar, segundo a qual a Confederação Operária Portuguesa se deveria filiar na União Sindical Internacional(Amesterdão), executando e fazendoexecutar as suas resoluções, tanto por
que aquele organismo parece já não darsinal de vida, como e principalmente,porque, dado que existe, não corresponde às necessidades e objectivos deemancipação da classe operária internacional.
“2.º O proletariado português, organizado pela sua Confederação Nacional,entrará, desde já em relações com asCentrais operárias dos outros países,sem alienar ou apoucar a sua autonomia, respeitando reciprocamente osmesmos princípios, por parte das organizações dos outros países, condiçãoindispensável para um bom entendimento dentro dos moldes sindicais.
“3.º A Confederação Operária Portuguesa influirá nas conferências, congressos internacionais ou nas simples eamistosas relações quotidianas com asCentrais dos outros países, para que seinstitua a Confederação Internacionaldo Trabalho, com representantes exclusivamente operários, não sendo estesinvestidos de qualquer mandato político, para que por este organismo novo se
A Confederação Geral do Trabalho e a fundaçãoda Associação Internacional dos TrabalhadoresOs anarcosindicalistas e sindicalistas revolucionários[1] portugueses foram, desde a primeira hora,defensores da criação de uma Internacional do sindicalismo revolucionário, um desejo que se viria aconcretizar no Congresso de Berlim, realizado entre os dias 25 de Dezembro de 1922 e 2 de Janeiro de1923, que criou a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). Este artigo, redigido para assinalar o 90º aniversário da Associação Internacional dos Trabalhadores, pretende recuperar alguns elementos da história das relações internacionais da organização operária portuguesa – constituída comoConfederação Geral do Trabalho (CGT) a partir de 1919 – e do seu contributo para a criação da AIT[2].
Apoio Mútuo #2 Janeiro 201312
coordene a acção geral dos trabalhadores de todos os países que aspiram aofim comum da sua integral emancipação.
“4.º O Congresso do OperariadoPortuguês declara contribuir, na medida das suas possibilidades, para a execução de qualquer resolução votada pelo operariado organizado dos outrospaíses, no sentido de apressar a quedado regime económico actual da produção e sua substituição pela gestão dotrabalho emancipado por meio dos seusorganismos de classe”[8].
A revolução russa teve um profundoimpacto no movimento operário português, sendo desde cedo saudada nas páginas da imprensa operária, que faz asua defesa contra os ataques e calúniasda imprensa burguesa. A imprensaanarcosindicalista mostravase “esperançada nos bolcheviques”, embora publicando opiniões diversas e contraditórias sobre o regime soviético. Emborasoubessem que o regime bolcheviquenão respeitava os princípios libertários[9], os anarcosindicalistas recusavamcolocarse ao lado da reacção burguesaque ameaçava a revolução russa[10].
É sobretudo a tentativa de apropriação e reformulação da doutrina sindicalista revolucionária, através da adopçãode métodos bolcheviques, que vai darinício a uma batalha ideológica que, apartir de 1919, se manifesta na imprensa operária[11].
Ao longo do ano de 1919, os sindicalistas partidários da “ditadura do proletariado” bolchevique organizamse em“conselhos maximalistas”, começando apublicar, em Outubro, o semanário ABandeira Vermelha, órgão da FederaçãoMaximalista Portuguesa, anunciado como um “valioso instrumento de propaganda sindicalista e libertária”[12] .
Por outro lado, entre Novembro de1920 e Fevereiro de 1921, o sindicalistarevolucionário Carlos Rates tentará,através de uma série de artigos publicados nas páginas de A Batalha, harmonizar a doutrina sindicalista revolucionária com as ideias de “ditadura do proletariado” e de “vanguarda revolucionária”. Grande defensor da fórmula segundo a qual le syndicalisme se suffit àluimême [“o sindicalismo bastase a sipróprio”] na polémica que em 1913 opôssindicalistas revolucionários e anarquistas, Rates advoga agora que este preceito clássico do sindicalismo revolucionário corresponderia ao papel da organização operária na direcção da vida social, advogando a conquista do poder pelaCGT, que deveria assumir o papel devanguarda revolucionária, para instituiruma ditadura proletária, descentraliza
da e exercida directamente pelos sindicatos e suas federações[13]. As ideias deCarlos Rates são contrariadas por Emílio Costa que refuta a ideia de ditadurado proletariado com base no exemploda Rússia, onde esta forma de ditaduranão é mais que “uma ditadura propriamente dita, com os seus decretos, assuas sanções, os seus agentes executivose sobretudo a sua força armada...”[14].
Apesar de o órgão da CGT, A Batalha, permanecer durante muito temponeutral em relação à clivagem ideológica entre sindicalistas anarquistas e sindicalistas defensores do bolchevismo, areacção anarcosindicalista à tendênciabolchevista envolverá activamente opróprio secretáriogeral da CGT, Manuel Joaquim de Sousa, no diário anar
quista de que é director, A Comuna[15].Só em Dezembro de 1920, a redacção deA Batalha toma uma posição, negando aconquista do poder enquanto métodorevolucionário, numa série de editoriaisintitulada “O caminho a seguir”[16].
Em Fevereiro de 1921, o primeiroCongresso da Federação de JuventudesSindicalistas[17] afirma “os meios sindicalistas revolucionários como meios deluta económica e de acção, a dentro daactual sociedade, educandose e preparandose para receber um novo regimesocial, que tendo por sistema político oanarquismo e como regime económicosocial o comunismo anárquico”[18].
Notas:
1 - Embora os termos sindicalismo revolucionário e anarco-sindicalismo sejam frequentemente utilizados como sinóni-mos, tomamo-los aqui com diferentes acepções. ManuelJoaquim de Sousa dá conta das divergências que opuseramsindicalistas revolucionários e anarquistas, em 1913, noseio do movimento sindical: os primeiros, como Manuel Ri-beiro e Carlos Rates, “seguindo a interpretação de Sorel”,defendem que “o sindicalismo se basta a si próprio”, os se-gundos, como Emílio Costa, Clemente Vieira dos Santos eNeno Vasco, concluem que “se o Sindicalismo exprime oconceito de luta de classes, à margem dos partidos políticose visa à transformação económica da sociedade, a suaexistência como doutrina e acção cessa no momento emque o acordo livre e voluntário determina novas fórmulasque atendem a novas necessidades materiais e espirituaisda vida humana nas suas mais variadas e complexas mani-festações” (SOUSA, Manuel Joaquim de – O sindicalismoem Portugal. Porto: Afrontamento, 1972 [1ª ed. 1931],p. 95-96).O sindicalista holandês Christiaan Cornelissen, ao estudar omovimento sindicalista revolucionário do seu tempo, “dis-tinguiu três grupos entre os activistas do sindicalismo revo-lucionário: os sindicalistas, que consideravam o sindicalismocomo 'auto-suficiente' e distinto de qualquer outra ideolo-gia […]; os anarquistas, que viam no movimento sindicaluma possibilidade de passar da agitação à acção; e, final-mente, membros dos partidos socialistas e grupos que de-sejavam retirar o socialismo do impasse do parlamentaris-mo” (DAMIER,V., Anarchosyndicalism in the 20th Cen-tury. Edmonton: Black Cat Press, 2009 p. 24). Todas es-tas tendências são observáveis do seio do movimento sindi-cal português das primeiras duas décadas do século XX.
2 - É inegável a enorme contribuição, neste sentido, deManuel Joaquim de Sousa, militante anarquista activo emtodos os debates sobre relações internacionais no seio domovimento operário português. Manuel Joaquim de Sousa,operário do calçado, nasceu em 1885 em Paranhos, na ci-dade do Porto. Desde cedo aderiu às ideias anarquistas, in-tegrando o movimento operário portuense. Apesar de pos-suir apenas a 2ª classe da instrução primária foi um influ-ente orador, polemista, jornalista e militante do movimentoanarco-sindicalista. Em 1919, foi eleito como primeiro se-cretário-geral da Confederação Geral do Trabalho e maistarde foi o redactor principal do diário confederal “A Bata-lha”. Respondendo a um pedido da AIT redigiu o livro OSindicalismo em Portugal, uma das principais fontes para ahistória do movimento operário no primeiro quartel do sé-culo XX.
3 - A União Operária Nacional, a primeira organização naci-onal unitária do movimento operário português, foi consti-tuída em Março de 1914 no Congresso de Tomar. Nestecongresso, confrontaram-se as correntes reformista e revo-lucionária do movimento sindical, resultando deste embateuma solução de conciliação. A influência do Partido Socia-lista Português era ainda grande, sobretudo nos sindicatosdo Norte do país. Os “elementos revolucionários foramobrigados a relevantes cedências”, mas “lograram oficiali-zar a independência sindical face ao poder e aos partidospolíticos”. Este congresso terá tido por efeito “um recuo dainfluência socialista mas também anarquista nas associa-ções de classe”, sendo os sindicalistas revolucionáriosquem garantia a “unidade entre reformistas e anarco-sindi-calistas” (PEREIRA, Joana Dias - Sindicalismo revolucio-nário: a história de uma idéa. Lisboa: Caleidoscópio,2011, p. 85-88).
4 - SOUSA, Manuel Joaquim de – O sindicalismo em Por-tugal. Porto: Afrontamento, 1972 [1ª ed. 1931], p. 105.
5 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 133. A tese princi-pal deste congresso, respeitante à criação da Confederação,“consagra claramente os princípios do sindicalismo revoluci-onário - a autonomia de base federativa, a inde
Caderneta confederal de um trabalhador sindical izado
Apoio Mútuo #2 Janeiro 2013 13
Pouco depois do congresso, a facçãobolchevista liderada por José de Sousaabandona as Juventudes Sindicalistas,assumidamente anarcosindicalistas,para integrar o Partido Comunista Português (PCP) fundado em Março[19].
Ainda em Fevereiro, Manuel Joaquim de Sousa publica um artigo em ABatalha, intitulado “Relações Internacionais”, em que anuncia a realização deuma conferência sindical revolucionáriaem Berlim[20] e desafia o proletariado apensar a questão da organização operária, colocando de parte a InternacionalComunista “por ir contra o estabelecidoem Coimbra de não estabelecer relaçõescom partidos políticos”[21].
Em Julho de 1921, em resposta aomanifesto de fundação do PCP, o Comi
té Confederal da CGT publica a NotaOficiosa “Em face de um novo partidopolítico”. Nesta, o Comité Confederal“afirma “a característica anticolaboracionista da organização sindical com asinstituições da burguesia e com quaisquer partidos políticos, seja qual for oseu método de acção e a sua finalidadepolíticosocial” e defende que “o proletariado, a caminho da sua emancipaçãopela libertação da tutela dos senhoresde hoje, não quer criar novas cadeiasonde o prendam, amanhã, novos senhores”. Face às afirmações do PCP, deque constitui “um organismo políticorevolucionário de administração políti
ca” e que preconiza a socialização dosmeios de produção, “entregando a gestão da produção às Federações de Indústria”, a “CGT afirma que a organização sindical – os Sindicatos, as Uniõesde Sindicatos, as Federações de Indústria e a Confederação – sendo organismos de combate, serão organismos deexpropriação e não confiam a qualquerpartido político […] o que só os trabalhadores podem e devem realizar pelaacção directa, nos seus organismos declasse”. Contrariando a afirmação doPCP de que “a organização sindical nãose basta a si própria”, o Comité Confederal responde que “a CGT aceita o significado da frase […] se com ele se querexplicar que para conseguir um estádiosocial, filosoficamente superior, nãobasta a luta económica pela acção dosindicalismo; mas se se quer tirar a ilação de que a acção do operariado, comoclasse social escravizada, não basta serexercida no terreno económico, para oser simultaneamente no terreno políticoparlamentar e com o concurso estéril eperigosamente nocivo dos videirinhosda política, então a CGT fiel às decisõesdos Congressos Nacionais sindicais, declara que a acção do operariado basta, eque, como tal, nem emparceira comqualquer partido político, nem consenteque no seio da organização se desenvolva a deletéria acção política”[22].
Em Julho de 1921, realizouse oCongresso da Internacional SindicalVermelha (ISV) em Moscovo[23]. Graçasa um sistema de representação que osfavorecia, os bolcheviques conseguiramlevar adiante o seu plano de criação deuma internacional sindical (Profintern)subordinada à Internacional Comunista(Comintern). As organizações sindicalistas revolucionárias, muitas das quaisainda sem possuírem uma posição claraem relação à ISV, não conseguiram levar adiante o projecto de uma internacional sindical revolucionária, apesar deos seus delegados presentes no Congresso terem adoptado um “Manifestodos sindicalistas revolucionários internacionais” e concordado em criar uma“associação de elementos revolucionários internacionais”[24].
Mas, à medida que foram tomandoconhecimento da repressão que atingiaos anarquistas e anarcosindicalistas naRússia bolchevique, endurecida ao longo do ano de 1921, as posições das organizações sindicalistas revolucionáriasforamse clarificando. Em Junho de1922, realizouse em Berlim “uma conferência sindicalista internacional como objectivo de estudar as diferenças deposições existentes entre o movimentosindicalista revolucionário de todos os
ependência face a toda a escola política ou doutrina religio-sa, o objectivo da supressão do salariato pela posse de to-dos os meios de produção”. “Neste congresso procura-secontornar já não as diferenças entre reformistas e revolucio-nários mas entre os militantes influenciados pela revoluçãorussa e os anarquistas”, funcionando o sindicalismo revolu-cionário como a solução de conciliação (PEREIRA, Joana Di-as – Op. Cit., p. 133).
6 - FREIRE, João – Anarquistas e operários: ideologia,ofício e práticas sociais: o anarquismo e o operariadoem Portugal, 1900-1940. Porto: Afrontamento, 1992, p.203. Este autor estima em 85 mil o número de trabalha-dores confederados em 1920-1921, 90 mil em 1922, 55mil em 1923-1924 e 70 mil em 1925. Outros autores,como Rudolf Rocker, colocam a afiliação da CGT em 150mil membros em 1922 (ROCKER, Rudolf - Anarcho-syndi-calism), provavelmente seguindo a informação de Manuelda Silva Campos, delegado da CGT ao 2º Congresso da AITem Amesterdão (FREIRE, João – Ibid.).
7 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 120. Neste contex-to, o Partido Socialista Português vê “a sua influência nomeio sindical reduzida ao mínimo” e os seus representan-tes abandonam “a pretensão de hegemonizar o movimen-to operário” (p. 120-121).
8 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 112-113.
9 - A revista anarquista A Sementeira, respondendo à per-gunta lançada por Pierre Monatte ao movimento operáriofrancês - “O Soviet é porventura coisa muito diversa daUnião Local de Sindicatos?” - afirmava o seu receio face a“certas superfetações políticas, resultantes do dualismo daorganização económica (soviet económico ou sindicato) eda organização política centralizada (sindicato político)”(PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 127).
10 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 126-127.
11 - Os primeiros protagonistas desta polémica, que temlugar nas páginas do diário da CGT A Batalha, serão o sindi-calista revolucionário Manuel Ribeiro, que começa a defen-der que o melhor caminho para obter a “emancipação dosproletários” é “a conquista do poder”, divulgando “a for-midável obra de remodelação social feita pelos sovietes”, eo anarquista Emílio Costa, que recusa a “táctica socialistade conquista dos poderes públicos” e a “ditadura do prole-tariado”, “um perigo para (…) a base necessária de umamelhoria na vida colectiva: a liberdade” (citados por PEREI-RA, Joana Dias – Op. Cit., p. 127-128).
12 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 138. A BandeiraVermelha fará a apologia do regime soviético, divulgandoas ideias dos líderes bolcheviques russos e procurando legi-timar a “ditadura do proletariado” como uma fase de tran-sição para a sociedade desejada pelos sindicalistas portu-gueses e o “sovietismo” como a “fórmula slava do sindica-lismo operário ocidental”. Defendendo a “Revolução Socialconcretizada na Ditadura do Proletariado” como uma novaera no plano das ideologias (Manuel Ribeiro, “Novas Ten-dências Sociais”, A Bandeira Vermelha, 7 de Outubro de1919, citado por PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 139),a Federação Maximalista Portuguesa não descurava assu-mir o papel de vanguarda revolucionária quando houvesseas condições para a constituição de um poder soviético emPortugal e afirmava já a necessidade de um “forte organis-mo extra-sindical de carácter proletário e revolucionário”(PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 139). Mas a confusãoideológica entre os partidários do bolchevismo em Portugalera de tal ordem que, em resposta às críticas que foramsurgindo, A Bandeira Vermelha afirma ainda: “todo o indi-víduo que em Portugal se declare bolchevista é anarquistaou sindicalista revolucionário (…) adoptando contudo adesignação de bolchevistas, comunistas, maximalistas ousovietistas desde que combatam intransigentemente as ins-tituições burguesas e apressem a evolução do regime capi-
Caderneta confederal de um trabalhador sindical izado
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países e a Internacional Sindical Vermelha” e para chegar a um acordo sobrea formação de uma Internacional deSindicatos Revolucionários, caso as diferenças com a ISV não possam ser resolvidas”[25]. A conferência acabou pordecidir a ruptura com a ISV e a convocatória de um congresso internacionalde sindicatos revolucionários.
Entretanto, em Portugal, nos primeiros dias de Outubro de 1922, realizase na Covilhã o 3º Congresso Operário Nacional. As principais teses apresentadas a votação diziam respeito à estruturação orgânica da CGT, destacandose a tese “Organização Social Sindicalista”[26], e às relações internacionais,com uma proposta de adesão à Internacional Sindical Vermelha. O Congressoacabou por ser dominado pela questãodas relações internacionais, porquantoesta colocava em confronto a facção bolchevista, minoritária, que pretendiaconquistar a CGT, e a grande maioriasindicalista revolucionária e anarcosindicalista, que pretendia conservar o carácter sindicalista revolucionário, autónomo e apolítico da confederação operária. O debate foi vivo, tendo 40 delegados pedido a palavra para intervirnesta questão.
Fernando de Almeida Marques, representando as Juventudes Sindicalistas, pronunciou um discurso em queafirmou: “As Juventudes Sindicalistasdiscordam da adesão a Moscóvia, declarandose fiéis aos princípios sindicalistas revolucionários que sempre defenderam. […] Se se aceitar a adesão aMoscóvia temos de aceitar a ligaçãocom o P.C.P., quando há pouco tempotoda a organização o repeliu solidarizandose com a nota oficiosa da C.G.T.[…] A transformação da I.S.V. é impos
sível porque Portugal só teria 1 votodentro dela, enquanto a Central Russatem 17. Semelhante sistema de votaçõesé o esmagamento”[27].
A proposta de adesão à Internacional de Moscovo acabou por ser rejeitada, com a aprovação, com 55 votos a favor, 22 contra e 8 abstenções, de umamoção de Clemente Vieira dos Santos,que começa por tecer uma série de considerações: “Considerando: que o sindicalismo revolucionário teve a sua origem histórica nas pugnas desencadeadas no laboratório ideológico da 1.ª Internacional, levada a efeito pelos fervorosos partidários dos princípios autoritários e centralistas; que a tese “Organização Social Sindicalista” preconiza oprincípio da 1.ª Internacional […]; que atese em alusão confirma também que omovimento operário sob a inspiraçãosuprema do sindicalismo revolucionário, partiu de um momento de espontânea revolta contra o predomínio dospartidos políticos; que a organizaçãoportuguesa moderna tem visado umideal, afirmando uma tática – a do sindicalismo revolucionário, e uma finalidade – o comunismo livre; que […] oSindicalismo, organização baseada nasprofissões, tem por fim imediato e subjectivo, a defesa, a luta directa de classes e a expropriação contra o regimeburguês, patronal e estatal; que, porconsequência, […] tem uma acção exclusiva e puramente antipolítica e estatal e é estranha a qualquer poder governativo, rejeitando, ipsofacto, osprincípios e meios de acção da democracia; […] que os princípios ideológicosconsignados na tese “Organização Social Sindicalista” condizem perfeitamentecom os princípios expressos nas moçõesaprovadas na Conferência Internacional
talista para a sociedade anarquista que é o objectivo paraque tendem os bolchevistas russos” (“Declaração de Prin-cípios”, A Bandeira Vermelha, 12 de Outubro de 1919, ci-tado por PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 139). Em ABandeira Vermelha “a recorrência às grandes figuras da es-cola libertária será muito frequente”, sendo os ideólogosanarquistas “praticamente tão citados como Lenine” (PE-REIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 140).
13 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 147-149.
14 - Emílio Costa, “A Revolução sem Ditadura, Para EvitarConfusões”, A Batalha, 21 de Janeiro de 1921, citado porPEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 149.
15 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 151.
16 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 152.
17 - As Juventudes Sindicalistas (JS) existiram enquantomovimento organizado entre 1913 e 1927, filiando-se si-multaneamente nos movimentos anarquista e sindical. Aorganização das Juventudes Sindicalistas baseava-se emNúcleos locais autónomos, cujas finalidades passavam pelaeducação moral, intelectual e física dos seus associados,pela dinamização do espírito associativo e reivindicativo,pela propaganda dos princípios do sindicalismo revolucio-nário e da acção directa operária, pela difusão das ideiasinternacionalistas e anti-militaristas. Em 1921, sofreramuma cisão provocada pelo seu secretário-geral José deSousa, que constituirá a organização juvenil do Partido Co-munista com uma fracção de membros das JuventudesSindicalistas. Só no Congresso Operário da Covilhã se dá oreconhecimento oficial da Federação das Juventudes Sindi-calistas (FJS) por parte da CGT. No período 1913-1937terão existido 35 Núcleos estáveis das JS. Em 1922, jádepois da cisão bolchevique, as JS contariam com 5000 fi-liados, que, em 1923, seriam cerca de 3000 e, em1926, aproximadamente 2000. Na Declaração de Princípi-os aprovada no seu 2º Congresso de 1926, a FJS afirmaser “anarquista a sua ideologia” e “sindicalista revolucio-nário o seu método de acção”, afirma-se igualmente anti-militarista, anti-autoritária, revolucionária, sendo de “fran-ca hostilidade a sua atitude em face dos partidos políti-cos”. As JS foram um alvo preferencial da repressão polici-al devido à sua reputação de radicalismo, que a partir de1920 começa a ser associada às bombas e aos atentadospessoais. Em 1921, o próprio Congresso da Federaçãoconsagra a violência como meio de acção e decide a cria-ção secreta do Comité de Defesa Sindical, uma organiza-ção paralela e secreta destinada a acções de apoio às lutassindicais. A repressão levou, só em Março de 1922, à de-tenção de cerca de 200 militantes e ao encerramento dosNúcleos de Lisboa, Almada e Évora. Um grande número demilitantes das JS sofreram a deportação para as colóniasportuguesas de África e para Timor. Cf. FREIRE, João – AsJuventudes Sindicalistas: um movimento singular. Penélo-pe, 4 (1989).
18 - “O I Congresso das Juventudes Sindicalistas”, A Bata-lha, 2 de Fevereiro de 1921, citado por PEREIRA, JoanaDias – Op. Cit., p. 155.
19 - OLIVEIRA, César – O Primeiro Congresso do PartidoComunista Português. Lisboa: Seara Nova, 1975, p. 35.Segundo este autor, a fundação do PCP decorre da acçãoda Federação Maximalista, mas “não resulta do cresci-mento desta organização nem corresponde ao aumento dasua influência de massas. De facto o período áureo da CGTsitua-se exactamente entre 1919 e 1923-1924” (p. 35-36).
20 - Em Dezembro de 1920, a sindicalista revolucionáriaFAUD (Freie Arbeiter-Union Deutschland) acolheu uma con-ferência internacional em Berlim, que teve por objectivotentar obter um acordo entre os sindicalistas revolucionári-os sobre a questão internacional e, particularmente, sobre
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de Berlim […]”.Referindose à tese apresentada no
Congresso a favor da adesão à Internacional Sindical Vermelha, a moçãoaprovada classificaa como “erro lamentável que revoga toda a característica doutrinária e originária do Sindicalismo Revolucionário”, uma vez que aISV “defende a conquista dos poderes ea ditadura do proletariado nas mãos deum poder central erroneamente proletário; […] determina um contacto estreito e uma ligação orgânica e técnicaentre a Internacional Sindical Vermelhae a Internacional Comunista; […] estabelece uma junção real e estreita entreos sindicatos operários e o partido comunista russo aceitando a interpenetração de membros dum e doutros nosseus corpos directivos; […] estando perfeitamente ligado ao Partido ComunistaRusso, que está no poder, encontrase,ipsofacto, ao lado do Estado e do governo moscovita […] sendo assim, estáconsiderada como um instrumento doestado russo, sendo sua subordinadapolítica, o que destrói toda a essênciasindicalista revolucionária que a organização operária portuguesa deve manter a todo o custo”.
Desta forma, a moção de ClementeVieira dos Santos conclui:
“O Congresso Nacional Operário,reunido na Covilhã, resolve:
“1.º Rectificar a sua plena concordância, para manter a tese já aprovadasobre a Organização Social Sindicalista;
“2.º Manter a genuína característica do sindicalismo revolucionário emque a organização operária portuguesatem assentado;
“3.º – Não aceitar a adesão a qualquer uma das duas Internacionais existentes, uma (a de Amsterdão), por falsear a sua missão histórica, colaborando com a burguesia; outra, a I.S.V, porestabelecer a coligação com os partidospolíticos comunistas e estatais que pretendem estagnar e absorver a revolução, e por estar intimamente relacionada com o Estado russo;
“4.º – Aceitar os princípios estabelecidos na Conferência de Berlim, por estarem consentâneos com o espírito revolucionário préestabelecido na teseOrganização Social Sindicalista, aguardando, para resolução definitiva, a efectivação do Congresso marcado pelamesma Conferência, no qual se fará representar – se possível for – o operariado português”[28].
O congresso de constituição da internacional anarcosindicalista, designada Associação Internacional dos Trabalhadores, teve finalmente lugar emBerlim, entre os dias 25 de Dezembro
de 1922 e 2 de Janeiro de 1923. A CGTportuguesa enviou o seu apoio por escrito e foi reconhecida como membro depleno direito do congresso[29].
Apesar da indicação precisa sobre aorientação das relações internacionaisda C.G.T., dada pelo Congresso da Covilhã, era necessária uma decisão definitiva sobre a adesão à Associação Internacional dos Trabalhadores, entretantofundada em Berlim. Esta decisão definitiva chegou em 8 de Setembro de 1924,quando 115 sindicatos se pronunciaram,a pedido do Conselho Confederal daC.G.T., num referendo sobre a adesãointernacional da organização operáriaportuguesa. O resultado foi ainda maisesclarecedor, segundo Manuel Joaquimde Sousa porque no Congresso da Covilhã “estavam os delegados, no referendum falaram os próprios organismos”:104 sindicatos pronunciaramse pelaadesão à AIT, contra apenas 6 que votaram favoravelmente à adesão à ISV deMoscovo, registandose 5 abstenções[30].
Em 1923, teve lugar em Évora aConferência das Organizações Operárias de Espanha e Portugal, com a presença de Ácrato Lluhl, Manuel Pérez eSebastián Clara, como delegados daCNT, e de José da Silva Santos Arranhae Manuel Joaquim de Sousa, pela CGT.Nesta reunião, segundo Edgar Rodrigues, “Manuel Joaquim de Sousa – como apoio de Manuel Pérez – propôs, pelaprimeira vez, a unificação do Movimento Confederal e Libertário da PenínsulaIbérica, englobando anarquistas espanhóis e portugueses”[31]. A ditadura dePrimo de Rivera instaurada em Espanha em 1923, que ilegalizou a CNT, e aditadura militar em Portugal em 1926, ea consequente ilegalização da CGT, em1927, tornariam impossível o projectode uma confederação operária ibérica[32].
Entretanto, o Partido ComunistaPortuguês prossegue o seu trabalho deoposição dentro da CGT, com o objectivo de a “conquistar“, seguindo as ordens do regime de Moscovo e recebendodo mesmo orientação e apoio[33].
Em 1924, sucedemse os congressosoperários, onde a adesão à AIT é aprovada (3ª congresso Corticeiro; 3º Congresso dos Operários do Calçado, Couroe Peles; 1º Congresso dos Operários daIndústria das Conservas; 2º Congressoda Indústria da Tanoaria)[34]. O 6º Congresso dos Trabalhadores Rurais aprovauma Declaração de Princípios em queafirma: “Os trabalhadores rurais rejeitam o salariato, nem o compreendemdentro do regime de comunismo livrecom as terras socializadas. Preferem oacordo fraternal entre os organismos
o congresso para a criação de uma internacional sindicalanunciado para Maio de 1921 em Moscovo (este congres-so seria adiado para Julho). Estiveram presentes delega-ções das organizações: FAUD (Alemanha), Comités Syndi-calistes Révolutionnaires (França), SAC (Suécia), NAS (Ho-landa), Shop Stewards' and Workers' Comittee Movement(Grã-Bretanha), Federación Regional Obrera Argentina e In-dustrial Workers of the World (EUA). A conferência recebeuainda manifestações de apoio da Fagoppositionens Sam-menslutning dinamarquesa, da Norsk Syndikalistik Federa-tion norueguesa e da CGT portuguesa. Também esteve pre-sente um representante da central sindical soviética. A con-ferência não pôde contar com a presença da Unione Sinda-cale Italiana, devido ao seu envolvimento no movimentode ocupações de fábricas em Itália, nem com a Confedera-ción Nacional del Trabajo de Espanha, a braços com umavaga de repressão. Destas organizações, os Shop Stewardsda Grã Bretanha e os CSR de França já haviam aderido àISV. A Declaração saída da Conferência de Berlim, aprovadapor todos os delegados com a excepção dos franceses edos russos, apela à participação das organizações revoluci-onárias no congresso de Maio de 1921 em Moscovo, comvista à formação de uma internacional de sindicatos revolu-cionários de todo o mundo, ao mesmo tempo que afirma opapel dos sindicatos na revolução e a independência dosmesmos em relação aos partidos políticos. Foi também es-tabelecido um Bureau de Informação Sindicalista (THORPE,Wayne – The workers themselves”: revolutionary syn-dicalism and international labour, 1913-1923. Dordre-cht: Kluwer, 1989, p. 150-153).
21 - PEREIRA, Joana Dias – Op. Cit., p. 155.
22 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 130-136.Analisando mais tarde as desinteligências provocadas peloscomunistas no seio da CGT, Manuel Joaquim de Sousa lem-brará que, na CGT, “Nem todos os militantes eram anar-quistas, mas todos eram revolucionários, antiparlamentaris-tas e pouco ou nada colaboracionistas mesmo no terrenoeconómico” e que “às primeiras manifestações do desviopreconcebido do PC em formação, respondeu a CGT com aNota Oficiosa […] e toda a organização respondia apoi-ando-a sem a menor restrição” (Manuel Joaquim de – Op.Cit., p. 159).
23 - A CGT enviou como observador ao Congresso da ISV osindicalista Perfeito de Carvalho. Manuel Joaquim de Sousanarra assim a história da delegação portuguesa ao Congres-so da ISV: “a CNT convidou a CGT a enviar à Rússia um de-legado para assistir ao Congresso da ISV e dando contaque de Espanha iriam 5 delegados. O Comité da CGT Portu-guesa ignorava que aquela delegação fosse ilegal e arbitrá-ria (Pleno de Lérida) e que o Pleno de Logronho da CNT adesautorizasse, desautorização confirmada, mais tarde pelaConferência de Saragoça. Aceitou como leal e bom o convi-te e nomeou Perfeito de Carvalho. Este, porém, devendoassistir ao Congresso da ISV, respeitando os princípios e de-cisões da organização portuguesa votados no Congresso deCoimbra, deveria, segundo prévio compromisso seu, elabo-rar uma brochura relatando as condições de vida do povorusso dentro do novo regime e sobretudo as do proletariado– relato baseado nas suas observações directas com o fimde elucidar o proletariado português. Não satisfez, porém,o compromisso. Na sua vinda a Portugal, Novembro de1921, limitou-se a dar explicações verbais e a traduzir osdiscursos pronunciados no Congresso da ISV – a que já nãopôde assistir, por ter chegado tarde – duma brochura dodelegado comunista francês, Rosmer. Investido dum man-dato da ISV, retirou de novo de Portugal, para voltar quan-do do Congresso da Covilhã ainda no desempenho deste úl-timo mandato, mas sem ter-se desempenhado do que lhefoi confiado pela CGT portuguesa.” (SOUSA, Manuel Joa-quim de – Op. Cit., p. 138-139).
24 - “Todas as organizações sindicalistas revolucionáriasque tomaram parte na conferência de Berlim de 1920 en-viaram representantes (com a excepção da FAUD)” (DAMI-
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camponeses e os organismos industriaispara a troca recíproca de produtos utilizáveis, as ferramentas e as matériasprimas, no país por intermédio da CGTe no mundo pela AIT”[35].
Entre os dias 23 e 27 de Setembrode 1925, realizase o 1º Congresso Confederal (4º Nacional) em Santarém,com a presença de 164 delegados, representando 113 sindicatos, 11 federações de indústria e 5 uniões de sindicatos. Manifestaram a sua adesão ao Congresso ainda 22 sindicatos que não puderam enviar delegados. A AIT foi representada neste congresso por Armando Borghi e a CNT de Espanha por Avelino Gonzalez e Segundo Blanco. OCongresso ratificou, sem polémica, aadesão à AIT[36].
A participação activa da CGT na actividade da Internacional prolongouseao longo da década de 20, com particular empenho de Manuel Joaquim deSousa. Em 1925, a CGT foi representadano 2º Congresso da AIT, em Amesterdão, por Manuel da Silva Campos. Em1926, Manuel Joaquim de Sousa foi odelegado da CGT à Conferência Internacional de Paris. Também em 1926,Manuel Joaquim de Sousa representoua AIT, juntamente com ArmandoBorghi, no Congresso de Marselha, daFederação de Grupos Anarquistas deLíngua Espanhola[37].
Apesar de não ter estado presentenas reuniões internacionais que conduziram à criação da Associação Internacional dos Trabalhadores, a organizaçãooperária portuguesa foi, desde cedo,uma forte apoiante da criação de umainternacional sindicalista revolucionária. A criação desta internacional integrava, para os sindicalistas revolucionários e anarcosindicalistas portugueses,um projecto de transformação social anível global, a levar a cabo pelas organizações sindicais revolucionárias. A partir de 192021, passou também a corresponder à necessidade de manter aconfederação sindical numa linha revolucionária e independente de qualquerformação política. Este último objectivo, tornouse premente face às tentativas de um sector do sindicalismo fascinado com a “ditadura do proletariado”na Rússia, entretanto organizado enquanto Partido Comunista Português(PCP), de subordinar a organizaçãoconfederal às directrizes do governobolchevique de Moscovo, tentando asua adesão à recémcriada Internacional Sindical Vermelha (ISV). Da mesmaforma, a federação das organizações revolucionárias do movimento operário,primeiro a nível ibérico e depois a nívelmundial, era um objectivo que vinha
sendo defendido, pelo menos desde1915, pelos militantes anarcosindicalistas portugueses.
R. Pereira
ER, V. - Anarchosyndicalism in the 20th Century. Ed-monton: Black Cat Press, 2009, p. 74).
25 - DAMIER, V. - Op. Cit., p. 78-79.
26 - A tese “Organização social sindicalista” preconizava aadesão “à Internacional que mais esteja de harmonia como ideal sindicalista revolucionário” (SOUSA, Manuel Joa-quim de – Op. Cit., p. 213).
27 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 143-144.
28 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 144-147.
29 - Estiveram representadas a FORA (Argentina), a USI(Itália), a FAUD (Alemanha), a secção chilena da IWW, aSAC (Suécia), a NSF (Noruega), a Syndikalistik Propagan-daforbund (Dinamarca), a NAS (Holanda), a CGT (Méxi-co). Os delegados da CNT (Espanha) foram detidos antesde chegarem a Berlim. O delegado da FORU (Uruguai)também chegou demasiado tarde para participar. Foramainda concedidos votos consultivos a organizações deFrança, Alemanha, Rússia e Checoslováquia (THORPE,Wayne – Op. Cit., p. 214-215).
30 - SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 148-149.
31 - RODRIGUES, Edgar – História do Movimento Anar-quista em Portugal, Piracicaba: Ateneu Diego Giménez,2010, p. 17.
32 - GARDNER, Jason – Creating Unity or Division? TheOrigins of the Federacion Anarquista Iberica. University ofSussex Journal of Contemporary History, 6 (2003), p.9. Segundo Jason Gardner, “só quando a Federação sindi-calista Ibérica se tornou uma impossibilidade, o processoda criação da FAI [Federação Anarquista Ibérica] começouseriamente a avançar” (p. 9). Criada em 1927, a Federa-ção Anarquista Ibérica correspondeu a uma “sentida ne-cessidade de unir o movimento libertário da Península Ibé-rica”, com vista, também, à revitalização do anarquismo edo sindicalismo em Espanha e Portugal (GARDNER, Jason– Op. Cit., p. 10).
33 - Jules Humbert Droz, enviado pela Internacional Co-munista a Portugal para organizar o PCP, escreverá em1923 no seu relatório: “O trabalho no seio da CGT a favorda Internacional Sindical Vermelha é feito pela minoriasindical que mantém as melhores relações com o partido eque concluiu com ele um pacto pelo qual o partido deixa àminoria sindical o cuidado de conduzir a acção no seio daCGT. Mas o partido impõe aos seus membros a obrigaçãode aderirem à minoria sindical. Reserva-se o direito de aípropor e defender o seu ponto de vista e conserva o direi-to de formar em todos os sindicatos os seus núcleos comu-nistas que apoiarão a acção da minoria e farão propagan-da comunista. O partido é o braço direito da minoria sindi-cal e a sua acção é muito importante para a conquista daCGT”. E afirma ainda, Humbert Droz, acerca da “minoriasindical”: “Organizei-a no mês de Agosto e ela já fez umtrabalho interessante. […] A maioria sindicalista está emplena crise; o secretariado queria aplicar sanções à mino-ria; foi reprovado pelo conselho e teve de se demitir. Foinomeado um novo secretariado que tolera a minoria, maseste incidente provocou lutas muito vivas no seio da maio-ria, lutas individuais e de prestígio que aproveitarão aosnossos amigos”. Citado por OLIVEIRA, César – O PrimeiroCongresso do Partido Comunista Português, p. 94-96.
34 SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 154
35 SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 157
36 SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 161-162
37 SOUSA, Manuel Joaquim de – Op. Cit., p. 189
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Ocongresso de fundação da internacional sindicalista revolucionária AIT, na viragem dos anos
19221923, realizouse num contexto degrandes convulsões. A Primeira GuerraMundial tinha terminado poucos anosantes, sendo imediatamente seguida poramplos movimentos revolucionários emvários países, que estabeleceram tendências duradouras na história mundial.
Durante a guerra, a internacionalsocialdemocrata entrou em colapso eos partidos a ela filiados atiraram o seuinternacionalismo pela borda fora. Soba liderança do seu secretáriogeral belgaEmilie Vandervelde, deram apoio activoà guerra em nome dos seus países. A internacional sindical reformista tambémentrou em colapso mais ou menos namesma altura.
Após o fim da Guerra, iniciaramsetentativas para reconstruir as organizações internacionais. A Internacional Comunista organizou um congresso emMoscovo em 1919, como continuação dachamada Internacional de Zimmerwald,que tinha sido estabelecida já durante aguerra. A internacional sindical reformista foi restabelecida no mesmo anonum congresso em Amesterdão. A internacional social democrata foi formada em 1921 num congresso realizado emViena, tendo o austríaco Fridrich Adlercomo o seu principal promotor. Esta organização fundiuse com a outra internacional social democrata em 1923.
Por iniciativa dos comunistas, umcongresso realizado em Moscovo em1921 criou a chamada InternacionalSindical Vermelha. Esta organizaçãodesenvolveu grandes esforços para queos sindicalistas aderissem à mesma,mas as organizações sindicalistas revolucionárias recusaram, por não estaremdispostas a envolverse numa internacional sindical liderada por um movimento político, neste caso os comunistas.
Entre os dias 25 de Dezembro de1922 e 2 de Janeiro de 1923, delegadosde 10 países, representando cerca dedois milhões de trabalhadores organizados, realizaram um Congresso em Berlim. Foi neste congresso que a internacional sindicalista revolucionária AITfoi fundada.
O congresso não conseguiu trabalharsem ser vítima de perturbações. Era necessário ter cuidado, uma vez que alguns delegados haviam chegado ali deforma ilegal, sem o conhecimento da
polícia. O primeiro dia do congresso teve lugar num edifício nos arrabaldes deBerlim. O plano era continuar o congresso no dia seguinte num outro lugarmas, devido à vigilância policial, foi dada uma mensagem secreta aos delegados para que se encontrassem num terceiro lugar, em NiederSchönweide, outra área de Berlim. Durante a tarde, ostrabalhos prosseguiram normalmenteaté que uma patrulha da polícia irrompeu subitamente pelo edifício exigindoos documentos de identificação dos delegados. Os companheiros alemães protestaram vigorosamente e exigiram quea polícia mostrasse provas de que tinhamandato para aquela acção. A patrulhapolicial não possuía tais documentos,pelo que se retirou, deixando dois polícias no local a vigiar. Os delegados aocongresso afluíram então para a porta,saíram para a rua, afastaram os políciase desapareceram.
O congresso reuniuse de novo nodia seguinte, desta vez perto de Alexanderplatz no centro de Berlim, não muitolonge da sede da polícia.
Neste edifício, o congresso prosseguiu sem interrupções durante algunsdias. Mas num dia, antes do meiodiateve lugar um novo ataque policial. Todo o edifício foi cercado por políciascom espingardas e com revólveres egranadas nos cintos. Forçaram a suapassagem para a sala da reunião, ondeos delegados levantaram grande alvoroço e protestaram fortemente. Um delegado que carecia dos documentos ne
cessários saltou pela janela, mas foiapanhado pela polícia no exterior. Umdelegado polaco que também não tinhapapéis resistiu à polícia, mas foi postofora de combate. Uma delegada francesa avançou então e desferiu um soco nacara de um polícia com o punho cerrado. Foi detida e transportada com outros companheiros para a prisão emMoabit. Todos os delegados foram revistados minuciosamente. Entre elesestava Emil Manus, que representava aDinamarca e a Noruega, e EdvindLindstam e Frans Severin, que representavam a SAC da Suécia. Também estiveram presentes outros dois membrosda SAC, não como delegados, mas a título individual, passando por Berlim acaminho de Paris. Eram os autores,mais tarde famosos, Eyvind Johnsson eViktor Vinde, o último dos quais se tornaria editor do jornal Stockholmstidningen.
Após tudo isto, a polícia abandonoua reunião e o congresso prosseguiu. Criou a Associação Internacional dos Trabalhadores. A Internacional sindicalistarevolucionária continuou a funcionardurante a Segunda Guerra Mundial, enquanto as outras internacionais colapsaram, e prossegue a sua actividade nosdias de hoje.
John Andersson(“Solidaritet”, Ago.Set. 1959)
Texto traduzido a partir da versão inglesapublicada em: http: //www.iwa-ait.org/
Há noventa anos: o congresso de fundação da AITé interrompido duas vezes pela polícia alemã
Alguns participantes do Congresso de fundação da AIT, em Berl im, Dezembro de 1 922
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Podem falarnos um pouco davossa organização? Como começou a KRAS? Estiveram envolvidos em conflitos laborais? Comodescreveriam o panorama geralda classe trabalhadora na Rússianos dias de hoje?
A nossa organização surgiu de formagradual nos anos de 19911995. A suacriação resultou de alguma clarificaçãode posições no seio do movimento libertário na Rússia. É claro que a tradiçãoanarquista na Rússia foi destruída durante a ditadura “vermelha” e, após oressurgimento do movimento no finaldos anos 80, prevaleceram posiçõesmuito estranhas: de tal forma que, nachamada “Confederação de AnarcoSindicalistas” (apesar do seu nome, era antes uma federação anarquista generalista), predominavam conceitos de “socialismo libertário de mercado”, e tambémexistiam algumas ideias confusas comoo “anarcocapitalismo”, etc. Apesar disso, criámos uma corrente anarcocomunista (a Iniciativa de Anarquistas Revolucionários, IREAN, em 1991 e a Federação de Anarquistas Revolucionários,FRAN, em 1992) e reorientámonos para a Associação Internacional dos trabalhadores, a única organização internacional que tem por finalidade o comunismo libertário (a tendência próAIT existiu na IREAN e na FRAN desde 1992). AKRAS foi oficialmente fundada em 1995e em 1996 aderimos enquanto secção à
Internacional.Há que dizer que a fundação da
KRAS ocorreu em condições muito adversas. Foi o período do crash económico, da atomização quase total da sociedade e da prevalência da passividadesocial. Os trabalhadores dedicaramse àsobrevivência individual e praticamentenão ofereceram resistência às reformasselvagens dos mercados. Quaisquer tentativas de protesto estavam sob o controlo rígido da burocracia sindical, quedeclarou abertamente que o seu objectivo era manter o protesto dentro de “limites civilizados”.
É claro que, nesta situação, a nossaorganização apenas poderia ser uma pequena associação de militantes activos,envolvidos principalmente em actividades de propaganda como a publicaçãodo jornal “Acção Directa”, organizaçãode comícios de rua, distribuição de panfletos informativos sobre os princípios etácticas do anarcosindicalismo e naagitação dirigida à constituição de sindicatos anarcosindicalistas. De início,faziam parte da KRASAIT grupos deMoscovo e de Baykalsk (cidade na Sibéria), assim como um grupo da cidadebielorussa de Gomel. Em Moscovo, tínhamos uma pequena célula num centro de informação, que tentou protegero interesse dos trabalhadores, mas logoos seus membros tiveram de abandonaro seu local de trabalho. Em Baykalsk, osnossos companheiros foram os promo
tores do sindicato local dos trabalhadores da indústria da pasta de papel. Organizaram uma greve, mas sofreramuma derrota e depois o grupo foi esmagado. Quanto ao grupo de Gomel, evoluiu gradualmente para uma espécie deanarquismo mais geral. Desta forma, nofinal da década de noventa, o nossogrupo de Moscovo ficou sozinho, apesarda existência de membros individuaisnoutras cidades.
Apesar de não termos a possibilidade de organizar greves, participámosactivamente no apoio a outros trabalhadores em greve. Os activistas da organização de Moscovo da KRASAIT deramapoio e assistência técnica a alguns movimentos grevistas, por exemplo: dosprofessores na região de Moscovo(1999), dos trabalhadores da fábrica“Rostselmash” (em Rostov do Don), deuma fábrica de maquinaria em Yasnogorsk (1999) (onde a greve foi levada acabo por assembleias dos trabalhadores), dos trabalhadores da construçãoem Moscovo (1999), dos trabalhadoresda Ford (2007) e de trabalhadores daloja “Detsky Mir” em Khimki, um subúrbio de Moscovo (2009). Ao apoiarem estas greves, os membros daKRASAIT tentaram partilhar com ostrabalhadores as ideias e tácticas anarcosindicalistas.
Os membros da KRASAIT forammuito activos na propaganda antimilitarista. Participaram em acções contraas guerras da Chechénia, contra a guerra na Ossétia do Sul (2008) e em outrasacções antiguerra. Participamos activamente em manifestações, piquetes eoutras acções de protesto, promovendoexperiências, métodos e ideias do anarcosindicalismo. Desde o fim de 2008,os activistas da KRASAIT têm vindo aorganizar acções contra o aumento depreços.
No entanto, as nossas possibilidadessão claramente limitadas. Têm um limite objectivo: a grande passividade socialda classe trabalhadora na Rússia, o seubaixo nível de preparação para a resistência e para a luta pelos seus própriosdireitos. Mesmo nas actuais condiçõesde severa recessão económica, de falhasde produção, de despedimentos massivos e deterioração das condições de trabalho, praticamente não existem movimentos grevistas.
EntrevistaKRAS - secção russa da AIT
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Como descreveriam a situaçãopolítica na Rússia de hoje? Quaissão as bases sociais e de classe doactual sistema político russo e navossa opinião, para onde se dirige?
O regime político pode ser descritocomo autoritário. Formalmente, as instituições da democracia representativafuncionam e existe um sistema representativo. Mas, na verdade, o poder estánas mãos de um reduzido círculo depessoas próximas do actual primeiroministro Putin. Por um lado, ele inclinase contra o apoio dos principais grupos económicos da oligarquia e das forças repressivas. Por outro, as pessoaspertencentes ao grupo político dominante também criaram o seu própriogrupo económico. Há lutas periódicaspela repartição da propriedade entre todos esses grupos e corporações (e elescontrolam quase toda a economia nacional e também, na realidade, o que sobra do sector público).
O clima geral político piorou também no quadro da política de "combateao extremismo". As manifestações e oscomícios de rua (mesmo os legais) sãomuitas vezes dispersados. As autoridades organizam processos contra antifascistas e contra as vítimas de abusos dapolícia, acusadas de "resistência". Hácasos de assassinatos políticos: as vítimas são activistas antifascistas e representantes da oposição pública.
Como é a situação social geralna Rússia de hoje? O que se manteve do anterior sistema comunista? E o que mudou mais desdeentão? Como é que as pessoas geralmente se sentem relativamente à transição do capitalismo deEstado para o capitalismo depropriedade privada e como issoos afectou?
Em termos gerais, nos anos 90, deuse uma transição do capitalismo de Estado para o capitalismo oligárquico. Foiacompanhada pela destruição dos elementos de "Estado social" que existiamna "União Soviética". Agora, há uma asfixia gradual dos sistemas de educaçãoe de saúde gratuitos. Foi introduzidauma reforma das pensões, com base nacapitalização de pensões. Muitos dosapoios para pessoas idosas foram cancelados. O sistema progressivo de impostos foi abolido: agora tanto os bilionários como os trabalhadores pagamuma taxa de 13% sobre os rendimentos.
A acentuada queda do padrão de vida dos trabalhadores ocorreu nos anos90 após a introdução de preços de mercado. As pessoas sobreviveram à custa
de pequenos jardins e hortas que muitasfamílias das cidades têm nas aldeias. Osespecialistas consideram que só por estarazão não houve fome em massa. Apesar de no início dos anos 2000 a posiçãode algumas categorias de trabalhadorester melhorado um pouco (o aumentodos preços do petróleo a nível mundiallevou a um crescimento económico), asituação geral continua muito pesada.Os salários na Rússia são os mais baixosda Europa, embora os preços sejamcomparáveis ao nível europeu.
A situação piorou ainda mais devidoà crise económica actual. O volume deprodução na Rússia caiu para 16% durante os primeiros 9 meses de 2009. Onúmero oficial de desempregados é demais de 2 milhões, mas se usarmos oscritérios da Organização Internacionaldo Trabalho é de 67 milhões e, até o final do ano [de 2009], esperase quase10 milhões de desempregados. De acordo com o Ministério da Saúde e do Desenvolvimento Social, desde o início dacrise cerca de 700 mil pessoas foramdespedidas. Muitas centenas de milhares de pessoas foram colocadas em horários reduzidos de trabalho com oscorrespondentes cortes nos salários.
Por detrás destes números frugaisescondemse pessoas reais, destinos reais. Para eles é a depressão, a falta demeios de subsistência, a inutilidade e odesespero. A doença, o suicídio, o alcoolismo... Muitas pessoas não têm dinheiro para medicamentos: o seu consumona Rússia caiu para um mínimo de 9%.
Os patrões utilizam a crise comopretexto para mais ataques contra ostrabalhadores: redução de salários eagravamento das condições de trabalho.Crise é negócio.
Infelizmente, ao contrário do quesucede em muitos outros países, a população reage à crise sobretudo de forma passiva. A reacção às reformas demercado dos anos 90 foi também basicamente passiva. A destruição do velhomodelo deixou atrás de si uma profundafrustração. As pessoas comportamsecomo egoístas, muitas vezes tentandosobreviver à custa dos outros.
Agora, quase nunca acontecem greves e já não há acções radicais, como aocupação de fábricas ou as greves de solidariedade. Como é óbvio, os dados oficiais que registam uma só greve no primeiro semestre do ano, envolvendo 10pessoas, são uma mentira. Mas mesmoas estatísticas de organizações em princípio favoráveis à acção dos trabalhadores caracterizamse pela decepção: foram registadas apenas algumas pequenas "disputas laborais".
As autoridades, a oposição e os sin
dicatos burocráticos agem conjuntamente para tentar evitar qualquer protesto social. Os sindicatos oficiais e "alternativos" pregam a "paz social" e acolaboração de classes, preferindo apelar ao envolvimento do Estado parauma "reestruturação". Todas as tentativas de autoorganização da luta dostrabalhadores são extremamente pequenas e têm sido brutalmente reprimidas. Tivemos informações de váriasfábricas e empresas onde foram despedidos activistas que estavam a tentarformar sindicatos independentes. Houve casos repetidos de ataques físicos directos contra sindicalistas. Num dessesataques foram, alegadamente, encontradas drogas, motivo pelo qual um sindicalista está preso.
Infelizmente, é possível afirmar queuma década e meia de reformas demercado não conduziu a um crescimento do conteúdo socialrevolucionário do protesto contra o capitalismo,mas sim ao crescimento do nacionalismo nas suas mais diversas formas. E aluta contra este nacionalismo é, paranós, uma tarefa importante.
Como descreveriam a relaçãoentre a KRAS e as restantes secções da AIT? O que é que consideram positivo nessa relação e oque acham que poderia ser melhorado? A KRAS, como a AITSP,é mais ou menos um grupo depropaganda anarcosindicalista.Como vêem a relação entre osgrupos de propaganda e os sindicatos anarcosindicalista já estabelecidos na AIT?
A nossa organização está na AITdesde 1996. Mantemos relações comoutras secções da Internacional, emboracom diferentes níveis de intensidadereal. Estamos em contacto com menorou maior regularidade com secções como a FORA, a AITSP, a CNTAIT (F), aNSF, a ZSP, a PA e também com companheiros checos. Mas queremos desenvolver relações também com as outras secções. Genericamente, temosuma posição determinada no seio domovimento anarcosindicalista, quepode ser descrita como "forista". Talcomo a FORA argentina, nós consideramonos uma organização "finalista",que tenta juntar as funções de um sindicato com as de uma organização ideológica. Assim sendo, não estamosabertos a "todos os trabalhadores, independentemente de seus pontos devista", mas estamos abertos apenas atrabalhadores que compartilhem o objectivo do comunismo libertário.
Mas isto não quer dizer que agora
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devamos trabalhar, basicamente,como uma organização de propaganda. Neste momento, não podemos criar qualquer célula numa empresa ou estabelecimento, não porque não queiramos, mas devido à situação real do movimento operáriona Rússia. E não pensamos que, porquestão de princípios, devam existirquaisquer problemas entre gruposde propaganda anarcosindicalista eorganizações que funcionam comoverdadeiros sindicatos. A diferençaentre estes dois tipos de organizações pertence à esfera da dimensão edas possibilidades e não à esfera daobservância mais "estrita" ou mais"indulgente" para com os princípios.Mas é importante não procurar ocrescimento das fileiras dos sindicatos a qualquer custo, em detrimentoda qualidade e convicção dos membros. Não estamos a dizer que todosos membros de um sindicato anarcosindicalista devam necessariamente considerarse subjectivamente como anarquistas. O anarquismonão é uma doutrina de gabinete.Muito mais importante é que osmembros actuem como anarquistas,do que se intitularem anarquistaspara depois agirem como autoritários. Mas é necessário que procuremalcançar ambos os objectivos doanarcosindicalismo: lutando tantopor melhorias materiais imediatas,como por uma sociedade livre baseada no comunismo libertário. Casocontrário, isto não seria anarcosindicalismo, mas apenas um tipo desindicalismo um pouco mais radical.Porque o anarcosindicalismo é acorrente anarquista no seio do movimento dos trabalhadores, não havendo nele lugar para antianarquis
tas, tais como membros de partidospolíticos, etc.
Quais são as vossas perspectivas para o futuro da AIT edo anarcosindicalismo?
Como é claro, esperamos o melhor. Especialmente agora, nesta situação em que os sindicatos burocráticos não podem nem queremdefender os interesses e direitos dostrabalhadores e começa a haver espaço livre para o desenvolvimentode uma alternativa. Mas o renascimento do anarcosindicalismo não éum processo automático. Temos delevar em conta factores como a atomização social, a desintegração dacultura tradicional do trabalho, asatitudes individualistas e a frustração geral. Nesta situação, para anossa Internacional e para as suassecções, uma coisa permanece: trabalhar duro para os nossos objectivos e finalidades, procurando atingiro máximo. E, em primeiro lugar, éimportante fortalecer as relaçõesentre as organizações anarcosindicalistas de diferentes regiões, demodo a que, mais cedo ou mais tarde, possamos ser capazes de conduzir uma verdadeira luta de classes anível internacional. Quando virmosuma verdadeira greve de solidariedade internacional entre trabalhadores, organizada pelos anarcosindicalistas, estaremos em situação depoder afirmar que as perspectivasfuturas da nossa AIT são as melhores de toda a metade do século passado.- - - - - - - - - - - - - - - - - - - -* Entrevista realizada no final de 2009.
Faro: Sotavento, 2011, 380 p.«E se o regicídio de 1908 tivesse sidolevado avante por anarquistas e não porrepublicanos? E se o 5 de Outubro de 1910também tiver, no essencial, sido feito poranarquistas intervencionistas que prescindiram da orientação de chefes republicanos prematuramente desactivados comoMiguel Bombarda ou Cândido dos Reis? Ese, uma vez implantada a República, assuas principais vítimas tiverem sido osanarquistas e os trabalhadores perseguidos e não os monárquicos ou os católicosque, sob o disfarce ideológico, faziam parte ao fim e ao cabo da mesma classe burguesa que os republicanos? E se um dosmaiores inimigos dos anarquistas tiver sido um republicano “de esquerda”, AfonsoCosta, chefe do Partido Democrático ecognominado “o RachaSindicalistas”? Ese, em resposta à repressão brutal da greve geral de 1918 e da ocupação de terrasno Alentejo, o homem que matou SidónioPais também tiver sido um anarquista,como aliás os restantes companheiros envolvidos no movimento? E se, já implantado o regime fascista, o único movimentoproletário que se lhe opôs – o 18 de Janeiro de 1934 – também tiver sido de matriz e inspiração libertárias e anarcosindicalistas, aliás como o atentado de 1937contra Salazar? E se, enfim, a nível peninsular, tanto português quanto espanhol,aquilo que é autenticamente ibérico e revolucionário for o anarquismo e, muitoespecialmente, o anarcosindicalismo?»
Pedidos para:Edições SotaventoApartado 5 / 8001 -901 Faro
O regicídio, o 5 de Outubrode 1910, a I RepúblicaPortuguesa e a intervençãoanarquistade Júlio Carrapato
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Saint Imier– Encontro Internacional AnarquistaDe 8 a 12 de Agosto de 2012 teve lugar em Saint Imier, na Suíça, o maior Encontro Internacional Anarquista das últimas décadas. Mais de 3.000 participantes comemoraram os 140anos do Congresso de St. Imier que marcou a criação da Iª Internacional Antiautoritária em1872, categoricamente posicionada contra as ideias centralistas e autoritárias de Karl Marxe que viria a dar mais tarde origem à AIT.
No âmbito do Encontro realizouse o 9º Congresso da IFA (Internacional das Federações
Anarquistas), no qual participaram naqualidade de observadores ou convidados várias secções da AIT a secçãoportuguesa esteve presente como convidada com o objectivo de fortalecer asideias e práticas anarquistas e promovera cooperação entre as organizações.Congresso da IFA
A IFA reúne federações provenientesde várias partes do mundo: FederaçãoAnarquista Francesa, Federação Anarquista Ibérica, Federação AnarquistaItaliana, entre outras. Neste congressoparticiparam também a CNT e secçõesda AIT em algumas sessões abertas domesmo. Destacamos aqui a sessão ondefoi apresentada uma análise da criseeconómica e social actual, que, abordada também de um ponto de vista técnico e especializado, procurou tornar claro para os presentes os meandros dosmecanismos financeiros, económicos epolíticos da crise habitualmente escondidos debaixo da capa do “difícil e do“complicado”, só acessível a especialistas. Estes conhecimentos permitemconceber de forma mais esclarecidaprojectos de economia autogerida, assim como podem ajudar na concretização efectiva dos mesmos, na medida emque procuramos destruir o modelo capitalista ou, pelo menos, provocarlhe duros golpes e criar alternativas económicas autogeridas e efectivamente solidárias. Outra sessão que gostaríamos dedestacar, pela importância e actualidadedo tema, diz respeito à relação entre Geografia e Anarquismo na perspetiva deÉlisée Reclus, o geógrafo anarquista.Nesta sessão apresentouse e discutiuse sobre a actualidade e importância daconcepção e métodos de E. Reclus aplicados ao estudo da geografia social, salientando o papel da experiência e daprática da geografia para a compreensão dos problemas sociais de forma apodermos criar modelos alternativos à
sociedade de classes e estatista. Aindanesta sessão foram apresentadas váriasiniciativas no campo do comunalismo(comunas rurais e urbanas em França)e federalismo. Fizemos a feliz constatação que essas iniciativas são realizadase consolidadas por anarquistas bastantejovens que simultaneamente empreendem lutas nos campos e nas cidades.
Paralelamente a este programa oficial do congresso da IFA, as secções (espanhola, portuguesa e polaca) da AITrealizaram duas reuniões de trabalhocom os grupos anarcosindicalistas(ASB da Holanda, IASR da Roménia eMASA da Croácia). Estes grupos levama cabo nos respectivos países acções depropaganda anarcosindicalista assimcomo acções de luta com os trabalhadores e desempregados. Participam também em acções de solidariedade internacional tendo como um dos seus objectivos tornaremse secções da AIT.Desta forma os assuntos abordadosnestas reuniões de trabalho incidiramsobre estratégias de organização e consolidação destes grupos; estratégias deimplementação e desenvolvimento dasideias e práticas anarcosindicalistas;
reforço da aproximação e cooperaçãoentre as secções já existentes da AIT assim como com os grupos em fase deformação. Foi assim levada a cabo umatroca de experiências e práticas bastanteenriquecedora que nos deu conta dasdiferentes realidades e circunstânciasde cada país, muitas vezes bastantehostis à apresentação e divulgação dasideias anarcosindicalistas como nosrelataram os companheiros da Roméniae da Croácia.Encontro Internacional deAnarquistas
O primeiro lugar para o qual todosse dirigiam era o centro cultural libertário autogerido Espace Noir, que pôs àdisposição a única sala de cinema da cidade, uma sala de conferências, umataberna, uma galeria de arte e uma biblioteca. Foi também o centro de emissão da Rádio Libertaire, durante os diasem que decorreu o Encontro. Na entrada do espaço havia uma mesa redondacontendo informações diversas: mapasda cidade, informações turísticas, panfletos e centenas de programas. O programa continha um pequeno mapa a
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indicar os locais e as actividades aserem realizadas bem como os respectivos horários. Apresentava também informações acerca do alojamento e logística, onde se destacavam a existência de um parque decampismo, um espaço infantil e duas cozinhas autogeridas por companheiros alemães e holandeses quepreparavam refeições veganas, paraas quais cada um contribuía segundo as suas possibilidades.
No total, havia oito centros deactividades e dois espaços de cinema. Sale du Dojo, para a realizaçãode workshops; Salle St. Georges, onde se realizou o 9º Congresso IFA;Tente Anarkismo, que pertencia aoanarkismo.net; Espace Noir, pontode informação, concertos e projecção de filmes; Mémoires d’ici, eraprincipalmente um ponto de leitura;Salle de spectacle et Salle du Conseil, um espaço muito grande para arealização de conferências, reuniões,debates e encontros; Patinoire, dedicado à Feira do Livro e, por fim, oCentre de Culture et Loisir et Musée,onde era possível visitar a exposiçãointitulada “Revolução Espanhola193639”, com cartazes, revistas eoutros testemunhos pertencentes aomovimento anarquista daquele período.
Sendo assim, tivemos a oportunidade de participar activamente emvárias conferências e debates, quena maioria foram traduzidos espontaneamente por voluntários. De destacar a participação de alguns membros do SOV do Porto da AITSP naconferência sobre o sindicalismo debase, onde participaram tambémoutras organizações. O SOV/AITPorto partilhou assim a sua experiência apresentando os seus objectivos e aspirações, as acções levadas acabo no seio da classe trabalhadorae desempregada, estratégias utilizadas, não deixando de partilhar também os reveses e experiências menos boas, pois este SOV encontraseainda em fase embrionária. De salientar também outras conferênciascomo a de M. Pinto sobre a criseeconómica, a de Alexandre Samissobre o Neno Vasco e o anarquismointernacionalista no Brasil e Portugal, sendo esta apresentada com oapoio do nosso companheiro doSov/AITPorto. No que respeita àtemática da educação anarquista, oscolectivos Terra Libre, AtivismoABC e Grupo de Estudios DomingoG. Rojas levaram a cabo a conferência sobre Práticas contemporâneas
de educação anarquista. F. Mintzapresentou um tema polémico masactual e muito pertinente na conferência: A questão do voto sindical(proporcional) ao longo da históriada AIT e noutras organizações anarcosindicalistas actuais. Também aactual situação da Grécia e as lutassociais que aí têm palco deram lugara um tema de conferência, por R.Dreis assim como por A. Jappe Acrise mundial e a sociedade de mercado; entre outras. Em cada diahouve projecção de filmes, a mencionar “Memória Subversiva” de JoséTavares e várias curtametragensinteressantíssimas realizadas pelaProductora de Comunicación Social,uma organização de propagandaanarquista dedicada à difusão dasideias e práticas libertárias do Chile.Os filmes e documentários apresentados versaram sobre uma diversidade de temas como: Utopia, Revolução Espanhola, Militância Anarquista, Sexualidade, Poder e Autoridade, entre outros.
A caminhada ou a trilha pedestrefoi também contemplada no programa deste Encontro. Assim foi realizado um percurso a pé designadopor “No rastro da Federação do Jura…”, através do qual conhecemosespaços físicos emblemáticos comoo Hotel da vila em St. Imier, o Caférestaurante de la Balance e o café laClef em Sonvillier bem como informações sobre a formação da Federação Anarquista do Jura e do contributo de Bakunine, na medida emque ele esteve exilado na Suíça e viveu em Sonvillier durante algumtempo.
À noite, nos momentos maisdescontraídos, companheiros ecompanheiras dos cinco continentesjuntavamse para acompanhar a Associação Cultural Voci di Mezzo,cantando em conjunto canções libertárias num momento de convivência e partilha profunda dos nossos ideais.
Saudamos os esforços individuais e colectivos que tornaram possível este encontro, que é a prova inquestionável de que hoje em dia oanarquismo continua a ser, não sóuma política e uma ideologia mastambém uma prática e uma formade ser e agir cada vez mais imprescindível.
Anita N.Lena
Existe crise? Não! É apenas o sistema deeconomia de mercado, associado a umagrande falta de fraternidade, em pleno vigore com a bênção da sociedade que continua aapostar e apoiar a sua própria miséria esubserviência.
A classe média só agora sentiu que existea “crise”, e graças a ela se socializou essapalavra, porque só desde 2008 deixou de terpoder de compra para manter ou adquirirobjectos e modos de vida. Enquanto houvedécadas em que uma camada enorme dapopulação vivia no limiar da pobreza, essaclasse média brindava a essa situação e noNatal, lá dava uma esmola aos indigentes,para limpar a sua consciência. (Caridadenão é solidariedade).
Esta “crise” não é nenhuma fatalidade.Tal como não é o empréstimo a juros altos eprazos curtos (em vez de ser pago conformeo crescimento económico) por parte datroika. Esta crise não é nenhuma fatalidade,porque é nada mais nada menos que o capitalismo em marcha e a consequência de políticas antisociais. É óbvio a qualquer pessoa que sem salários altos, não se consome,como tal, não se produz e então não se emprega nem se pode pagar salários altos.Simples. Mas para beneficiar uns quantosamigos e famílias (políticas, maçónicas…),tem que se passar a conta a quem produz,para pagar os lucros das Parcerias PúblicoPrivadas (PPP), concessões, salários de gestores públicos, tecnocratas e afins, reformaspor inteiro de políticos (político é profissão?)…
Falamos dos impostos altos e que continuam a subir, para alimentar a máquina doEstado e a banca, mas ninguém questionaaonde é gasto esse dinheiro, pois o acessoaos direitos fundamentais e previstos naconstituição da República Portuguesa, talcomo saúde, educação, habitação, justiça… écada vez mais limitado e precário.
E andamos a pagar a dívida de quem?Nossa? Ou de quem a fez? De bancos e deuma ilha? Que pague quem a fez. Não é?Porque nunca mais se falou da Islândia?Que em referendo, decidiu não pagar a dívida dos outros e está a recuperar economicamente, sem nunca ter metido o garfo nasquestões sociais. Aqui no mediterrâneopõem o garfo, a faca, e o pior de tudo: nós
Crise?Há aqueles que lutam um dia;e por isso são muito bons;Há aqueles que lutam muitos dias;e por isso são muito bons;Há aqueles que lutam anos;e são melhores ainda;Porém há aqueles que lutam toda a vida;esses são os imprescindíveis. Bertolt Brecht
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agradecemos! Se a razão da nossa austeridade (que não é para todos) são os mercados, acabemse com os mercados! O meumercado é o da Ribeira, em Lisboa, essesim é que é um feliz mercado: do produtorao consumidor!
Os governos que governaram a regiãoportuguesa, nunca enganaram o povo, nemnunca governaram mal. O povo é que andailudido. Porque esperar justiça social e tributária de quem vive às custas do laboralheio, é o mesmo que querer cozer batatasnuma frigideira com óleo quente! Os media, na mão de grandes monopólios também contribuem para a desinformação eestupidificação, sendo uma boa arma dealienação de massas, onde os fabricantes deopinião, não hesitam em dar soluções paraesta “crise” e as causas dela, e o pior de tudo: os espectadores aplaudem! E aindavendem (e é um bestseller) que antes dacrise é que se vendia bem… A falta de memória dos portugueses está a enterrálosvivos. Tal como a grande arma do Estado edo capital é o conformismo geral, que é criado através da ignorância e do medo!
Que resposta dar a esta “crise”?Podia aqui afirmar: acabar com as PPP,
gestores públicos, zona franca da Madeira(80% das empresas são uma caixa de apartado), cobrar nas transacções na bolsa e asmais valias, cobrar a riqueza, etc. e investirmais no ensino (estilo escola oficina nº1,Ferrer …), na agricultura (rasgar a políticaagrícola comum), pescas (cagar na políticade pescas comum), e por aí fora… até a população se emancipar através da autogestão generalizada e do colectivismo consciente! Mas parece que as pessoas preferemcontinuar o canibalismo quotidiano e aapoiar a miséria terrorista no qual elas sãocriadoras e vítimas! Também não acreditoque se forme um governo (se sabes governarte, não deixes que te governem) constituído por mestres da ciência, mundo artístico, medicina, desporto, humanistas… Como tal, vejo como boas alternativas quenos podem levar mais além experiênciasde hortas urbanas, sistema trocal, banco dehoras, cooperativas de produtores e consumidores, o “do it yourself” e a economiaparalela, okupações e demais projectossaudáveis, para além de continuar a contestação (e informação/consciencializaçãosobre a situação actual) a esta “crise” pelasmais variadas e criativas formas de agitação social, nunca deixando de parte a autodefesa da liberdade, igualdade e fraternidade contra qualquer tipo e forma de patologia autoritária e exploração vil!
O medo de ser livre provoca o orgulhode ser escravo! Nenhuma agressão semresposta!
SkalgesOutono de 2012
Entre Esquerdas e Direitas
Socialmente aglomerados empatamares e castas (como vinhas),as pilhas alimentam uma máquinaburguesa pobre de essência e autista:não se apercebe como só se representaa si mesma na democracia do capital ena paz da NATO, paraíso fortificado.Qual Primeiro de Maio, qual crisemundial, qual luta mundial dostrabalhadores,a não ser a luta das contas pagas e dacomida na mesa, quando o dinheiro opermite?!Que escravatura tentam prometer?A educação para o consumo das novastecnologias?A vida da TV e do tóxico PC?Quem paga a fibra óptica para o bemdos herdeiros do golpe de Abril 74?(E que grande golpe, os fachos estão cátodos e mais organizados, ademocracia é o que se vê e sente,os ricos mais ricos, os pobres maispobres e os iludidos mais endividados)A nova burguesia e a tecnologia jádominam o mercado e as guerras depoder económico!O betão é um albergue para o plasma euma carapaça para a fibra!Comprar e vender imagem luz nummundo artificial e cinzento,iluminado pela tecnologia do paládio egládio...e do cobre e do ouro ...e da luz LED...e pelo brilho do plasma e o consumodo índio...tudo na defesa hipócrita do ambiente eda sociedade de centro e periferia,animada pela caridade contemporâneacom mofo de outros regimestotalitários e democráticos.Lutas laborais ou corporativas, grevegeral?Que horror! Tudo parado, sem cafénem hiper, qual jumbo qual mini!
A todo o preço nada pára!...A pilha tem de animar os "coelhinhoslet`s play do capital":de guerreiros a gestores, governos,governados, qual goiabada.A autonomia e estímulo dascapacidades do indivíduoé pedida em sacrifício do objectivoparasita e unilateral da ilusóriaimagem do colectivo.Estímulos e sentimentos confundemse na roda alternativa.Só conta o jogo da aparência e dobrilho barroco da tecnologiae do consumo de produtos préfabricados testados,indutores de padrões sociais eestéticos que existem apenas nosmedia e nos derivados,também eles produtos rentáveisindispensáveis à afirmação do Estadoe da burguesia...E viva o negócio da cafeína!!Nem só com amoras se pensa emcultura...Mas educar para autonomia é maisum cliché que fica bem no estudo deimpacto de novos processos docapitalismo e da burguesia seadaptarem para o controlo da massade pilhas aglomeradas em periferiasgeridas e assistidas a fim de manteremo centro no centro.Os Burgueses de Calais*, mesmo comimagem de "pobres" são os Burguesesde Calais!!!E qual é a burguesia que não segoverna?As lutas dos sindicalistas não são paraa burguesia comprar ou assimilar,são factos do passado que lembramque o futuro pode ter muitos cenáriose nenhum é garantido!
2009MH* Obra do escultor Auguste Rodin - Paris, 12 de Novembrode 1840 - Meudon, 17 de Novembro de 1917
O que é a AIT-SP?O que é a AIT?
A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) éuma organização anarco-sindicalista, constituída pororganizações activas em diferentes partes do mundo,que se organizam em federações locais, regionais enacionais, e finalmente internacionais (a AIT), sem lí-deres nem hierarquias, sem burocracias ou centralis-mo. As lutas locais são internacionalizadas através daacção concertada e solidária de todas as secções.
O que é a Secção Portuguesa da AIT?
A AIT-SP, Secção Portuguesa da AIT, organiza-se emnúcleos locais, sindicatos de ofícios vários e de ramoe em secções sindicais nas empresas. Apoiamos, deforma activa e solidária, todas as iniciativas popularesorganizadas horizontalmente, sejam elas na comuni-dade ou no local de trabalho contra o patronato e ospoderes instituídos.A AIT-SP não aceita quaisquer subsídios do Estado ede estruturas patronais ou estatais.A AIT-SP não aceita a ideia e a prática da chamada"concertação social" pois ela é uma hipocrisia e umamaneira das classes trabalhadoras se "conciliarem"com quem as explora e rouba. A AIT-SP defende sima inevitabilidade da luta de classes entre explorados eexploradores pois não há conciliação possível entre
uns e outros.Na AIT-SP vais encontrar trabalhadores, estudantes,desempregados e reformados, como tu, fartos de serexplorados pelo Estado, pelos patrões, pelos senhori-os ou manipulados pelos partidos.
Anarco-sindicalismo
O Anarco-sindicalismo é um meio de organização eum método de luta, que pretende abolir o capitalismoe o Estado, agindo autonomamente das instituiçõesde poder, sejam elas partidárias ou parlamentares.Defende que a libertação das pessoas, de qualquer ti-po de exploração e opressão, só pode ser obra delaspróprias.A defesa integral da personalidade humana, a liberda-de, a solidariedade, o apoio-mútuo e a associação vo-luntária e federativa, constituem a base sobre a qualos anarco-sindicalistas sustentam a sua acção.É contra o centralismo e a burocracia e tem sido aolongo da história intransigente contra a manipulaçãodas lutas populares por partidos políticos ou centraissindicais, que as dirigem tendo em conta os seus pró-prios interesses.Os seus métodos de luta são, entre outros: a greve, oboicote, a sabotagem, o bloqueio ou a ocupação, ex-propriação e autogestão das empresas pelos própriostrabalhadores.
Princípios básicos:
Autogestão- Gestão directa em assembleias, seja notrabalho ou na comunidade, pelos envolvi-dos e mais ninguém. Os cargos são rotati-vos, não remunerados e os mandatos revo-gáveis a qualquer momento.
Acção Directa- Recusa em depositar nas mãos dos repre-sentantes, tarefas e decisões que as assem-bleias de base deverão tomar e repartir en-tre si.
Solidariedade e apoio mútuo- Os problemas de um são os problemas detodos.
Internacionalismo- Os explorados não têm pátria – a nossa pá-tria é o mundo inteiro.
Autonomia- Independência frente ao Estado, patronato,partidos, direcções sindicais oficiais e outrasorganizações autoritárias.
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