View
0
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
586/2012
1
Processo nº 586/2012
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 11 de Julho de 2013
ASSUNTO:
- Vício de violação de lei
SUMÁ RIO:
- É de anular, por vício de violação de lei, o acto que aplicou uma
sanção contratual por excesso de emissão de HCI com base simplesmente
no valor médio diário de emissão bruto, sem, no entanto, tomar em
consideração a dedução legal prevista no nº 11 do artº 11 da Directiva
2000/76/CE, a cuja aplicação contratualmente a Administração se vinculou.
O Relator,
586/2012
2
Processo nº 586/2012
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 11 de Julho de 2013
Recorrente: Consórcio A - Incineração de Resíduos de Macau
Entidade Recorrida: O Senhor Chefe do Executivo
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
R.A.E.M.:
I – Relatório
Consórcio A - Incineração de Resíduos de Macau, melhor
identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra
o despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 18/04/2012, pelo qual se
determinou aplicar-lhe uma multa de MOP$87,500.00, concluíndo que:
1. O programa de Concurso indica claramente que a operação da CIRS deve
ser conduzida pelas Recorrentes em conformidade com as normas da
Directiva, no que representa uma auto-vinculação da Administração às
regras da Directiva, a que está obrigada a obedecer na actuação
administrativa relativa ao Contrato, nomeadamente quanto ao acto
recorrido, cuja prática tem que cumprir com a Directiva;
2. A Cláusula 19ª do Contrato permite, no âmbito da discricionariedade da
Administração, a aplicação de uma multa contratual de MOP$87,500.00
em caso de violação dos limites de emissões previstos na Directiva, e caso
586/2012
3
as Recorrentes (i) não apresentem justificação para tal violação ou (ii) a
justificação apresentada não seja aceite pela Administração;
3. O acto recorrido é violador de normas expressas aplicáveis ao Contrato,
nomeadamente as da Directiva, bem como do Contrato, e é ainda como
violador de princípios basilares da relação da Administração com os
particulares, maxime as de boa-fé, previstas no Artigo 8° do Código do
Procedimento Administrativo;
4. Com efeito, e no que tange à interpretação e aplicação da Directiva,
resulta evidente que esta exige a dedução dos valores dos intervalos de
confiança previstos no Artigo 11° No. 11 da Directiva e Anexo III da
mesma, dedução essa que, de acordo com o próprio acto recorrido, não foi
feita;
5. Mais ainda, é patente que, ao contrário do contido no Documento No. 9,
em cujo teor o acto recorrido se escora no que toca às suas considerações
sobre o alegado incumprimento das Recorrentes das normas da Directiva
no caso vertente, o CEMS da CIRS não tem um grau de incerteza de zero,
operando antes dentro do intervalo de confiança de 95% fixado pela
Directiva;
6. Nos termos do Artigo 11° No. 11 da Directiva, "Os valores médios a
intervalos de 30 e de 10 minutos devem ser determinados durante o periodo
de funcionamento efectivo (excluindo os periodos de arranque e de
paragem em que não sejam incinerados residuos), a partir dos valores
medidos depois de subtraido o valor do intervalo de confiança referido no
586/2012
4
ponto 3 do anexo III.", sendo que esta subtracção se deve fazer em todos os
valores indicados;
7. Mais ainda, dispõe o Anexo III No. 3 que "A nivel do valor-limite diário de
emissões, os valores dos intervalos de confiança de 95 % de cede resultado
medido não deverão ultrapassar as seguintes percentagens dos
valores-limite de emissão.", sendo que, no que toca às emissões de HCI,
esta percentagem é de 40% do valor limite diário de 10 mg/m3, ou seja, 4
mg/m3;
8. Da conjugação das referidas normas da Directiva, resulta patente que ao
valor medido de HCI de 11.1 mg/m3 em 17 de Fevereiro deverá ser
deduzido o valor do intervalo de confiança de 95%, in casu 4 mg/m3; quer
nos termos da Directiva, quer considerando que o próprio acto recorrido
reconhece que o valor de 11.1 mg/m3 não foi objecto de qualquer dedução,
pelo que o valor validado e relevante para efeitos de determinação de
cumprimento com as normas da Directiva e consequente determinação da
aplicação da multa prevista no Contrato que foi aplicada pelo acto ora
recorrido é de 6.7 mg/m3;
9. Sendo este valor de 6.7 mg/m3 inferior ao limite de emissões de HCI de 10
mg/m3 previsto na Directiva, resulta evidente que as Recorrentes não
violaram os limites de emissões da Directiva, pelo que não cometeram a
infracção prevista na Cláusula 19 No. 1 c) do Contrato;
10. Assim, o acto recorrido Incorre numa violação da Directiva - a cujas
normas se auto-vinculou em sede concursal e contratual- , maxime do
Artigo 11°, parágrafo 11 da mesma, conjugada com o seu Anexo III,
586/2012
5
porquanto não leva em linha de conta as fórmulas e métodos de cálculo do
valor de emissões, em função das quais se afere o limite de emissões
permitido e potencial infracção ao nível do Contrato,
11. E viola o Contrato, maxime a Cláusula 19.1 (c) do mesmo na medida em
que aplica uma multa contratual numa situação que, de facto e de iure, não
o permite.
12. Circunstâncias que consubstanciam o vício de violação de lei, que constitui
fundamento de anulação do acto recorrido nos termos e para os efeitos do
disposto no Artigo 21 No. 1 d) do Código do Processo Administrativo
Contencioso.
13. Quanto assim não se entenda - o que não se concebe ou concede - certo é
que o acto recorrido viola ainda o princípio da boa-fé, expressamente
consagrado no Artigo 8° do Código do Procedimento Administrativo, pelo
que sempre seria exigível a sua anulação nessa base;
14. Com efeito, e malgrado as reservas suscitadas pelas Recorrentes em
algumas das reuniões regulares com a DSPA sobre a operação da C/RS,
aquela exigiu que as Recorrentes incinerassem desperdícios de PVC com
um conteúdo médio de cloro de 57% na CIRS, que foi concebida para
incinerar desperdício com conteúdos máximos de cloreto entre os 0.75% e
os 1.07%;
15. As Recorrentes deram conta destas reservas, bem como do impacto das
enormes quantidades de PVC que a DSPA enviou para incineração na
CIRS, ao contrário do alegado no Ponto 3.2 (b) Relatório que fundamenta
o acto recorrido;
586/2012
6
16. Assim, é patente que foi a própria DSPA que, ao ignorar os apelos e avisos
das Recorrentes sobre a falta de adequação da CIRS para a incineração
daqueles resíduos, bem como as explicações verbais por parte das
Recorrentes de que esta incineração causaria um risco de aumento de
emissões de HCI, quem colocou as Recorrentes na alegada situação de
violação dos limites previstos na Directiva e concomitante alegada
violação do disposto no Contrato, que, como já se demonstrou supra, em
todo o caso não existiu;
17. Assim, ao sancionar as Recorrentes - no exercício de poderes
discricionários - com a aplicação da multa constante do acto recorrido por
uma alegada infracção contratual que, a ter existido, foi propiciada pela
DSPA, malgrado as reservas das Recorrentes, violou o acto recorrido o
princípio da boa-fé, previsto no Artigo 8° do Código do Procedimento
Administrativo;
18. No entanto, ao potenciar, com a sua conduta, a alegada infracção por
parte das Recorrentes, nos termos explanados supra, estava a
Administração então adstrita a não aplicar qualquer multa nos termos do
Contrato.;
19. Assim, o acto recorrido está inquinado, também por esta via, por violação
de lei, posto que viola o princípio da boa-fé contido no Artigo 80 do
Código do Procedimento, no que constitui novo fundamento de anulação
do acto recorrido nos termos do Artigo 21° No. 1 d) do Código de Processo
Administrativo Contencioso. ;
586/2012
7
20. Nos termos do Contrato, nomeadamente da sua Cláusula 19ª, No. 5, a
Administração, em caso de falta de pagamento de multa contratual dentro
do prazo fixado, goza da faculdade de deduzir o valor da multa (i) da
caução definitiva prestada pelas Recorrentes nos termos e para os efeitos
da Cláusula 7ª do Contrato ou (ii) do valor de remuneração mensal fixado
Contrato;
21. Antecipando que, em face da recusa de pagamento da multa aplicada pelo
acto recorrido, a Administração lance mão dos referidos mecanismos, Não
podem deixar as Recorrentes de pugnar pela devolução do valor de
MOP$87.5000.00, indicado no acto recorrido como sendo a multa
aplicável, seja por via da sua reintegração na caução definitiva, ou por via
de reembolso às Recorrentes na sua remuneração mensal nos termos do
Contrato após decisão favorável nos presentes autos;
22. Montante esse a que devem acrescer juros legais desde a data de
liquidação indevida da multa pela Administração até data do seu integral
reembolso.
23. Em suma, o acto recorrido padece, não de uma, mas de duas violações de
lei, cada uma delas idónea a, de per se, justificar a anulação do acto
recorrido:
a. Por um lado, o vício de violação de lei resultante da violação por parte
do acto recorrido de normas da Directiva, nomeadamente as do Artigo
110, parágrafo 11 e Anexo III, bem como violação das normas do
Contrato, nomeadamente da Cláusula 19ª No. 1 c) do mesmo,
porquanto aplica uma multa contratual sem que tenha havido violação
586/2012
8
da norma jurídica que a enquadra e, concomitantemente, da norma
contratual que pune a violação;
b. Novo vício de violação de lei, por violação do princípio da boa-fé,
previsto no Artigo 8° do Código do Procedimento Administrativo,
porquanto, no exercício de poderes discricionários - o de aplicação da
multa contratual - aplicou a multa por uma alegada infracção que, a
existir, foi por si potenciada.
*
Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos
constantes a fls. 179 a 216 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente
reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
O Recorrente e a Entidade Recorrida apresentaram alegações
facultativas, mantendo, no essencial, as posições já tomadas.
*
O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“O n.º1 do art.53º do CPAC dispõe: Na contestação, deve a entidade recorrida
deduzir, por forma articulada, toda a matéria relativa à defesa, indicar os factos cuja
prova pretende fazer, juntar todos os documentos destinados a demonstrar a verdade
dos factos alegados e, quando seja caso disso, apresentar rol de testemunhas ou
requerer outros meios de prova. E o n.º5 do art.68º deste diploma prevê expressamente
que a entidade recorrida e os contra-interessados podem suscitar, nas alegações, novas
questões que obstem ao conhecimento do recurso.
Interpretando o n.º3 do referido art.68º em harmonia com o art.23º do CPAC e
586/2012
9
ainda com art.409º do CPC, podemos ter por certo que depois da contestação, a
entidade recorrida só pode deduzir meios de defesa que sejam superveniente.
Nesta linha de consideração, inclinamos a entender que não devem ser
atendidos todos os fundamentos aduzidos pela entidade recorrida nas suas alegações
de fls.260 a 277 dos autos, que não sejam supervenientes por extemporaneidade.
Note-se que o teor dos documentos de fls.278 a 282 dos autos são idênticos ao
dos apresentados pelas recorrentes (vide. os de fls.100, 102 a 105, 78 a 313 dos autos),
e o documento de fls.287 a 313 coincide, na parte essencial, com o de fls.109 a 113 dos
autos. Deste modo, não se divisa razão ponderosa da pretendida desentranha.
Na óptica da entidade recorrida, o documentos n.º3 de fls.283 a 286 foi
apresentado «para referência» e como «informação adicional, sobre os valores das
emissões de HCI, a 18 de Fevereiro de 2011», e o n.º5 visa a demonstrar a capacidade
da “CIRS”. Não nos aparece a pertinência destes documentos, pelo que poderão ser
desentranhados.
*
Na petição e nas alegações, as recorrentes assacaram, de forma reiterada, o
vício de violação de lei, traduzido em violar o art.11º n.º11 da Directiva n.º2000/76/CE
e do Contrato, maxime a Cláusula 19.1 (c) do mesmo na medida de aplica uma multa
contratual numa situação que, de facto e de iure, não o permite (encontrando-se o
desenvolvimento nas 4ª a 12ª conclusões da petição).
Antes de tudo, importa realçar que a percentagem de 40% prevista no n.º3 do
Anexo III da aludida Directiva constitui o limite máximo, no sentido de não dever nem
poder ser ultrapassada pelos valores dos intervalos de confiança de 95% de cada
resultado medido, a nível de valor-limite diário de emissão.
586/2012
10
De qualquer maneira, parece-nos crível a explanação constante do documento
de fls.132 a 133 dos autos – a Resposta dada pela «B, Ltd.» à Direcção dos Serviços de
Protecção Ambiental sobre assunto de «DCS Emission Data Values Issue».
O que nos leva a entender que em 17/02/2011, o valor médio diário de emissão
de HCI atingiu a 11.1mg/Nm3, estando efectivamente acima do limite de 10mg/Nm
3
estipulado na a) do Anexo V da referida Directiva n.º2000/76/CE, deste modo, infringiu
a Cláusula 19.1 (c) do Contrato.
*
Líquido e certo é que no período compreendido das 9h43 às 19h22 de
17/02/2011, às CIRS foram transportadas totalmente 12.2 toneladas de resíduos de
PVC proveniente da ETAR de Taipa (doc. de fls.100 dos autos), e o nível de emissão de
HCI na unidade de incineração n.º5 mantinha-se continuamente elevado desde 20h50
até às 23h20 daquele dia (doc. de fls.102 a 105 dos autos). O que faz crer que as 12.2
toneladas de resíduos de PVC foram incineradas no período de 20h50 às 23h20.
As recorrente não fornecem prova convincente de que elas fossem impostas a
concluir/acabar, dentro de 17/02/2011, a incineração das 12.2 toneladas de resíduos,
podendo a incineração ser faseada nos dias subse-quentes em conformidade com a
exigência da técnica.
Nestes termos, sem pôr em dúvida os esforços e diligências das recorrentes para
controlar a emissão de HCI, não se descortina, no caso sub judice, que o acto
questionado nestes autos infrinja o princípio de boa fé consagrado no CPA.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente
recurso contencioso.”
586/2012
11
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam
ao conhecimento do mérito da causa.
*
II – Factos
É assente a seguinte factualidade com base nas provas testemunhal e
documental existente nos autos e no respectivo PA:
1. C – Consultores de Engenharia e Gestão, S.A., D –
Consultores de Engenharia e Gestão, Limitada, E
Environmental Services Corporation e CTCI Corporation
são empresas, locais uma, internacionais outras, que se dedicam
ao ramo da engenharia e ambiente.
2. No exercício da sua actividade, apresentaram-se ao concurso
público lançado pelo Gabinete de Desenvolvimento de
Infraestruturas da RAEM, para a prestação de serviços de
"Operação e Manutenção da Central de Incineração de Resíduos
Sólidos de Macau" (o "Concurso").
3. Para o efeito, e nos termos do respectivo programa de concurso,
formaram o consórcio "A - Incineração de Resíduos de
586/2012
12
Macau" (doravante o "Consórcio"), ora Recorrente, ao qual foi,
a final, atribuído o projecto objecto do Concurso.
4. Em conformidade com as normas do Decreto-Lei 63/85/M, o
Consórcio e o Governo da RAEM, representado nesse acto pelo
Sr. Cheong Sio Kei, Director da Direcção de Serviços de
Protecção Ambiental da RAEM (doravante "DSPA"), celebraram,
em 14 de Maio de 2010, o "Contrato para Operação e
Manutenção da Central de Incineração de Resíduos Sólidos de
Macau" (doravante o "Contrato").
5. Nos termos do Contrato, nomeadamente na Cláusula 8 (g) do
mesmo, o Consórcio em referência está obrigado a observar
determinadas regras no tratamento de emissões de gases
poluentes gerados no curso da operação da Central de
Incineração de Resíduos Sólidos de Macau (doravante "CIRS"),
6. Normas essas que, in casu, são as constantes da Directiva
2000/76/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de
Dezembro de 2000 relativa à incineração de resíduos, publicada
no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 28 de
Dezembro de 2000, No. L332/91 (doravante "a Directiva"), cuja
aplicabilidade ao Contrato e à operação da CIRS foi determinada
no Ponto 5.1 c) das Condições Gerais do Concurso, bem como
no ponto 3.3 (b) das Condições Especiais.
7. Mais ainda, nos termos da Cláusula 19 1 (c) do Contrato, a
violação dos limites de emissão de gases poluentes - violação a
586/2012
13
determinar nos termos da Directiva - implica a aplicação de uma
pena ao Consórcio no montante de MOP$87,500.00.
8. A DSPA solicitou ao Consórcio A – Incineração de Resíduos
de Macau para proceder-se à incineração de grandes
quantidades de um desperdício de Palie/ore to de Vinil
(vulgarmente conhecido por PVC) na CIRS, proveniente da
Estação de Tratamento de Á guas Residuais da Taipa.
9. O Consórcio A – Incineração de Resíduos de Macau alertou à
DSPA que a grande quantidade de PVC enviada para incineração
podia por em risco o nível de emissões, pelo que pediu
verbalmente que enviasse, de forma fraccionada, as PVC em
causa, a fim de prevenir o excesso de emissão de HCI.
10. No dia 29 de Abril de 2011, a DSPA, através do Ofício nº.
1192/086/CGIA/2011, informou o Consórcio de que, na data de
17 de Fevereiro de 2011, a linha de incineração nº. 5 da CIRS
havia excedido o valor médio diário limite de emissões de
Cloreto de Hidrogénio (doravante "HCI"), fixadas nos termos do
Ponto II.1.1. C do Anexo II à Directiva em 10 mg/m3.
11. Naquele dia, no período compreendido das 9h43 às 19h22, foi
enviada 12 toneladas de PVC para incineração.
12. O valor médio registado nessa data havia sido de 11.1 mg/m3,
que é um valor bruto registado no Sistema de Controlo de
Distribuição (DCS), computado a partir dos valores médios a
intervalo de 1 minuto, sem qualquer dedução ou adição de outros
586/2012
14
valores.
13. O Consórcio, na missiva com referência nº. A-11025, datada de
25 de Fevereiro de 2011, informou a DSPA de que havia existido
um problema com as emissões de HCI, devido ao pedido por
parte da DSPA para proceder-se à incineração de grandes
quantidades de um desperdício de Palie/ore to de Vinil
(vulgarmente conhecido por PVC) na CIRS, proveniente da
Estação de Tratamento de Á guas Residuais da Taipa.
14. Além disso, na data de 9 de Maio de 2011, emitiu ainda a carta
com referência nº A-11079, chamando atenção da DSPA, entre
os outros, o facto de que as medições das emissões de HCI não
haviam levado em linha de conta as normas da Directiva,
maxime o seu artº 11º, nº 11 e Anexo III, porquanto os valores
indicados se tratavam de valores aos quais não haviam sido
aplicadas as deduções exigidas pela Directiva.
15. Em resposta, a DSPA informou de que os valores registados não
estariam sujeitos a qualquer redução nos termos da Directiva por
duas razões, a saber:
a) De acordo com a B, LTD (MHI) – entidade que instalou
a maquinaria da CIRS –, os valores registados no
sistema da CIRS reflectem os valores finais de emissão;
e
b) A MHI declarou que os níveis de incerteza na medição
eram zero, pelo que não haveria lugar a qualquer
586/2012
15
subtracção dos valores indicados na Directiva.
16. Por despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 18/04/2013, foi
determinado aplicar ao Consórcio A – Incineração de Resíduos
de Macau uma multa no valor de MOP$87.500,00 por excesso
de emissão de HCI.
*
III – Fundamentação:
I. Questão prévia:
A Entidade Recorrida juntou, no âmbito das alegações facultativas, 5
documentos.
Devidamente notificada, o Recorrente vem suscitar a sua
inadmissibilidade, por não serem documentos que visam provar novos
factos supervenientes.
Cumpre agora decidir.
Nos termos do nº 1 do artº 55º do CPAC, toda a matéria de defesa
deve ser deduzida na contestação, após a qual só são admissíveis as
matérias de defesa que sejam supervenientes.
Paralelamente, o artº 450º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPAC, prevê
que “Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa
devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos
correspondentes” e “Se não forem apresentados com o articulado respectivo, os
documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em primeira
instância, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pode
oferecer com o articulado”.
586/2012
16
No entanto, se os documentos destinados a provar factos posteriores
supervenientes, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por
virtude de ocorrência posterior, já podem ser oferecidos em qualquer estado
do processo (cfr. artº 451º, nº 2 do CPCM).
No caso em apreço, os documentos juntos não são supervenientes,
nem destinados a provar factos posteriores supervenientes, pelo que a
junção dos mesmos aos autos no âmbito das alegações facultativas não é
legalmente admissível.
Nesta conformidade, é de se ordenar o seu desentranhamento e a sua
devolução à Entidade Recorrida.
II. Do mérito da causa:
O Recorrente entende que o acto recorrido padece do vício de
violação de lei, resultante tanto da errada aplicação da Directiva
2000/76/CE e das normas contratuais como da violação do princípio da
boa-fé.
1. Da errada aplicação da Directiva e das normas contratuais:
Para o Recorrente, ao valor médio de emissão de HCI registado no
dia 17/02/2011 (11,1mg/m3) há-de fazer a dedução legal prevista no nº 11
do artº 10º da Directiva 2000/76/CE e o acto recorrido, ao concluir pela
existência de excesso de emissão de HCI, decidindo, assim, aplicar-lhe uma
multa no valor de MOP$87.500,00, sem tomar em conta a dedução legal
prevista na Directiva, padece de vício de violação de lei, o que gera a sua
anulação.
Quid iuris?
586/2012
17
Segundo a Directiva 2000/76/CE, o limite do valor médio diário de
emissão de HCI é de 10mg/m3 (Anexo V da Directiva).
Como é calculado o valor médio diário de emissão?
Nos termos do nº 11 do artº 11º da Directiva, esse valor é calculado a
partir dos valores médios de emissão a intervalos de 30 e de 10 minutos, os
quais são determinados durante o período de funcionamento efectivo
(excluindo os períodos de arranque e de paragem em que não sejam
incinerados resíduos), a partir dos valores medidos depois de subtraído o
valor do intervalo de confiança referido no ponto 3 do anexo III.
O valor do intervalo de confiança referido no ponto 3 do anexo III da
Directiva para o caso de HCI é de 40%.
Ficou provado que a emissão média diária de HCI no dia 17/02/2011
era de 11,1mg/m3, que é um valor puro registado no Sistema de Controlo
de Distribuição (DCS), computado a partir dos valores médios de emissão a
intervalo de 1 minuto, sem haver qualquer dedução ou adição de outros
valores.
A Entidade Recorrida, no recurso hierárquico interposto pelo
Recorrente, defendeu que os valores registados não estariam sujeitos a
qualquer redução nos termos da Directiva porque de acordo com a B, LTD
(MHI) – entidade que instalou a maquinaria da CIRS –, os valores
registados no sistema da CIRS reflectem os valores finais de emissão e os
níveis de incerteza na medição eram zero.
Nos presentes autos, vem defender que “É da responsabilidade única (o
sublinhado e realçado são nossos) do Recorrente, empresa especializada, neste tipo de
586/2012
18
actividade, efectuar correctamente a interpretação da “Directiva”, sendo condição
fundamental à boa prestação de serviços, objecto do “Contrato”, nomeadamente, o de
fornecer os dados de emissões, em conformidade, com o estipulado pela norma
europeia aplicável”, daí que a Administração não tem qualquer obrigação de
confirmar se os dados fornecidos pelo Recorrente estão ou não correctos,
podendo simplesmente, com base nos mesmos, aplicar automaticamente a
sanção contratualmente prevista (v. alegações facultativas de fls. 272 e
273.).
Não é possível acolher toda a posição da Entidade Recorrida.
É certo que o Recorrente tem a referida responsabilidade, mas isto
não exime a responsabilidade do órgão administrativo responsável da
fiscalização.
É regra basilar do direito sancionatório de que compete à entidade
sancionadora provar a existência dos elementos constitutivos da infracção.
Não excluímos a hipótese de que sanciona com base nos dados
fornecidos pela própria parte, mas isto não quer dizer que a entidade
sancionadora deixa de haver por isso qualquer obrigação de averiguar se os
dados fornecidos correspondem ou não à verdade, cuja dúvida é suscitada
pela sancionada quer no âmbito do recurso hierárquico necessário, quer nos
presentes autos.
Aliás, o próprio Recorrente, em data muito anterior à do acto
impugnado, informou a DSPA que os valores fornecidos não tinham levado
em conta a dedução legal prevista na Directiva (facto provado nº 14).
Portanto, o argumento agora utilizado no presente recurso de que a
586/2012
19
Administração se serviu simplesmente do valor fornecido pelo Recorrente
inicialmente não pode servir de razão para justificar a tese da defesa do
acto impugnado, já que não podia ele desconhecer sobre se o valor
registado era bruto ou se já era final após a dedução.
Salvo o devido respeito, entendemos que não só o Recorrente tem a
obrigação de conhecer as regras da Directiva para uma boa prestação de
serviços adjudicados. O órgão administrativo responsável pela fiscalização
também tem a mesma obrigação para garantir o bom cumprimento do
contrato de adjudicação.
No caso em apreço, é a própria Directiva – a cuja aplicação
contratualmente a Administração se vinculou – que prevê a forma como é
determinado o valor médio diário de emissão, nos termos do qual há-de
subtrair do valor medido o valor do intervalo de confiança referido no
ponto 3 do anexo III, que é de 40% para o caso de HCI, pelo que ainda que
os níveis de incerteza na medição pelo sistema da CIRS sejam zero, não se
pode deixar de cumprir a referida disposição legal na determinação do
valor médio diário de emissão.
Ora, subtraído 40% ao valor registado de 11,1mg/m3, temos um
valor inferior ao limite legal previsto da Directiva (10mg/m3).
Assim, é de concluir pela procedência do presente recurso
contencioso com verificação do vício da violação de lei do acto recorrido
por recusa da aplicação do nº 11 do artº 11º da Directiva 2000/76/CE.
2. Da violação do princípio da boa-fé
Na óptica do Recorrente, a conduta da DSPA, e, por extensão, da
586/2012
20
Entidade Recorrida, violou o princípio da boa-fé, legalmente previsto no
artº 8º do CPA, já que foi a própria DSPA quem potenciou o cometimento
da alegada infracção (excesso de emissão de HCI), enviando uma grande
quantidade de PVC para incineração, bem sabendo que tal iria aumentar a
emissão de HCI, ou seja, a alegada infracção resulta da criação e da
imposição por parte da DSPA.
Adiantamos desde já que não lhe assiste razão nesta parte.
É de registar a boa vontade de colaboração por parte do Recorrente
em ajudar a Administração incinerar os desperdícios de PVC.
Mas isto não significa que a Entidade Recorrida tenha procedido com
má-fé ao aplicar-lhe uma multa contratual por excesso de emissão de HCI.
É certo que foi a DSPA quem incumbiu ao Recorrente a incineração
dos desperdícios de PVC e que foram enviadas, no dia 17/02/2011, no
período compreendido das 09h43 às 19h22, 12 toneladas de desperdícios de
PVC para incineração.
Contudo, não existe qualquer elemento nos autos que permite
concluir que a DSPA exigiu que aquelas 12 toneladas de PVC tinham de ser
incineradas no mesmo dia.
Como bem notou o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste Tribunal
que a incineração daquelas 12 toneladas de PVC podia “ser faseada nos
dias subsequentes em conformidade com a exigência técnica”, a fim de
evitar o excesso de emissão de HCI.
Pelo exposto, não deixará de se julgar improcedente este argumento
de recurso.
586/2012
21
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder
provimento ao recurso contencioso interposto e, consequentemente, anular
o acto recorrido.
*
Custas pela Entidade Recorrida, que goza da isenção subjectiva.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 11 de Julho de 2013.
_________________________ _________________________
Ho Wai Neng Mai Man Ieng
(Relator) (Estive presente)
(Magistrado do M.oP.
o)
_________________________
José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
_________________________
Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Recommended