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CAPÍTULO 2 – A Teoria Semiológica Tripartite
Neste segundo capítulo iremos nos ocupar dos conceitos e teorias que
envolvem a Metodologia Semiológica Tripartite proposta por Molino, compreendendo
sua concepção e suas formas de observar a música.
Dividindo o capítulo em duas partes, na primeira teremos a apresentação das
principais personagens que montam essa concepção metodológica. Em um primeiro
momento, as próprias bases do modelo tripartite. Logo em seguida, as concepções e
procedimentos do Estruturalismo musical, que é uma das bases teóricas que
fundamentam nosso modelo. E por fim, observaremos também as concepções e
procedimentos do Pós-modernismo musical, escola teórica que completa a semiologia
tripartite.
Na segunda parte do capítulo empreenderemos uma discussão a respeito do
modelo tripartite e suas teorias de base como metodologias de análise musical,
fazendo algumas considerações, principalmente deste ponto de vista comunicacional
em que viemos observando a música no decorrer deste trabalho. Desta forma
procuramos preparar conceitualmente todas as ferramentas que necessitaremos para
realizar uma boa análise no terceiro capitulo desta monografia.
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2.1. Apresentação do Modelo Tripartite
A teoria semiológica tripartite foi proposta dor Jean Molino em 1975 (NATTIEZ,
2005, p.18) e apresentada ao leitor brasileiro no primeiro livro do musicólogo
canadense Jean-Jacques Nattiez lançado no Brasil: “O combate entre Cronos e Orfeu:
ensaios de semiologia musical aplicada”. De uma forma geral, a semiologia tripartite é
uma metodologia que buscou no Estruturalismo musical e no Pós-Modernismo musical
as bases para aperfeiçoar um modelo analítico que normalmente é visto
separadamente, ou estruturalista ou pós-modernista, e torná-lo mais completo. Para
penetrar neste meio vamos iniciar conhecendo o Estruturalismo e o Pós-modernismo
musical.
2.1.1. O Estruturalismo musical
A teoria Estruturalista baseia seu estudo e perspectiva nas formas musicais, isso
é, observa a música a partir de sua estrutura interna – notas e suas seqüências,
acordes e suas relações, frases, escalas, tons, ritmos, consonâncias e dissonâncias.
Colocando estas formas lado-a-lado e revelando seus paralelismos – contrastes,
transformações e dissimilaridades – estabelecem-se relações de continuidade/
descontinuidade, com as quais o Estruturalismo produz suas análises. Para ele as
representações significativas musicais estão contidas nas formas estruturais do fato
musical, ou, dizendo de outro modo, o significado da música é captado observando-se
essas relações internas da estrutura musical, e não através das reações da percepção
ao estímulo dos sinais sonoros. Nas palavras de Jakobson: “é precisamente essa
interconexão das partes, assim como sua integração em um todo composicional, que
funciona como o próprio signatum da música” (apud NATTIEZ, 2005, p. 23 ).
Podemos compreender esta posição estruturalista se analisarmos a organização
morfossintática musical. Na linguagem verbal, para fazermos um paralelo, a sintaxe
organiza-se no nível “das unidades de primeira articulação, isso é, aquelas dotadas de
significação aparente” (NATTIEZ, 2005, p. 24), as palavras. Já a sintaxe musical
“organiza-se no nível das unidades análogas aos fonemas, unidades de segunda
articulação, as notas que constituem as escalas” (NATTIEZ, 2005, p. 24), e que não são
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dotadas de significação aparente. “Como essa organização não remete a significados,
somos forçados a dizer, em música, que ou a significação reside em sua forma ou que
forma e conteúdo se confundem” (NATTIEZ, 2005, p. 24). O Estruturalismo opta pela
primeira sentença, concebendo que o significado musical reside em suas formas.
Podemos notar que esta posição estabelece uma minimização da “semiose
extrovertida, isto é, as remissões ao mundo exterior aos sentimentos, aos afetos”
(NATTIEZ, 2005, p. 23).
O Estruturalismo também possui outra característica importante para a
concepção da metodologia tripartite: o rigoroso tratamento metodológico com o fato
musical. A metodologia estruturalista aborda seu objeto de estudos de forma meticulosa
e completa, não retirando fragmentos da peça para que representem o todo na análise,
e executando uma varredura detalhada de suas estruturas.
Deve-se partir de uma observação, tão minuciosa e exata quanto possível, dos fatos musicais que nos são propostos; em seguida, deve-se encontrar um esquema, uma lei de organização interna, que dê conta, com o máximo de coerência, destes fatos; vem, finalmente, a interpretação das leis de composição deduzidas dessa aplicação particular (...) a fim de prosseguir até à etapa principal: a interpretação das estruturas (BOULEZ apud NATTIEZ, 2005).
Como vimos, depois dessa varredura, a metodologia estruturalista indica a
segmentação da peça musical em fragmentos que constituam uma organização interna
do fato musical onde possam ficar claras as repetições e transformações que esta
estrutura vai sofrendo no decorrer da música. Tanto a varredura quanto a segmentação
utilizarão as categorias da Teoria Musical para evidenciar os vários parâmetros que se
sobrepões na peça: ritmo, harmonia, fraseado, relações de consonância e dissonância,
relações tonais, e os demais parâmetros que vimos no sub-capitulo “A Música”, como
também podem utilizar-se das categorias de taxonomia sonora para referir às
ocorrências e transformações dos sons musicais. E, por fim, a última etapa proposta
pela metodologia estruturalista refere-se à interpretação das estruturas musicais através
de ruas relações, de onde surgiria o significado produzido pela música.
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Para o ponto de vista da semiologia tripartite essa compreensão estruturalista
contem algumas concepções a serem adotadas e outras que precisam, não ser
negadas, mas extrapoladas. Para isso, ela buscou auxilio no Pós-modernismo musical.
2.1.2. O Pós-modernismo musical
“A musicologia Pós-moderna dá primazia à noção de ‘significação musical’”
(NATTIEZ, 2005, p. 42). Ela prioriza o estudo das estratégias de percepção
desencadeadas pela música, como cita Nattiez: “o Pós-modernismo musicológico (...)
enfatiza, hoje em dia, o pólo estésico (as estratégias de percepção da música), mesmo
que frequentemente não especifique estar tratando da percepção do ouvinte ou dos
músicos” (2005, p. 42). Segundo Taruskin (in NATTIEZ, 2005, p. 42) as questões
importantes para a musicologia são “o que a música significa para nós?” e, ainda mais
importante “o que pode ela significar para nós?”, já que a musicologia tem por objetivo
principal continuar o diálogo da audição (KRAMER in NATTIEZ, 2005, p. 42), trazendo
para o campo reflexivo e teórico as experiências de percepção musical.
Podemos fazer aqui um paralelo interessante. Enquanto o Estruturalismo baseia
suas reflexões nas remissões internas, o Pós-modernismo dá mais valor às remissões
externas da música. Ou dizendo de outra forma, a musicologia pós-modernista dá maior
primazia a semiose musical “extrovertida” (NATTIEZ, 2005, p. 23).
Nesse sentido, para o Pós-modernismo, o conjunto de regras de valores da
categoria linguagem musical é constituído pelas estratégias de percepção da música - a
maneira como cada indivíduo percebe o fato musical, concepção que encontramos
também no pensamento de Ángel Rodíguez, como vimos no capítulo 1.
Mas podemos falar de homogeneidade da percepção? É consenso que para
qualquer estímulo estético ou narrativo, diferentes receptores têm sensações diversas,
mas uma parte dessas sensações também coincide, com base nas estratégias
perceptivas que nosso organismo desencadeia. Relembrando, nosso sistema sonoro de
percepção funciona basicamente regido por seis princípios que atuam de forma
semelhante em qualquer indivíduo, já que são princípios fisiológicos, e portanto fazem
com que nossa forma de percepção do som coincida. Se essas coincidências de
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decodificação dos estímulos não existissem o processo de narração seria impossível
(RODRÍGUEZ, 2006, p. 21). “E, quando o que nos preocupa são as coincidências,
estamos dirigindo nosso olhar para os códigos universais” (RODRÍGUEZ, 2006, p. 21).
Especificamente no campo musical, os códigos universais, de que Ángel Rodríguez fala
acima, não são tão rígidos como é possível que aconteça, por exemplo, com a narração
verbal ou visual. Mas isso não quer dizer que esses códigos universais também não
existam na música, como explica Nattiez:
A audição de uma obra ou fragmento musical desperta no ouvinte uma série de associações semânticas expressas por palavras, adjetivos e expressões. É possível revelar e expor esse fato em condições experimentais muito específicas de modo que uma comparação entre as respostas de diferentes ouvintes seja significativa. Tais respostas jamais serão exatamente as mesmas, pios a denotação semântica ocorre na música em situações muito específicas, mas observa-se aquilo que os estatísticos denominam ‘tendência central’ ao largo dessas diferentes verbalizações: elas nos permitem elaborar um mapa semântico de uma obra ou estilo (2005, p. 55).
Desse modo, podemos perceber uma abordagem bem diferente entre as teorias
Estruturalista e Pós-modernista na observação do fato musical. Duas concepções que
muitas vezes são colocadas como antagônicas e provocam sérias discussões entre os
adeptos de parte a parte. Por outro lado, a semiologia tripartite concebe uma
metodologia que integra as duas perspectivas em direção a complementaridade mútua.
Acho importante abrir aqui um parêntese. Apesar de as concepções da teoria
Estruturalista e Pós-modernista não fazerem parte diretamente da análise que iremos
efetuar no terceiro capítulo, elas estão presentes neste momento para demonstrar
panorama onde a semiologia tripartite foi criada. Com isso, consequentemente, temos
em mão mais ferramentas para compreender a visão e o posicionamento desta
metodologia.
2.1.3. A metodologia da semiologia tripartite
O modelo semiológico tripartite é composto de quatro passos que vão
construindo – cada um, apoiando-se no anterior – sua perspectiva do fato musical,
como já falamos, integrando a teoria estruturalista e pós-modernista (NATTIEZ, 2005, p.
55 e 56).
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O primeiro desses passos, extraído da metodologia estruturalista, é a descrição
da peça musical (NATTIEZ, 2005, p. 55), já que é nas similaridades e contrastes dos
trechos musicais que percebemos o movimento da música (DIETRICH, 2006, p. 2).
Essa primeira etapa metodológica dedica-se a apontar esses núcleos de similaridade e
a demonstrar seus contrastes no decorrer de toda a peça musical.
O segundo passo, também extraído da prática estruturalista, consiste em, depois
de revelas os núcleos de similaridade e diversidade, explicar as estruturas e as relações
que se dão nesses núcleos, e entre eles (NATTIEZ, 2005, p. 55). Todo o trabalho
explicativo efetiva-se através das teorias fundamentais da música como as relações
rítmicas, as relações harmônicas, as relações melódicas e os outros parâmetros que
vimos no primeiro capítulo. Essa etapa do exercício é baseada principalmente no
conhecimento técnico-musical do analista.
O terceiro passo da metodologia tripartite é a interpretação das estruturas e
relações do fato musical baseada em uma semântica que associa essas estruturas e
relações, que foram reveladas nos passos anteriores, com os significados musicais
(NATTIEZ, 2005, p. 57). Aqui se estabelece a grande diferença da proposta
metodológica tripartite. Enquanto que para o estruturalismo essa fase da análise é
baseada somente na interpretação das formas musicais em um contexto interno, isso é,
que as relaciona somente entre si, surgindo as significações destas tensões relacionais
internas, a semiologia tripartite, apoiada na teoria pós-moderna, agrega à aos demais
passos metodológicos estruturalistas a interpretação pós-modernista musical que vai
buscar as significações no exterior da música, na “semiose extrovertida”: as remissões
ao mundo exterior, aos sentimentos, aos afetos (NATTIEZ, 2005, p. 23).
No desenvolvimento desta etapa é possível que o analista observe diferentes
tipos de receptor, já que pode idealizar perfis de receptores diferentes, como aqueles
que são familiares à prática e a teoria musical, aqueles que são familiares à prática mas
não a teorias musical, ou ouvintes que não são familiares nem à prática nem à teoria
musical. Observando as diferenças de conhecimento dos ouvintes é possível
compreender também como esses diversos perfis capturam informações musicais de
modo distinto para construir os significados. Um ouvinte escuta uma determinada
música e associa a ela uma série de sentimentos. Se este ouvinte tem um certo
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conhecimento da prática musical, provavelmente, a mesma música irá lhe sugerir mais
informações que lhe poderão agregar outros tantos sentidos. E se esse mesmo ouvinte
também conhecer teoria musical fica instaurado um acréscimo na gama de parâmetros
que reforçarão as possibilidades de significação musical. Observando essa lógica é
possível distinguir, nesta etapa da análise tripartite, que estímulos poderão afetar
determinado perfil de receptor, como, por exemplo, um ouvinte leigo musicalmente.
A quarta e última etapa da semiologia tripartite refere-se ao acréscimo de
informações externas ao fato musical, que também pode lhe conferir novos significados,
ou reforçar alguns já existentes (NATTIEZ: 2005). Essa etapa também pode ser
regulada pelo conhecimento do receptor, mas diferentemente da terceira etapa, aqui
esse conhecimento é referente ao contexto de composição, produção e veiculação do
texto musical.
Podemos perceber, observando o processo semiológico tripartite em sua
totalidade, que a construção dos significados da música se dá pelo acúmulo de
conhecimento a respeito do fato musical em seus diversos níveis. De modo mais
básico, a significação surge apenas da percepção sonora e suas associações. Em um
estágio intermediário, junto à percepção, encontramos também, ou o conhecimento
técnico de música, ou informações externas ao fato musical, que agregam um pouco
mais de riqueza aos significados. E por último, quando nos deparamos com a
ocorrência da percepção sonora, com o conhecimento técnico e com acúmulo de
informações externas a peça, encontramos o maior potencial significativo da música.
A semiologia tripartite optou por essa integração teórica porque considera que o
modelo estruturalista “não dá conta, por si só, de todos os aspectos da semiose
musical” (NATTIEZ, 2005, p. 30), exatamente porque ”leva em conta tão somente as
remissões intrínsecas” (NATTIEZ, 2005, p. 30). Não estamos querendo dizer que sob o
olhar da semiologia tripartite o estruturalismo é negado, mas que ele é inserido em uma
“perspectiva metodológica e epistemológica que o transcende ao mesmo tempo que o
integra" (NATTIEZ, 2005, p. 18).
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2.2. Discussão do Modelo Tripartite
Mas em que sentido estes posicionamentos teóricos das escolas do pensamento
musical e da semiologia tripartite contribuem para o andamento deste trabalho ? Qual o
sentido de estarmos optando por esta metodologia e portanto tomando seus conceitos?
Esta segunda metade do segundo capítulo está reservada para expor as intersecções
entre a semiologia tripartite e nosso modo de pesar a música como um objeto
comunicacional.
2.2.1. Discussão da metodologia estruturalista musical
No que diz respeito à metodologia estruturalista, daremos atenção
principalmente para a abordagem que dá ao objeto empírico. Na medida em que o
procedimento metodológico que emprega decompõe a música em fragmentos que tem
uma relação de organização e, portanto, são apreendidos como uma unidade, o
estruturalismo aproxima-se da concepção da teorias da percepção sonora. Nessas
teorias os objetos sonoros também são classificados em estruturas unitárias com
organização bem definida, como vimos no primeiro capítulo, no tópico “Percepção
Sonora”.
Desse modo, ao desmontarmos a peça musical em seus núcleos de repetição,
transformação e dissimilaridade estamos revelando a sua organização interna, tornando
visíveis suas subdivisões, isolando-as para observar cada unidade que se destaca
como um fato novo ou recorrente. É claro que os significados organizam-se ao nível dos
textos e não das unidades isoladas (PERUZZOLO, 2004, p. 104 e 105), mas este
movimento inicial permite-nos uma varredura completa do objeto empírico,
sistematizando e otimizando a observação inicial. Permite-nos não deixar escapar
nenhum movimento importante em função de uma observação dispersa.
Em um segundo momento, na explicação das estruturas e suas relações,
estabelecemos a caracterização destas unidades exatamente dentro da concepção
perceptiva de Rodríguez. Esse segundo movimento da metodologia tripartite vai ao
encontro da caracterização das unidades do texto, primeiramente em seus parâmetros
perceptivos e também em sua organização musical, iniciando o processo de
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compreensão do fato musical. Fica evidente, portanto, que esses dois passos
metodológicos estruturalistas resgatados pela semiologia tripartite adéquam-se bem a
formada de conceber a música que já expomos acima.
Por outro lado, o estruturalismo, como já vimos, concebe a significação musical
somente a partir de suas relações internas, sem as remissões aos afetos e ao mundo
exterior (NATTIEZ, 2005, p. 23). Associando esta perspectiva ao panorama
comunicacional que estabelecemos para a música temos uma situação em que a
comunicação musical só se estabelece para aqueles que têm o domínio das teorias
musicais, já que é através dela que podemos compreender as relações internas das
estruturas musicais. Neste sentido, o processo comunicacional musical seria uma
exclusividade dos receptores detentores deste conhecimento, enquanto que para o
receptor leigo musicalmente a música, nesta concepção, não desencadearia
significados.
Esta é uma teorização musical da qual não partilhamos. Apesar de concordar
com a proposição de que a música pode significar a partir de suas estruturas internas a
concebemos também com potencialidades significativas associadas às remissões
exteriores e aos afetos e sentimentos, que fundamentam os sentidos dos sons inclusive
sobre a perspectiva da sobrevivência da espécie humana. Para isso recorremos à
concepção pós-moderna.
2.2.2. Discussão da metodologia Pós-modernista musical
O Pós-modernismo tem sua perspectiva da significação musical exatamente nas
associações que a música é capaz de desencadear nos seus ouvintes. Relembrando as
idéias de Mário de Andrade, a música produz dinamogenias que fazem brotar no
ouvinte sensações sinestésicas, por sua vez, batizadas pela consciência como
sentimentos e significados (1962, p. 40). Para o Pós-modernismo, então, a música
remete-se ao seu exterior, tocando os sentimentos e significados que se encontram fora
dela, encontram-se em seus ouvintes.
Adotando esta forma de teorização da música conseguimos conceber
comunicacionalmente um receptor muito diferente daquele que observamos na
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metodologia estruturalista. Aqui, a condição para a entrada no processo comunicacional
musical não está na Teoria da Música, mas sim na capacidade de percepção do
ouvinte, que, como já demonstramos, funciona por uma lógica muito semelhante em
todos os indivíduos. Isso faz com que o perfil do ouvinte/receptor seja expandido para
qualquer pessoa em que a música desencadeie sensações associativas.
Parece muito correta essa concepção de Mário de Andrade a respeito da
significação musical. É muito fácil experimentar esse processo em funcionamento. É só
colocar-se a ouvir música e prestar atenção nas sensações que ela nos provoca, logo
em seguida atentar-se para as associações que nós construímos a partir dessas
sensações com sentimentos e significados.
Essa concepção dinamogênica da música também é uma concepção que
demonstra a democratização que o significado musical tem. O fenômeno da
significação da música não é restrito apenas aqueles que detêm o conhecimento teórico
e prático da música, portanto não poderia ficar limitado a concepção da teoria
estruturalista.
2.2.3. Discussão do modelo tripartite como análise comunicacional da música.
Podemos agora claramente perceber as conexões entre a semiologia tripartite e
os conceitos comunicacionais que abordamos nesse trabalho. No primeiro passo da
metodologia, a fase da descrição da peça, são evidenciados os sinais sonoros musicais
que a constituem e sua organização em grupos que formam unidades perceptivas seja
por semelhança ou por diferença.
No segundo momento, a explicação da peça, são demonstradas as formas de
constituição das unidades perceptivas, onde evidenciamos os parâmetros que as
formam, sejam sonoros – timbre, altura, intensidade e tempo – ou musicais – tom,
relação harmônica, ritmo, acordes, etc. Essa fase demonstra portanto a concepção dos
sinais sonoros que irão desencadear os processos significativos, logo, demonstra os
parâmetros que irão influir na forma de percepção e significação do evento musical.
O terceiro passo, a interpretação da peça, é exatamente o momento onde iremos
buscar, baseados nas unidades evidenciadas no primeiro passo e em seus parâmetros
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de concepção evidenciados no segundo, as dinamogenias desencadeadas pela
música, as sinestesias que elas provocam e as sensações, os sentimentos e
significados daí brotados.
O quarto e último passo da metodologia, que consiste no acréscimo das
informações externas ao texto musical. Essa etapa muitas vezes completa as
significações que surge na música direcionando-as de forma mais estreita, seja através
da influência de outras linguagens associadas à música como a linguagem verbal, no
caso da canção, ou a linguagem visual, como por exemplo, no cinema.
Conseguimos associar, com a teoria semiológica tripartite, o rigor metodológico
que uma pesquisa científica exige com a possibilidade de compreender a música, mais
especificamente, o processo de comunicação musical, a partir de uma perspectiva que
observa a significação da música como uma potencialidade universal. Podemos
reconhecer a música como uma ferramenta comunicadora que alcança processos
coletivos.
Acredito que até aqui já conseguimos expor a teoria e os instrumentos que
iremos utilizar para efetivar a análise musical. Percorremos um panorama rápido da
teoria da música e da comunicação. Demonstramos as relações existentes entre as
duas. Estabelecemos os alicerces da teoria semiológica tripartite e demonstramos suas
implicações em uma perspectiva comunicacional da música. É claro que todos estes
tópicos têm inúmeros aprofundamentos a serem feitos para que se conceba uma densa
teoria musico-comunicacional. Esse é o trabalho a ser feito por diante, principalmente
porque cada expansão das nossas formas de compreensão da música e da
comunicação é também uma forma de expansão e aprofundamento de nossos
questionamentos à seu respeito.
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