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Para Compreender a Pintura de Giotto a Andy WarholARTIS-IHA, FLUL - CCB, 20 Maio 2015

REMBRANDT

Teresa Leonor M. Vale

ARTIS-IHA, FLUL

“A realidade de Rembrandt era a alma do homem.”

Lionello VENTURI,

Para Compreender a Pintura De Giotto a Chagall,

Lisboa, Estúdios Cor, 1968, p. 113.

A VIDA

Rembrandt Harmenszoon van Rijn

Nasceu em Leiden, a 15 de Julho de 1606, na qualidade de filho de um moleiroprotestante (membro da Igreja Holandesa Reformada) e de uma padeira católica.

Morreu em Amsterdão, a 4 de Outubro de 1669.

Considerado pela generalidade da historiografia da arte como um dos maisimportantes nomes da história da pintura e como o maior pintor (e gravador)holandês.

A sua actividade coincide com um período de enorme prosperidade económica erelevância cultural dos Países Baixos e, do ponto de vista cronológico-estilístico, como Barroco europeu.

O seu maior interesse foi a representação da condição humana, evidenciando umaempatia que conduziu um dos autores que mais profundamente estudou Rembrandt e asua obra, Kenneth Clark, a considerá-lo “one of the great prophets of civilization”(Civilisation: a personal view, Nova Iorque, Harper & Row, 1969, p. 205).

No que à sua formação académica diz respeito, é sabido que Rembrandtfrequentou aulas de latim e chegou, mais tarde, a matricular-se naUniversidade de Leiden.

Testemunhos coevos denunciam todavia, desde cedo, uma preferênciapela pintura, que justificou a sua entrada para a oficina do pintor Jacob vanSwanenburgh (1571-1638) de quem foi aprendiz durante três anos.

Eneias e Sibilla no sub-mundo, c. 1625, Jacob van Swanenburgh

Após este primeiro contacto com a prática da pintura, Rembrandt passou seis mesesna oficina do mais famoso pintor Pieter Lastman (1583-1633) em Amsterdão, tendoconseguido estabelecer a sua própria oficina em Leiden em 1624 ou 1625,partilhando-a com seu amigo e colega de profissão Jan Lievens (1607-1674).

Deposição de Cristo, Pieter Lastman Jovem com barrete vermelho, Jan Lievens

O Astrónomo, c. 1655, Gerrit DouEm 1627 Rembrandt começou a aceitaralunos, entre eles Gerrit Dou (1613-1675).

1629 foi um ano determinante para a suasubsequente actividade: o contacto oestadista Constantijn Huygens (pai dofamoso matemático e físico ChristiaanHuygens) assegurou-lhe importantesencomendas na corte de Haia, tendo oPríncipe Frederico Henrique continuadoa adquirir obras de Rembrandt até 1646.

No final de 1631, Rembrandt mudou-se paraAmsterdão, cidade em rápida expansão enquantonovo centro comercial dos Países Baixos, e iniciouuma actividade de retratista profissional, obtendogrande sucesso, ao qual não foi alheia aintervenção do marchand Hendrick vanUylenburg, com cuja sobrinha Rembrandt viria acasar, em 1634.

No mesmo ano, Rembrandt tornou-se cidadão deAmsterdão e membro da guilda local de pintores.

Retrato de Haesje van Cleyburg, 1634

Rijksmuseum, Amsterdão

A sua oficina continuou a ser um centro de formação, nomeadamente para pintores comoFerdinand Bol (1616-1680) e Govert Flinck (1615-1660).

Auto-retrato, 1658, Ferdinand Bol Auto-retrato, 1639, Govert Flinck

Uma atribulada vida pessoal e uma contínua má gestão dos contudoabundantes recursos que a sua actividade profissional lhe proporcionou,foram a causa de problemas que dificultaram uma existência quotidiana,da qual a pintura foi todavia o grande fio condutor, numa intensidadecapaz de obscurecer qualquer outra consideração relativa à vida de umgrande pintor, que morreu e foi sepultado como “homem pobre”.

A OBRA:

uma abordagem forçosamente subjectiva

No início do século XX estavam atribuídas à autoria de Rembrandt mais de 600pinturas, cerca de 400 gravuras e 2000 desenhos.

O progresso dos estudos da obra de Rembrandt permitiu precisar o volume da suaobra. Da década de 60 do século XX até à actualidade (destacando-se no âmbito dainvestigação acerca desta temática os dados resultantes do Rembrandt ResearchProject da Stichting Foundation) foi possível fixar com segurança a autoria de cercade 300 pinturas, o que ainda assim é um número muito significativo.

Já quanto aos desenhos o número mantem-se (ainda que não sem discussão por partedos diferentes estudiosos), embora aqueles assinados não sejam mais do que 75.

Temáticas dominantes

• Retratística (individual, colectiva, auto-retratos)

• Paisagem

• Cenas narrativas (dominantemente de carácter religioso, bíblicas: Antigo e Novo Testamento, mas também de teor mitológico)

PeriodizaçãoOs autores que monograficamente se ocuparam de Rembrandtreconhecem várias fases na globalidade da sua produção pictórica(as quais podem ser todavia subdivididas em vários períodos):

Uma PRIMEIRA FASE (Leiden, 1625-1631 e Amsterdão, 1632-1636) na qual é reconhecível a influência de Lastman, que estudaraem Roma, com Caravaggio, durante mais de 10 anos, e de Lievens.

As obras deste período evidenciam um contraste muito grande coma iluminação da tela, o que confere grande dramaticidade àspinturas, cujas temáticas eram dominantemente bíblicas oumitológicas.

A movimentação das personagens figuradas era acentuada,exibindo as mesmas expressões intensas, o que contribuía para a járeferida dramaticidade global da cena. As pinturas eramgenericamente de pequenas dimensões, mas riquíssimas emdetalhes, no âmbito do tratamento das vestes e acessórios(joalharia).

Danae, 1636Museu Ermitage, S. Petersburgo

Danae, 1636 - pormenoresMuseu Ermitage, S. Petersburgo

Temática bíblica Apedrejamento de Santo Estêvão, 1625Musée des Beaux-Arts, Lyon

Temática bíblica Judas arrependido devolve as moedas de prata, 1629Mulgrave Castle, Lythe(North Yorkshire)

Temática bíblica A cegueira de Sansão, 1636Städelsches Kunstinstitut und Städtische Galerie, Frankfurt am Main

Temática mitológicaRapto de Europa, 1632J. Paul Getty Museum, Los Angeles

Temática mitológicaDanae, 1636Museu Ermitage, S. Petersburgo

Grupos / retratos colectivosA Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp, 1632Mauritshuis, Haia

PaisagensPaisagem com uma ponte de pedra, c. 1638Rijksmuseum, Amsterdão

PaisagensPaisagem tempestuosa, c. 1638Herzog Anton Ulrich-Museum, Braunschweig

A SEGUNDA FASE tem iníciocerca de 1640, usando Rembrandtcom maior profusãoa monocromia em tons dourados,uma influência clara de Caravaggio(1571-1610).

Porém, o clima da pintura, ao invésde apresentar movimentosrepentinos e fortes, torna-se maisleve, com personagens maisintrospectivas e pensativas.

A Vocação de S. Mateus, 1599-1600,Caravaggio

Igreja de S. Luís dos Franceses, Roma

Os peregrinos de Emaús, 1648Museu do Louvre, Paris

A luz passa a ser, não apenas um elemento integrante do ambiente eparticipante da composição, mas começa a fazer parte do plano espiritualda pintura, como a luz da alma humana.

Os efeitos de luz criam a forma e o espaço e a cor vê-se subordinada aestes.

A profundidade dos quadros de Rembrandt neste período é intensa,solicitando uma participação emocional do observador para a sua plenacompreensão.

“[na pintura de Rembrandt] Um nariz, um dedo não aparecem na sua formamaterial, mas como uma revelação fugidia da luz, imediatamente absorvidapela penumbra. A capacidade de Rembrandt para revelar e esconder é única.A nossa experiência de um corpo tem em conta o seu peso; os corpos deRembrandt, porém, não têm peso: são aparências reveladas por penumbras. Anossa experiência das paixões exclui-lhes a materialidade e, por consequência,o peso; as imagens de Rembrandt representam corpos que dir-se-iampurificados da consistência material para se tornarem imagens de paixões.Corpos que são espirituais e parecem materiais, luzes que são sombras, umavibração cósmica de gradações que envolve até as figuras sentadas – tal é,essencialmente a pintura de Rembrandt. É uma pintura indirecta. Não pinta oque vê mas o que imagina ver.”

Lionello VENTURI,

Para Compreender a Pintura De Giotto a Chagall, Lisboa, Estúdios Cor, 1968, p. 110.

A Ronda da Noite foi a maisimportante encomenda de um retrato colectivo queRembrandt recebeu nesteperíodo da sua actividade.

Com a sua realização o pintoralcançou soluções – ao nívelcompositivo (de uma figuraçãocolectiva e da narrativasubjacente) e, sobretudo, no que ao tratamento (veja-se manipulação) da luz concerne– para problemas com os quaislidara em obras anteriores.

A Ronda da Noite ou A companhia da milícia do capitão Frans Banning Cocq, 1642Rijksmuseum, Amsterdão

Uma das grande lições do barroco: a manipulação da luz

A Vocação de S. Mateus, 1599-1600, CaravaggioIgreja de S. Luís dos Franceses, Roma

Beata Ludovica Albertoni, Gianlorenzo BerniniCapela Altieri, igreja de S. Francesco a Ripa, Roma

Na década imediata à Ronda da Noite, a produção pictórica de Rembrandt varioumuito, quer nas dimensões das obras, quer nos temas eleitos e no estilo adoptado. Atendência até então verificada de criação de efeitos dramáticos com recurso a grandecontraste entre áreas de luz e de sombra, começa a dar lugar ao uso de umailuminação frontal, bem como a maiores áreas saturadas de cor.

Em simultâneo, as figuras são de preferência dispostas paralelamente ao plano datela. Estas alterações podem ser entendidas como uma aproximação a umacomposição mais clássica e, tendo em conta o uso mais expressivo da pincelada, ummaior conhecimento da pintura veneziana. Veja-se a título de exemplo a tela Susana eos Velhos.

Susana e os Velhos, 1647Gemaldegalerie, Berlim

Nesta mesma década (1640-1650) regista-se igualmente uma diminuição das pinturas,em favor das gravuras e dos desenhos, cuja produção conhece um significativoincremento.

Nestes trabalhos a intensidade dos dramas naturais (tempestades, etc.) dágradualmente lugar a mais serenas e tranquilas cenas rurais.

Cabanas sob um céu tempestuoso, c. 1635 ou 1641, gravura,Biblioteca Albertina, Viena

O Moinho, 1641, gravura,Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

As três árvores, 1642-43, gravura,Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

Casa de quinta com sol e sombra, desenho,Szepmüvészeti Múzeum, Budapeste

TERCEIRA FASE

Por volta de 1650, regista-se uma nova alteração na forma de pintar de Rembrandt.As cores tornam-se mais ricas e a pincelada mais pronunciada. Com esta mudança, opintor afasta-se dos seus trabalhos anteriores (em particular daqueles pertencentes auma fase inicial da sua produção) e também da tendência dominante, na época e noespaço em que desenvolvia a sua actividade, a qual se caracterizava por composiçõespovoadas de pormenores finamente pintados, numa procura de minucioso requinteno âmbito da representação.

A característica maior das obras desteperíodo é, sem dúvida, o uso que faz da luz, a qual surge como que entalhada natela, marcada por uma rigorosa aspreza, da qual o brilho se torna praticamenteausente. Esta singular abordagem da pintura poderá denotar o seu maiorconhecimento da pintura de Ticiano(1485-1576) e ser entendida igualmenteno contexto da então corrente discussãoda pintura “acabada” e das qualidadesda superfície pictórica.

O homem com a luva, 1520, Ticiano

Museu do Louvre, Paris

A noiva judia, c.1666Rijksmuseum, Amsterdão

Relatos coevos frequentemente manifestam uma opinião negativa do caráctergrosseiro da pincelada de Rembrandt e o próprio artista terá dissuadido osvisitantes do seu estúdio de observarem as pinturas de muito perto.

A manipulação táctil da tinta na superfície pictórica confere a esta múltiplasvalências, obtendo-se um resultado final de significativa riqueza ao nível dastexturas – sendo perceptíveis as sucessivas camadas, conferindo espessura àsuperfície, dando-lhe um carácter evidentemente matérico, quase escultórico.

O carácter casual da disposição das sucessivas pinceladas é-o sóaparentemente, pois é através dele que o pintor sugere formas e defineespacialidades, de forma ilusória mas perfeitamente única.

Auto-retrato com barrete e colarinho levantado, 1659 National Gallery of Art, Washington

Auto-retrato, 1658 Frick Collection, Nova Iorque

Moisés –pormenor,Michelanagelo Buonarroti (1475-1654)Igreja de S. Pietro in Vincoli, Roma

Dr. Gabriel Fonseca –pormenor,Gianlorenzo Bernini(1598-1680)Igreja de S. Lorenzo in Lucina, Roma

OS ÚLTIMOS ANOS

Nos últimos anos de actividade, Rembrandt continua a pintar grandes cenas –nomeadamente de temática religiosa e concretamente bíblica – mas a ênfase da sua produção reside agora na criação de figuras isoladas, como se de retratos se tratassem, ainda que o representado seja um dos apóstolos, como se verifica com o seu S. Tiago Maior.

S. Tiago Maior Apóstolo, 1661Colecção Privada.

O evangelista S. Mateus inspirado pelo anjo, 1661Museu Louvre-Lens, Lens

Retrato de família, c. 1665Herzog Anton Ullrich Museum, Braunschweig

Os seus derradeiros anos denotam também uma ainda mais acentuadapreocupação (do que aquela que evidenciara ao longo de toda a sua vida)na auto-representação. Entre 1652 e 1669 Rembrandt pinta 15 auto-retratos.

Os auto-retratos

“Rembrandt? Salvo nalguns retratos fanfarrões, tudo revela, desde a sua juventude,um homem inquieto em busca de uma verdade que lhe foge. A acuidade do seuolhar não se explica somente pela necessidade de fixar o espelho. Algumas vezeschega a ter um ar quase mau (…), vaidoso (a arrogância da pluma de avestruz, nochapéu de veludo…e os colares de ouro…), pouco a pouco a dureza do seu rosto vai-se atenuando. Frente ao espelho a complacência narcisista tornou-se inquietude ebusca apaixonada, e mais tarde trémula.”

Jean Genet, Rembrandt, Paris, Gallimard, 1995

Motivações subjacentes à realização dos auto-retratos

• O primeiro modelo de um artista: o próprio.

• Fixação da sua própria representação: importância que atribui à sua pessoa (ao seu papel no mundo e no seu tempo).

• Registos para a posteridade.

• Obsessivo registo do passar do tempo e dos seus efeitos.

• Diversos suportes: óleo sobre tela, sobre madeira e sobre papel (e ainda os desenhos e gravuras, que excluímos deste percurso).

O artista no seu estúdio, 1628-1629Museum of Fine Arts, Boston

Auto-retrato, 1627Staatliche Museen, Kassel

Auto-retrato, 1628Rijksmuseum, Amsterdam

Auto-retrato, 1629Alte Pinakothek, Berlin

Auto-retrato, 1629Museum of Art, Indianapolis

Auto-retrato com colarinho de renda, c. 1629Mauritshuis, Haia

Auto-retrato, c. 1630,Walker Art Gallery, Liverpool

Auto-retrato, c. 1630Nationalmuseum, Estocolmo

Auto-retrato, 1629Germanisches Nationalmuseum, Nuremberga

Auto-retrato com um poodle, c. 1631Musée du Petit Palais, Paris

Auto-retrato com uma touca e um colar de ouro, 1633Museu do Louvre, Paris

Auto-retrato, 1634Colecção Privada

Auto-retrato, 1634Galleria degli Uffizi, Florença

Auto-retrato com barrete e casaco de pele, 1634Staatiche Museen, Berlin

Auto-retrato, 1640National Gallery, Londres

Auto-retrato, c. 1643Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid

Pequeno auto-retrato, 1655 ou 1657Kunsthistorisches Museum, Viena

Auto-retrato, 1658 Frick Collection, Nova Iorque

“the calmest and grandest of all his portraits” Kenneth CLARK, An Introduction to Rembrandt, Londres, John Murray/Readers Union, 1978

Auto-retrato, 1659National Gallery of Art, Washington

Auto-retrato, 1660Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

Auto-retrato, 1660Museu do Louvre, Paris

Auto-retrato, 1661Kenwood House, Londres

Auto-retrato, 1661Rijksmuseum, Amsterdão

Auto-retrato, 1668-1669Walraf-Richartz Museum, Colonia

Auto-retrato, 1669Mauritshuis, Haia

Auto-retrato, 1669National Gallery, Londres

Lisboa, Maio de 2015

Para saber mais (sugestões bibliográficas)

• AAVV, A Corpus of Rembrandt Paintings, Stichting Foundation-Rembrandt Research Project, 1982-2014 (6 vols.)

• ACKLEY, Clifford, Rembrandt’s, Journey, Boston, Museum of Fine Arts, 2004

• CABANNE, Pierre, Rembrandt, Lisboa, Verbo, 1993

• CHAPMAN, H. Perry, Rembrandt’s Self-Portraits. A Study in Seventeenth Century Identity, Princeton, Princeton University Press, 1990

• CLARK, Kenneth, Civilisation: a personal view, Nova Iorque, Harper& Row, 1969

• CLARK, Kenneth, An Introduction to Rembrandt, Londres, John Murray/Readers Union, 1978

• DURHAM, John I., Biblical Rembrandt: Human painter in a Landscape of Faith, Macon, Mercer University Press, 2004

• SCHWARTZ, Gary (ed.), The Complete Etchings of Rembrandt Reproduced in Original Size, Nova Iorque, Dover, 1988

• TUMPEL, Christian (ed.), Rembrandt. Images and Metaphors, Londres, Haus Books, 2006

• VAN DE WETERING, Ernst, The Painter at Work, Berkeley-LosAngeles, University of California Press, 2004

• WHITE, Christopher, BUVELOT, Quentin (eds.), Rembrandt byHimself, Londres, National Gallery, [1999]

Rijksmuseum, Amsterdão2015

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