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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
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COLÉGIO NOSSA SENHORA DE LOURDES – CAJAZEIRAS/PB: PRIMEIRAS DÉCADAS DE FUNCIONAMENTO
Débia Suênia da Silva Sousa1
Maria Arisnete Câmara de Morais2
Apresentação
O presente trabalho é recorte de uma pesquisa de Doutorado em andamento, intitulada
Educação no sertão paraibano: Colégio Nossa Senhora de Lourdes (1928-1983) vinculada ao
Grupo de Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero, do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Este tem o
objetivo de tratar do processo de instalação e funcionamento do Colégio Nossa Senhora
Lourdes, localizado na cidade de Cajazeiras, Paraíba.
Metodologicamente, a pesquisa se assenta no âmbito da História da Educação,
especificamente, da história das instituições educacionais, acerca dos processos de
constituição e desenvolvimento destas. Utilizam-se fontes manuscritas, no diário, História da
Fundação e Diário do Collegio Nª Sª de Lourdes (1928-1930), Livro de Tombo da Diocese de
Cajazeiras (1923), além de fontes escritas impressas, presentes No Jornal o Sport (1928)3,
bem como uma importante documentação encontrada no arquivo do Colégio Nossa Senhora
de Lourdes que possibilitou fornecer elementos significativos para a reflexão sobre a história
da instituição, das pessoas que a frequentaram, das práticas que nela circularam e, mesmo,
sobre as relações que estabeleceu com o seu entorno.
Nessa perspectiva, o recorte temporal corresponde ao início da fundação do Colégio,
sob a orientação e direção das Irmãs da Congregação de Santa Dorotéia, enquanto
funcionava, concomitantemente, no mesmo espaço físico com outra instituição escolar, o
Colégio de Padre Rolim, até o ano de 1949, quando esta última instituição passa a funcionar
em outro espaço. Assim sendo, o referido estudo ancora-se nas contribuições dos trabalhos
1 Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba e doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora Adjunta na Unidade Acadêmica de Educação da Universidade Federal de Campina Grande, no Centro de Formação de Professores, Campus de Cajazeiras. E-Mail: <debiasousa@hotmail.com>.
2 Orientadora. Pós-Doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Pesquisadora do CNPq. Professora Titular do Departamento de Fundamentos e Políticas da Educação da UFRN. Leciona no Programa de Pós-Graduação em Educação. Lidera o Grupo de Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero, desde 1998. E-Mail: <maria.arisnete@pq.cnpq.br>.
3 Importa frisar que ao se referenciar as fontes documentais nesse texto, na transcrição das mesmas foi mantida a ortografia original, destas.
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que tomam a cultura escolar como categoria de interpretação: Dominique Julia (2001),
Antonio Viñao Frago (1995), André Chervel (1988), e Faria Filho (2004).
Surgimento do Colégio Nossa Senhora de Lourdes: características históricas da
cidade de Cajazeiras - PB e da ação pastoral da igreja católica
Sabe-se que na década de 1920, a educação no “mundo”, era vista como elemento
essencial para o progresso da civilização e, no Brasil, não ocorria diferente. Esse período foi
tempo de aspiração e insatisfação com o passado (período monarquista) e ao mesmo tempo
com o futuro. Para Aristides Lobo citado por Carvalho, “[...] o povo teria assistido
bestializado a proclamação da república, sem entender o que se passava” (1987, p.68). No
entanto, as insatisfações que vinham se manifestando por todo o período republicano, nos
vários âmbitos da sociedade brasileira, em especial, no que se refere à política, à economia,
mas também no tocante ao comportamento, idéias e valores. Essa situação parecia ser
decorrente no fato que as “[...] classes populares não viam com tanto entusiasmo a república,
o povo tinha forte simpatia pela monarquia, pela figura do imperador D. Pedro II
(CARVALHO, 1987, p. 86).
A situação da Paraíba nesse contexto de lutas e de progresso assinalava para o incentivo
à cultura do algodão; a ampliação da rede ferroviária, que, muito mais do que benefícios
econômicos, contribuiu para o urbanismo e a modernização dos costumes; o incremento de
obras contra a seca; o aparecimento das usinas de açúcar; o surto de urbanização (MELO,
1993). Esse apogeu acabou por beneficiar as relações entre a capital do Estado e outras
cidades do interior, como foi o caso de Cajazeiras.
De acordo com Leitão (2000), a partir de 1920, a cidade de Cajazeiras começa a passar
por transformações tanto na urbanização, como nos melhoramentos tecnológicos, o que
acaba por ampliar e aprimorar as relações que se estabeleciam entre os comerciantes
cajazeirenses e as cidades vizinhas. Assim, as relações com a capital João Pessoa intensificam
com a chegada do trem em 1923.
Cajazeiras da década de 20 do século XXI conquistou uma série de inovações como a
chegada da luz elétrica, do cinema, do trem de ferro, do telefone e do telégrafo, impressão de
jornais locais, revistas, prática do futebol, vários prédios, casarões e a fundação do Colégio
Nossa Senhora de Lourdes, no prédio do Collegio de Padre Rolim.
Mas, antes de 1920, houve outro fator de desenvolvimento no aprimoramento da
sociedade cajazeirense que resultou da instalação, em 1915, da Diocese e da consequente ação
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pastoral de Dom Moisés Coelho, que dera a Cajazeiras o primado cultural que tanto a
projetou entre as demais cidades da região (LEITÃO, 2000).
A ação pastoral de Dom Moisés Coelho deu um impulso à educação cajazeirense, desde
o início de seu governo diocesano. Foi nesse governo, que a tessitura de fundação do Colégio
Nossa Senhora de Lourdes foi se constituindo.
A história de fundação do Colégio Nossa Senhora de Lourdes está intimamente ligada à
história do Colégio Padre Rolim e a Escola Normal de Cajazeiras. Assim sendo, se faz
importante discorrer sobre esta interrelação. Portanto, situar a Instituição objeto de estudo
na tessitura de outras instituições que a antecedem.
Então, as fontes consultadas evidenciam que o Bispo Dom Moisés Coelho tinha como
uma das metas do seu Plano de Governo Diocesano, a fundação de um estabelecimento de
letras na cidade de Cajazeiras. Nesse sentido, encontrou-se no Livro de Tombo da Diocese de
Cajazeiras (1925), o seguinte registro:
Um dos pontos em que se empenha a actividade patriótica e laboriosa de seu apostolado é sem dúvida a instrução. O meio efficaz de difundir o ensino, sob suas múltiplas funções, no meio da sociedade é a fundação de um estabelecimento de letras. Para levar a effeito esta idéia, reuniu-se em concilio no palácio episcopal, S. Excia. com alguns de seus auxiliares, regulamentando-se como resultado a decisão da abertura do ‘Collegio Pe. Rolim’. (LIVRO DE TOMBO, 1925, fl. 6).
Nessa perspectiva, logo no início do seu governo diocesano, o Bispo Dom Moisés
Coelho demonstrou interesse em restaurar o Colégio Padre Rolim. O citado Colégio foi criado
em 1843, pelo Padre Inácio de Sousa Rolim, com o objetivo de oferecer o ensino secundário
ao público masculino da cidade de Cajazeiras e região.
A criação deste Colégio deu-se no dia 12 de outubro daquele ano, 1843. A maior prova quanto a veracidade deste notável acontecido e data respectiva, teve confirmação na grande festa que Cajazeiras preparou, no dia 12 de outubro de 1943, comemorando o centenário de fundação do seu Colégio. (LEITÃO, 2002, p. 49).
Padre Rolim, se preocupou com a instrução masculina, mas considerou importante a
formação intelectual da juventude feminina. Nesse propósito, encaminhou para Fortaleza –
CE, duas sobrinhas para estudarem, com a perspectiva, de quando estas retornarem a
Cajazeiras - PB pudessem ser as mestras da escola que pretendia criar, como dependência do
Colégio Padre Rolim (Leitão 2002). No entanto, o Padre Rolim, não viveu a tempo de ver seu
ideário de educação feminina na cidade de Cajazeiras se edificar.
Portanto, foi Dom Moisés Coelho, bispo cajazeirense que retomou as lutas do Padre
Rolim, em favor da educação local, quando conseguiu restaurar o Colégio Padre Rolim e que
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este fosse reconhecido como estabelecimento de ensino masculino, bem como fazer funcionar
a Escola Normal de Cajazeiras.
Nesse sentido, Dom Moisés Coelho dirigiu ao Presidente do Estado da Parayba do
Norte, Solon Barbosa de Lucena, uma solicitação de equiparação do Collegio Padre Rolim a
Escola Normal do Estado4. O apelo do Senhor Bispo foi deferido com a instituição da Lei Nº.
454 - de novembro de 1916, que sanciona o seguinte:
Figura 1 - Lei Nº. 454 - de novembro de 1916 Fonte: Arquivo Histórico Waldemar Bispo Duarte/Fundação Espaço Cultural
José Lins do Rego/João Pessoa - PB
Então, com essa equiparação no prédio do Collegio Padre Rolim, também funcionou no
mesmo local a Escola Normal do Estado. Logo, o projeto de instrução masculina e feminina,
para a cidade de Cajazeiras – PB, que tanto almejou o Padre Inácio de Souza Rolim, de fato
foi retomado pelo Bispo Dom Moisés Coelho. No entanto, a equiparação definitiva do Colégio
Padre Rolim à Escola Normal do Estado, consolidou-se em 1921, segundo o Decreto n. 1108
de 21 de fevereiro do mesmo ano.
Não obstante, Dom Moisés queria mais, ou seja, que a instrução masculina fosse
dirigida por padres e a feminina por freiras. Nesse intento, desde 1924, Dom Moisés Coelho
começou a ajustar com as Irmãs da Congregação de Santa Doroteia, que dirigiam o Colégio
4 Informações obtidas no Livro de Tombo da Diocese de Cajazeiras (1925).
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de Nossa Senhora do Sagrado Coração, em Fortaleza, a entrega do Curso Normal,
dependência do Collegio Padre Rolim. Dessa forma, a importância da educação feminina, na
instituição que se almejou edificar, foi um acontecimento, que ganhou repercussão na cidade,
antes mesmo das Irmãs da Congregação de Santa Doroteia chegarem a Cajazeiras – PB. Esse
fato pode ser constatado, no texto que segue, intitulado Mulheres admiraveis publicado na
Revista Flor de Liz, em 20 de julho de 1927:
Figura 2 – Texto Mulheres admiráveis – Revista Flor de Liz - 1927 Fonte: Núcleo de Documentação Histórica Deusdeth Leitão/ CFP/UFCG - Campus de Cajazeiras – PB
Esse texto publicado na Revista Flor de Liz teve sua razão de ser, haja vista, que a
Revista foi resultado do movimento da Ação Social Católico Feminino ligado a diocese de
Cajazeiras. Então, nada mais apropriado, que a notícia da possibilidade da instrução
feminina, na cidade, sob a direção das religiosas do Instituto de Santa Doroteia, apesar os
obstáculos, que na década de 1920, se levantavam contra a educação da mulher, tenha sido
propagada, inicialmente, pela Revista em destaque. Também, fica evidente, no documento, o
constatado anteriormente, ao citar o Livro de Tombo da Diocese (1925), que a preocupação
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com a educação feminina, fez parte do legado de D. Moisés Coelho, enquanto esteve à frente
da Diocese de Cajazeiras – PB.
Evidencia-se, portanto, que efetivamente a proposta de ter as Irmãs Doroteias dirigindo
a Escola Normal do Estado em Cajazeiras – PB, desenvolveu-se em agosto de 1927, quando a
Reverendíssima Madre Provincial, Enrichetta Cesari ordenou que duas de suas madres e uma
aluna se dirigissem a cidade de Cajazeiras, na Paraíba para tratar com o Bispo Dom Moisés a
respeito das Doroteias tomarem conta da Escola Normal de Cajazeiras, conforme registro
encontrado no documento História da Fundação e Diário do Collegio Nª Sª de Lourdes
(1928-1930),
No dia 16 de Agosto de 1927, a Revd.ª Madre Andrade Sucupira do Collegio de N. Sª. do Sagrado Coração em Fortaleza, em companhia de M.e Sosinho, economa, do dito Collegio, e de uma alunna(Aurelia Ferrer) que lhes arranjou passagem gratis até Lavras, dirigiu-se a Cajazeiras, na Parahyba afim de cumprir uma ordem que havia recebido da Revd.ª Madre Provincial - Enrichetta Cesari. (HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928-1930, fl. 1).
Nesse sentido, ao chegarem à cidade de Cajazeiras, as madres tinham a missão de
conhecer o lugar, o qual se encontrava instalada a Escola Normal, como queria
[...] a Revd.ª Madre Provincial que a Revd.ª Madre Andrade visitasse o prédio da Escola Normal; indagasse o subsidio dado pelo governo à mesma, as disposições dos professores para cederem suas cadeiras, quais os que deviam continuar; e ver também se o Snr. Bispo já tinha instalado a luz electrica no prédio e encanado a água como havia promettido. (HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928-1930, fl. 1).
Evidentemente, compreendo que o cuidado da Reverendíssima Madre Provincial,
Enrichetta Cesari, em saber sobre as condições de instalação da Escola Normal ocupa um
“lugar” para além da própria estrutura logística de funcionamento da Instituição, como dos
elementos mais significativos em relação aos professores e as cadeiras de ensino. Assim,
corroboro com Certeau (1994) quando, afirma que o lugar é também
A ordem segundo a qual se distribuem elementos nas relações de coexistência. Aí se acha portanto excluída, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Aí impera a lei do ‘próprio’: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar ‘próprio’ e distinto que define. Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade. (CERTEAU, 1994, p. 201).
Nesse caso, constitui na consideração do lugar que a Escola Normal ocupava nas
dependências do Colégio e mais, das articulações necessárias com a Diocese, enfim, com a
produção socioeconômica, política e cultural da sociedade cajazeirense e do governo do
estado, o qual implica um indicativo de estabilidade. Indicativo esse, que já delineava a
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cultura escolar que se formaria no futuro Colégio Nossa Senhora de Lourdes, enquanto,
dirigido pelas Irmãs Doroteias. Assim, a conduta das Doroteias ao questionarem sobre as
condições do lugar, que instalariam o Colégio, bem como, se o governo arranjaria com os
professores, para que as cadeiras fossem ministradas pelas Doroteias, possibilita a
compreensão que a cultura escolar, admite o
[...] conjunto de normas que definem saberes a ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses saberes e a incorporação desses comportamentos, normas e práticas ordenadas de acordo com finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). (JULIA, 2001, p. 10).
Nesse sentido, fica evidente que essas regras e práticas são acordadas pelas intenções
que são postas às instituições educacionais, as quais variam de acordo com o momento
histórico, com os valores religiosos ou com fins de socialização. Contudo, a conduta das
Irmãs Doroteias, ao apresentarem exigências e normas a serem cumpridas pelo governo
diocesano e o governo estadual, para que as mesmas aceitassem a proposta de cuidar da
educação feminina e instalarem o Colégio Nossa Senhora de Lourdes, nas dependências do
Colégio Padre Rolim acolhe a perspectiva que a cultura escolar, também se insere num
sistema de valores que precede o funcionamento cotidiano de uma instituição educativa.
Quando chegaram à cidade de Cajazeiras, as Irmãs Doroteias foram bem acolhidas por
Dom Moisés Coelho, pelo diretor da Escola Normal, Monsenhor Constantino, pelas alunas e
familiares das mesmas. Na busca de cumprir a missão, a Madre Andrade e sua companheira
percorreram as instalações da escola, observando os mínimos detalhes de funcionamento,
como estrutura das salas de aula, espaço para recreio, dormitório, móveis, retratos, etc.
Enfim, tudo o que pudesse servir de informação para compor o relatório e apresentar a
Reverendíssima Madre Provincial5.
O desejo das Irmãs Doroteias assumirem a direção da Escola Normal foi algo esperado
e acolhido, também pela sociedade cajazeirense. A dimensão da visita das Irmãs alcançou a
população de Cajazeiras – PB, quando foi publicado na Revista Flor de Liz um texto
intitulado “As Dorothéas em Cajazeiras” que fez menção a hospedagem destas na cidade, com
o intuito de conhecerem o prédio que seria fundado o Colégio das Doroteias em Cajazeiras.
Assim, no referido texto foi publicado:
[...] A razão dessa viagem foi conhecer o prédio que o Exmo. Sr. Bispo vae doar ao instituto para nele se fundar o collegio de Cajazeiras, velha
5 Informações contidas na História da Fundação e Diário do Collegio Nª Sª de Lourdes (1928).
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preocupação do nosso querido prelado, sonho dourado das famílias sertanejas. Posso afirmar que foi optima a impressão que as Irmãs colheram nesta cidade. Visitaram o commercio examinando preços, tomando nota, com o fim de darem um caracter inteiramente pratico a sua inspecção. [...] (FLOR DE LIZ, 1927, p. 08).
As providências foram tomadas e em novembro de 1927 chegou de Roma a aceitação da
Fundação para que as Irmãs Doroteias tomassem conta da Escola Normal na Diocese de
Cajazeiras. Porém, em 28 de fevereiro de 1928, em uma reunião presidida pelo Monsenhor
Constantino Vieira da Costa, juntamente com os professores e Reverenda Madre Maria Rosa
Andrade, foi acordado solenemente, a transferência da Escola Normal de Cajazeiras para o
domínio das Irmãs Doroteias. Ficou firmado também, que Irmã Andrade assumiria o cargo
de diretora interina do Colégio e Escola Normal de Cajazeiras.6
Então, em 28 de fevereiro de 1928, originando-se da Escola Normal de Cajazeiras, a
partir da direção da mesma sob o domínio das Irmãs Doroteias, efetivamente começa a
trajetória da fundação do Colégio que, posteriormente, será chamado de Colégio Nossa
Senhora de Lourdes.
Colégio Nossa Senhora de Lourdes (1928 – 1949)
Quando as irmãs Doroteias assumiram a direção da Escola Normal no Colégio iniciou-
se o processo de exame de admissão, por meio de prova escrita, aplicada as alunas internas
para cursarem o 1º Normal. A diretora do colégio foi a presidente da banca, juntamente com
uma comissão examinadora. Nesse sentido, a atuação das Irmãs no Colégio primou à
utilização da escrita, como elemento importante na prática docente, por elas desenvolvidas.
Portanto, ficou sugestivo que o uso da escrita se fez presente no processo inicial de fundação
do Colégio e da cultura escolar do mesmo.
Logo em seguida, começaram a organizar a prática docente do Colégio, desenvolvida
por elas mesmas, por alguns padres e leigos, seguindo os preceitos da Igreja Católica, mas
também com perspectivas pedagógicas e metodológicas que indicavam a utilização do lúdico.
Assim, havia dias que “[...] as internas ensaiavam uma comedia e algumas brincadeiras
infantis. [...].” (HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928 -1930, fl. 5).
Cotidianamente, as Doroteias deram ao lugar já existente, características próprias,
corroboradas por suas ações, fosse ao melhoramento do espaço físico do Colégio, fosse à
mudança e organização dos professores para lecionar as cadeiras para as alunas do Normal e
do Curso Primário. Assim, ficou determinado que “[...] o Rev.mº Pde. Gervasio ficaria com a
6 Idem.
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cadeira de Francez do 1º e 2º anno Normal e as de Catecismo do Curso Primario e
Normalistas e a Capellania. O Prof. Hidelbrando com as cadeiras de Arthmetica e Algebra.”
(HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928-1930, p. 10). Nesse sentido, a ênfase da
cultura escolar que se produziu no Colégio vai de encontro ao entendimento, desta, como o
contíguo dos aspectos institucionalizados que distinguem a instituição educacional como
organização, o que inclui:
[...] práticas e condutas, modos de vidas, hábitos e ritos – a história cotidiana do fazer a escola -, objetos materiais – função, uso, distribuição no espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparecimento... -, e os modos de pensar, bem como significados e idéias compartilhadas. (VIÑAO FRAGO, 1995, p. 68-69).
A descrição de como foi determinado à escolha de quem ministraria as cadeiras,
possibilita o entendimento de como a prática docente ali era exercida, visto que as cadeiras
com finalidades educativas de formação religiosa ficavam sob a responsabilidade de
membros da Congregação ou da Diocese e as demais se alternavam entre padres e leigos.
Nesse sentindo, as cadeiras eram distribuídas de acordo com o que se esperava que o
professor ensinasse. No entanto, sabe-se que as disciplinas escorares constituem “[...] um
conjunto complexo que não se reduz aos ensinamentos explícitos e programados”
(CHERVEL, 1988, p. 188). Contudo, não foi identificado no documento História da
Fundação e Diário do Collegio Nª Sª de Lourdes (1928 -1930), se os conteúdos das
disciplinas, se a prática docente era articulada a realidade das alunas, seus saberes e suas
necessidades.
Assim, há um conhecimento da necessidade de evangelização na prática docente que se
constituía nos elementos da cultura escolar do Colégio. Portanto, naquele momento, pois
existia a motivação e contentamento, quando as internas se faziam presentes, quando da
presença do Senhor Bispo Dom Moises no Colégio, como registrado no documento História
da Fundação e Diário do Collegio Nª Sª de Lourdes (1928 -1930),
Às 3 horas da tarde o Collegio uniformisado guiado pela carissima Superiora Madre Andrade foram cumprimentar a Exciª. D. Moysés. Depois de um discurso pronunciado por uma alunna, a Exciª. parecendo estar satisfeitíssimo com a presença das alunnas agradeceu aquella équena, mas sincera manifestação, amimando-as a serem muito dóceis e obedientes. (HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928-1930, fl. 8). (Grifo meu).
Portanto, segundo o registro acima, é possível considerar que a prática docente
desenvolvida no Colégio, também, tinha a função de instruir, treinar e aprimorar as internas
e externas no sentido de obedecerem, não somente os pais, mas, sobretudo, os preceitos da
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doutrina católica. Assim, em uma de suas visitas ao Colégio, o Bispo Dom Moises ratifica tal
afirmação quando
[...] apreciando a grandíssima transformação operada em tão grande parte do edifício. [...] esteve no recreio onde as internas faziam o lanche e entreteve-se com as mesmas, dizendo-lhes que deveriam ter muita estima e até mesmo uma alta veneração ao Collegio porque foi fundado por um verdadeiro santo e também por ter sido o berço de grandes e ilustres homens. HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIO ..., 1928-1930, fl. 11).
A prática docente, bem como a construção da cultura escolar do Colégio, aconteceu
segundo os princípios básicos para a formação de valores, preconizados pela Congregação da
Doroteias, dentre os quais se destacam a ordem, o bom comportamento, a polidez, a fé, a
obediência, a simplicidade. Assim, a prática docente deveria primar para ensinar as
educandas,
[...] o que convém a uma pessoa chamada a viver cristãmente no mundo, segundo as circunstâncias do seu estado e condição. Por isto, além do estudo da leitura e da escrita, que convém a todos, se lhes dará alguns conhecimentos elementares de gramática, história, geografia e aritmética. Não se descuidava de cultivar-lhes a memória, fazendo-as aprender cuidadosamente o que mais importa saber para o modo de proceder na vida e para ornamento da boa sociedade (CONSTITUIÇÕES, 1999, p.66, In: CONGREGAÇÃO...1969).
Quando as Irmãs Doroteias aceitaram dirigir à Escola Normal de Cajazeiras e fundar o
Colégio Nossa Senhora de Lourdes e solicitaram desde o começo que algumas demandas
fossem atendidas pela Diocese e pelo Governo do Estado, como citado anteriormente,
considero na prática das mesmas, uma tentativa de pôr em evidência um lugar, um rito, uma
representação, ou melhor, procurar compreender quais usos as pessoas fazem daquilo que
lhe é imposto. (CERTEAU, 1985).
Isso permitiu inferir que a educação preconizada pelas Doroteias, especificamente,
passados seis meses de atuação das mesmas à frente da educação feminina no Colégio Nossa
Senhora de Lourdes foi capaz de integrar significativamente, os anseios da própria
Congregação, da Diocese de Cajazeiras e da sociedade a que se destinavam as futuras
professoras, para atuarem na docência. O trecho de um texto publicado no Jornal o Sport
ajuda a corroboração dessa inferência:
Com atrahente e bem organizado programma, encerrou no dia 21 do corrente o anno lectivo o Collegio [...] hoje sabiamente dirigido pelas Irmas Dorothèas. [...] sahe este anno a 7ª turma de professores. Felicitando muito felicitando muito cordealmente a digna directoria do Collegio pelo brilho da festa, fazemos votos para que as novas professoras, hoje depositarias de uma missão honrosa concorram com a intelligencia e o caracter em beneficio da educação da juventude patrícia. (O SPORT, 1928, p. 2).
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Esse trecho do Jornal O Sport leva ao entendimento de que as propostas educacionais
vigentes no país, inclusive de perspectivas cívicas nacionalistas, podem ter sido
evidentemente, difundidas na cultura escolar do Colégio. Igualmente, que o projeto de
educação do Instituto de Santa Doroteia foi bem acolhido e atendeu as perspectivas iniciais
da sociedade cajazeirense.
A Congregação tinha como missão educativa “evangelizar através da educação com
preferência pela juventude e pelos mais pobres” (CONSTITUIÇÕES, art. 26. Apud
CONGREGAÇÃO DE SANTA DOROTÉIA DO BRASIL, 2003, p.46). Paula Frassinetti
transmitia suas intuições pedagógicas através das cartas escritas às Irmãs Superioras dos
Colégios Doroteanos. As diretrizes da Congregação transmitidas pelas Constituições e Regras
do Instituto iluminavam as práticas educativas, ao constituírem o seu projeto educativo. Por
essa perspectiva, para explicar a cultura escolar no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, se faz
imprescindível, compreender que está é interpretada a partir de seu cotidiano, transforma-se
em um espaço vivo e dinâmico. (FARIA FILHO ET all, 2004).
Na intenção de historiar a fundação do Colégio em destaque, é necessário frisar, que
mesmo evidenciando-se no documento História da Fundação e Diário do Collegio Nª Sª de
Lourdes (1928-1930), o nome da instituição como Colégio Nossa Senhora de Lourdes, desde
essa data, oficialmente, esta só passou a ter designação de Nossa Senhora de Lourdes em
maio de 1949. Esse fato é de grande importância na pesquisa, pois, como até o momento, não
existe um trabalho que trate da fundação do referido Colégio, existiu sempre dúvidas sobre
quando o mesmo passou a ter a designação mencionada. Ou seja, de 1928 até maio de 1949
funcionou concomitantemente no Prédio do Colégio Padre Rolim, inclusive pela designação
do mesmo nome. A diferença era apenas o acréscimo do termo ginásio normal, já que se
tratava da educação feminina dirigida pelas Doroteias. A seguir, nos documentos
requerimento de exame de admissão e ficha escolar da aluna é possível identificar essa
ocorrência:
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Figura 3 – Designação do Ginásio Escola Normal Padre Rolim (1947) Fonte: Arquivo Escolar do Colégio Nossa Senhora de Lourdes
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Figura 4 – Designação Nossa Senhora de Lourdes (1949) Fonte: Arquivo Escolar do Colégio Nossa Senhora de Lourdes
As informações desses documentos comprovam que nos documentos administrativos,
em 1949 a designação do Colégio passou a ser Ginásio Nossa Senhora de Lourdes.
Portanto, inicialmente, para um significado histórico do desígnio do nome do Colégio
Nossa Senhora de Lourdes, bem como da fundação dessa instituição educativa, no contexto
educacional da cidade de Cajazeiras, da Paraíba e do Brasil. Portanto, a “[...] história de uma
instituição educativa visa, por fim, conferir uma identidade cultural e educacional. Uma
interpretação do itinerário histórico, à luz do seu próprio modelo educacional”.
(MAGALHÃES, 1999, p. 72).
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Considerações finais
A partir da análise feita aqui, sobre a fundação do Colégio Nossa Senhora de Lourdes,
localizado na cidade de Cajazeiras, no alto sertão paraibano pode-se entender que a origem
do Colégio esteve entrelaçada nos anseios de famílias da oligarquia local e regional, mas,
principalmente, ao processo de continuação de uma educação católica, nos primórdios
pensada e pelo Mestre Padre Inácio de Sousa Rolim e mais adiante, concretizada pelo Bispo
Do Moises Coelho. Contudo, inserida num contexto educacional maior promulgado pela
Reforma Católica.
Também, que sua fundação foi se constituindo quando as Irmãs da Congregação de
Santa Doroteia aceitaram orientar e dirigir a educação feminina, da antiga Escola Normal do
Estado e equiparada ao Colégio Padre Rolim. Que simbolicamente, desde o primeiro
momento da atuação das Irmãs à frente da educação feminina, a designação do nome do
Colégio era Nossa Senhora de Lourdes. Embora, oficialmente, só ocorreu em maio de 1949.
Nesse sentido, uma coisa é certa, a cultura escolar produzida no Colégio Nossa Senhora
de Lourdes, no período (1928-1949) em destaque neste artigo, indica que a educação religiosa
esteve emaranhada em todos os momentos, fazendo esta ser uma matéria de destaque, nos
moldes aqui destacados e em outros que deverão ser explorados na consolidação da tese de
Doutorado, intitulada Educação no sertão paraibano: Colégio Nossa Senhora de Lourdes
(1928 – 1983).
Interpretar a cultura escolar de uma instituição é uma tarefa, não muito fácil. No
entanto, iniciar pelos elementos, pelas regras, condutas e simbologias que estão inseridas em
seus muros, mas também fora deles é uma atitude assertiva de quem deseja contar a história
de uma instituição, pelo víeis dessa categoria de análise.
Assim sendo, a perspectiva desse artigo intencionou a compreensão que a história de
uma instituição educacional, é também, antes de qualquer coisa, inferi-la no contexto do
sistema educacional brasileiro, mas além de tudo buscar sua associação no contexto histórico
local, ou seja, da cidade de Cajazeiras.
Referências
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Revistas e jornais
REVISTA FLOR DE LIZ. Ano I, n. 3, Cajazeiras, jul. 1927. In: Núcleo de Documentos Históricos Deusdeth Leitão. CFP/UFCG – Campus de Cajazeiras – PB. ______. 3, Cajazeiras, ago. 1927. In: Núcleo de Documentos Históricos Deusdeth Leitão. CFP/UFCG – Campus de Cajazeiras – PB. JORNAL O SPORT. Ano III, n. 111. Núcleo de Documentos Históricos Deusdeth Leitão. CFP/UFCG – Campus de Cajazeiras – PB.
Arquivos Consultados
Arquivo Histórico Waldemar Bispo Duarte/Fundação Espaço Cultural - José Lins do Rego, em jul. de 2015. João Pessoa – Paraíba. Arquivo escolar – Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em 2015-2016.
Documentos manuscritos
HISTORIA DA FUNDAÇÃO E DIARIÓ DO COLLEGIÓ Nª. Sª. DE LOURDES, Cajazeiras, fev.1928 -1930. 50p. In: Biblioteca do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, em 2015-2016.
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