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COSTURANDO RETALHOS: HISTÓRIA DA SUINOCULTURA EM ITAPIRANGA1
Leandro Hahn2
Seno Leopoldo Anton3
RESUMO
Resgatar e descrever os principais elementos que caracterizaram a história da suinocultura em
Itapiranga é o objetivo central deste trabalho. Para isso, foi consultado o pouco da memória
registrada em livros e informações obtidas de entrevistas de agricultores e técnicos envolvidos
com o setor. Através desta pesquisa, três fases puderam ser identificadas. Inicialmente uma
fase predominada pela suinocultura extensiva, com a criação de animais chamados crioulos,
totalmente soltos e, cuja finalidade era produzir banha para a comercialização e subsistência
das famílias. Uma segunda fase foi marcada pela criação das agroindústrias de integração e
intervenção da Associação de Crédito e Assistência Rural de Santa Catarina (ACARESC).
Uma terceira fase foi marcada pelo término da intervenção da ACARESC no setor suinícola,
sendo este papel assumido totalmente pelas agroindústrias de integração, através dos seus
contratos de parceria. Um novo modelo de suinocultura começou a preponderar desde então,
concentrando os animais em poucas propriedades e a maior parte das tomadas de decisão nas
mãos das agroindústrias.
Palavras-chave: História, Suinocultura, Poluição ambiental, Agroindústria
ABSTRACT
To rescue and to describe the main elements that characterized the history of the swine
breeding in Itapiranga is the central objective of this work. For that, the little of the memory
registered in books was consulted and obtained information on the interviews by farmers and
technicians involved with the section. Through this research, three phases could be identified.
Initially a prevailed phase by extensive swine breeding, with the creation of animals called
“Creoles”, totally loosened and, whose purpose was to produce fat for the commercialization
1 Pesquisa realizada na disciplina de Origens da Agricultura do Curso de Pós-Graduação (Mestrado) em Agroecossistemas/UFSC. 2 Coordenador e Professor Curso de Agronomia FAI – Faculdade. Mestre em Agroecossistemas (agronomia@seifai.edu.br) 3 Professor de Ciências Agrícolas e Naturais, Mestre em Agroecossistemas, Atua como Diretor da Escola Básica Municipal Peperi-Guaçu de Linha Aparecida, Itapiranga-SC. E-mail: senoanton@pop.com.br Fone 49-36773099
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and subsistence of the families. A second phase was marked by the creation of the integration
agribusinesses and intervention of the Association of Credit and Rural Attendance of Santa
Catarina (ACARESC). A third phase was marked by the end of the intervention of
ACARESC in the swine production, being this paper totally assumed by the integration
agribusinesses, through their partnership contracts. A new swine breeding model began to
prevail ever since; concentrating the animals in few properties and most of the taking of
decision stayed the hands of the agribusinesses.
Key-words. (History, swine breeding, Porto Novo, Environment pollution, Agribusiness.
INTRODUÇÃO
A suinocultura em Itapiranga4 sofreu inúmeras transformações desde que os primeiros
animais foram introduzidos pelos colonizadores alemães. Após um modelo inicial de
produção em que os suínos eram produzidos com recursos gerados exclusivamente dentro da
propriedade, a atividade passou a ser desenvolvida num modelo em que todos os insumos são
produzidos e trazidos de fora da propriedade agrícola e, na maioria das vezes, à distâncias e
custos muito altos, sendo que o agricultor participa apenas com a mão-de-obra. O agricultor
perdeu toda a ingerência na atividade.
Quem não quis ou não teve recursos financeiros para converter seus sistemas
tradicionais de criação ao novo sistema, não mais conseguiu comercializar seus animais e teve
que abandonar a atividade. Além da eliminação da grande maioria dos produtores, verificou-
se uma grande concentração de animais em poucas propriedades e o conseqüente grande
acúmulo de dejetos, provocando inúmeros problemas ambientais. Atualmente, de acordo com
dados levantados pela SECRETARIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO RURAL E
DA AGRICULTURA – SDA (2002), esta região figura entre as mais problemáticas do ponto
de vista ambiental do estado de Santa Catarina.
Descrever a trajetória da suinocultura em Itapiranga é o que tentaremos fazer neste
trabalho. As poucas informações registradas que encontramos para auxiliar-nos nesta tarefa
demonstra já haver uma significativa perda da memória histórica, o que vem a ressaltar a
importância deste trabalho.
Para ajudar-nos a contar esta história, utilizamos algumas publicações, principalmente
JUNGBLUT (2000) e informações obtidas através de entrevistas a técnicos e suinocultores da
região.
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PRIMEIRA FASE: COLONIZAÇÃO DE PORTO NOVO E O INÍCIO DA
SUINOCULTURA
Os suínos foram os primeiros animais domésticos criados para fins comerciais pelos
colonizadores descendentes de alemães em Itapiranga. Os primeiros exemplares vieram de
lancha de Nonoai/RS, em 1928, dois anos após a vinda das primeiras famílias, junto com
alguns bovinos e galinhas. Estes colonizadores já tinham algum conhecimento sobre sua
criação, já que eram comuns criações de porcos nas colônias velhas.
Em Santa Cruz do Sul criávamos os porcos em currais bem grandes e tinham grama
para pastar. Dávamos mandioca, milho em espigas, batata-doce, abóbora, serralha e
estas coisas trazidas da roça. Levava-se muito tempo até atingir 100 kg. Para
engordar os bichos, a gente os separava, geralmente numa baia no chão e tratava
lavagem com minerais feitos de enxofre, farinha de osso, torresmo e sal comum. A
água da pia também era dada para os porcos (Agricultor de Itapiranga).
Os porcos tinham a finalidade de fornecer carne para as famílias e a banha era
utilizada para conservar a carne e o excedente comercializado. A carne era salgada, fritada,
mergulhada em banha dentro de latas de 20 Kg ou em tambores de ferro e ali podia se
conservar até um ano. Conforme Strieder (2000), produzir excedentes para o mercado, além
de ser uma necessidade para que pudessem comprar aquilo que não podiam ou mesmo não
queriam produzir na propriedade, é também uma necessidade de externar um valor cultural
de praxe nas “colônias velhas” do Rio Grande do Sul, trazido pelos imigrantes alemães e
italianos de seus países de origem.
A banha foi depois da extração e venda da madeira, o produto que nas primeiras três
décadas mais renda trouxe às famílias itapiranguenses. Quem intermediava a venda da banha
dos agricultores para mercados mais distantes eram os comerciantes. Estes compravam o
produto e o vendiam para Santa Bárbara e Santo Ângelo no Rio Grande do Sul, arcando com
o frete. Mais tarde, o produto foi levado a Ijuí/RS e ao frigorífico Pagnocelli de Joaçaba/SC.
Os comerciantes eram elementos chaves nesta primeira fase da suinocultura. Eles eram
uma espécie de conselheiro dentro da comunidade, prestando assistência financeira e técnica
aos moradores, (Strieder, 2000). Desta forma, através de atos em prol das pessoas e das
comunidades, sua influência foi se tornando cada vez mais importante e mais requisitada.
Estabelecia-se assim uma relação de dependência do agricultor com o comerciante, em nome
da confiança e da amizade. Esta dependência era tão forte que dificilmente os agricultores
4 Neste trabalho, Itapiranga compreende o atual município de Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis.
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participavam da fixação de preços dos animais que comercializavam, assim como de outros
produtos postos à venda e das mercadorias que compravam para o consumo. A herança
histórica de não participação das decisões comerciais da produção de suínos continuará a se
refletir mais tarde, quando o comerciante é substituído pelas grandes agroindústrias
integradoras.
Até 1957, os comerciantes ainda compravam a banha em quaisquer quantidade e
qualidade. Por volta de 1955, deixou de ser rentável produzir banha, e os porcos passaram a
ser vendidos inteiros. Uma estimativa de 1949 avalia que neste ano Porto Novo produziu
400.000 Kg da banha (RHODE, 1951 apud JUNGBLUT, 2000).
Os animais criados eram de raças crioulas, sem melhoramento genético, com baixa
precocidade e produtividade, mas que apresentavam uma rusticidade muito grande, com baixa
propensão a doenças e parasitas.
Doenças tinham algumas. Morriam porcos até por causas desconhecidas. Muitas das
doenças atuais já existiam. Quando tinha produtos na venda, a gente comprava e
aplicava. Para suínos ressequidos fazia-se um preparado com banha e sabão e se
aplicava no reto do animal. Era solto no barro onde pudesse fuçar. Contra os vermes
nós fazíamos alguns tratamentos com injeções ou colocávamos um produto na água.
Quando não tinha medicamentos tratava-se alho (Agricultor de Itapiranga).
Os porcos eram criados soltos, junto com os bovinos ou em áreas separadas. A
engorda geralmente era feita em chiqueiros rudimentares. O esterco caía pelo piso e escorria
por baixo e ao redor dos chiqueiros, sem muita preocupação com a poluição do ambiente e a
sua utilização como fertilizante. Era comum em dias de chuva o esterco ser carreado até os
riachos próximos.
Ninguém usava ração comprada, esta nem era disponível na região. Os suínos
recebiam como alimentação complementar um ensopado preparado com abóboras, melões,
melancias, mandioca, soja, sal e água. Este ensopado era preparado em panelões ou em
tachos. A água usada para lavar louça na cozinha também era tratada aos porcos. A água era
carregada com baldes e derramada em cochos de madeira, sendo comum a sua falta, além da
má qualidade da mesma (não havia água encanada). Era costume tratar os suínos por volta dos
2 anos, quando estavam tão gordos que apresentavam até dificuldade para se locomoverem.
As condições higiênico-sanitárias das famílias nos primeiros anos também eram
bastante precárias. As defecações geralmente eram feitas em latrinas, ou casinhas, como
alguns as conheciam. As famílias que não possuíam esta construção faziam suas defecações a
céu aberto, de maneira que os animais acabavam entrando em contato com estes resíduos.
Assim os porcos eram fonte potencial de inúmeros parasitas ao homem, como as lombrigas e
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a Tenia solium. Pelo consumo de carne suína mal processada, o homem acabava se
recontaminando.
Neste primeiro período, podemos perceber que a criação de suínos nas propriedades
apresentava um papel preponderante, tanto como fonte de alimento e de renda, assim como o
suíno representava um elemento que reciclava inúmeros resíduos dentro da propriedade e os
transformava em carne e banha. O custo de produção dos animais nesta época era
praticamente nulo, pois todo o alimento complementar da dieta dos suínos era produzido
dentro da propriedade. A prática da policultura
milho/abóbora/melão/melancia/batata/mandioca permitia um rendimento de alimentos
bastante elevado.
A partir da década de 60 é que a atividade começou a se modificar mais
significativamente. Dois fatos vieram a ser um verdadeiro “divisor de águas” dentro da
suinocultura itapiranguense: a implantação da Sociedade Anônima Frigorífico Itapiranga
(SAFRITA) em 1962, e de um escritório local da Associação de Crédito e Assistência Rural
de Santa Catarina (ACARESC), em 1965.
SEGUNDA FASE: A IMPLANTAÇÃO DO FRIGORÍFICO E A ATUAÇÃO DA
ACARESC
A idéia de construir um frigorífico em Itapiranga nasceu de um levantamento sócio-
econômico encomendado pela prefeitura municipal. Este levantamento, aliás, o primeiro feito
no município, foi realizado de 1961 a 1962 por uma empresa paulista e tinha como objetivo
fazer um diagnóstico da realidade agrícola em Itapiranga. A partir dos dados de produção e
produtividade das principais atividades agrícolas desenvolvidas e de uma demanda de
mercado, alguns empreendimentos foram sugeridos. Com relação à suinocultura, os dados
obtidos, somados ao conhecimento de haver uma grande produção de suínos em todo Oeste
Catarinense e de uma grande demanda nacional por carne suína, viabilizariam a construção de
um frigorífico.
Neste levantamento foram identificados 44.000 suínos, quase todos do tipo banha, o
que permitiria o abate diário de 110 porcos. Os municípios vizinhos forneceriam mais 30.000
suínos permitindo um abate de 250 suínos/dia. Ainda de acordo com este levantamento, a
participação da suinocultura em Itapiranga representava 73% da renda familiar. Cerca de
2.200 propriedades agrícolas tinham suínos, com uma média de 20 porcos de 120
Kg/propriedade/ano.
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O frigorífico foi dimensionado para abater até 400 suínos/dia. Ainda em 1962, foi
formada uma comissão para dirigir os trabalhos do frigorífico. A equipe formada tomou o
nome de COMUDE – Comissão Municipal de Desenvolvimento. Dela participavam
agricultores que tinham ações na empresa
Como o mercado consumidor na época já exigia uma carne suína mais magra e a
banha também não tinha mais uma grande aceitação pelo consumidor devido à uma grande
propaganda contra este produto, e ao mesmo tempo a favor do consumo de óleo de soja, a
nova empresa começou a incentivar a substituição das raças crioulas do tipo banha por raças
do tipo carne. Estas deveriam ser mais precoces e as matrizes teriam que criar mais leitões,
favorecidas por reprodutores bem selecionados, um melhor manejo e o uso de uma ração
balanceada na dieta.
O Pe. Oscar Puhl foi quem trouxe as primeiras raças melhoradas para Itapiranga.
Fundou um posto de suinocultura no atual Colégio Agrícola São José, no interior de
Itapiranga, e trouxe reprodutores Duroc-jersei, de pêlo vermelho, Berkshire, de pelagem
branca e preta, Landrace, e mais tarde Largewhite, ambas de pelagem branca. Ele vendeu
vários animais aos produtores. O povo falava em “Paterpuhlschwein” - porcos do Pe. Puhl.
Toda a assistência técnica aos produtores era pública. Por isso, papel preponderante na
modernização da suinocultura em Itapiranga deve ser atribuído a ACARESC. A instalação da
ACARESC possibilitou a vinda de um engenheiro agrônomo e a introdução de novas técnicas
de produção. Os técnicos recebiam treinamentos fornecidos pela própria empresa para
implementar a transição da suinocultura nos municípios para os quais eram designados. Em
Itapiranga, a suinocultura foi um das atividades que mais destaque recebeu do primeiro
Engenheiro Agrônomo que atuou pela ACARESC na região - Francisco Lucas, em 1965.
Inúmeras inovações foram introduzidas.
A ACARESC prestava orientação técnica para todos os suinocultores da região. Ela
insistia na substituição dos chiqueiros arcaicos por modelos tecnicamente projetados e das
raças crioulas pelas modernas. Estes foram construídos tendo uma parte sob o telhado e outra
exposta ao sol. Além disso, as matrizes dispunham uma área com acesso à pastagem e
casinhas parideiras separadas do galpão de engorda. Neste modelo de chiqueiro foram
introduzidas a água encanada e a ração balanceada. A partir destas inovações e de uma maior
atenção dispensada aos animais, o tempo de engorda diminuiu de 14 para 7 a 8 meses.
Ainda nos anos 60, os frigoríficos começaram a pagar menos pelos animais com peso
acima de 160 Kg por excesso de gordura. Os porcos brancos começaram a valer mais do que
os mistos e vermelhos, e estes mais do que os pretos. Mesmo o preço pago aos agricultores
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sendo 30 a 40% inferior ao preço pago pelo porco branco, os agricultores continuavam
insistindo em produzir o porco preto. Isto pode ser confirmado pelo depoimento abaixo:
Nós fazíamos experimentos criando o porco preto no modo antigo e o branco
conforme os técnicos ensinavam, mas no final ainda tínhamos um lucro maior com o
porco preto (Agricultor de Itapiranga).
Os agricultores reclamavam prevendo o fim do porco comum, o que se confirmou em
poucos anos quando as empresas pararam totalmente de comprar estes animais. Para
aproveitar o potencial produtivo máximo do porco branco, era recomendado pelos técnicos
que a base da alimentação dos animais fosse a ração balanceada elaborada a partir de milho,
soja torrada, suplemento mineral e sal comum. Exemplos de formulações de rações a partir
das necessidades dos animais e destes ingredientes foram formuladas e repassadas aos
agricultores. Apesar da base da alimentação dos animais ser o milho e a soja, a assistência
técnica recomendava ainda a utilização de diversos alimentos produzidos na propriedade,
como abóbora, mandioca, cana-de-açúcar e pasto verde.
Assim como nos primeiros anos, o uso de diversos alimentos produzidos na
propriedade, como abóbora, mandioca, cana de açúcar e pasto verde continuou a ser usado
pelos agricultores e estimulado pela assistência técnica. Os próprios agricultores relutavam
em substituir os alimentos tradicionais pelo milho e soja, mesmo porque estes possuíam um
valor de venda elevado, o que aumentava o custo de produção.
Outro aspecto que foi bastante incentivado pelo técnico foi a melhoria no tratamento
sanitário dos suínos. Eram realizados diversos dias de campo onde práticas de desverminação
eram demonstradas e vantagens das criações em áreas cercadas eram apresentadas aos
agricultores. Estas demonstrações eram geralmente precedidas de uma autópsia de um animal
para mostrar os níveis de contaminação que ocorriam quando os animais eram criados soltos e
entravam em contato com fezes humanas (FIGURA 1).
A grande maioria dos novos chiqueiros que iam sendo construídos através do
incentivo da ACARESC era financiada pelos bancos. A ACARESC era quem fazia os
projetos e não permitia que o agricultor tivesse uma produção de suínos maior do que a
capacidade da propriedade em produzir alimentos para seu plantel. Um hectare de terra para o
plantio de grãos era suficiente para manter uma porca e sua prole até o abate. Desta maneira
evitava-se que o agricultor precisasse comprar de fora algum ingrediente da ração dos
animais. Previa-se também o retorno do esterco produzido pelos animais às lavouras, o que
anteriormente não acontecia.
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FIGURA 1: Dia de campo onde o técnico da ACARESC mostra a quantidade de
lombrigas existentes em um suíno. Foto gentileza de Francisco Lucas.
“Se o agricultor quisesse expandir sua produção além dos limites estabelecidos pela
ACARESC, nós não fazíamos o projeto para ele e assim ele não conseguia
financiamento. A viabilidade econômica da atividade deveria passar
necessariamente pela produção dos alimentos dentro da propriedade agrícola”
(Engenheiro Agrônomo da EPAGRI).
Nos anos 70 foi estimulada também a implantação de biodigestores para a produção de
gás. Apesar de vários terem sido implantados, aos poucos foram abandonados pela pouca
eficiência demonstrada.
A grande dificuldade dos agricultores era, porém, o suprimento de proteína aos
animais. Pensando nisso, a SAFRITA assim que iniciou o abate de suínos, começou a venda
de farinha de carne aos produtores. A farinha de carne foi o primeiro ingrediente das rações
que os suinocultores adquiriram dos frigoríficos. Entre 1967 e 1970, variedades de soja
melhoradas para uma alta produtividade de grãos são introduzidas e amplamente plantadas
pelos agricultores de Itapiranga.
Como a soja apresentava fatores anti-nutricionais aos suínos quando tratada de forma
in natura, foram desenvolvidos diversos tostadores, tanto artesanais quanto modelos mais
modernos.
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A combinação de soja e milho, aliada a diversas outras fontes complementares de
alimentos produzidos na propriedade, garantiam uma elevada rentabilidade econômica da
suinocultura. O fato de no município haver um abatedouro, também foi um fator que
potencializou sobremaneira a atividade Assim o número de animais mais do que dobrou em
poucos anos à medida que estas inovações foram introduzidas (TABELA 1). Data também
dessa época a introdução e adoção de sementes de milho híbrido.
Apesar de continuar sendo usadas, as fontes complementares da alimentação dos
suínos foram aos poucos sendo abandonadas pelos agricultores. Eles viram que a elaboração
da ração formulada a partir do milho, soja, suplemento mineral e sal comum concentrado era
mais rápida e mais fácil do que produzir e tratar o ensopado, as raízes e o pasto verde.
A peste suína surgida entre 1976 e 1979, abalou profundamente a suinocultura do
oeste catarinense. Em Itapiranga ela também teve reflexos. Vários agricultores tiveram que
eliminar parte de seus plantéis como medida para desacelerar a disseminação da epidemia.
Este fato se refletiu significativamente nos frigoríficos. A SAFRITA, aliada também a
problemas de administração, apresentava seguidos déficits de balanço. Em 1981 a SAFRITA,
mergulhada em dívidas, foi vendida a CEVAL, do grupo HERING. Os acionistas que
fundaram a SAFRITA, entre eles, inúmeros agricultores, praticamente perderam todo o
dinheiro que investiram.
Uma nova relação se estabelece entre a integradora e integrados no momento em que
novas pessoas assumem a direção da empresa itapiranguense. O estabelecimento dessas novas
relações é apontado aqui como o início da terceira fase da suinocultura em Itapiranga.
TERCEIRA FASE: A PERDA FINAL DA AUTONOMIA DO PRODUTOR
A lógica da nova direção do frigorífico de Itapiranga era bastante diferente da visão
das pessoas que o fundaram. Anteriormente a instituição pública de assistência técnica e a
SAFRITA trabalhavam juntas. Quando a CEVAL começa a comandar a atividade em
Itapiranga, não mais interessava a ela o tipo de intervenção que a ACARESC vinha fazendo.
Para a nova empresa, o faturamento maior seria conseguido quando ela pudesse também
comercializar a ração aos agricultores, fornecer os animais e a assistência técnica que a ela
interessava e pudesse aumentar a concentração de animais em poucas propriedades para
diminuir os custos de frete. Todos as demais empresas do setor adotavam uma política de
atuação semelhante à CEVAL.
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“Quando eram pessoas daqui (Itapiranga) que mandavam na SAFRITA, tudo ia
muito bem. Sempre no final do ano era feita uma grande festa com os integrados...”.
“Nós sempre ficávamos sabendo do peso dos animais. Depois que a CEVAL
assumiu, a maioria dos agricultores não estava mais satisfeito” (Agricultor de
Itapiranga).
Uma última intervenção da ACARESC no setor, no começo da década de 80, foi o
estímulo dado aos agricultores para a construção de um armazém que permitia o uso do milho
durante várias épocas do ano. Este galpão, devido à origem da idéia ter sido no município de
Chapecó, foi chamado de "Galpão Modelo Chapecó". Sua grande vantagem era sua eficiência
no controle das pragas do milho armazenado, principalmente de ratos e do gorgulho do milho.
Apesar de muitos agricultores terem feito financiamentos e construído estes galpões, poucos
puderam fazer uso, pois seguidos poucos anos, toda a ração consumida pelos animais somente
poderia ser fornecida pela agroindústria integradora. Os agricultores perderam totalmente a
autonomia na fabricação da ração tratada aos animais.
Para se ter uma idéia do absurdo que se chegou, citarei um exemplo. O maior
produtor de milho e de soja de Itapiranga é provavelmente também o maior produtor
de suínos. Nenhum grão por ele produzido é transformado em ração para alimentar
seus animais. Primeiro ele vende toda a safra e depois precisa comprar a ração para
os seus animais. (Engenheiro Agrônomo da Epagri).
Ao mesmo tempo, os chiqueiros modelos da ACARESC foram abandonados e
construções totalmente cobertas, com todas as fases confinadas foram introduzidas. Com
exigências cada vez maiores de melhores instalações e um melhor manejo para a criação dos
suínos, nem todos os pequenos agricultores conseguiram satisfazer tais exigências do setor
agroindustrial e abandonaram a atividade. A TABELA 1 mostra que até os dias atuais não
mais que 20% dos agricultores mantiveram a suinocultura em suas propriedades. Ao mesmo
tempo, o número de animais praticamente não aumentou, demonstrando ter havido uma alta
concentração de animais em poucas propriedades.
Dentro da política das empresas, o agricultor que não cumpria com as metas
estabelecidas era excluído da integração. Para tal, as empresas utilizavam vários artifícios, que
iam desde a não prestação de assistência técnica, passando pela não aprovação de projetos de
ampliação, até pela não aquisição dos suínos.
TABELA 1: Evolução do número de suínos e no número de propriedades
com suinocultura em Itapiranga de 1962 a 2003.
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Ano Número de suínos Número de criadores
1962 44.000 2.200
1968 90.000 -
1970 84.000 -
1978 93.000 -
1980 83.522 2.200
2003 111.128 400
Fonte: EPAGRI (2003) e JUNGBLUT (2000).
Ainda na década de 1980, as indústrias passaram a dividir a produção de suínos entre
seus integrados. Estes passaram a se especializar ou na produção e criação de leitões ou na
engorda final.
O manejo introduzido pelas agroindústrias e a alta concentração de animais criaram
um dos mais graves problemas ambientais atualmente verificados em Santa Catarina. Esta
região é tida como uma das mais preocupantes do ponto de vista ambiental do estado. Num
diagnóstico realizado pela SDA (2002) revela que, depois de Pinheiro Preto, os municípios de
São João do Oeste e Itapiranga representam atualmente os municípios mais prioritários do
ponto de vista ambiental. A concentração de suínos nesta região (395 suínos/Km2) foi o
critério determinante para colocar esta região num destaque bastante negativo.
As constantes crises do setor, geradas pelos altos custos de ingredientes da ração, pelo
excesso de produção e pela incidência de algumas doenças que comprometeram as
exportações, contribuíram para aumentar ainda mais a concentração dos animais em poucas
propriedades, pois em condições de grande instabilidade no setor, praticamente os únicos que
conseguiam sobreviver eram os suinocultores com uma produção em grande escala ou que
possuíam outras atividades paralelas para manter os animais nas épocas de crise. Com o
estreitamento cada vez maior da margem de lucro, exige-se que o volume produzido por
propriedade aumente cada vez mais para que o produtor mantenha uma renda viável. Com
isso as propriedades vão se comprometendo sempre mais, nos aspectos ambiental e
econômico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O que podemos verificar após fazermos um levante histórico de algumas informações
sobre a suinocultura em Itapiranga, é que a atividade sempre representou uma importante
fonte de renda para os agricultores itapiranguenses. Porém, cada vez mais o número de
produtores que conseguem auferir lucros e com isso manter-se na atividade é menor. Além
dessa característica, a atividade deixou de ser gerida pelos agricultores e passou a ser decidida
por interesses em que os agricultores são os últimos a serem contemplados. As decisões são
tomadas sem a intervenção dos agricultores e os órgãos públicos locais ligados à agricultura
também não são consultados. A grande maioria dos acontecimentos que desencadearam na
perda da autonomia dos agricultores na atividade, tanto dentro de suas propriedades agrícolas
quanto do frigorífico ao qual muitos tinham ações e a grande maioria comercializava seus
animais, não foram percebidos, ou se foram, não possuíam mais forças para suplantar o poder
das agroindústrias.
Da maneira como a cadeia produtiva da suinocultura está estruturada atualmente, o
produtor é o elo mais frágil e praticamente não tem mais condições de intervir nas decisões.
Diante de uma crise, ele tem sido o elemento responsável por arcar com os maiores prejuízos.
Esta realidade não é constatada só em Itapiranga, mas em todas as regiões que foram
implantadas relações agricultor/agroindústria semelhantes.
Quem defende o atual sistema de produção de suínos geralmente o faz alegando ter
havido um grande aumento da produção, e que isto teria sido necessário para suprir todo o
mercado. Através do trabalho que desenvolvemos, podemos perceber que o número de
animais produzidos dentro de Itapiranga pouco aumentou após a conversão dos sistemas
tradicionais pelo sistema introduzido pelas grandes empresas integradoras. Se este sistema
tivesse sido mantido, teria tido condições inclusive de se expandir. Já o sistema atual já
ultrapassou seu limite de expansão há muito tempo.
REFERÊNCIAS
EPAGRI. Dados levantados pela Empresa de Pesquisa e Extensão Agrícola da Santa
Catarina em Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis. 2003.
JUNGBLUT, Roque. Documentário Histórico de Porto Novo. São Miguel do Oeste/SC:
Arco Íris Editora. 2000, 630p.
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SECRETARIA DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DA AGRICULTURA.
Manual Operativo – Programa de Recuperação Ambiental e de Apoio ao Pequeno
Produtor Rural. PRAPEM/MICROBACIAS II/SDA. 2002, 282p.
STRIEDER, Roque. Produção Agrícola integrada:a emergência humana do trabalhador
agrícola. São Miguel do Oeste/SC: UNOESC, 2000. 171p.
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