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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PARANÁ
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL PDE
2009/2010
MATERIAL DIDÁTICO CADERNO PEDAGÓGICO
PROVA BRASIL – AVALIAÇÃO DAS PRÁTICAS DE LETRAMENTO DOS
ESTUDANTES E UMA OPORTUNIDADE DE REPENSAR A AÇÃO DOCENTE
MARIA APARECIDA DOS SANTOS MACHADO
1 DADOS DE IDENTIFICAÇÃO 1.1 PROFESSOR PDE: Maria Aparecida dos Santos Machado 1.2 ÁREA PDE: Português 1.3 NRE: Curitiba 1.4 PROFESSOR ORIENTADOR: Juslaine de Fátima Abreu Nogueira 1.5 IES VINCULADA: Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá – FAFIPAR 1.6 ESCOLA DE IMPLEMENTAÇÃO: Colégio Estadual La Salle 1.7 PÚBLICO OBJETO DA INTERVENÇÃO: Alunos e Professores de Língua Portuguesa da 8ª série do Ensino Fundamental
Material Didático
Caderno Pedagógico Estratégias de leitura
Maria Aparecida dos Santos Machado
PDE 2009/2010
Sumário
4 APRESENTAÇÃO ................................................................................. 4
5 INTRODUÇÃO ...................................................................................... 5
6 DESENVOLVIMENTO .......................................................................... 6
6.1 Considerações metodológicas ............................................................ 6
6.2 Orientações pedagógicas .................................................................... 6
7 SONDAGEM DAS PRÁTICAS DE LEITURA ....................................... 7
7.1 Práticas de leitura – questões para os professores ............................ 7
7.2 Práticas de leitura – questões para os alunos ..................................... 8
6 OFICINAS DE LEITURA ........................................................................ 9
6.1 Revendo conceitos básicos ................................................................. 9
6.2 A leitura como uma atividade de produção de sentido ....................... 11
6.3 A experiência também ensina ............................................................. 12
6.4 Análise de texto jornalístico ................................................................ 18
6.5 Análise de texto literário ...................................................................... 20
6.6 A fronteira entre os gêneros ................................................................ 25
6.7 Leitura em pedaços – A escrita com função social ............................ 28
7 REFERÊNCIAS 31
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Prova Brasil – Avaliação das práticas de letramento dos estudantes e uma oportunidade de repensar a ação docente
1 Apresentação
O tema do letramento em gêneros está hoje em evidência. Prova disto é
a infinidade de estudos sobre o assunto em livros, revistas e demais mídias,
todos apontando a uma mesma direção: é urgente inserir o aluno no mundo
letrado por meio de práticas escolares que se aproximem da vida real.
É preciso preparar aulas que não se limitem a fazer do texto um pretexto
para outro estudo qualquer, mas sim aulas em que o texto seja por si só o
objeto de estudo: sua funcionalidade, seus recursos internos de coerência e de
coesão. E isto, entendemos, passa pela compreensão da língua, materializada
em textos, com função social tanto no que diz respeito ao falante, adulto
analfabeto, que está se inserindo no mundo letrado, quanto às crianças e aos
jovens prestes a fechar cada ciclo dentro da escola (educação básica, ensino
fundamental e ensino médio). O governo, através de avaliações como a
Provinha Brasil, a Prova Brasil e o ENEM, entre outras, passou a ser o grande
inquisidor e balizador da capacidade leitora dos nossos alunos e da qualidade
do ensino oferecido no Brasil, com a finalidade e direcionar políticas públicas
de educação que, supõe-se, intencionam a construção de metas de qualidade.
De repente, deu-se conta de que o texto, produzidos com pretexto
tipicamente didático/cartilhesco, não satisfazia às necessidades sociais de
leitura e produção de textos. Pensou-se, então, em uma avaliação que
apresentasse um retrato da qualidade do ensino que se pratica no Brasil. E é
essa ferramenta que serviu de ponto de partida para este estudo, que pretende
apresentar, em forma de Caderno Pedagógico, algumas experiências de leitura
que, quando partilhadas, podem servir de ponto para uma discussão: como
resolver as dificuldades encontradas pelo professor em realizar uma aula de
leitura? Quais são os aportes teóricos necessários para lhe dar a segurança de
mediar com os alunos a análise lingüístico-discursiva de diferentes textos que
circulam socialmente, a fim de romper o muro que separa a linguagem
praticada na escola e a língua que movimenta a vida dos sujeitos? Em outras
palavras, como superar os mecânicos exercícios de metalinguagem entre
quatro paredes?
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2 Introdução
A Prova Brasil tem como foco avaliar a capacidade do aluno de ler e
compreender os sentidos dos textos e não apenas reproduzir o comportamento
típico escolar de cumprir o ritual de responder àquilo que o professor espera
que lhe seja devolvido, mas que, diante de um determinado texto, o aluno
possa se valer de conhecimentos linguísticos que o levem a atribuir sentido
demonstrando conhecer a função que determinado texto tem socialmente.
Assim, a Prova Brasil, em cada nova edição, conserva seus pilares
básicos que são as questões sobre: os procedimentos de leitura, as
implicações do suporte, do gênero e/ou do enunciador na compreensão do
texto, a relação entre textos, coerência e coesão no processamento do texto,
relações entre recursos expressivos e efeitos de sentido e variação linguística.
Nesta etapa do trabalho, não nos compete mais a busca por
fundamentação teórica que embase os descritores, mas sim como os
professores podem, a partir deles, repensar sua ação docente e suas práticas
de leitura com seus alunos. Este trabalho, então, terá como fonte de referência
as sugestões “oferecidas” pelo manual PDE/Prova Brasil, decorrentes da
análise dos percentuais de acertos/erros nas questões da prova.
Da análise dos resultados da Prova de 2009, percebe-se que o tópico
que apresentou um maior número de acertos foi aquele que exige a habilidade
de extrair uma informação que está explícita no texto. E é fácil saber a razão
deste fenômeno, resultado de uma prática de interpretação de textos que
oferece perguntas óbvias nas quais os alunos só têm o trabalho de ir ao texto e
retirar a resposta apenas correndo os olhos sobre ele, muitas das vezes sem
ao menos ler o mesmo. Esta prática é a mais comum e sobre qual temos total
domínio.
Quando a dificuldade aumenta e é exigida do aluno a habilidade de
inferir o sentido de determinada palavra do texto, o índice de acerto cai, uma
vez que o aluno é chamado a recorrer a seu conhecimento de mundo para dar
um sentido novo a uma palavra ou expressão do texto que foi utilizada num
sentido não literal. Isto denuncia ainda a falta de entendimento global do texto.
A sugestão de trabalho proposta pelo manual para sanar tal dificuldade
recorre a uma atividade nem sempre possível, que é o trabalho com a leitura
silenciosa e a troca de informações pelos alunos, a respeito daquilo que leu.
6
Ainda há a possibilidade de apresentar textos de gêneros diversos onde uma
determinada palavra apareça em circunstâncias diversas.
O problema que o texto oficial não resolve é como materializar suas
propostas. A realidade de uma sala de aula, salvo raras exceções, é a de um
ambiente totalmente desprovido dos mínimos recursos como suportes para
livros e revistas; invariavelmente quatro paredes com carteiras enfileiradas
como uma linha de produção, com grades nas janelas, sucateada e lembrando
mais uma prisão. Como um espaço assim pode proporcionar essa interação
voltada à criatividade e à criticidade, se seus sujeitos mais parecem seres
confinados, que ficam sentados por quatro horas em cadeiras desconfortáveis,
mal alimentados e copiando tarefas de um quadro de giz, com “n” cabeças na
sua frente?
3. Desenvolvimento
3. 1 Considerações metodológicas
Este trabalho vai ser desenvolvido com professores de Língua
Portuguesa e alunos da 8ª série de uma escola estadual em um bairro da
periferia de Curitiba. Tem como foco principal observar as condições em que o
aluno chega para se submeter à avaliação - Prova Brasil. Para isto, a primeira
atividade prevista é a aplicação do exemplar da prova para os alunos. Em
seguida, os resultados serão analisados à luz dos descritores e apresentados
aos professores para que participem da discussão. O objetivo é traduzir o que
se nos apresenta em forma de estatísticas e de gráficos em algo perceptível,
como sendo a nossa realidade e sobre a qual devemos atuar.
3. 2 Orientações pedagógicas
A capacidade de ver, todos têm. A educação é a arte de virar o pescoço.
(Platão)
Este caderno de atividades constitui a parte prática a ser desenvolvida
em forma de oficinas com os professores e o seu conteúdo está atrelado ao
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objetivo geral do Projeto de Intervenção, que consiste em oferecer subsídios
para uma reflexão sobre as práticas de leituras desenvolvidas em nossa
escola. Assim, mais do que um manual de atividades, ele tem por objetivo
promover o debate da questão crucial e que nos diz respeito: por que não
damos conta de ensinar nosso aluno a ler?
4. Sondagem das práticas de leitura
4.1 Práticas de Leitura – Questões para os professores Esta etapa consiste em levantar alguns dados a respeito das práticas
efetivas de leitura desenvolvidas pelos professores, no seu cotidiano. Eles
deverão responder individualmente, registrando sua forma de encaminhamento
no tocante à leitura em suas aulas. O objetivo desta atividade é promover uma
discussão a respeito das práticas desenvolvidas, sua adequação aos
descritores da Prova Brasil e confrontá-las com as sugestões de oferecidas no
texto das Matrizes de Referência, Temas, Tópicos e Descritores do Plano de
Desenvolvimento da Educação PDE/Prova Brasil.
Questões: 1. Que concepções de linguagem norteiam o seu trabalho com os alunos? R: 2. Que conceito de leitor norteia o seu trabalho com os alunos? R: 3. Que pergunta orienta o seu trabalho com relação ao conteúdo: como ensinar,quando ensinar, o que ensinar ou para que ensinar? Justifique. R: 4. Como você trabalha gramática com os alunos? R: 5. O que entende por letramento? R: 6. Qual o conteúdo estruturante da disciplina Língua Portuguesa? R: 7. O que você leva em conta quando elabora um enunciado para uma produção de texto? Dê um exemplo. R: 9. A que você atribui o baixo rendimento dos alunos nas avaliações de leitura? R: 10. Que práticas de leitura você desenvolve com seus alunos? R: Observações/sugestões:
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4.2 Práticas de leitura - Questões para os alunos Esta etapa consiste em levantar o perfil de leitor resultante do trabalho com
leitura que encaminhamento dado pelos professores efetivamente forma. Cada
aluno receberá uma folha com os exemplos de gêneros textuais dentro de cada
tipologia, para que destaquem aqueles que foram estudados na sua vida
escolar.
Turma: ........... Data: ....../....../...... Comando da atividade: Leia com atenção cada item e marque com x os
gêneros textuais trabalhados em sua vida escolar. (Leu vários exemplares,
debateu as características, entendeu a estrutura e produziu um texto do gênero
estudado).
NARRAR Conto maravilhoso Fábula Lenda Narrativa de
aventura Narrativa de ficção científica
Narrativa de enigma
Novela fantástica Conto parodiado
RELATAR Relato de experiência vivida
Relato de viagem Testemunho Curriculum vitae
Notícia Reportagem Crônica esportiva Ensaio biográfico ARGUMENTAR Texto de opinião Carta do leitor Debate regrado Discurso de defesa Discurso de acusação Carta de reclamação EXPOR Seminário Conferência Artigo ou verbete
de enciclopédia Entrevista de especialista
Tomada de notas Resumo de textos expositivos ou explicativos
Relato científico Relato de experiência científica
DESCREVER AÇÕES Instruções de montagem Receita Regulamento Regras de jogo Instruções de uso Instruções
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5 Oficinas de leitura
5.1 Oficina1 - Revendo conceitos básicos
Objetivos
• Rever as concepções de sujeito, de língua, de texto e de construção de
sentido.
• Elaborar conceitos que confirmem a retomada das noções acima.
Material
• Folha com atividades para serem preenchidas
Etapas
a) Explicação dos objetivos da atividade da folha.
b) Distribuição das folhas.
c) Realização das atividades.
d) Análise conjunta das atividades e avaliação.
d) Atividades de concepções de língua, condições de produção e orientação
para produção de texto.
1. Como ponto de partida, é de suma importância retomar questões básicas
que, no momento, permeiam os estudos sobre texto/discurso: a concepção de
sujeito, de língua, de texto e de construção de sentido. Essas concepções
variam de acordo com a concepção de língua. Assim, associe as concepções
correspondentes.
(1) concepção de língua como representação do pensamento
(2) concepção de língua como estrutura
(3) concepção de língua como lugar de interação
( ) sujeito histórico e social que, na medida em que se constrói em sociedade,
adquire a habilidade de interagir.
( ) sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações.
( ) sujeito determinado, assujeitado pelo sistema, caracterizado por uma
espécie de “não consciência”.
( ) o sujeito da enunciação é responsável pelo sentido.
( ) a identidade se constrói na relação dinâmica da alteridade.
( ) sujeito anônimo, dependente, repetidor, iludido de que é livre para pensar
e dizer o que deseja.
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( ) consciência individual do uso da linguagem.
( ) sujeito visto como ator social, ativo.
( ) sujeito como entidade psicossocial, de caráter ativo, que se constitui na
interação com o outro.
( ) texto é um instrumento de comunicação, produto da codificação de um
emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte.
( ) texto é um evento comunicativo no qual convergem ações linguísticas,
cognitivas e sociais.
( ) texto é um produto lógico do pensamento, representação mental do autor,
cabendo ao leitor/ouvinte um papel passivo de captar essa representação
mental, juntamente com as intenções.
( ) texto é lugar de dialogicidade, onde há uma gama de implícitos
2. Construa um conceito para o ato de ler conforme cada concepção de
linguagem:
a) a língua como representação do pensamento ..............................................
b) língua como código .....................................................................................
c) língua como lugar de interação ....................................................................
3. analise os seguintes enunciados e avalie em que concepção cada um se
enquadra. Justifique sua resposta.
a) Escreva um texto sobre animais, utilizando conjunções coordenativas e
subordinativas. Sublinhe-as e explique o sentido de cada uma no texto. (Cócco
e Hailler, vol.4, p. 45)
...............................................................................................................................
.........................................................................................................................
b) Você gostou dessa poesia de Fernando Pessoa? Por quê? Escreva agora
uma poesia. Procure escolher as imagens e as palavras com todo cuidado,
como Fernando Pessoa nos ensinou a fazer.
...............................................................................................................................
.........................................................................................................................
4. Reescreva uma proposta de produção de texto anterior, buscando cumprir
as condições de produção.
...............................................................................................................................
.........................................................................................................................
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5.2 Oficina 2 –A leitura como uma atividade de produção de sentido
Objetivos
• Mostrar a leitura como uma atividade na qual se leva em conta as
experiências do leitor e que se realiza na interação: autor-texto-leitor.
• Levar o participante a perceber que o texto não é um simples produto
da decodificação de um emissor a ser decodificado por receptor
passivo.
Material
Tirinha do Garfield, texto e slides do miniconto “A volta do Patinho Feio” e filme
da história original do Patinho Feio.
Etapas:
a) Distribuição das cópias das tirinhas para serem analisadas.
b) Descrição das cenas da tirinha: No primeiro quadro o personagem aparece
diante de uma placa onde está escrito: “cuidado como cão”. No quadro do
meio, há uma segunda placa com o seguinte aviso: “quando ele morde, arranca
pedaço!” Por fim uma terceira placa: “mas é tudo negociável”. O último quadro
traz o personagem com o balão de pensamento com o texto: “tradução: trazer
sempre um bife”.
c) Análise dos elementos que demonstram a característica da leitura de ser
interação: autor-texto-leitor: na tirinha, Garfield representa bem o papel do leitor
que, em interação com o texto, constrói-lhe o sentido, considerando não só as
informações explicitamente constituídas, como também o que é implicitamente
sugerido, numa clara demonstração de que a leitura é uma atividade na qual se
leva em conta as experiências e os conhecimentos do leitor e que ler exige
mais do o conhecimento do código lingüístico para ser decifrado.
d) Análise do descritor 3 da Prova Brasil que exige a habilidade de inferir o
sentido de uma palavra ou expressão segundo o qual:
As palavras são providas de sentido e, na maioria das vezes, são polissêmicas; ou seja, podem assumir, em contextos diferentes, significados também diferentes. Assim, para a compreensão de um texto, é fundamental que se
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identifique, entre os vários sentidos possíveis de uma determinada palavra, aquele que foi particularmente utilizado no texto. (PDE/PROVA BRASIL 2009, p. 59)
e) Exibição da história oficial do Patinho Feio (filme).
f) Leitura do texto: O Retorno do Patinho Feio e projeção de slides.
Atividade: estratégias de leitura no texto. A atividade visa destacar o papel do
“leitor enquanto construtor de sentido” segundo Ingedore Koch (2006). Nela,
serão exigidas habilidades de recorrer a estratégias como: seleção,
antecipação, inferência e verificação.
Exibição dos slides sobre estratégias de leitura.
5.3 Oficina 3 – A experiência ensina também – Fábulas ao pé da letra Objetivos
• Analisar textos de alunos para detectar os equívocos a que eles são
induzidos por nós, professores.
• Fundamentar a prática que efetivamente leve à competência leitora do
aluno.
Material
• Texto para propor uma reflexão a respeito da leitura equivocada por
parte dos alunos quando não possuem as estratégias leitoras
desenvolvidas.
Objetivos
• Vivenciar, pela análise, a dificuldade de leitura dos alunos através do
exame de textos de leitura simples e o resultado na produção escrita.
• Detectar no texto do aluno a inadequação do comando da atividade pelo
professor.
Material
• Textos das fábulas
• Textos dos alunos
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• Texto teórico baseado em Fiorin e Platão
Etapas
a) Leitura e discussão
Texto teórico introdutório da oficina
Ao primeiro contato com um texto qualquer, por mais simples que ele pareça, normalmente o leitor se defronta com a dificuldade de encontrar unidade por trás de tantos significados que ocorrem na sua superfície.
Numa crônica ou numa pequena fábula, por exemplo, surgem personagens diferentes, lugares e tempos desencontrados e ações as mais diversas. Na primeira leitura, parece impossível encontrar qualquer ponto para o qual convirjam tantas variáveis e que dê unidade à aparente desordem.
(FIORIN &PLATÃO, 2008, p.35)
Na busca por uma prática de leitura mais condizente com as exigências
impostas aos alunos pelas avaliações governamentais, é indispensável a
pesquisa que leva a uma seleção de estratégias de leitura que contemple
sugestões metodológicas apresentadas por autores variados que se dedicam
ao assunto. O papel do professor deve ser, uma vez munido desse arsenal de
propostas alheias, o de construir a sua própria metodologia para mediar o
aluno-leitor na atividade de adentrar nos meandros dos diferentes textos.
No livro “Para entender o texto: leitura e redação”, os autores, Platão e
Fiorin, apresentam alguns conceitos que são de grande valia quando nos
vemos diante de uma tipologia narrativa tomada como simples, como é o caso
da fábula, tão lida e explorada nas séries iniciais, mas que traz em si uma
complexidade de análise que intuitivamente não damos conta de fazê-lo. Prova
disto são os textos produzidos por alunos como resultado de um trabalho de
leitura e interpretação deste gênero textual. Na obra citada, há uma proposta
teórica de grande valia para a exploração competente do texto. Para Fiorin
(2008):
[...] o leitor cumpre o trajeto que parte da estrutura da superfície, passa pela intermediária e, por fim, chega à estrutura profunda. Parte dos significados dispersos na superfície para ir atingindo significados cada vez mais abstratos. (FIORIN & PLATÃO, 2008, p.37).
Na prática, é o próprio aluno quem evidencia o estágio de leitura em que
se encontra e explicita o que lhe falta para ler e entender o texto a sua frente.
Como ponto de partida para a discussão a respeito dos problemas com
a leitura, achou-se interessante neste estudo partir de um trabalho de leitura
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desenvolvido com alunos de 6º ano (5ª série) e cujo resultado comprova a
necessidade de um aprofundamento no trabalho com a leitura que vá além
daquilo que se faz hoje.
Dados os textos a seguir, os alunos foram desafiados a transpor a moral
da fábula que desejasse para uma situação em que pessoas fossem os
protagonistas e não mais os animais. No caso do exemplo da atividade abaixo,
o aluno teria que demonstrar a capacidade de entender o tema da história lida
e aplicá-la a outra situação narrativa. O resultado demonstrou que se não
houver um trabalho efetivo de leitura com esses alunos, eles chegarão à 8ª
série sem as condições necessárias para ler textos com eficiência.
b) Leitura das fábulas
Texto 1 - A formiga e a pomba Uma formiga foi à margem do rio para beber água e, sendo arrastada pela forte correnteza, estava prestes a se afogar. Uma pomba que estava numa árvore sobre a água, arrancou uma folha e a deixou cair na correnteza perto dela. A formiga subiu na folha e flutuou em segurança até a margem. Pouco tempo depois, um caçador de pássaros veio por baixo da árvore e se preparava para colocar varas com visgo perto da pomba que repousava nos galhos alheia ao perigo. A formiga, percebendo sua intenção, deu-lhe uma ferroada no pé. Ele repentinamente deixou cair sua armadilha e, isso deu chance para que a pomba voasse para longe a salvo. Moral da História: Quem é grato de coração sempre encontrará oportunidade para mostrar sua gratidão.
Autor: Esopo Texto 2 O gato e o galo Um gato capturou um galo e ficou imaginando como achar uma desculpa qualquer para que o fato de comê-lo fosse justificado. Acusou ele então de causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava dormir. O galo se defendeu, dizendo que fazia isso em benefício dos homens e assim eles podiam acordar cedo e irem para o trabalho. O gato respondeu: “Apesar de você ter uma boa desculpa eu não posso ficar sem jantar.” E assim comeu o galo. Moral da História: Quem é mau caráter sempre vai achar uma desculpa para legitimar suas ações.
Autor: Esopo
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A seguir, estão as produções dos alunos, que não diferem de qualquer
outra turma em nossas escolas, pois a matriz dessa problemática, na
abordagem do texto pelo aluno, parece ser algo comum a todos os
profissionais, que introduzem artificialmente nossos alunos no mundo da
leitura, ou seja, ler parece não ter consequência alguma e os resultados abaixo
somente reforçam aquilo que tantos pesquisadores do assunto salientam, que
é a clara incapacidade de entender os mecanismos de leitura de forma
proficiente de um texto. Vejamos:
João e Sérgio (baseado no texto 1) Dois amigo foram a margem do rio para beber água e, sendo arrastados pela forte correnteza, estava prestes a se afogarem. João que estava numa árvore, arrancou uma folha e a deixou cair na correnteza perto dela. E Sérgio subiu no tronco da árvore e flutuou em segurança até a margem. Pouco tempo depois, um caçador de pássaros veio por baixo da árvore e se preparava para colocar varas com pontas para jogar em João que estava em uns dos galhos alheio ao perigo. E Sérgio, percebendo sua intenção, deu-lhe uma paulada no pé do caçador. Ele repetidamente deixou cair sua armadilha e, isso deu chance para que João fosse para longe e salvo. (L. C. M. 5ªC) O texto a seguir é perturbador. Mistura a fábula com o caso do goleiro Bruno. Texto de aluno: Bruno e Eliza (baseado no texto 2) Bruno capturou Eliza e ficou imaginando como achar uma desculpa qualquer para que o fato de comê-la fosse justificado. Acusou ele então de causar aborrecimentos aos homens já que cantava a noite e não os deixava dormir. Eliza se defendeu, dizendo que fazia isso em benefício das mulheres e assim elas podiam acordar cedo e irem para o trabalho. Bruno respondeu: “apesar de você ter uma boa desculpa eu não posso ficar sem jantar”. E assim Bruno matou Eliza. (R. W. S. 5ªC) O texto a seguir, no entanto, destoa dos demais e nos mostra que é
possível, mesmo com crianças pequenas, uma abordagem mais madura dos
textos e que fazer a conexão com a vida, com o social, com o real é possível e
que a postura de inocência que insistentemente atribui-se à leitura com
crianças não leva à formação de leitores competentes.
c) Análise dos textos dos alunos
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Texto de aluno: Os dois amigos (baseado no texto 1) Marcos um certo dia foi acusado de roubo injustamente, e José ajudou Marcos a se livrar da acusação. Seu colega ficou grato e disse que um dia iria retribuir o favor, então, depois de um mês, José foi roubado por seus sócios e ficou sem dinheiro, seu colega o ajudou deu-lhe dinheiro, até ele arrumar emprego. (C. P. 5ª C) A questão inicial na abordagem dos textos dos alunos é saber se ficou
claro para ele se a fábula é uma história de homens ou de animais. Aquele
aluno que é privado do contato com livros de assuntos e temas diversos, tem
maior dificuldade para perceber a questão implícita nesta atividade. A escola
ensina que a fábula trata de comportamentos humanos, mas na prática o aluno
não demonstra estar convencido disto, uma vez que não consegue abstrair a
roupagem dos personagens, mas o professor precisa estar fundamentado para
antecipar ao aluno que, entre outras coisas, aos animais presentes nas fábulas
não correspondem os verbos ou os adjetivos a eles relacionados. Isto como
indicativo mínimo de como o texto deva ser lido. E isto precisa ser refletido por
meio de atividades de análise linguística em que os alunos sejam
impulsionados a perceber por inferência o caráter conotativo do texto e suas
metáforas.
Observemos o texto abaixo extraído do livro “Para entender o texto:
leitura e redação” de Platão & Fiorin, no capítulo que trata das várias
possibilidades de leitura de um texto:
Uma rã viu um boi que tinha uma boa estrutura. Ela, que era pequena, invejosa, começou a inflar-se para igualar-se ao boi em tamanho. Depois de algum tempo, disse: __ Olhe-me, minha irmã, já é o bastante? Estou do tamanho do boi? __ De jeito nenhum. __ E agora? __ De modo algum. __ Olhe-me agora. __ Você nem se aproxima dele. O animal invejoso inflou-se tanto que estourou.
(Adaptação de fábula de La Fontaine, Fábulas.) Para os autores,
termos como “invejosa” e “disse”, bem como a vontade de igualar-se ao boi são elementos próprios do ser humano, aplicam-se ao homem. Há então no texto uma reiteração do traço semântico (de
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significado)/humano/. Essa reiteração obriga a ler a fábula como uma história de gente. No plano humano, a rã não é a rã, mas o homem invejoso que faz tudo para igualar-se a quem ele inveja. (PLATÃO & FIORIN, 2008, p.101.)
Assim, quando diante de uma fábula, o leitor maduro é apresentado a
um plano de leitura em que será lida uma história de bichos, mas à medida que
avança na leitura, ele percebe que o plano mudou, e a fábula passa a ser lida
como uma história de homens. Com leitores ainda inexperientes isto não
acontece tão facilmente. Isto é possível de se perceber nos textos de alunos
como os que seguem:
Texto de aluno: O Alexander e seu amigo Os dois amigo foi á margem do rio para beber água e, sendo arrastado
pela forte correnteza, estava prestes a se afogar. Um amigo deles que estava numa árvore sobe á água arrancou uma folha e a deixou cair na correnteza perto dele. O João subiu na folha e flutuou em segurança até a margem.
Pouco tempo depois, um caçador de gente estava nos galhos alheios ao perigo.
O Lucas percebendo sua intenção deu lhe um murro na carra dele se repedimento deixou cair em sua armadilha e, isso deu chance para que o Alexandre corria longe a salvo dele.(A. de A. R.)
Texto de aluno: A Juliana e a Janaína
Era uma vez Juliana, que foi á margem do rio para beber água, sendo arrastada pela forte correnteza, estava prestes a se afogar. Uma menina chamada Janaína que estava numa pedra sobre a água, arrancou uma folha e a deixou cair na correntesa perto dela. A Juliana subiu na folha e flutuou em segurança até a margem.
Pouco tempo depois, um caçador de pessoas veio por baixo da árvore e se preparou para colocar varas com visgo perto de Janaína que descansava nos galhos alheia ao perigo.
A Juliana, percebendo sua intenção deu-lhe pedrada no pé. Ele repentinamente deixou cair sua armadilha e, isso de chase para que Janaína corece para longe a salvo. (J. A. C.)
d) Análise dos elementos das fábulas
O aluno precisa saber que o texto possui elementos que desencadeiam
o plano de leitura e que é a recorrência de traços semânticos que estabelece a
leitura que deve ser feita e, quando não há esta abordagem, o texto representa
para o aluno um aglomerado de noções desconexas ao qual visivelmente ele
não atribui sentido algum, mostrando que não houve interpretação.
18
5.4 Oficina 4 Texto jornalístico
Na busca por estratégias que facilitem o trabalho com leitura, encontra-
se o conceito utilizado por Fiorin, a respeito das pistas que devemos buscar no
texto em conceitos como figuras e temas. O primeiro compreende aquilo de
alegórico que o texto traz e o segundo relativo à temática maior abstraída do
texto:
Mas que deve fazer o leitor para perceber essa reiteração? Deve tentar agrupar os elementos significativos (figuras ou temas) que se somam ou se confirmam num mesmo plano do significado. Deve percorrer o texto inteiro, tentando localizar todas as recorrências, isto é, todas as figuras e temas que conduzem a um mesmo bloco de significação. Essa recorrência determina o plano de leitura. (PLATÃO & FIORIN, 2008, p. 112)
Ainda nestes autores, podemos nos apoiar para uma leitura mais
competente de texto não-literário que oferece subsídio interessante e de
resultado positivo. Abaixo, é apresentado um exemplo de trabalho de análise
de texto jornalístico feita com uma 6ª série, tendo como material de apoio a
exploração da obra citada acima:
Os alunos copiaram o texto em uma folha e depois fizeram a marcação
com cores diferentes para destacar os argumentos do autor. A idéia é mostrar
que não há imparcialidade em nenhum texto, mesmo em textos jornalísticos.
Texto A - Crime
Tiro certeiro
Estado americano limita porte de arma
No começo de 1981, um jovem de vinte e cinco anos, chamado John Hinkcley Jr., entrou numa loja de armas de Dallas, no Texas, preencheu um formulário do Governo com endereço falso e, poucos minutos depois, saiu com uma Saturday-Night Special – nome criado na década de sessenta para chamar um tipo de revólver pequeno, barato e de baixa qualidade. Foi com essa arma que Hinckley, no dia trinta de março daquele ano, acertou uma bala no pulmão do Presidente Ronald Reagan e outra na cabeça de seu porta-voz, James Brandy. Reagan recuperou-se totalmente, mas Brandy, desde então, está preso a uma cadeira de rodas (...). (PLATÃO & FIORIN, 2008, p. 13)
a) Análise de texto:
Este texto pode ser abordado de forma precipitada quando vem a
pergunta: qual o assunto/tema do texto? E a resposta que o aluno nos dá é que
“não devemos usar armas porque é perigoso”. (ver em anexo)
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Onde, no texto, está escrito isso?
Numa abordagem mais detalhada das pistas que o próprio texto oferece,
é possível levar os alunos a perceberem outros níveis de leitura:
Assim podemos retirar algumas informações que vão nos orientar na
busca do assunto que realmente o texto oferece, nas escolhas feitas pelo autor
que, ao produzir um texto da esfera jornalística, tem em mente a função de seu
texto: informar o leitor, contar com seu conhecimento de mundo e sua
capacidade de ler nas entrelinhas. Para trabalhar com alunos, o texto
jornalístico sofre uma pedagogização e tem que se encaixar no ambiente de
sala de aula, onde passa a ser uma escolha do professor. Uma vez que perde
sua atualidade, resta ser abordado pelo aspecto que não envelhece. Persuadir
o leitor do ponto de vista do jornalista que o produziu. Assim, é interessante
fazer a retomada parte a parte dos elementos do texto.
1º: o jovem entra numa loja e preenche um formulário fornecido pelo
governo com dados falsos. A frase antecipa a responsabilidade do próprio
governo sobre o que ainda está por vir, quando é negligente no controle deste
comércio.
2º: o jovem saiu com a arma comprada em poucos minutos... Este
trecho denuncia que é rápido e fácil comprar armas nos EUA.
3º: o revólver é pequeno, barato e de baixa qualidade. Pequeno significa
fácil de esconder, barato exprime o acesso de qualquer pessoa que tenha a
intenção de fazer algo ilícito a baixa qualidade da arma não impede sua
eficiência e traz a informação de que o comprador não pensava em obter a
arma para tê-la em sua coleção e sim que pretendia descartá-la.
O freguês entra na loja com sua intenção de fazer uso da arma e com
sua parcela de violência e o governo com facilidade na compra e venda, o que
evidencia a conivência e a vista grossa.
Depois de preparado o terreno para o convencimento do leitor e de sua
adesão ao pensamento do autor, o jornalista apresenta o fato jornalístico:
4º: Foi com esse revólver barato, pequeno e de baixa qualidade que o
rapaz atirou no presidente da república e em seu porta-voz. Feriu o próprio
governo e a sua política para a venda e o porte de armas.
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Refeita a pergunta aos alunos: de qual ponto de vista o jornalista quis
nos convencer com este texto sobre a venda e o porte de armas? Ou, qual é o
tema deste texto? Algumas respostas:
- “A ideia principal do texto é mostrar que o governo facilita pessoas
violentas a comprar armas para uma sociedade violenta”. (Cleverson, 6ª A)
- “ (...) Essa sociedade violenta que resolve tudo na bala. (...) O jovem
fez isso com a ajuda da maldade, da violência e de tudo de ruim que há na sua
sociedade.” (Alessandra, 6ª A)
- A ideia principal do texto é que o tipo de gente que vende armas para
qualquer pessoa, só preenchendo um formulário. Esse é o tipo de sociedade
violenta um governo violento que não se importa com a sociedade e nem a
sociedade com o governo. (Denise, 6ª A)
- (...) Isso é uma ideia de sociedade violenta que decreta guerra no dia-
a-dia das pessoas. (Juliana, 6ª A)
Desta análise feita de forma experimental, ficou comprovada a tese de
que o aluno sozinho atribui ao texto um sentido que expressa o seu
pensamento sobre o uso de armas. Um pouco dos conselhos que ouve: usar
armas é perigoso, você pode machucar alguém, e só. Mas a intenção é que ele
perceba que o texto, em especial este analisado, quer deixar clara a posição do
autor com relação à sociedade americana: violenta e negligente.
5.5 Oficina 5 – Análise de textos literários utilizando como estratégias de
leituras o recurso do campo semântico das palavras e o mapa conceitual.
a) Análise de texto utilizando o recurso do campo semântico
A análise que segue baseia-se em outra orientação, mas que também
leva a um bom termo. O texto consta do livro didático. Logo de cara um texto
de Clarice Lispector para uma turma de 7ª série. O pretexto é a aprendizagem
de diversos conceitos numa sequência cansativa de atividades, deixando
apreendido o papel do narrador.
Texto B– Tentação
Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
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Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos. (...) (Clarice Lispector - A legião estrangeira) Análise de texto utilizando o recurso do campo semântico A aventura começou logo depois do desânimo que se abateu sobre a
turma. Para uma pergunta fatal, uma resposta pior ainda. “De que trata o
texto?”
- De uma menina e de um cachorro.
“E o que mais?”
- Só! ! Uma menina ruiva e um cachorro. E 34 páginas de atividades
para fechar a unidade. Partindo desse texto, veríamos o conto em 1ª pessoa, a
revisão do núcleo do predicado, predicativo do sujeito e predicativo do objeto.
Além de uma segunda leitura, do romance autobiográfico, de rever verbos
transitivos e os adjuntos adverbiais, um pouco de ortografia e aprender a fazer
o resumo.
Voltando ao trabalho.
Embora a ilustração traga a figura inocente de uma menina brincando
com um cachorrinho e tentando reproduzir o que o texto explicitou: cabelos
ruivos, bolsa no colo, joelhos apertados um contra o outro. E só. O título,
“Tentação”, no entanto, vem grafado (inocentemente?) em letras vermelhas.
Então, por onde começar um passeio que nos leve efetivamente a querer mais
de Clarice Lispector?
Diante das sugestões de trabalho apresentadas pelo livro didático,
restava apenas fazer com os alunos percebessem que o fim de um conto tão
rico fosse servir de pretexto para noções gramaticais, assim o desafio era
mostrar aos alunos, na sua apatia, que havia calor e vida prontos para jorrar
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daquele texto. Era hora de fazer valer toda a retórica sobre o papel do leitor. E
então foi feito o seguinte trabalho exploratório do texto com os alunos:
- Levantamos todas as palavras do campo semântico da palavra tentação (em
vermelho).
- Das palavras levantadas, emerge todo um universo erótico do texto (e muito
brilho no olhar) que no nível das cores, da sensação visual, conversa com
outras histórias em que o vermelho é o signo a ser desvendado (o que por si
só, rende muita conversa e descobertas).
Mas o texto tem mais ou seria somente fazer saber de que ponto de
vista o narrador nos conta o que viu?
A idéia é fazer ver que nós também temos um ponto de vista que deve
ser considerado e que quando acoplado ao que o narrador nos conta, avoluma
o texto. Ele deixa de ser/estar “acachapado” no papel, e ganha outra dimensão.
Uma terceira dimensão. Que é quando cada palavra revela as camadas que
lhes foram colocadas pelo tempo e a capacidade leitora de cada um vai
retirando como camadas de uma cebola. Assim, a leitura do explicitado pelo
texto é apenas o início do mergulho que leva às águas profundas ou ao interior
do bosque, na metáfora mais significativa. Em ambos os casos, há o risco do
desastre, de nos perdermos. Então, o professor que já conhece o caminho guia
os perdidos.
A certa altura, o autor pergunta: “qual seria o principal tema do texto?
Justifique sua resposta. A sugestão de resposta do livro é: A solidão. A menina
sente-se muito só por perceber-se diferente pelo fato de ser ruiva. A identidade,
como aquilo que nos distingue e individualiza, também seria um tema possível.
Depois da excitação causada por tantas palavras “quentes” é impossível
aceitar que a solidão a que estão condenados os diferentes seja a idéia que
moveu a autora a pinçar tais palavras para compor seu quadro. O fato de um
aluno ser negro, ser deficiente visual ou outro diferencial qualquer não justifica
a inserção deste texto para se falar no tema da inclusão que fica latente no
encaminhamento das atividades. Uma vez que o aluno perceba isso, a coisa
foge ao controle e é bom estar preparado para ir além do livro didático. Formar
leitores competentes não compete ao manual do professor e sim ao próprio.
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Voltando às palavras “quentes”, é encantador quando o aluno faz essa
conexão entre o que está escrito e aquilo que as palavras despertam dentro de
cada um de nós.
Na análise de outro conto muito popular e leitura obrigatória pela riqueza
polissêmica que contém é “A moça tecelã”, de Marina Colasanti, por qualquer
ângulo que se aborde o texto, ele oferece viagens maravilhosas e a
compreensão da grande metáfora que é traduzir em palavras a insignificância
de uma vida simples e enfadonha.
Texto C - A Moça Tecelã
"Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela. Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.(...) (Marina Colasanti. Doze reis e a moça no labirinto de vento.) b) Análise de texto utilizando o recurso do mapa conceitual
Este texto é todo generosidade, quando revela o segredo da raiz comum
das palavras texto e tecido. Assim como a moça escolhe suas lãs para pôr no
seu tear, o autor escolhe as palavras com as quais irá compor seu texto,
produto artesanal que se constrói de escolhas como a vida. Paralelamente a
construção do cenário externo à moça, é feita pela escolha das tonalidades das
lãs, que correspondem a estados de espírito, ao amadurecimento dela como
mulher. O dia lá fora é controlado por sua máquina artesanal e seu mundo
interior é o reflexo de suas escolhas íntimas. É tanta riqueza que podemos
considerar um lugar literário onde poucos chegam e muitos se perdem, não
acham o caminho de volta e ficam desorientados no meio do bosque.
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Um trabalho possível na linha de perceber o quanto requer de nossa
sensibilidade, aqui o trabalho com outro sentido, a visão e a audição no trato
com a tonalidade de cada lã usada dos sons da natureza para construir o texto.
Uma alusão aos exemplos e conselhos que os pais não cansam de dar aos
filhos.
Outro aspecto a ser explorado é a reconstrução do texto em forma de
resumo a partir dos adjetivos atribuídos aos personagens. Eis alguns
resultados práticos:
A moça tecelã (Larissa, 6ª A)
A moça tecelã era uma moça muito bonita, ela acordava pela manhã
para começar a tecer, um belo copo de leite bem branquinho, para começar o
dia tecia uma árvore cheia de pássaros um sol bem lindo, a moça era tão
criativa e alegre que tecia as coisas tão bem e as cores bem alegres.
A moça estava muito solitária, e como era muito sonhadora, ela
começou a trabalhar em um marido, para não se sentir tão só, e ela criou um
marido tão arrogante, exigente, só que a moça não via isso, ela pensava que o
marido era bom, alegre que nem ela, só que o marido era ambicioso e exigia
um castelo cavalos e tudo que um príncipe tem.
A moça estava triste e sozinha, por ficar trancada na torre. O marido era
tão vaidoso. A moça decidio desfazer o marido ganancioso. E a moça voutou a
ser feliz e a tecer as coisas belas que ela tinha.
A moça tecelã (Karen, 6ª A)
A moça tecelã é uma pessoa que mora sozinha. As vezes ela está
alegre, sonhadora com o canto dos pássaros ao seu redor.
As vezes está triste por causa dos sonhos que passam do limite.
Mas sempre trabalhando no tear que lhe acompanha todos os dias.
Sincera e inteligente leva os tempos que a fazem ser uma moça boa.
Mas sentia falta de uma pessoa de verdade ao seu lado, estava solitária,
e pela primeira vez ela percebeu isso. Um homem, a praticamente menina
estava tecendo no lindo tapete. Por fora, ele era uma pessoa bonita, por
dentro, uma pessoa estúpida, exigente e mal humorada. Coitada da moça, ia
tecendo uma vida que não era legal. Ele era muito arrogante, muito ambicioso
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e bem ganancioso, queria tudo para ele! Um homem que tinha todos os
defeitos, e por cima preguiçoso.
A moça que não era mais isso, era uma mulher madura, desenrolou
todos os defeitos e voltou a se sentar no tear que lhe fazia companhia. Estava
feliz novamente, com o canto dos pássaros a fazendo alegre.
Há um trabalho que pode ser feito neste sentido que possibilita uma
abordagem menos ingênua.
5.6 Oficina 6– A fronteira entre os gêneros textuais
Objetivos
• Analisar 2 textos de gêneros diferentes.
• Reconhecer as características que marcam os elementos constitutivos
de cada gênero lido.
Material
• Cópias dos textos
• Lápis e papel para anotar as observações
Etapas
a) Pequena explicação sobre a atividade:
Os textos a seguir oferecem a oportunidade de estabelecer a leitura de
textos cuja fronteira entre os gêneros causa dificuldade de análise e
conceituação. Depois da leitura, será feito um levantamento dos elementos que
caracterizam a crônica e o artigo de opinião.
b) Leitura do texto pelo grupo
Texto: “Chamem o mágico, o comandante sumiu”
O mágico pode ser gordo ou magro, moço ou velho, elegante ou
desengonçado. Mas nada disso faz um mágico. O que transforma um simples
mortal num mágico é o extraordinário poder de lidar com o irreal, com o
ilusório, com o maravilhoso. Crianças, jovens e adultos já se deleitaram com
suas incríveis façanhas. Quem não aplaudiu efusivamente um mágico na vida?
Quem não saiu do espetáculo plenamente convencido dos truques desses
camelôs do maravilhoso?
Às vezes, os mágicos conseguem ser ainda mais surpreendentes. É o
que vamos demonstrar a seguir.
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No mês de agosto de 1991, o navio grego Oceanos naufragou na costa da
África do Sul, durante um cruzeiro entre Durban e a Cidade do Cabo. Havia
571 pessoas a bordo, entre tripulantes e passageiros.
Reza a tradição do mar que os ratos são os primeiros a abandonar um
navio em perigo e o capitão, quando não afunda com ele, é sempre o último a
se salvar.
Não se sabe da existência de ratos a bordo do Oceanos, mas o capitão
do navio entrou para a história da navegação como o comandante a se safar
mais depressa de um naufrágio. Ao perceber que o Oceanos iria a pique,
açoitado por ondas de até oito metros de altura, o comandante simplesmente
fugiu, junto com a maior parte de sua tripulação, entregando à própria sorte os
371 passageiros.
A tragédia só não aconteceu porque uma trupe de comediantes,
contratados para alegrar o passeio, assumiu o comando e manteve os
passageiros calmos até a chegada de socorro. Com o navio entregue aos
caprichos do destino, os saltimbancos reuniram os passageiros num salão,
espantando o medo e a escuridão com músicas e piadas.
O mágico Robin Boltman, que liderou a operação, só deixou o navio
depois que todos os passageiros estavam a salvo. Antes de entrar no
helicóptero da Força Aérea Sul-Africana, Boltman libertou três canários que
estavam numa gaiola e, de quebra, ainda carregou o cachorro Cooper, cujo
dono não era outro senão o próprio comandante do navio. Uma hora e meia
depois, o Oceanos se inclinou para frente e desapareceu.
O oceanos entrou para o livro Guiness dos recordes pela pressa de seus
oficiais em salvar a própria pele, e por se terem salvo todas 571 pessoas a
bordo. Foi o maior naufrágio sem vítimas da história.
Boltman, o mágico, foi considerado herói pelos passageiros.
Este texto pode ser abordado através de uma atividade interessante que
ajuda o professor a definir a que gênero ele pertence quando se depara com a
dificuldade de situá-lo adequadamente. Assim, a tarefa consiste em fazer as
perguntas que nos darão os elementos do texto que o caracterizarão como
uma crônica:
Quê? Naufrágio
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Quem? O navio grego Oceanos
Quando? Agosto de 1991
Como?
Por quê? Açoitado por ondas
Comentário: Até aqui, temos o perfil de um texto informativo, mas
sabemos que sua característica nos leva a classificá-lo como uma crônica. Mas
como deixar isto claro para os alunos? A tarefa agora é levantar os elementos
que o fazem extrapolar a notícia e ganhar caráter de texto literário.
Para isso procedemos ao questionamento:
Quê? O poder do mágico
Quem? Robim Boltman
Quando? Agosto de 1991
Onde? Costa da África
Como? Acalmando os passageiros enquanto o socorro chegava
Por quê? O comandante fugiu
Analisado por outro ângulo, o texto ganha a sua extensão mais
consistente. Trata-se de uma crônica, uma vez que não se restringe a informar
apenas um fato, uma notícia. Paralelo a isso, há a construção de outro texto, o
texto literário, que eterniza a notícia naquilo que ela tem de perene: a ação
humana e suas consequências.
3. Texto 2
Liberdade e respeito
Dois episódios recentes vieram alertar para o risco de preocupações
legítimas com o respeito a símbolos nacionais acabarem deturpadas em
restrições à liberdade de expressão.
No Festival de Gramado (RS), a Procuradoria da República proibiu a
execução do hino nacional na trilha sonora de um filme com cenas de sexo. Em
São José do Rio Preto (SP), a PM obrigou a retirada de bandeira com tarja
negra de uma sacada.
É discutível, desde logo, que tenha havido ofensa substantiva ao hino ou
à bandeira. Muito mais importante, porém, é assinalar que tais medidas
implicam limites ao direito de expressão protegido pela Constituição.
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Nos EUA, por exemplo, mesmo o ato de queimar a bandeira foi
considerado pela Suprema Corte uma manifestação amparada pela Lei Maior.
Neste momento grave, em que símbolos nacionais são manipulados por
um governo em descrédito, cabe, sim zelar para que sejam respeitados; isso
pode, no entanto, servir de pretexto para restringir manifestações artísticas e
de pensamento.
(Folha de São Paulo, 24 ago, 1992)
O desafio agora é levantar os elementos que fazem deste texto um
artigo de opinião. Levantar os argumentos que demonstram a opção do jornal.
Quê? Proibição do uso dos símbolos nacionais
Quem? A procuradoria e a PM
Como? Retirar a bandeira e proibir a execução do hino
Onde? Festival de Gramado e São José do Rio Preto
Quando?
Por quê? Consideraram desrespeito
Até aqui, é uma notícia, uma voz que informa um fato acontecido.
Aspectos que configuram um texto de opinião:
Quê? O jornal questiona a proibição
Quem? Folha de São Paulo
Onde? Artigo publicado
Por quê? Discute a restrição ao uso dos símbolos nacionais
Como? a) apoiando a liberdade/direito de expressão
b) não há prova material de ter havido ofensa.
Comentário: Neste momento está caracterizado o caráter dissertativo do
texto.
5.7 Oficina 7- Leitura aos pedaços – a função social da escrita
Objetivos
• Utilizar a estratégia da leitura em texto seccionado e o aproveitamento
para a produção de texto com função social
• Produzir um recado para concluir a atividade principal.
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Material
• Texto: “Ladrões estilistas” de Stanislaw Ponte Ponte Preta
• Papel para escrita do recado
Etapas
a) Mobilização dos participantes para a montagem do texto.
b) Distribuição de pedaços de papel para a redação do recado (pede para
guardar)
c) Distribuição do texto em diversos pedaços para os participantes.
d) Inicia o texto, colando os dois primeiros parágrafos para que os participantes
tenham uma referência do próximo pedaço.
e) Finalização da montagem do texto com final incompleto
f) Escrita dos recados
g) Leitura dos diversos recados e discussão a respeito da função social da
língua.
6 REFERÊNCIAS
CÓCCO, Maria Fernandes; HAILER, Marco Antonio. ALP. São Paulo: FTD,
2000.
COELHO, Marcelo. O Retorno do Patinho Feio. Folha de S. Paulo, 19 mar.
2005. Folhinha, p. 8
FINAU, Rossana Aparecida; CHANOSKI-GUSSO, Angela Mari. Língua
Portuguesa: rumo ao letramento – 6ª série. Curitiba: Base, 2006, p. 39-41.
FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e
redação. 17ª Ed. São Paulo: Ática, 2008.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos
do texto. 2. ed., São Paulo: Contexto, 2007.
LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Básica. PDE/Prova
Brasil. Matrizes de Referência, Temas, Tópicos e Descritores. Brasília 2009.
VÍDEO - O Patinho Feio - Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=g7L_mtro1as&feature=related
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