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Universidade Federal da Bahia Instituto de Sade Coletiva
Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva
Renata Mallet Guena
Dando Voz ao Trabalhador: os Significados da Disfonia para os Operadores de Telemarketing
Salvador Bahia 2009
1
Renata Mallet Guena
Dando Voz ao Trabalhador: os Significados da Disfonia para os Operadores de Telemarketing
Universidade Federal da Bahia Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva Mestrado em Sade Coletiva
Orientador: Prof. Paulo Gilvane Lopes Pena
Dissertao apresentada Banca Examinadora do Instituto de Sade Coletiva da UFBA como requisito parcial para obteno do ttulo de mestre em Sade Coletiva.
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Paulo Gilvane Lopes Pena Prof. Dr. Jorge Alberto Bernstein Iriart
Dra. Simone Santos Silva Oliveira
Salvador Bahia
2009
2
[...] ouvimos as vozes que murmuram. Com os sem-vozes lanados ao ataque formamos uma s
voz e que canta (Maiakovski)
3
AGRADECIMENTOS
Agradeo a todas as pessoas que foram importantes direta ou indiretamente para
a concretizao dessa dissertao:
Ao Professor Dr. Paulo Pena pelas importantes discusses acadmicas e
polticas, pela excelncia na orientao, adotando um mtodo que combina a
pacincia nas explicaes sobre a pesquisa, a humildade nos ensinamentos e
nos relatos de sua rica experincia acadmica, a forma sensata e sutil de fazer
crticas e as constantes palavras e gestos de incentivo. Agradeo finalmente pela
amizade.
Ao Professor Dr. Jorge Iriart pelas conversas sobre esse estudo, pelas valiosas
consideraes feitas no exame de qualificao e por ter contribudo muito na
minha formao enquanto pesquisadora.
A Dra. Simone Oliveira pela disponibilidade em participar da avaliao desse
estudo.
Aos sindicalistas e operadores por me terem permitido conhecer a realidade do
trabalho de telemarketing e vivenciar um pouco a perversa relao entre o capital
e a precarizao da sade do trabalhador.
Aos colegas de pesquisa Adryanna, Purificao e Vincius, meus amigos, pelas
contribuies a essa dissertao e pelas angstias compartilhadas.
Aos amigos e famlia pelo carinho, por compreenderem minhas ausncias e meus
momentos difceis. Pai, me e irms, amo vocs.
Ao Jean, meu querido, pela pacincia, pelos momentos maravilhosos juntos
e por sempre me apoiar.
4
Aos camaradas, em especial, Marcos, Dbora, Aninha, Anderson e Trcia por
ouvirem minhas queixas quanto s primeiras dificuldades com o estudo, pelas
conversas, pelo carinho e pelo exemplo que so.
A todos um grande abrao.
5
SUMRIO SUMRIO
05
RESUMO
07
ABSTRACTS
08
INTRODUO
09
CAPTULO 1: FUNDAMENTAO TERICA
12
1.1 O TELEMARKETING
12
1.1 VOZ E TRABALHO: DISFONIA COMO EFEITO
22
1.2 A VOZ QUE DIZ: VOZ DEFENIDA COMO LINGUAGEM
34
1.3 DISFONIA E SEU SIGNIFICADO
37
1.4 SADE DO TRABALHADOR: RELAO ENTRE TRABALHO E SADE
41
CAPTULO 2: OBJETIVOS
46
CAPTULO 3: MTODO
47
3.1 PARTICIPANTES
47
3.2 ENTRADA NO SINTTEL E OS CONTATOS COM OS ENTREVISTADOS
50
3.3 ENTRADA PROIBIDA: AS DIFICULDADES COM O CAMPO
53
3.4 ANLISE DAS INFORMAES DA PESQUISA
55
3.5 QUESTES TICAS
59
CAPTULO 4: RESULTADOS E ANLISE
61
4.1 A ATIVIDADE DE TELEATENDIMENTO: O PROCESO DE TRABALHO E O USO DA VOZ
61
4.2 INTENSIFICAO DO USO DA VOZ: FORAR E ARRASTAR
65
6
4.3 MENOS TEMPO, MELHOR INFORMAO, MAIS DISFONIA: A DOENA ENTRE A QUANTIDADE DE LIGAES E A QUALIDAE DAS INFORMAES
73
4.4 PROCESSO DE RESISTNCIA: LUTA PELO USO DA VOZ SOB CONDIES HUMANAS
78
4.5 TELEMARKETING, O ESPAO DA NO DOENA: NEGAO E PUNIO DA DISFONIA
87
4.6 PRESCRIES CONTRADITRIAS E PRTICAS DE SADE CONCRETAS: A SADE VOCAL ENTRE A EMPRESA E O TRABALHADOR
93
4.7 VOZ DA EMPRESA E VOZ DO TRABALHADOR: DA MQUINA AO HOMEM
100
CAPTULO 5: CONSIDERAES FINAIS
111
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
115
ANEXOS
7
RESUMO
Dentre as doenas relacionadas ao trabalho de telemarketing est a disfonia. A disfonia surge em um contexto de uso da voz em condies inadequadas, marcadas pelo rgido controle de tempo e contedo, exigncia de produtividade, excessivo ritmo de trabalho e alta demanda vocal. A organizao taylorista do trabalho de telemarketing reflete na sade vocal do trabalhador, em outras palavras, o resultado do uso precarizado da voz como instrumento de trabalho a disfonia. Esta pesquisa tem como objetivo compreender os significados da disfonia para os operadores de telemarketing. Para tal, adotou-se a metodologia qualitativa, combinando entrevista com operadores com presena ou queixa de disfonia e a observao do ambiente de trabalho. As informaes foram analisadas seguindo a tcnica de anlise do contedo. Os operadores abordaram temas sobre a relao entre a organizao do trabalho e a disfonia, as dificuldades na realizao da atividade com a voz disfnica, as estratgias de resistncia desenvolvidas pelos trabalhadores, a negao e a punio da disfonia no telemarketing, as prescries normativas de preveno disfonia, prticas de sade vocal prprias da classe e a padronizao da voz do trabalhador. A disfonia assume sentido de sofrimento e excluso de trabalho numa lgica de produo na qual a voz do trabalhador precisa se adaptar s exigncias de produtividade e de acumulao do capital e se transformar em voz da empresa.
Palavras-chave: Disfonia Telemarketing Voz Sade e Trabalho
8
ABSTRACTS
Among the diseases related to telemarketings work its found the dysphonia. The voice disorders appear in a context of inadequate conditions of using of voice, characterized for the hard control of time and content, exigence of productivity, excess of the rhythm of work and a large vocal demand. The taylorist organization of telemarketing work reflects the vocal health of the worker, it means, the result of a precarization of the using of voice as an instrument of work is the dysphonia. This research goals to get the comprehension about the meanings of the dysphonia for the telemarketings operators. It was carried out the qualitative method, combining interview with operator with presence or voice disorders complaint and observation of the work environment. The informations were analyzed following the technical of content analysis. The operators boarded themes about the relation between the works organization and dysphonia, the difficult in work with dysphonic voice, the strategy of resistance developed by the workers, the denying and the punishment of the dysphonic voice in telemarketing, the preventions normative prescriptions to dysphonia, the vocal healths practice by the own category and the model of the workers voice. The dysphonia assumes a meaning of suffering and exclusion of the work in a logic of production whose workers voice needs to be adjusted with the exigence of productivity and the accumulation of capital and becomes the voice of the company. Key Works: Dysphonia Telemarketing Voice Health and Work.
9
INTRODUO
A disfonia se apresenta como um das principais doenas presentes no
trabalho de telemarketing (SERRANO; FERREIRA, 2002). As cartilhas e jornais
elaborados pelos sindicatos da categoria apontam a disfonia como uma doena
relacionada ao trabalho, recebendo destaque pela alta presena entre os
operadores (SINTTEL-DF, 2007; SINTTEL-MG, 2008).
Em uma pesquisa que comparou duas amostras, uma com operadores de
telemarketing e outra com estudantes colegiais (representando a populao em
geral), percebeu-se que os operadores tinham um risco 2,1 vezes maior de
apresentar sintomas vocais e 68% deles referiram uma ou mais queixa vocal,
como rouquido e cansao vocal (JINQUEIRA; ALLOZA; SALZTIEN, 1998). O
comprometimento da voz pode estar relacionado organizao de trabalho de
telemarketing (SOUZA, 2004).
Nos ltimos vinte anos, o telemarketing vem se firmando como uma
empresa - ou um setor de empresas - com maior crescimento no Brasil. A ttulo de
dado, segundo a ABT (2007), nos trs primeiros anos de 2000 esse setor cresceu
235%, representando, hoje, uma dos grandes empregadores do pas. Tal
realidade, muito alm de mostrar riqueza, desenvolvimento econmico nacional
ou melhoria nas taxas de desemprego, traa um quadro de precarizao do
trabalho com firmes toques de explorao e desfigurao do homem que vive do
trabalho (NOGUEIRA, 2006; VENCO, 2006).
Tal imagem representa uma tendncia mundial na qual a Amrica Latina
um dos exemplos, principalmente entre os pases de capitalismo atrasado
(THIRIN, 2007). A partir da dcada de 60, nos pases de capitalismo avanado,
o mundo capitalista, para superar a crise at ento ameaadora, tem passado por
transformaes que provocaram significativas mudanas estruturais no padro de
acumulao de capital, mantendo intocvel, no entanto, a essncia desse modo
10
de produo, o lucro e a explorao do trabalho. Essas mudanas foram
responsveis pela re-configurao do mundo do trabalho, marcado por uma
mistura entre caractersticas tayloristas e toyotistas de produo, como controle
agressivo do tempo e da produtividade, polivalncia, flexibilizao dos direitos
trabalhistas, terceirizao e outras estratgias para garantir o lucro e a
competitividade das empresas (ANTUNES 1997, 2002).
Do exposto, o telemarketing tem importante funo na atual formatao da
acumulao do capital, por proporcionar e segurar o lucro e a competitividade das
grandes empresas nacionais e, principalmente, multinacionais. Munida de
sistemas de informao e altas tecnologias, a empresa de telemarketing promove
a propagao precisa de informaes sobre o mercado, como tendncias de
consumo e tecnologias de produo, consideradas essenciais para a organizao
do processo produtivo das grandes empresas, em especial para a produo de
marketing, de novos produtos e novos servios (WOLFF; CAVALCANTE, 2006).
Os recursos tecnolgicos, como telemtica e software, e os humanos so as
ferramentas utilizadas por esse setor para favorecer e potencializar a acumulao
do capital.
Visando a alta produtividade, a empresa de telemarketing prima pela
racionalizao e controle do trabalho. O rgido controle do tempo, do contedo,
das tarefas, do comportamento, do volume de servios dos resultados acaba por
ditar a forma de pensar e de fazer do operador pela tica da eficincia e da
lucratividade. A voz, segundo Nogueira (2006), um instrumento da atividade que
tambm deve ser controlado, principalmente por meio da padronizao da
entonao e do contedo atravs do script. A diviso do trabalho entre
planejamento e execuo e o controle do tempo e do movimento, antes realizado
por meio dos msculos na produo industrial, hoje, no Telemarketing, expresso
pelo uso da voz dos operadores (VENCO, 2006).
As principais conseqncias dessa exigncia de produtividade, para os
operadores de telemarketing, so o cansao fsico e o mental. Este desgaste
explicado pelo fato de o operador, ao mesmo tempo em que solicitado a
respeitar o tempo mximo de atendimento (TMA), conviver com condies de
11
trabalho que se tornam obstculos para atingir a meta pretendida, como a
presena de rudo e mobilirios inadequados (SILVA; ASSUNO, 2005).
O excessivo ritmo do trabalho, o rgido controle das atividades, a exigncia
de eficincia e as condies imprprias de trabalho refletem na sade do
trabalhador. Em outras palavras: a explorao do trabalho significa precarizao
da sade. A voz, principal instrumento de trabalho do telemarketing, em
decorrncia do uso excessivo e de situaes de tenso emocional advindas do
controle rgido do trabalho, pode sofrer alteraes funcionais e orgnicas
resultando na disfonia (NOGUEIRA, 2006; SOUZA, 2004).
Aps a descrio dessa conjuntura, surge uma inquietao: dentro da
realidade de trabalho no telemarketing, como o operador significa a disfonia, a
deficincia da voz, ou seja, de seu instrumento de trabalho?
Muito embora o mundo do telemarketing tenha sido objeto de algumas
pesquisas abordando pontos importantes sobre os fatores de risco desse tipo de
atividade e as principais queixas vocais presentes nos operadores, ainda so
escassos os estudos que abordem, sob a tica do trabalhador, os sentidos do uso
da disfonia nas relaes produtivas e sociais.
Cassel apud Helman (1994) ao utilizar o termo illness como doena na
perspectiva do paciente, para diferenciar do conceito de sade/ doena ditado
pelo saber biomdico, esclarece que o indivduo doente no apenas experimenta
os problemas de sade, seus sinais e sintomas, mas, sobretudo d significado
doena. Nesse sentido, as definies de doena variam entre indivduos e entre
classes. Esse diverso significado simblico , que pode ser de cunho moral, social
ou psicolgico, ir depender de como o sujeito interpreta [...] a origem e a
importncia do evento, o efeito deste sobre seu comportamento e o
relacionamento com outras pessoas, e as diversas providncias tomadas por ele
para mediar a situao (HELMAN, 1994, p. 104). Baseada nesta linha est a
importncia em se ultrapassar as concepes fisiopatolgicas dos distrbios de
voz e buscar compreender o que o doente, o operador de telemarketing, significa
a disfonia.
12
Este estudo, portanto, se props a compreender os significados da disfonia
para os operadores de telemarketing, analisando a manifestao dessa doena
no trabalho e as conseqncias na realizao da atividade e na vida do sujeito
trabalhador. A pesquisa foi realizada no sindicato da categoria, SINTTEL-BA,
apoiando-se na linha qualitativa de pesquisa, usando como mtodo as entrevistas
semi-estruturadas com operadores com disfonia ou queixa vocal que procuraram
o ambulatrio de doenas do trabalho e a observao do processo de trabalho e
ambiente de trabalho, em um call center.
As pginas seguintes tentam revelar os sentidos da disfonia relacionada ao
trabalho de telemarketing. Para tal, elas foram divididas em captulos que
exploraram inicialmente a teoria que cerca o objeto em questo e, finalmente,
outros que se ativeram ao dialogo entre os materiais empricos e as referncias
cientficas.
O captulo 1 se refere fundamentao terica e foi dividido em temas que
abarcam os principais conceitos do estudo, como telemarketing, disfonia,
significado, linguagem e sade do trabalhador. O captulo posterior aponta os
objetivos. Em seguida, tem-se uma explanao sobre o mtodo utilizado na
pesquisa e, como quarto captulo, a anlise das informaes produzidas,
organizada em categorias. Como ltimo captulo, as consideraes finais
retomam algumas problematizaes iniciadas na discusso das categorias e
apontam guinadas concluso.
13
1.0 FUNDAMENTAO TERICA
A ttulo de organizao, a discusso terica acerca da temtica significados
da disfonia atribudos por operadores de telemarketing foi desmembrada em sub-
temas. O primeiro levanta as principais caractersticas da atividade de
telemarketing. O segundo sub-tema se prope a desenvolver a relao entre o
trabalho de telemarketing e a disfonia. Em A Voz que Diz: Voz Definida como
Linguagem pretende-se discorrer sobre o conceito da voz como componente da
linguagem. Na parte seguinte, intitulada Disfonia e seu Significado procura-se
afirmar a importncia em descrever o processo de disfonia no telemarketing, alm
de manifestaes biolgicas, apontando a necessidade de uma interpretao no
nvel do simblico. Por fim, o sub-tema Sade do Trabalhador assinala a relao
entre trabalho e sade.
1.1 O Telemarketing
Constantemente, h confuso na utilizao das palavras telemarketing e
call center, que, em algumas literaturas e documentos cientficos, so colocadas
na situao de sinnimos. Neste estudo, telemarketing e call center apresentaram
conceitos diferentes, norteados pelo que definido pela Norma Regulamentadora
17 do Ministrio do Trabalho e Emprego da Repblica do Brasil.
Segundo a NR 17, anexo II, "Entende-se como call center o ambiente de
trabalho no qual a principal atividade conduzida via telefone e/ou rdio com
utilizao simultnea de terminais de computador". J telemarketing se refere
atividade, tipo de trabalho no qual [...] a comunicao com interlocutores cliente e
usurios realizada distncia por intermdio da voz e/ou mensagens
eletrnicas, com a utilizao simultnea de equipamentos de audio/escuta e
fala telefnica e sistemas informatizados ou manuais de processamentos de
dados.
14
Do exposto, a atividade de telemarketing ou de teleatendimento realizada
nos espaos do call centers ou centro de atendimento. Nogueira (2006) levanta a
seguinte conceituao de telemarketing: [...] toda e qualquer atividade
desenvolvida atravs de sistemas de telemtica e mltiplas mdias, tendo como
objetivo as aes padronizadas e contnuas de marketing. O telefone seu
principal veculo de trabalho (NOGUEIRA, 2006, p. 39).
Para Thirin (2007), os call centers so concebidos como fbricas de
comunicao e gesto de informao que surgem do processo de flexibilizao
do trabalho e das inovaes tecnolgicas de informao e comunicao. As
fbricas de call centers atendem s necessidades de uma nova rea das
relaes mercantis: o telemercado.
Ribeiro (2007) reafirma essa definio atravs do que denomina viso
atualizada e moderna de telemarketing, tomando, para tal, como premissa as
novas configuraes do mundo moderno marcado pela globalizao e pelas altas
tecnologias de informao. Nesse nterim, surge para potencializar a
competitividade de uma determinada empresa, seja pblica ou privada, ao
permitir um contato mais rpido e prximo entre o cliente e o servio. O
telemarketing, a partir da confluncia entre telecomunicaes, computador e
marketing e da utilizao de recursos de alta tecnologia como telefonia, fax,
correio de voz e internet, propicia a venda do produto e, o mais importante, o
fornecimento ao cliente de informaes sobre o produto e os servios disponveis
(RIBEIRO, 2007). Apresenta-se, ento, como uma estratgia de venda e de
insero no mercado competitivo, sendo muito vantajosa a acumulao do capital
por favorecer a empresa agilidade, reduo de custos, controle imediato dos
resultados, contato direto com os clientes e fcil controle sobre as atividades
(monitoramento das chamadas).
Ainda segundo o autor supracitado, o telemarketing possui trs elementos
bsicos, envolvendo a tecnologia de ponta, so eles: o software, o hardware e o
humanware. O software constitui um conjunto de programas que orienta e auxilia
as atividades produtivas da empresa, enquanto que o hardware corresponde ao
bando de dados e o PABX recurso formado pelo atendimento automtico,
15
distribuio e encaminhamento de chamadas, superviso e estatsticas. O
humanware significa a preparao dos trabalhadores em telemarketing,
abarcando [...] os talentos humanos, a cultura do usurio e a competncia
operacional (RIBEIRO, 2007, p. 25).
As aes produtivas no telemarketing so realizadas pelos operadores que
[...] atendem usurios, oferecem servios e produtos, prestam servios tcnicos
especializados, realizam pesquisas, fazem servios de cobrana e cadastramento
de clientes, sempre via teleatendimento, seguindo roteiros e scripts planejados e
controlados para captar, reter ou recuperar clientes (CBO, 2007). Esses
trabalhadores tm como funes, segundo a concepo de Ribeiro (2007):
publicidade ao encaminhar mensagens gravadas aos clientes; promoo de
produtos, marcas, pessoas e empresas; prestao de servios financeiros,
administrativos, de entretenimento e at educacionais; busca de novos clientes ou
mercados; realizao de pesquisas de mercado a fim de auxiliar na elaborao de
estratgias de venda e de marketing; e a cobrana atendendo clientes com
pendncias financeiras (recuperao de crditos). Conforme estabelece o Cdigo
Brasileiro de Ocupaes (CBO, 2007), os operadores devem possuir uma srie de
competncias pessoais para realizar a atividade de teleatendimento, entre elas
boa dico, capacidade de expresso e compreenso oral, pacincia,
autocontrole, saber administrar conflitos e ser capaz de tomar decises.
Os operadores de telemarketing possuem, em geral, um perfil muito
parecido, o qual coincide com a populao em busca de emprego, a saber:
maioria de mulheres, jovens, idade acima de 18 anos e menor que 30 anos,
escolaridade de no mnimo segundo grau completo, boa dico e fluncia verbal
(NOGUEIRA, 2006; VILELA; ASSUNO, 2004).
A Associao Brasileira de Telemarketing (ABT) descreve a histria desse
tipo de servio no Brasil, durante as pocas de 80, 90 e incio de 2000. O setor de
teleatendimento comeou a entrar no mercado brasileiro no final da dcada de 80
a partir de filiais multinacionais, empresas de carto de crdito e operadoras de
telefonia. A sua expanso iniciou-se na dcada de 90 devido a importantes
fatores, tais como a privatizao de grandes empresas estatais, o lanamento do
16
Cdigo de Defesa do Consumidor, que legitimou o negcio por telefone, e o
desenvolvimento da informtica, o que possibilitou a mensurao das ligaes, a
produtividade, a unificao dos cadastros e o uso do marketing (ABT, 2007).
A expanso das empresas de telemarketing foi impulsionada pelas
mudanas no mundo do trabalho, que determinaram a potencializao da
comunicao e desenvolvimentos das tecnologias de informao para alavancar o
processo produtivo (ANTUNES, 2006).
O atual processo de reestruturao do capitalismo, iniciado nos anos 70
nos pases de capitalismo avanado e nos anos 90 no Terceiro Mundo,
marcado por mudanas significativas na produo (modelo toyotista) e na poltica
do Estado (Neoliberalismo), como a reduo dos gastos pblicos, aumento de
investimentos estrangeiros, estabilidade monetria e privatizao de empresas
estatais (ABRAMIDES; CABRAL, 2003). Segundo Antunes (1997), o modelo
toyotista de produo e de relaes de trabalho possui como caractersticas
principais: implantao da robtica e da informatizao na linha de produo,
flexibilizao e precarizao do trabalho, novos padres de gesto da fora de
trabalho (como exemplos, Crculos de Controle de Qualidade CCQs e
Gesto Participativa), polivalncia e multifuncionalidade do trabalhador, sub-
remunerao e eliminao gradual dos direitos trabalhistas.
No Brasil, o desenvolvimento desse novo modelo de estruturao produtiva
se inicia na dcada de 90, por meio da implantao dos ideais japoneses de
relaes de trabalho, como a acumulao flexvel, o sistema just-in-time, a
implantao de fbricas com tamanhos reduzidos (clulas produtivas), as formas
de subcontratao e de terceirizao da fora de trabalho. No entanto a
implantao deste modelo no significa uma ruptura completa com o modelo
anterior fordista, existindo no Brasil uma mistura entre o toyotismo japons e ao
fordismo americano na produo, ainda visvel quando se observa a existncia
concomitante de uma estrutura produtiva industrial com influncias fordistas e de
prticas toyotista de flexibilizao do trabalho e de terceirizao (ANTUNES,
2002).
17
A terceirizao apresenta-se empresa como uma medida vantajosa,
possibilitando-a manter a competitividade no mercado do capital por meio da
ascenso da produtividade e diminuio de custos com a fora de trabalho. Isso
se d porque a empresa, ao contratar trabalhadores terceirizados, restringe
consideravelmente seu quadro de funcionrios com contratao direta e, por
conseqncia, os gastos com encargos trabalhistas e com a remunerao dos
trabalhadores, visto que o valor do salrio do terceirizado segue influncia da
demanda do mercado, o que, em resumo, significa salrio abaixo do valor devido.
Como resultado do processo descrito, tem-se a elevao da mais-valia total da
empresa. Para o trabalhador, a terceirizao representa uma nova roupagem da
explorao do trabalho (MARCELINO, 2006). A terceirizao favoreceu
enormemente a expanso das empresas de telemarketing. Foi o processo de
desestatizao do setor de telemarketing, efetivado nos governos dos anos 90,
que possibilitou a implantao da terceirizao nessas empresas j privatizadas
no Brasil (MENDES, 2005).
A diminuio de empregos nas indstrias e no campo e o assalariamento
do setor de servios so processos que contribuem para a nova metamorfose da
classe trabalhadora, agora mais complexificada: mais heterognea devido a maior
entrada de mulheres no mercado de trabalho, fragmentada e subproletarizada
pelo aumento das contrataes temporrias e pelo trabalho terceirizado
(ANTUNES, 1997).
Seguindo as anlises de Antunes (1997), pode-se afirmar que as
mudanas na objetividade do mundo do trabalho promovem, dialeticamente,
alteraes na subjetividade desse novo trabalhador e uma nova crise no modo de
pensar e agir. Estes, presos pela precarizao do trabalho e pela exacerbao da
feitichizao da mercadoria e estranhamento do trabalho, advindos da nova
reestruturao produtiva, abandonam a esperana pela liberdade e pela
emancipao, resultando em prticas hegemnicas de aceitao das pssimas
condies de trabalho, enfraquecimento dos sindicatos, das lutas pela
emancipao e dos princpios socialistas.
18
Inserido nesse novo e em desenvolvimento mundo do trabalho supracitado,
regido pela intensificao da explorao e precarizao do trabalho, est a
atividade de telemarketing. Insero essa no homognea, mas marcada pelas
contradies do mundo do trabalho e suas formas de organizao. Como ressalta
Venco (2006), na atividade de teleatendimento h combinaes de tcnicas de
trabalho modernas, atravs do advento da informtica e da telemtica, e modelo
taylorista de controle do trabalho.
Sobre essa questo, Thirin (2007) explica que, na empresa de
telemarketing, h presena de produo em srie e rotinas das atividades
desempenhadas pelos operadores, processos estes tpicos do modelo taylorista.
Ao mesmo tempo, h a implementao de medidas de flexibilizao da produo,
observadas principalmente nas exigncias de multifuncionalidade aos operadores
para atender as vrias atividades de campanha.
O taylorismo constitui um mtodo de organizao do trabalho que visa a
adaptao do trabalho s necessidades do capital atravs, principalmente, do
controle pela gerncia das tarefas e separao entre o planejar e o executar o
trabalho (BRAVERMAN, 1987). Segundo seu idealizador, Taylor (1963), o saber-
fazer do trabalhador deve ser possudo pela gerncia, e esta, utilizando mtodos
cientficos, deve ser a responsvel por elaborar o trabalho (tempo, contedo e
diviso das tarefas), encarregando os trabalhadores apenas execuo
fragmentada de cada tarefa. Para Braverman (1987), tal teoria significa a
desumanizao do processo de trabalho, retirando do trabalhador sua autonomia
e a capacidade de pensar a totalidade do trabalho.
Para que a tarefa seja executada da melhor forma possvel, diga-se de
maneira mais produtiva, Taylor (1963) estabelece um sistema de rotina orientado
pelo controle rgido do tempo e da padronizao das ferramentas de trabalho.
Reduo do tempo morto do trabalho, aumento do tempo produtivo,
cronometragem, controle do contedo das atividades e padronizao so
elementos desse modelo presentes no telemarketing.
19
A atividade de telemarketing possui como principal caracterstica o controle
intenso do trabalho do operador. O controle do trabalho no teleatendimento,
considerado rgido e rigoroso, mediado pela tecnologia que, assim, contribui
para a intensa racionalizao do trabalho e para a elevao das taxas de
produtividade da empresa. Todas as atividades dos tele-operadores so
registradas por softwares, entre elas os nmeros de ligaes feitas e recebidas, o
tempo das pausas, tempo de atendimento, a indicao de clientes espera e o
tempo excedido nos atendimentos (VENCO, 2006).
Segundo Vilela e Assuno (2004), as principais formas utilizadas de
controle do trabalho no telemarketing so: do tempo, do contedo, do
comportamento, do volume de servios e dos resultados. Para efetuar o controle
do trabalho, a empresa desenvolve uma srie de mecanismo que vo desde o
registro da durao dos atendimentos at a exigncia de qualidade de
atendimento.
O controle do tempo, como afirma Nogueira (2006), uma estratgia criada
pelo capitalismo para manter sua dominao, uma vez que atravs dessa ao
torna-se possvel o aumento da produo e, em decorrncia, da potencialidade na
extrao da mais-valia para acumulao de capital. Para concretizar o processo
citado, as empresas desenvolvem tcnicas de controle do tempo como a descrita
por Vilela e Assuno (2004) em pesquisa em uma central de teleatendimento, a
exemplo da presena de sinais luminosos no monitor de vdeo do operador
avisando que o tempo de atendimento est terminando. Conforme descrevem os
autores: O indicador em formato de uma barra retangular de 3x1cm, cujo comprimento aumenta com o passar do tempo, alm de mudar de cor: azul (menos de 20 segundos), amarelo (de 20 a 25 segundos) e vermelho (acima de 25 segundos). Os relatos dos operadores esclarecem as suas vivncias cotidianas sob o controle eletrnico: no podemos parar para respirar pois o computador registra cada segundo que ficvamos sem atender, o mesmo ainda sinalizava atravs de uma espcie de led [sinal luminoso] que aps aquele atendimento havia ainda centenas de novos clientes no aguardo. (VILELA; ASSUNO, 2004, p. 1072).
Silva e Assuno (2005) estudaram empresas de telemarketing de Minas
Gerais denunciadas pelo sindicato de trabalhadores de teleatendimento
20
(SINTTEL) ao Ministrio do Trabalho e Emprego e ao Ministrio Pblico do
Trabalho. Entre as denncias destacam-se as pssimas condies de trabalho
enfrentadas pelos tele-operadores, em especial a jornada de trabalho e o nmero
de atendimentos realizados ao dia. Como descrevem os autores, a jornada de
trabalho era de seis horas/dia e o intervalo de quinze minutos respeitado, embora,
na prtica, o que ocorria era o desconto desse intervalo no final do dia, o que
equivale a dizer que a jornada diria efetiva era de seis horas e quinze minutos. O
nmero de atendimentos realizado chegou a oitenta, com um tempo mdio de
atendimento (TMA) de trs minutos ou mesmo de 28 segundos.
Alm dessas verificaes, os autores supracitados observaram a existncia
de incentivo da empresa competitividade entre os operadores, utilizao de
cmeras de filmagem nos espaos de trabalho, escuta e gravaes de
atendimentos como mecanismo de avaliao de desempenho e desvalorizao
das queixas de sade dos trabalhadores, realidade esta que permitiu ao Ministrio
Pblico do Trabalho afirmar: A atividade de teleatendimento, como realizada no momento, atividade patognica ao sistema psquico por sobrecarga psico-cognitiva desencadeada por controle estrito de tempos e modos operatrios e falta de autonomia no trabalho: distrbios auditivos e de voz so freqentes, assim como as LER/DORT (SILVA; ASSUNO, 2005, p. 562).
Outra caracterstica do trabalho em telemarketing a presena constante
de presso: [...] ser capaz de trabalhar sob presso condio sine qua non para
ingressar e permanecer no telemarketing (VENCO, 2006, p. 13). Nessa lgica da
presso para trabalhar, a superviso assume grande importncia. Os
supervisores possuem como funo, na lgica do telemarketing, exigir a disciplina
e o cumprimento das metas pr-determinadas (VENCO, 2006).
Um importante tipo de presso sobre os operadores o medo de perder o
emprego, justificado pela crescente taxa de desemprego no pas, principalmente
entre a populao jovem. Consoante Thirin (2007), na Amrica Latina e no
Caribe a grande oferta de trabalhadores no mercado permitem que as fbricas
de call centers funcionem com altas taxas de rotatividade de contratao de fora
de trabalho, garantindo, devido a essa conjuntura, a potencialidade no
21
desempenho dos operadores. Com medo do desemprego os operadores se
sujeitam s exigncias das empresas e s pssimas condies de trabalho.
Presso, produtividade, competitividade, pssimas condies de trabalho,
e controle so palavras constantemente utilizadas na literatura cientfica para
descrever a lgica da atividade de telemarketing. Dentro desse quadro descrito
esto os operadores, trabalhadores que sofrem efeitos diversos, de carter fsico,
emocional e social. Entre esses efeitos, tem-se a disfonia.
22
1.2 Voz e Trabalho: a Disfonia como Efeito
Segundo Souza e Ferreira (2000), na histria da humanidade sempre
existiram indivduos que utilizaram profissionalmente a voz, como, por exemplo, o
teatro e o canto constituindo manifestaes culturais e da voz em vrias pocas
histricas , os famosos oradores da Grcia Antiga e os ensinamentos de
tcnicas vocais empregadas h sculos.
Para a autora, no sculo XX surgem os chamados profissionais da voz
devido principalmente s inovaes na rea da comunicao e da criao do
telefone, do rdio e da televiso, fatores que atriburam uma importncia ainda
maior da oralidade no meio social. Trata-se de atividades nas quais o sujeito [...]
para exercer a profisso, depende de sua voz, sendo esta um instrumento de
trabalho (SOUZA; FERREIRA, 2000, p. 02).
So, portanto, profissionais da voz cantores, professores, locutores,
advogados, polticos, feirantes, atores, operadores de telemarketing, enfim,
indivduos que, para realizar sua atividade laborativa, precisam ser eficientes na
produo vocal, tanto qualitativamente (boa qualidade vocal), como para suprir a
alta demanda vocal exigida. Para responder s necessidades da voz no trabalho,
o profissional da voz deve adaptar a sua emisso habitual fazendo reajustes
cabveis a cada atividade. No entanto, para tal, preciso conhecimento de
tcnicas e cuidados vocais que esses trabalhadores ainda no adquiriram
(BELHAU et al., 2005).
Consoante Nogueira (2006), o trabalho em telemarketing tem como
utilidade fornecer informaes acerca de produtos e servios aos clientes,
existindo para esse fim como ferramenta potencial a voz humana, com o apoio
tecnolgico de fones de ouvido e do computador.
A voz determinada para o trabalho em telemarketing deve ser produzida
por um eficiente mecanismo vocal, apresentando, ento, boa qualidade vocal com
23
ausncia de rouquido, modulao variada e no-excessiva, alm de no
apresentar marcas acentuadas de regionalismo e de emoo (BEHLAU et al.,
2001).
Como ressalta Morey (2002), a voz no telemarketing constitui uma
importante estratgia de venda, sendo uma boa voz artifcio imprescindvel na
conquista da confiana do cliente. Um operador competente possui uma voz
competente, e consegue, ento, utilizar corretamente a sua voz, modelando-a
durante o dilogo com o cliente para transmitir confiana, autoridade, segurana e
eficincia. Mesmo se voc falar com 800 pessoas por dia, o tom ntimo e
cuidadoso em sua voz far a diferena na atitude da outra parte com relao a
voc e sua empresa (MOREY, 2002, p. 05).
Behlau et al. (2005) determinam o teleatendimento como uma profisso
que exige essencialmente o raciocnio rpido, a inteligncia, a simpatia e
habilidade comunicativa, devendo, portanto, o operador possuir um perfil
especfico de voz e comportamento eficiente.
No processo de produo do telemarketing, a voz, como instrumento
fundamental de trabalho, precisa ser adaptada dinmica tcnica-organizacional,
mesmo que nociva sade. Nesse nterim, segundo Nogueira (2006), a garantia
da produtividade, da qualidade do trabalho e do controle do tempo (TMA) se d
por meio do uso da voz, principalmente atravs da padronizao da entonao e
do controle do contedo (script).
A voz, tanto em termos fsicos quanto como mensagem, simplificada no
processo de trabalho, reduzida a uma mera estratgia de produtividade. No
telemarketing, concebido como um meio de produo, no h espao para a
realizao comunicativa da ao vocal. Assim, padronizao da forma e contedo
da voz, ao reprimir as relaes interpessoais no dilogo e as manifestaes
emocionais, contribui para a robotizao do operador de telemarketing
(NOGUEIRA, 2006).
24
Em decorrncia do uso excessivo da voz como instrumento de trabalho,
somado situao permanente de tenso emocional, alguns sintomas
relacionadas voz so observados em operadoras de telemarketing, como:
fadiga vocal, rouquido, inflamao crnica da laringe e ndulos nas pregas
vocais (NOGUEIRA, 2006).
Extremas diferenas entre a qualidade vocal empregada na voz habitual e
na voz profissional ou o uso prolongado da voz no trabalho podem promover uma
sobrecarga no aparelho fonador e, como conseqncia, uma disfonia. Alm da
demanda vocal excessiva, outros fatores colocam em risco a sade vocal, entre
eles: competio sonora, acstica deficiente do ambiente de trabalho e
inadequaes do mobilirio, dos equipamentos e da qualidade de ar (BEHLAU et
al., 2005).
Consoante Costa (2005), dentre as patologias de laringe que podem
apresentar relaes com o trabalho est a disfonia, que pode ser caracterizada
como uma doena relativa ao uso da voz no ambiente de trabalho. Em outras
palavras, trabalhadores que utilizam a voz profissionalmente, como professores e
operadores de telemarketing, esto mais susceptveis disfonia devido
sobrecarga do aparelho fonador (BUSCH et al., 2005).
A relao entre a disfonia e o trabalho foi apontada j no sculo XVII pelo
mdico italiano Bernardino Ramazzini, conhecido como pai da medicina do
trabalho. Em cantores e oradores, o uso excessivo da voz provocaria danos de
diversas naturezas: alm da rouquido por esforo vocal, hrnias linguais
oriundas do relaxamento dos msculos abdominais durante a respirao para o
canto, corizas, cefalias em cantores com voz estridentes (RAMAZZINI, 2000).
Pesquisas mais atuais levantam as principais queixas vocais e distrbios
da voz presentes em profissionais da voz. A rouquido o principal sintoma vocal
entre educadoras de oito creches de So Paulo dentre as 80% das trabalhadoras
que referiram presena de alterao vocal (SIMES; LATORRE, 2006).
25
Em consonncia com esses dados, um estudo realizado entre estudantes
do ltimo ano de licenciatura de uma instituio de ensino superior do Par
revelou que 83% apresentaram sintomas relacionados ao uso inadequado da voz,
como dor ou irritao ao falar, pigarro e rouquido (NETO et al., 2008).
Em outra pesquisa, os profissionais da voz foram classificados de acordo
com a demanda vocal exigida durante a realizao da atividade. Os operadores
de telemarketing foram situados no nvel moderado, ou seja, com um uso
contnuo da voz entre quatro a seis horas por dia (COSTA et al., 2000). Entre as
queixas vocais desses trabalhadores esto a rouquido, as quebras de
sonoridade, a dor, o ardor, a queimao e o ressecamento, todas relativas
qualidade e sensibilidade da voz.
Ao realizar classificao dos profissionais da voz quanto demanda vocal
e tipo de voz, Vilkman (2000) ordena os operadores de telemarketing como
profisso que exige alta demanda vocal e uma voz com grande resistncia.
A disfonia compreendida como uma alterao vocal que no se refere
aos marcadores sociais, culturais e emocionais, constituindo-se, logo, como um
distrbio da comunicao oral na qual a voz encontra-se impossibilitada de
cumprir com efetividade a transmisso da mensagem verbal e emocional do
indivduo (BEHLAU; AZEVEDO; PONTES, 2001). Ampliando a definio
supracitada, Le Huche e Allali (2005) determinam disfonia como [...] um distrbio
momentneo ou durvel da funo vocal sentida como tal pelo prprio indivduo
ou seu meio de convvio. (LE HUCHE; ALLALI, 2005, p. 59).
Dentre as disfonias mais presentes em profissionais da voz est a disfonia
funcional atribuda ao abuso ou mau uso prolongado da voz que, alm de
prejuzos funcionais fonao, tambm pode promover o desenvolvimento de
alteraes orgnicas secundrias, como os ndulos vocais. Esse tipo de disfonia
normalmente se mantm por um perodo prolongado de tempo, podendo ser
flutuante ou intermitente e possuindo desvios de fonao, entre eles: fadiga vocal,
odinofonia, tenses na musculatura esqueltica, reduo da extenso dinmica
da voz, alteraes ressonantais, rouquido, padro respiratrio inadequado,
26
qualidade vocal soprosa e spera, pobre sonoridade, pitch agravado e ataque
vocal brusco (NAVAS; DIAS, 1998).
A disfonia funcional apresenta trs causas principais: o uso indevido da voz
que se refere utilizao de abusos vocais e/ou modelos vocais inadequados
justificados pela falta de conhecimento do individuo falante quanto ao
funcionamento normal da voz, as inadequaes vocais que so explicadas pelo
fato de no existir no corpo humano um aparelho desenvolvido especificamente
para a fonao, como exemplo tem-se a assimetria das pregas vocais e alguns
tipos de fendas fisiolgicas, entre elas a triangular posterior presentes em
mulheres, e as alteraes psicodistnicas (PINHO, 2003; BEHLAU; PONTES,
1995). Segundo Pinho (2003), as alteraes psicodistnicas referem-se imagem
vocal, corporal e social sobre o padro vocal incompatvel com a sade vocal,
resultando uma disfonia. Como exemplo observa-se: a imagem vocal positiva que
algumas mulheres possuem da voz agravada pela patologia vocal como edemas,
divergncia entre a imagem corporal e esttica vocal em casos de mulheres altas
com vozes de criana e a imagem social de que um executivo deve mudar sua
voz, deixando-as mais graves para demonstrar autoridade.
A sobrecarga no aparelho fonador, em outras palavras, o abuso vocal e o
mau uso vocal, segundo Behlau et al. (2005), se evidencia em situaes e
contextos adversos para a fonao, como uso da voz em ambientes ruidosos,
falta de treino formal, presena de pigarro, tosse crnica e hidratao insuficiente.
O abuso vocal consta de comportamentos vocais que podem desencadear
traumas mecnicos nas pregas vocais e, assim, leses, entre eles esto: gritar,
falar contra fundo de rudo elevado, tossir constantemente, pigarrear
excessivamente, falar por perodo de tempo excessivamente longo, usar a voz
excessivamente durante presena de edema e inflamaes larngeas (COLTON;
COSPER, 1996; BOONE, 1994). O mau uso da voz definido como uso incorreto
da voz e tem como manifestaes a tenso e esforo ao falar, o ataque vocal
brusco e a constrico larngea ntero-posterior, como exemplos (COLTON;
COSPER, 1996).
27
Alm da disfonia funcional, a disfonia funcional-orgnica e a disfonia
orgnica possuem alguma relao com o trabalho (SOUZA, 2004). A disfonia
funcional-orgnica corresponde a uma disfonia funcional diagnosticada
tardiamente que desenvolveu, devido ao contnuo uso excessivo da voz, leses
no revestimento das pregas vocais, como ndulos e plipos (BEHLAU &
PONTES, 1995; BUSCH et al., 2005). J a disfonia orgnica tem sua origem
independente do uso inadequado da voz e pode estar relacionada com
inflamaes larngeas, fissura lbio-palatina, distrbios respiratrios, disfunes
no sistema nervos e neoplasias (PINHO, 2003).
preciso ressaltar que uma disfonia se apresenta no como resultado de
uma causa nica, ao contrrio, o distrbio vocal caracterizado pela
multifatoriedade causal de tipologia orgnica, estrutural ou psicognica. Nesse
sentido, a disfonia decorrente de uma gama variada de determinantes que, cada
um de forma especfica, contribui para a manifestao de problemas vocais
(FERREIRA, 2004).
Segundo Behlau e Pontes (1995), algumas disfonias apresentam-se como
uma associao entre abuso vocal e quadros alrgicos. Os distrbios alrgicos,
em especial a rinite alrgica, ao atingirem estruturas como nariz, ouvidos e
garganta, comprometem o trato vocal e podem provocar comprometimentos na
projeo vocal (OLIVEIRA, 2004). Como complementa a autora, em profissionais
da voz as reaes alrgicas podem estar relacionadas exposio de certas
substncias presentes no ambiente de trabalho, como poeira e elementos txicos.
A alimentao pode ser um fator causal da disfonia na medida em que a
ingesto de alguns tipos de alimentos, principalmente antes do uso da voz no
trabalho, pode alterar a viscosidade da saliva e prejudicar, assim, a produo
vocal ao estimular o aumento de suco gstrico e contribuir para o refluxo gstrico-
esofgico (OLIVEIRA, 2004). Os principais alimentos que provocam o refluxo
gstrico-esofgico so as bebidas a base de cafena, refrigerantes, condimentos,
frituras e alimentos gordurosos, muitas vezes presentes no hbito alimentar dos
profissionais da voz (FERREIRA, 2004; OLIVEIRA, 2004). Como afirma Oliveira
(2004) alm da alimentao, o estresse profissional pode determinar o aumento
28
de suco gstrico e, consequentemente, o surgimento ou agravamento do refluxo
gstrico-esofgico. Segundo Behlau (2005), o refluxo-esofgico pode promover o
surgimento ou agravamento da disfonia, uma vez que o cido gstrico em contato
com a laringe pode causar irritaes da mucosa das pregas vocais e leses na
regio posterior da laringe.
A falta de hidratao constante do corpo, e conseqentemente, das pregas
vocais um importante fator que predispe disfonia. O ressecamento da
mucosa do trato vocal e a no efetiva lubrificao da prega vocal acometem o
funcionamento do processo fonatrio, fazendo com que, para se iniciar a fonao
seja necessrio aumento da presso subgltica, o que gera agresses nas pregas
vocais (DUPRAT; CAMPIOTTO, 2005). A hidratao significa eficincia fonatria
e melhor flexibilidade e vibrao das pregas vocais, sendo indicado, ento,
principalmente para profissionais da voz, a ingesto de 2 a 3 litros de lquido ao
dia, de preferncia gua em temperatura ambiente, em pequenos goles e durante
o uso da voz (AZEVEDO, 2004; FERREIRA, 2004).
Bebidas geladas ou muito quentes no so indicadas para trabalhadores
que utilizam a voz profissionalmente, o que justificado pelo choque trmico que
essas bebidas podem causar ao organismo e, como conseqncia, edema na
mucosa das pregas vocais, descarga de muco e problemas inflamatrios
(FERREIRA, 2004). A mesma autora destaca que o ar condicionado, devido
ao de resfriamento com reduo da umidade do ar, um fator condicionante de
ressecamento do trato vocal e de problemas na voz.
Inadequaes na postura corporal como problemas de alinhamento da
cabea e do pescoo durante a fonao, bem como tenso de pescoo e da
musculatura do trato vocal so responsveis por importantes alteraes no
processo fonatrio, sendo comuns em profissionais da voz (OLIVEIRA, 2004).
Conforme afirma a autora, alteraes posturais na cabea podem limitar os
movimentos desta e tambm da mandbula, o que traz prejuzos produo
vocal. Outras alteraes posturais podem refletir no funcionamento do diafragma,
principalmente quando ele contrado, dificultando o apoio respiratrio para
volume e projeo da voz.
29
Outro determinante do distrbio da voz, talvez o mais importante e
observado, o excesso na demanda vocal. Segundo Duprat e Campiotto (2005) a
demanda vocal representa a solicitao exigida ao aparelho fonador tanto nvel
de tempo de uso da voz, quanto intensidade sonora. Ao se tratar de
profissionais da voz, os autores afirmam que, algumas vezes, no h uso
incorreto da voz do trabalhador durante a atividade produtiva, mas uma demanda
vocal exagerada, sendo, nesses casos, necessrio conhecer o ambiente de
trabalho no qual ocorre o uso profissional da voz. No ambiente de trabalho e nas
atividades sociais observa-se fatores que podem determinar o aumento da
demanda vocal, entre eles: competio sonora e feedback auditivo no-efetivo,
que podem induzir a elevao da intensidade da voz.
Segundo Oliveira (2004), a necessidade de demanda vocal e as condies
para permitir o uso profissional da voz devem ser observadas para possibilitar
orientaes de cuidado com a voz. Entre as condies destacadas pela autora,
esto: tempo de uso, distribuio desse tempo ao longo da jornada semanal de
trabalho (se distribudo equitativamente ou se exigida maior demanda em
determinados dias), o ambiente fsico, emprego de volume de voz e a tendncia
de desidratao e reposio hdrica no trabalho. A disfonia, nesse sentido, estaria
relacionada s condies imprprias para a produo saudvel da voz, como
presena de rudo ambiente, acstica ruim, exposio poeira, calor excessivo e
ar condicionado (OLIVEIRA, 2004).
Outros fatores que merecem destaque so: falta de preparo fsico e
presena de alteraes cardio-respiratrias que podem favorecer o cansao
vocal, distrbios do sono, uso de medicamentos com vasoconstrictores,
vasodilatadores e aqueles que provocam ressecamentos de mucosas do corpo,
ingesto de bebidas alcolicas que alm de irritarem a mucosa do trato vocal,
ainda possuem efeito anestsico, mascarando dores e esforos vocais, uso de
pastilhas, sprays e drops pelo mesmo motivo citado anteriormente, fumo e drogas
que so substncias que irritam o trato vocal e predispem a laringe aos edemas,
e distrbios otolgicos como zumbido, tonturas e perdas auditivas que prejudicam
o monitoramento da voz (FERREIRA, 2004; BEHLAU; PONTES, 1995).
30
Souza (2004) levanta os principais fatores de risco para a presena da
disfonia no trabalho, a saber: ambiente de trabalho com nvel de presso sonora
acima de 65 dB, desconforto e ventilao inadequada e ar condicionado,
exposio a produtos qumicos, fumaa e poeira, riscos ergonmicos como
inadequao dos mobilirios e da acstica do ambiente, bem como falta de gua
potvel e banheiros de difcil acesso e a organizao do processo de trabalho. Os
determinantes relacionados organizao do trabalho, para a autora, so,
principalmente, jornada prolongada, acmulo de funes, excessiva demanda
vocal, ausncia de pausas e descansos, ritmo de trabalho acelerado, presso,
falta de autonomia nas atividades e insatisfao com o trabalho.
Rondina (2005) explica a fisiopatologia da disfonia por mal uso vocal
atravs de estudo com autores. Os distrbios da voz surgem devido utilizao
de uma musculatura que nunca foi usada e nem preparada para tal trabalho. Esse
tipo de mudana causa fadiga orgnica, pois a musculatura passa a funcionar
indiscriminadamente e o corpo todo comea a trabalhar num processo sofrido
para a obteno de uma voz (RONDINA, 2005).
Algumas pesquisas tentam levantar as principais queixas vocais e
determinantes de disfonia na atividade de telemarketing. Serrano e Ferreira
(2002) pesquisaram o impacto da disfonia ocupacional na qualidade de vida de
operadoras ativas e receptivas de telemarketing, por meio do questionrio VHI
(Voice Handicap Index/ ndice de Capacidade Vocal). Para tal, determinaram
pesquisar apenas mulheres pela prevalncia desse gnero entre os tele-
operadores e devido configurao especfica do trato vocal feminino que
predispe s alteraes da voz. As principais queixas vocais atribudas pelas
operadoras ativas foram a perda da voz e a rouquido, enquanto que, para as
operadoras receptivas, as mais citadas foram perda da voz, dor de garganta, e
rouquido seguida de perda da voz. Na pesquisa, verificou-se a existncia de
impactos da disfonia no dia-a-dia das tele-operadoras, em especial nas ativas,
envolvendo aspectos fsicos (muito esforo para falar, voz desaparece na metade
da conversa), funcionais (quando as pessoas pedem para repetir, quando esto
conversando pessoalmente) e emocionais (quando ficam envergonhadas quando
31
as pessoas falam para repetir) que interferem na qualidade de vida dessas
mulheres.
Beraldin et al. (2005) levantaram as principais sensaes vocais
relacionadas ao uso profissional da voz e ao abuso vocal durante o trabalho de
operadores de telemarketing. Entre as disestesias mais citadas esto: secura,
fadiga, rouquido, arranhamento e pigarro. Outras sensaes, como dor, coceira,
dificuldade para engolir, bola na garganta, voz abafada, ardncia, queimao,
estrangulamento e picada, podem apresentar relao direta com o abuso vocal
em ambientes de trabalho com ar condicionado e jornada intensiva (entre seis e
oito horas dirias), mesmo que o operador faa ingesto constante de gua
potvel.
Ainda segundo Beraldin et al. (2005), a maioria dos tele-operadores
pesquisados possua o hbito de consumir quantidades adequadas de gua
potvel, contudo, em temperatura muito baixa, prtica esta que pode promover
edemas de mucosa, pigarro e problemas inflamatrios. Quanto a outros hbitos
que podem interferir na voz, a maioria no fumava ou fazia uso de bebidas
alcolicas e quase metade dos operadores (49,47%) consumia caf regularmente.
As orientaes de cuidados com a voz, seguidas pelos operadores, foram
transmitidas por colegas e amigos e muitos no conheciam o trabalho do
fonoaudilogo e no tiveram acesso fonoterapia.
Belhau et al (2005) cita os principais critrios clnicos de diagnstico da
disfonia em profissionais da voz. A avaliao da voz profissional inclui realizao
de anamnese com informaes a cerca do uso da voz no trabalho, avaliao
comportamental vocal (anlise perceptivo-auditiva) que descreve a qualidade
vocal, padro respiratrio, a articulao dos sons da fala e aspectos globais da
comunicao, avaliao acstica que detalha a funo vocal e a avaliao
otorrinolaringolgica (videolaringoscopia). Profissionais da voz com disfonia
podem apresentar diferenas extremas entre a qualidade vocal empregada na voz
habitual e na voz profissional, tenses musculares especficas como na
musculatura supra-hiidea, alterao na qualidade da voz, desequilbrio na
32
ressonncia e na projeo vocal, presena de leses na regio das pregas vocais
(ndulos, cistos, edemas e outros).
Guimares (2004) define como disfonia laboral as alteraes vocais
advindas da utilizao excessiva do sistema msculo-esqueltico no trabalho, o
que pode causar mudanas no padro vocal do trabalhador e, por conseguinte,
Leses por Esforo Vocal Repetitivo (LEVR), a exemplo do que ocorre com a
LER-DORT (Leso por Esforo Repetitivo: Distrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho). A LEVR, muito comum em operadores de
telemarketing, pode vir acompanhada de: sensao de peso na garganta; dores
no pescoo, cabea, articulaes temporomandibulares e garganta; rouquido;
ardncia; tempo de fonao reduzido; diminuio na extenso vocal; cansao
fsico; estresse; respirao curta; sensao de enrijecimento muscular; e
formigamento na regio do pescoo e dos ombros. No entanto, essa abordagem
ainda se mostra restrita por no definir como marco central de anlise o processo
de trabalho de telemarketing.
Tomando como referncia a Comisso Tripartite de Normatizao para a
Voz Profissional do Ministrio do Trabalho e do Emprego, Almeida (2005) define a
disfonia como o principal sintoma clnico das laringopatias relacionadas ao
trabalho. As laringopatias relacionadas ao trabalho se referem ao conjunto de
doenas da laringe e da faringe que acometem profissionais que utilizam a voz
como instrumento de trabalho.
Baseada em uma concepo mais ampliada de sade do trabalhador,
compreendendo, ento, a doena provocada pelo trabalho como efeito no do
comportamento individual do trabalhador, mas sobremaneira da organizao do
trabalho e das condies da atividade produtiva, Souza (2004) define a Disfonia
como efeito do trabalho, ou, sendo mais fiel autora, o Distrbio de Voz
relacionado ao trabalho: Entende-se por Distrbio de Voz Relacionado ao Trabalho qualquer alterao vocal diretamente relacionada ao uso da voz durante atividade profissional que diminua, comprometa ou impea a atuao e/ou comunicao do trabalhador (SOUZA, 2004, p. 06).
33
Mesmo reconhecida historicamente e fundamentada cientificamente, a
disfonia relacionada ao trabalho no reconhecida pelo Ministrio da Sade e da
Previdncia Social como doena do trabalho, segundo a Portaria/MS no.
1.339/1999,a qual reconhece 200 patologias relacionadas ao trabalho. Os estudos
cientficos e a discusso poltica sobre o termo Distrbio de Voz Relacionado ao
Trabalho visam justificar a criao de uma norma tcnica da Previdncia Social
atribuindo disfonia carter de doena relacionada ao trabalho, afirmando o nexo
causal entre a disfonia e o trabalho.
O telemarketing constitui-se como uma atividade produtiva na qual a voz
apresenta-se como instrumento fundamental de trabalho. O uso profissional da
voz no telemarketing realizado em condies de trabalho inadequadas, como
excesso de demanda vocal e controle do tempo e do contedo do uso da voz,
desencadeia um efeito sobre a qualidade desse instrumento. A disfonia, como
uma doena do telemarketing, pode interferir na atividade do operador no
teleatendimento na sua relao com o trabalho, na famlia e seu grupo social.
Nesta pesquisa ser adotado o termo disfonia para se referir aos distrbios
vocais relacionados ao trabalho, presentes nos operadores de telemarketing. Tal
escolha se justifica principalmente pelo uso de tal nomeao entre os prprios
operadores.
34
1.3 A Voz que Diz: Voz Definida como Linguagem
Entendendo as vrias concepes que norteiam a discusso de linguagem, e
ainda a prtica fonoaudiolgica, Mrtz (2004) prope trs perspectivas de
definio para a voz, a saber: como produo orgnica do som, como elemento
supra-segmental e como constituinte da interao vocal.
A primeira linha caracteriza a voz como produo fisiolgica do som para
promover a fala, ou seja, a um processo de ao mecnica de estruturas do
sistema respiratrio e digestivo, com o auxilio do controle neuromuscular e das
propriedades viscoelsticas das pregas vocais; em resumo: a gerao de som na
glote por meio das vibraes das pregas vocais (NEMETZ et al.; 2005). A voz
enquanto manifestao sonora identificada como mero suporte para a
linguagem oral e, ento, as alteraes da voz so desvios da voz normal,
devendo ser adaptadas ou adequadas desconsiderando os sentidos da voz
atribudos pelos sujeitos (MRTZ, 2004).
Ainda segundo a autora supracitada, a voz tambm tende a ser compreendida
como um elemento supra-segmental fala, cumprindo a funo marginal de
modelar a linguagem oral atravs de mudanas do tom e das curvas
entonacionais. Assim, o uso da voz deve seguir as normas da oratria, como
realizar entonaes de pergunta, afirmao, a acentuao das palavras e a
pontuao das frases. O foco da voz continua sendo a normatizao e adequao
da fala, e no h questionamento quanto [...] aos variados modos expressivos do
cotidiano do paciente, que incluem alteraes e desvios em relao ao padro
(MRTZ, 2004, p. 243).
A terceira perspectiva, defendida por Mrtz (2004) como a mais coerente, dita
a voz como parte inerente da linguagem. O componente nuclear da comunicao
humana, a voz, se manifesta por meio de suas caractersticas fsicas e
emocionais, inserida no tempo e no espao, e, portanto, influenciada pelo meio
social, que integra e modifica a sua ao (PETTER, OLIVEIRA; FISCHER, 2006).
35
Nesse nterim, a linguagem, tendo a voz como constituio, descreve-se como um
produto social.
Definir a voz como produto social requer duas discusses essenciais, a da
origem e ontologia da linguagem e acerca da funo que lhe imposta pela
sociedade de classes. Sendo social, a linguagem marcada pelas caractersticas
de seu tempo e pela forma como a sociedade organizada para produzir a vida,
portanto suas marcas so as contradies sociais e os conflitos ideolgicos
(CARBONI; MAESTRI, 2005).
Marx e Engels (2005) traam a concepo social da linguagem ao relacion-la
com a conscincia e ao dar-lhe sentido histrico de necessidade humana. Engels
(2005), completando essa concepo, esclarece a origem da linguagem: a
necessidade de dizer algo ao outro a fim de melhor organizar e predizer o
trabalho. Destaca-se em Marx e Engels (2005): A linguagem to antiga quanto a conscincia a linguagem a conscincia real, prtica, que existe tambm para os outros homens e que, assim existe igualmente para mim; e a linguagem surge com a necessidade da incompletude, da necessidade dos intercmbios com os outros homens. Onde existe uma relao, ela existe para mim (MARX; ENGELS, 2005, p. 56).
O outro ponto a ser destacado a determinao da estrutura social sobre a
linguagem que se expressa, sobretudo, na relao entre a linguagem, conscincia
(subjetividade individual) e ideologia (subjetividade coletiva). Na sociedade
capitalista, a ideologia dominante, ou seja, a conscincia de mundo dita como
inalienvel e nica nas relaes sociais, a ideologia da classe dominante
(MARX; ENGELS, 2005). Bakhtin (2004) amplia essa definio marxiana ao
defender que a linguagem [...] a arena onde se desenvolve a luta de classes
(BAKHTIN, 2004, p. 46) e, por isso, reflete e refrata a realidade, alienando-a.
Nesse sentido a linguagem no apenas uma ferramenta de descrio do
mundo. A linguagem e, estreitamente junto a ela, a voz, expressam, segundo
Carboni e Maestri (2005), concepes de mundo e, assim, sentidos conflituosos
de conservao e resistncia sobre o social.
36
A relao lingstica entre seu aspecto sonoro e seu contedo apresenta-se
no como unvoca ou neutra, mas de forma complementar e interdependente,
sendo resultado da histria das contradies sociais. Em outras palavras, a
linguagem ou o signo lingstico [...] profundamente determinados pelos
contedos sociais que os engendraram, ao preservarem por meio da histria,
assumem inevitavelmente novos contedos e determinaes, permanecendo,
porm, mais ou menos prenhes dos sentidos ensejados pela realidade e
experincias sociais que os produziram (CARBONI; MAESTRI, 2005, p. 60).
Seguindo a concepo de linguagem defendida anteriormente, nessa
pesquisa a voz ser concebida como linguagem oral e, portanto, um fenmeno
social. O uso da voz no telemarketing determinada pela realidade social, mais
precisamente pela funo que o telemarketing exerce no mundo do trabalho: a
comunicao entre a empresa e o mercado. Essa comunicao realizada pelo
operador que diz sobre a venda e assim transforma as ligaes em informaes
importantes para a acumulao de capital. Todo esse processo garantido pelo
uso da voz, o instrumento de trabalho e de comunicao do trabalhador. Definir a
voz como linguagem afirmar que seu uso no telemarketing est marcada pela
necessidade de comunicao da empresa.
A disfonia, ento, se apresenta como resultado da voz como meio de
comunicao do telemarketing, uma voz que precisa ser competente e eficiente,e,
por isso, sofre conseqncias da rigidez da organizao do trabalho. Nesse
nterim, a ampliao do conceito de voz permitir compreender os significados da
disfonia para os operadores de telemarketing alm do nvel fisiolgico, abarcando,
tambm, a realidade sociocultural, o mundo do trabalho e a vida social.
37
1.4 Disfonia e seu Significado
Poucas pesquisas levantam o significado da disfonia entre os profissionais
da voz, entre estas est a de Petroucic e Friedman (2006). Essas autoras
investigaram os sentidos da perda da voz entre profissionais da voz (radialista e
professor de radialismo, cantor de banda de rock, professora de portugus,
professora do ciclo bsico do ensino fundamental, cantor e compositor de msica
popular, e radialista) e no-profissionais da voz (diarista, mdico radiologista,
profissional de informtica, farmacutico, metrovirio e cabeleireira), com ou sem
presena de queixa vocal. Como resultado, as autoras perceberam que os
sujeitos com queixa vocal atriburam maior sentido negativo perda da voz e
afirmaram uma relao entre as queixas vocais e o estado afetivo. Tambm esses
sujeitos referiram maior cuidado com a voz e doenas relacionadas aos
problemas da voz. Os profissionais da voz foram os que relataram a necessidade
da voz para o trabalho e maior preocupao com o cuidado com a voz.
Pode-se inferir, nesse sentido, que a compreenso dominante sobre a
disfonia ainda deveras marcada pelo saber biomdico. Segundo Helman (1994),
as profisses de sade possuem uma concepo particular do processo de
sade, preservando teorias e valores prprios sobre as doenas e seus sintomas.
A endoculturao, eminentemente influenciada pela racionalidade cientfica,
estabelece que as informaes e hipteses sobre as doenas devem ser testadas
e comprovadas objetivamente (HELMAN, 1994).
Nesse sentido, Cassel apud Helman (1994) sugere o termo illness,
diferenciando do termo biomdico disease (enfermidade), para nomear a doena
percebida e interpretada pelo paciente. Torna-se, portanto, a partir dessa
perspectiva, importante a compreenso das doenas para alm de seus sinais e
sintomas fisiolgicos, englobando, assim, as dimenses sociais, objetivas e
subjetivas dos indivduos que sentem e significam a doena. A sade e a doena
apresentam manifestaes e efeitos no corpo e tambm no imaginrio do
indivduo e do grupo social ao qual este faz parte (MINAYO, 2006).
38
Consoante a definio de Barthes (1992), o significado um dos
componentes do signo, que atribui conceito imagem o significante - do signo.
O significado no um ato de conscincia, muito menos a realidade em si, ou
seja, [...] no uma coisa, mas uma representao psquica da coisa
(BARTHES, 1992, p. 46). Geertz (1987), baseado em Weber, dispe uma relao
entre o significado e a cultura: [...] o homem um animal amarrado em teias de
significados que ele mesmo teceu [...] a cultura como sendo essas teias e a sua
anlise (GEERTZ, 1987, p. 15). Ainda segundo esse autor, cultura e significado
so aes pblicas, portando, construdas socialmente e historicamente e
compartilhadas nos grupos sociais. Segundo Minayo (2006), a realidade social
marcada pela relao dialtica, portanto, indissocivel entre o pensamento e o
mundo material, ou seja, entre o sujeito histrico e as determinaes sociais.
Como a subjetividade, assim como a ao concreta, pertence ao mundo social, a
autora defende a [...] incluso dos significados na totalidade histrica-estrutural
(MINAYO, 2006, p. 26).
O significado de operadores de telemarketing sobre a disfonia o eixo
central dessa pesquisa. Para tanto, torna-se imprescindvel situar duas questes,
a saber: a fala enquanto manifestao social e o operador como sujeito que
significa seu cotidiano.
A principal premissa da linguagem que esta eminentemente um
fenmeno social e, por essa caracterstica, apresenta-se como um produto da
sociedade e do momento histrico da realizao lingstica. Assim, muito alm de
um cdigo lingstico que veicula informaes de um sujeito, a linguagem significa
o mundo e a vida. pela linguagem que a viso de mundo se materializa e
atravs dela e por ela as idias, pensamentos e ideologia so reafirmados pelo
homem, sujeito concreto, social e histrico (COSTA, 2000).
Para Freire (1994), o dilogo, prxis social, significa um encontro de
mulheres e homens que busca pronunciar o mundo. Sendo reflexo e ao social,
assim, o dilogo no se reduz a uma relao entre duas pessoas; , sim, um falar
do mundo entre homens e mulheres, num processo mediado pelo mundo. [...] o
39
dilogo se impe como caminho pelo qual os homens ganham significao
enquanto homens. Por isso, o dilogo uma exigncia existencial (FREIRE,
1994, p. 45).
A viso do mundo do sujeito falante, que exteriorizada pela linguagem,
no se realiza como mera obra subjetiva, como insistem alguns lingistas e
filsofos da linguagem, mas como um produto determinado pela realidade
objetiva. Como Bakhtin (2004) afirma, o signo lingstico, representado pela
palavra, reflexo da organizao da sociedade, ou seja, como homens produzem
suas relaes materiais e subjetivas: o modo de produo e organizao do
trabalho.
Nesse nterim, sendo a conscincia um reflexo das relaes sociais
(MARX; ENGELS, 2005), preciso, ao ouvir as manifestaes lingsticas dos
operadores de telemarketing, compreender a vida objetiva que norteia suas
experincias e suas falas. Surge a necessidade de situar o operador como sujeito
social que possui suas vivncias cotidianas, entre elas a experincia com a
disfonia, e sua subjetividade permeadas pelo desenvolvimento histrico da
sociedade.
Os sujeitos da pesquisa sero considerados trabalhadores, uma vez que
devido sua condio de classe que trabalha que os operadores, ao utilizarem a
voz como instrumento inexorvel da atividade produtiva, apresentam disfonias.
Como classe trabalhadora entende-se, dentro de uma concepo ampliada de
trabalho capitalista, a classe constituda de homens que, por no deterem dos
meios de produo, vendem sua fora de trabalho para o capital em troca do
salrio.
A classe trabalhadora possui, como base central, o proletariado que,
segundo Antunes e Alves (2004), abarca a todos os assalariados que participam
da criao da mais-valia, incluindo o proletrio rural e os trabalhadores
improdutivos os do setor de servios e os desempregados.
40
Como descrito, os operadores, ao atriburem significado sade e
disfonia diro muito alm de simples palavras, mas sobretudo valores e saberes
prprios sua classe e, assim, manifestaro sua essncia de sujeitos falantes e
trabalhadores. Seguindo essa linha, para Minayo (2004) a classe trabalhadora
[...] se afirma no ato de transformar a natureza e produzir, na marca que deixa
nos objetos construdos, no seu estilo de resistir e se subornar ao capital, de viver
e se reproduzir e nos bens simblicos que so a expresso do seu modo de
pensar o mundo em que vive (MINAYO, 2004, p. 67).
41
2.5 Sade do Trabalhador: relao entre o trabalho e a sade
A sade do trabalhador, enquanto campo de atuao poltico e social, se
preocupa em compreender a relao entre sade e trabalho para alm da
abordagem ambientalista caracterstica da sade ocupacional e positivista da
medicina do trabalho que visava prioritariamente a manuteno da fora de
trabalho. Ampliando essas concepes, a sade do trabalhador se estabelece
como novo paradigma no campo da sade pblica, com influncia das cincias
scias e da teoria marxista (MINAYO-GOMEZ; THEDIM-COSTA, 1997) e, assim,
se configura como [...] um esforo de compreenso deste processo [processo sade e doena dos grupos humanos em sua relao com o trabalho] como e porque ocorre e do desenvolvimento de alternativas de interveno que levem transformao em direo apropriao pelos trabalhadores da dimenso humana do trabalho, numa perspectiva teleolgica (MENDES; DIAS, 1991, p. 347).
Para tal, a anlise sobre o processo sade e doena dos trabalhadores
tem como centralidade o conceito de processo de trabalho. Faz-se necessrio
aqui fazer uma pequena explorao dos conceitos de trabalho e processo de
trabalho.
O trabalho, mais do que uma fonte de riqueza, significa a base fundante do
homem enquanto ser social (MARX; ENGELS, 2005). Em outras palavras, pelo
e atravs do trabalho que o ser homem se faz Homem, se humaniza. O homem
de hoje, e tambm, de ontem e de amanh, reflexo da forma como este
modifica a natureza, ou seja, como organiza o trabalho e, conseqentemente, a
sociedade atravs da histria.
A definio acima descrita refere-se a um conceito de trabalho concreto
definido por Karl Marx como [...] uma condio de existncia do homem,
independente de toda a forma de sociedade, eterna necessidade natural da
medio do metabolismo entre o homem e a natureza e, portanto, da vida
humana (MARX, 1988, p. 50). Segundo o autor, alm do trabalho concreto existe
42
uma outra forma de trabalho, o abstrato, ambos apresentando suas distines:
enquanto o primeiro produz o valor de uso do produto do trabalho, constituindo-se
uma atividade socialmente til, o segundo responsvel pelo valor de troca da
mercadoria, restringindo-se a mero dispndio de fora de trabalho.
No modo de produo capitalista o trabalho perde sua funo plena de
formao do homem, sendo agora um fator de alienao. A explorao do
trabalho coisifica o indivduo, submetendo sua fora de trabalho condio de
mera mercadoria, vendvel e lucrativa (MARX, 2005). Ainda segundo o autor, o
trabalho se torna um objeto estranho e exterior ao trabalhador e,
conseqentemente, um poder autnomo e de oposio a ele, alienando-o. Pela
ordem do capital, o trabalho perde seu significado emancipatrio e assume um
outro sentido, o de sacrifcio. Assim, o trabalho sacrifcio, uma prxis negativa,
na qual o indivduo se nega, sente-se infeliz e escravizado.
O trabalho reduzido a sacrifcio pode ser visualizado na transformao da
fora de trabalho em mercadoria. A categoria fora de trabalho pode ser assim
explicada: "conjunto das faculdades fsicas e espirituais que existem na
corporalidade, na personalidade viva de um homem e que ele pe em movimento
toda a vez que produz valores de uso de qualquer espcie (MARX, 1988, p. 135).
Em outras palavras, consta da capacidade fsica e intelectual do homem em
modificar a si e a natureza, produzindo bens que satisfaam suas necessidades
concretas. No trabalho explorado, a fora de trabalho desfigurada, sua principal
funo possibilitar a acumulao do capital e a extrao da mais valia. Para o
trabalhador, sua capacidade de trabalho trocada por salrio, para o capitalista o
uso da fora de trabalho do trabalhador gera lucro.
A mais valia (o lucro do capitalista) se origina do trabalho no remunerado
pelo capitalista, constituindo-se, assim, da diferena entre o valor produzido pelo
trabalhador e o salrio recebido pelo trabalho. O aumento da taxa de lucro pode
se estabelecer mediante a intensificao da explorao da fora de trabalho,
atravs do prolongamento da jornada de trabalho e reduo do salrio (aumento
da mais valia absoluta) e/ou aumento da capacidade produtiva e produtividade
(aumento da mais valia relativa) (MARX, 1988).
43
O processo de trabalho se d dentro dessa lgica, a saber; a da utilizao
da fora de trabalho para produzir mercadorias e mais valia, para benefcio
exclusivo do capitalista. De forma didtica, o processo de trabalho pode ser
composto dos seguintes elementos: atividade orientada a um fim, objeto e meios
de produo (MARX, 1988). O primeiro consta do trabalho propriamente dito, o
seguinte, objeto, se defini como coisas necessrias para o processo de
transformao pelo trabalho, so exemplos a matria-prima ferro e a terra. Os
meios de trabalho so os instrumentos, os equipamentos e as tecnologias, que
mediam a transformao do objeto em produto final.
Na sociedade capitalista, a subordinao do trabalho ao capital orienta o
modo de produo e o processo de trabalho. O trabalhador produz sobre o
controle o capitalista e o produto final desse trabalho pertence unicamente a
comprador da fora de trabalho. Permeado por essas leis, o processo de trabalho
se apresenta como um processo entre coisas que o capitalista comprou, entre
coisas que lhe pertencem (MARX, 1988, p. 147).
A partir dessa concepo, Braverman (1987) critica as anlises
hegemnicas que caracterizam o processo de trabalho como simples modo
tcnico de produo de bens. Para o autor torna-se necessrio visualizar a
maneira pela qual o processo de trabalho orientado para a acumulao de
capital. Para a sade do trabalhador, tal constatao de extrema importncia,
uma vez que o desgaste da fora de trabalho decorrente desse processo tem
efeitos dramticos na sade do trabalhador.
O trabalhador tem sua sade prejudicada durante e pela atividade
produtiva. Como qualquer ferramenta de produo, a fora de trabalho pode se
desgastar, tendo sua sade fragilizada, como conseqncia do trabalho. A
precarizao e explorao do trabalho, visualizadas na intensificao do ritmo de
trabalho e do excesso de horas na jornada, so fatores desencadeantes do
estado de precarizao da sade do trabalhador (ABRAMIDES; CABRAL, 2003).
44
A relao sade e trabalho depende da configurao do mundo do trabalho.
As mudanas no processo e trabalho e na organizao do trabalho oriundos da
reestruturao produtiva promoveram alteraes sade do trabalhador. A
flexibilizao da produo, marcada pela precarizao do trabalho nas condies
de execuo das tarefas e na contratao, e as novas formas de organizao e
controle refletem exigncias de ritmos, de produtividade e de capacitao e
disciplina dos trabalhadores (ASSUNO, 2003). Tal realidade implica em
desgastes fsicos e mentais devido hipersolicitao da fora de trabalho.
No taylorismo, a organizao do trabalho o principal responsvel pela
degradao da sade do trabalhador. A fragmentao das tarefas, a falta de
autonomia na realizao destas e a rgida padronizao, caractersticas desse
modelo de produo, promovem sofrimento mental nos trabalhadores, como o
medo e a monotonia (MERLO; LAPIS, 2007).
Como exemplo dessa situao est a sade dos operadores de
telemarketing. O rpido desenvolvimento da tecnologia e os acelerados ritmos de
trabalho que dem conta das metas e dos prazos tornam-se fatores que
influenciam o surgimento e a presena das queixas de sade no trabalho. Nesse
nterim, o esforo fsico e cognitivo assumido pelo trabalhador objetivando
alcanar a meta de produtividade, somados s pssimas condies de trabalho e
cobrana de qualidade, so responsveis pelas queixas de cansao desses
trabalhadores (VILELA; ASSUNO, 2004). Compartilhando esta viso, Glina e
Rocha (2003) afirmam a existncia de sobrecarga fsica, emocional e cognitiva
nos operadores de telemarketing, situao esta que contribuiu para a falta de
sade no ambiente de trabalho.
As principais doenas ou agravos na sade fsica e psicolgica dos
operadores so as leses musculares, como a LER-DORT, dores musculares,
secura de garganta, rouquido, perda auditiva, irritao nos olhos e vias nasais,
nuseas, tonturas, irritabilidade, dificuldade de concentrao e memria,
ansiedade e depresso (NOGUEIRA, 2006).
45
Esta pesquisa est teoricamente baseada na corrente da sade do
trabalhador, o que justifica e situa a anlise do processo de trabalho como ponto
determinante e essencial para a compreenso da sade vocal dos operadores de
telemarketing. Atendendo ainda a essa teoria, a subjetividade e leitura de mundo
do operador constituem-se como fator fundamental para a construo de
conhecimentos a cerca da relao disfonia e trabalho.
Aps a fundamentao terica a cerca da disfonia e sua relao com o
trabalho de telemarketing, bem como a discusso sobre os significados da
doena, a nvel biolgico, econmico e cultural, surge a necessidade da
observao e anlise emprica da disfonia em operadores. O que tem a dizer
esses trabalhadores sobre a sua voz disfnica? Quais os significados que os
operadores de Telemarketing atribuem disfonia?
A parte seguinte descreve os objetivos da pesquisa, a seo 3.0 detalha o
mtodo adotado visando atender os objetivos propostos.
46
2.0 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral:
Compreender os significados da disfonia para operadores de
Telemarketing atendidos no ambulatrio de doenas do trabalho do
SINTTEL, em Salvador BA.
2.2 Objetivos Especficos:
Compreender o uso da voz pelo operador de telemarketing e as condies
para seu uso, enquanto fatores determinantes no processo de disfonia.
Entender as conseqncias da disfonia para o operador de Telemarketing,
tanto na relao com o trabalho como na vida social.
47
3.0 MTODO
Para realizar o objetivo proposto na pesquisa, a anlise qualitativa a mais
indicada, vez que este estudo visa descrio e o entendimento de fenmenos
em sua complexidade e totalidade (GODOY, 1995).
Segundo Gaskell (2003), a entrevista semi-estruturada tem suma
importncia na pesquisa social por possibilitar a compreenso do mundo da vida
dos sujeitos da pesquisa. Atravs do uso dessa tcnica obtida a produo de
esquemas interpretativos das narrativas desses sujeitos e, portanto, as diversas
opinies sobre um determinado assunto.
sobre esta lgica da metodologia qualitativa que este trabalho cientfico
se apia, ao estudar os significados de operadores de telemarketing atribudos
disfonia. Para tanto sero utilizadas tambm a tcnicas de observao
participante e os instrumentos: roteiro para entrevista semi-estruturada, gravador
e dirio de campo.
3.1 Participantes
A pesquisa foi realizada na sede do SINTTEL - BA, Sindicato dos
Trabalhadores em Telecomunicaes do Estado da Bahia. Dentro de um universo
de 2000 trabalhadores/ ano que procuram o ambulatrio de doenas do trabalho
do SINTTEL, foram includos como sujeitos da pesquisa operadores de
telemarketing, ativos e receptivos, que apresentam queixa vocais. A tabela a
seguir ilustra alguns dados relevantes dos sujeitos entrevistados:
48
Operador Idade Setor de trabalho
Situao no momento da entrevista
Tempo de trabalho
Caractersticas da disfonia
A.M. 34 Atendimento
Receptivo:
102
(auxlio a
lista).
Demitido
em 2007.
4 anos. Presena de
ndulos e
edema. Queixa
de rouquido,
quebras de
vocalizao,
cansao vocal.
M.P. 32 Atendimento
Receptivo:
Telefonia.
Agente
Virtual.
Demitido
em agosto
de 2007.
2 anos e 9
meses.
Presena de
ndulos. Queixa
de rouquido,
quebras de
vocalizao e
odinofonia.
C.L. 23 Atendimento
Receptivo:
Telefonia.
102
(auxlio a
lista).
Demitido
em 2007.
1 ano e 8
meses.
Sem presena
de alteraes
orgnicas.
Afonia por 3
meses. Queixa
de cansao
vocal, quebras
de vocalizao
e perda sbita
da voz.
F.R. 39 Atendimento
receptivo e
Ativo:
Afastado
(CAT)
3 anos e 9
meses
Presena de
plipos. Queixas
de tosse
constante,
49
Carto de
crdito.
cansao vocal,
quebras de
vocalizao.
S.A. 65 Atendimento
receptivo:
Telefonista
Auxilio a
lista.
Aposentado
.
15 anos. Queixa de
rouquido e
odinofonia.
P.E.
45 Atendimen
to
receptivo e
ativo:
telefonia.
Afastado. 4 anos e 6
meses.
Queixa de
rouquido e
constante falta
de ar.
B.R. 25 Atendimento
receptivo:
telefonia.
Pediu demisso.
9 meses. Queixa de
rouquido.
J.A. 24 Atendimento
receptivo:
telefonia.
Demitido. 2 anos e 2
meses.
Queixa de
alterao vocal.
D.E. 35 Atendimento
receptivo:
telefo
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