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Uma positiva cultura organizacional de segurança deve pautar-se pela promoção e concretização de um conjunto de práticas organizacionais que protegem o Individuo da exposição a potenciais riscos psicossociais. A literatura sobre os mesmos é crescente e diversa salientando o impacto que estes têm no desenvolvimento saudável das Organizações e dos Indivíduos.
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1
Diagnóstico das condições físicas e psicossociais de trabalho no serviço
de restauração de um Organismo Público: Estudo de caso
Organizational Assessment of the physical and psychosocial work conditions in the food
services of a Public Organization: study case
Conceição Baptista
Instituto Nacional de Administração, I.P.
Conceicao.baptista@ina.pt
Resumo
Uma positiva cultura organizacional
de segurança deve pautar-se pela
promoção e concretização de um
conjunto de práticas organizacionais
que protegem o Individuo da
exposição a potenciais riscos
psicossociais. A literatura sobre os
mesmos é crescente e diversa
salientando o impacto que estes
têm no desenvolvimento saudável
das Organizações e dos Indivíduos.
Palavras-chave: Riscos
psicossociais, cultura de segurança,
metodologia de triangulação,
stresse relacionado com o trabalho.
Abstract
An organizational positive safety
culture should be based on the
promotion and implementation of
good practices that protect
individuals against psychosocial
risks. The study of this type of
emerging risks is growing and
demonstrates the impact of these
factors in the healthy and
sustainable organizational and
individual development.
Keywords: Psychosocial risks,
Safety culture, triangulation
methodology, work related stress.
1 Introdução
A problemática da interacção entre
a organização do trabalho e os
factores psicossociais tem sido
objecto de significativo estudo
desde a década de 60. Esta
temática tem registado um
crescente interesse em resultado
das exigências colocadas por
distintos formatos de gestão, tipos
de liderança, estilos de vida e
expectativas e percepções
individuais. Em conjunto estas
variáveis confluem para ambientes
de trabalho (na sua vertente física e
social) mais perigosos. A exposição
recorrente e prolongada dos
2
trabalhadores a este tipo de
exigências para as quais não tem
capacidade de resposta e
adaptação favorece o
desenvolvimento de distresse.
Neste contexto, especial atenção
deve ser atribuída à categoria de
riscos multifactoriais (Observatório
Europeu de Riscos, 2007) que
acentua a interacção entre múltiplos
tipos de riscos (físicos, químicos,
ergonómicos, psicossociais, etc.) e
o seu grave impacto no Indivíduo,
Organização e comunidade em
geral. Para a presente comunicação
importa centrar nos riscos
psicossociais e, especificamente no
stresse relacionado com o trabalho.
A crescente atenção dada à
temática de stresse contempla,
entre outros aspectos, as
dimensões do contexto e conteúdo
do trabalho. As elevadas exigências
emocionais, o estilo de liderança, a
compatibilidade vida privada –
profissional e a intensificação do
trabalho são alguns dos fenómenos
que assumem preponderância em
termos de queixas dos
trabalhadores, independentemente
do sector de actividade. As
estatísticas são elucidativas e a
literatura científica sobre estas
temáticas é vasta e incisiva na
consideração dos factores
psicossociais como riscos
emergentes e de grande impacto na
qualidade de vida dos indivíduos e
no desenvolvimento da
Organização. A Agência Europeia
para a Segurança e Saúde no
Trabalho alerta para a urgência de
se considerarem estes factores no
âmbito de uma atitude
organizacional preventiva que
mitigue os efeitos nefastos de
ambientes e contextos
caracterizados pela constante
mudança e instabilidade. Esta
responsabilidade organizacional
deve ser vista como transversal a
todos os sectores de actividade,
incluído o sector público. Mas
quando se conjuga a temática de
riscos psicossociais e Administração
Pública não se constata que exista
uma real preocupação com a
problemática. É evidente que a
implementação dos normativos
legais e técnicos de SHT e a
adesão a “boas práticas” beneficia
aqueles que trabalham na
Administração Pública, mas
sobretudo o País. Mas a realidade é
que o caminho é ainda bastante
longo e, como em todos os
sectores, necessita de um esforço
concertado e planeado para que as
circunstâncias se alterem. O
presente estudo de caso demonstra
um passo nesse sentido dado que
incide num Organismo da
Administração Pública. Embora o
diagnóstico efectuado seja
abrangente (organização de
emergência, avaliação de riscos,
levantamento de necessidades de
formação, etc.), para fins da
presente comunicação apenas é
relevante a componente de
diagnóstico de factores indutores de
stresse relacionado com o trabalho
(Cox e tal., 2000).
2 Metodologia
2.1 Amostra
3
Participaram no estudo as 14
trabalhadoras que exercem funções
no serviço de restauração do
Organismo Público. A faixa etária
varia entre os 36 e os 64 anos; o
grau de escolaridade mais baixo é a
4º classe e o mais elevado é o 9º
ano; a antiguidade no Organismo
varia entre os 3 anos e os 28 anos.
2.2 Procedimento e instrumentos
utilizados
O diagnóstico efectuado baseou-se
na operacionalização da
metodologia de triangulação
(Observação dos locais de trabalho
e comportamentos de segurança,
Questionário, Entrevista individual
de aprofundamento ao
questionário). A utilização desta
metodologia de tríade na recolha de
dados permite a complementaridade
de informação (qualitativa e
quantitativa) e a inter validação de
dados pela constatação da idêntica
consistência e relevância dos
conteúdos nas três técnicas
utilizadas.
2.2.1 Observação
Decorreu entre Janeiro e Abril de
2008 durante o período de
preparação, confecção e serviço de
refeição. Durante os 4 meses foram
efectuados 4 registos documentais
em resultado das verificações
realizadas. Cada visita teve uma
duração média de 3 horas e teve
por base os seguintes pontos
críticos de observação: riscos
físicos, ergonómicos, riscos
químicos, comportamentais e
práticas organizacionais de
segurança. Independentemente
destes 4 registos formais foram
efectuadas várias observações
informais da dinâmica de grupo e de
interacção com o cliente. Os
resultados das observações
permitiram explicitar áreas críticas
de intervenção nos domínios sob
observação e facilitaram a
compreensão dos processos de
interacção social e normas de grupo
que podem facilitar/dificultar a
concretização de uma eficaz
intervenção neste serviço.
2.2.2. Questionário
O questionário foi distribuído em
Abril 2008. Dado que as
trabalhadoras já tinham pleno
conhecimento do objectivo do
diagnóstico a reunião serviu apenas
para elucidar sobre as várias
questões que integravam o
questionário. O questionário foi
construído de base para o presente
diagnóstico. Estava organizado em
4 blocos temáticos: práticas
organizacionais de segurança,
organização do trabalho, stresse
relacionado com o trabalho e outros
riscos psicossociais, riscos físicos e
ergonómicos. O questionário foi
entregue em envelope fechado e
sem identificação.
2.2.3. Entrevista individual de
aprofundamento ao questionário
Foram efectuadas 7 entrevistas
semi estruturadas, com uma
duração média de 35 minutos. O
conjunto destas entrevistas
4
individuais permitiu aprofundar e
contextualizar as opiniões que
maioritariamente se concentravam
nos extremos da escala (ex. existem
conflitos entre colegas: valor 7 –
sempre). Através da entrevista foi
também possível aceder a outros
factores valorizados como nefastos
para o bem-estar físico e mental das
trabalhadoras do serviço de
restauração.
3 Resultados
Um dos principais resultados do
presente diagnóstico é de que as
trabalhadoras que exercem a sua
actividade no serviço estudado
devem ser consideradas como um
grupo vulnerável devido ao carácter
multifactorial dos riscos a que estão
expostas de forma contínua. Por
motivos de confidencialidade e de
pertinência para a comunicação,
apenas serão referidos os
resultados globais no que concerne
a factores indutores de stresse
relacionado com o trabalho,
especificamente ao contexto e
conteúdo de trabalho.
A opção pela apresentação deste
conjunto de resultados sobre
factores indutores no contexto e
conteúdo de trabalho prende-se
com homogeneidade e consistência
de avaliações, percepções e
opiniões. Tal significa que os dados
de observação, questionário e
entrevista reforçam determinados
fenómenos como problemáticas
transversais aos indivíduos e
independentes de variáveis como o
tipo de fonte de recolha de
informação / emissor da informação
/ circunstância de recolha de
informação.
3.1 Contexto de trabalho
A totalidade das trabalhadoras
refere que as principais
disfuncionalidades estão
relacionadas com o estilo de
supervisão e ausência de apoio e
reconhecimento pessoal pela
actividade desempenhada. O facto
de a liderança ser directiva e
avaliada como pouco humanista
dificulta o processo de comunicação
e participação da equipa em
melhorias de serviço, minimiza
oportunidades de estímulo à criação
de um espírito coeso de equipa,
favorece o distanciamento
interpessoal e, por consequência,
afecta negativamente o bem-estar
físico e psicológico de cada um dos
indivíduos. É importante destacar
que o clima de trabalho é
evidenciado como um factor que
interfere bastante na saúde mental
das trabalhadoras, especialmente
se o seu estilo de coping não for o
adequado. De facto, o apoio social e
a manutenção de um positivo clima
de trabalho pautado pela
cooperação foram os principais
factores mencionados como críticos
para a melhoria do bem-estar
mental. A observação
comportamental que decorreu entre
Janeiro e Abril reforça esta
orientação. Nos períodos de maior
clivagem e conflito interpessoal
agravaram-se as respostas
psicossomáticas. Os dados obtidos
em entrevista reforçam também a
5
questão da conflitualidade e do
estilo de supervisão directivo como
factores decisivos que contribuem
para a manifestação de
irritabilidade, estados depressivos e
contínuo consumo de
antidepressivos. Registam-se
situações de baixa prolongada por
esgotamento, desmotivação na
função e tendência para o
isolamento.
3.2 Conteúdo do trabalho
A totalidade das trabalhadoras
enuncia queixas associadas à falta
de adequabilidade das condições
físicas do local de trabalho (ex.
equipamentos obsoletos e em mau
estado de conservação), a
necessidade contínua de efectuar
esforços físicos na manipulação de
utensílios e equipamentos, manter
posturas inadequadas e
desconfortáveis durante longos
períodos de tempo e o
esvaziamento e rotina do trabalho
(ex. exigências profissionais sem
paralelo de aprendizagem). A
ausência de manutenção e
substituição de equipamentos é um
factor desmotivador que reforça o
sentido de baixo valor social do
trabalho desempenhado: “Há muitos
anos que estamos assim, ninguém
quer saber de nada, já nem vale a
pena porque ninguém muda nada”.
Esta manifestação de desespero
aprendido é um aspecto importante
a reter dado que acentua a
gravidade das respostas
psicossomáticas em trabalhadoras
que revelam uma personalidade
mais vulnerável e um repertório
deficitário de estratégias de coping.
A ausência de formação específica
na função e o fraco estímulo à
participação das trabalhadoras são
também referenciados como
factores que contribuem para a
percepção da função
desempenhada como bastante
geradora de stresse. Outra
disfuncionalidade relatada e
observada está relacionada com a
organização do trabalho. Neste
ponto existem problemas na
articulação entre horários de
trabalho e períodos de maior
afluência de clientes. Estes
períodos de maior exigência do
ritmo de trabalho correspondem a
períodos de maior pressão e
desgaste e tendem a gerar as
condições propícias para um clima
de maior conflitualidade
interpessoal. Da análise efectuada
emergiram ainda outros dados que
se revelaram importantes na
influência que exercem em termos
de manifestações psicossomáticas.
Especificamente, o clima de
constante mudança resultante das
actuais políticas de modernização
administrativa que contribui para
uma generalizada percepção de
insegurança face aos postos de
trabalho. Por outro lado, a
remuneração baixa e uma carreira
estática e sem perspectivas de
evolução contribui para o acentuar
da não satisfação e desmotivação
na função desempenhada. Esta
desmotivação interfere directamente
com a aceitação de mudanças a
implementar no serviço,
nomeadamente as que coloquem
6
em causa formas “antigas” de
trabalhar.
4 Conclusão
No seu conjunto, os factores
associados a contexto e conteúdo
do trabalho são referenciados como
interferindo na qualidade de vida e
bem-estar físico e psicológico das
trabalhadoras. A fraca satisfação
com as condições físicas,
psicossociais e organizacionais do
trabalho estão associadas a queixas
psicossomáticas. O estudo reforça
ainda o papel que o apoio social
pode ter na mitigação dos efeitos
dos factores indutores já presentes
no conteúdo de trabalho. Tal
significa que um bom clima de
equipa pode contribuir para um
comportamento de maior resiliência
e, consequentemente, diminuir o
impacto negativo da vivência dos
factores indutores de stresse
presentes no local de trabalho. No
geral, os resultados obtidos são
congruentes com outros estudos e
informações disponíveis para o
sector HORECA, especificamente
no que concerne à tipologia de
riscos psicossociais a que os
profissionais deste sector estão
expostos. A realização deste estudo
num Organismo da Administração
Pública é um sinal evidente de que
se pretende adoptar uma postura
mais proactiva na melhoria das
condições de SHST. Este caso deve
ser considerado como uma boa
prática no contexto da
Administração Pública pela
sensibilidade e motivação
demonstrada pelos dirigentes do
Organismo em implementar
mudanças que promovam a criação
de locais de trabalho seguros e
saudáveis. A intervenção será um
processo moroso tendo em mente
que é difícil modificar alguns
aspectos do funcionamento do
serviço devido a condicionamentos
legais associados à rigidez da
organização administrativa. No
global, estes factores intrínsecos ao
funcionamento da Administração
Publica, a falta de sensibilidade e
informação sobre SHST e a
impunidade percebida pela não
implementação dos normativos
legais e técnicos de SHST dificultam
a concretização de projectos de
diagnóstico e intervenção na
generalidade dos Organismos
Públicos. A importância deste
estudo e futura intervenção
(organizacional, comportamental e
técnica) deve ser considerada à luz
dos constrangimentos e da actual
conjuntura de instabilidade
profissional percebida pelos
funcionários e agentes do Estado.
Referências
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health psychology. Washington, DC:American
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Work. Luxembourg: Office for official
publications of the European communities.
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related stress – Spice of life or kiss of
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publications of the European communities.
7
Gilbreath, B. & Benson, P.G. (2004). The
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psychological well – being. Work & Stress,
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Karasek, R. & Theorell, T. (1990). Healthy work.
New York: Basic Books.
UNIHSNOR (2005). Manual de prevenção –
Hotelaria e restauração.ISHST.
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