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DIREITO A INFÂNCIA, DIREITO DA CRIANÇA E DIREITO AO BRINCAR: UMA
ANÁLISE HISTÓRICA.
CRUZ, Mirian Bastos de Oliveira1
SILVA, Anamaria Santana2
RESUMO:
O presente artigo tem como objetivo analisar sobre a visibilidade dos direitos da criança e da
sua infância. A pesquisa buscou nos textos da historiadora Mary Del Priore retratar a trajetória
da criança como ser histórico, cultural e de direitos e de como a concepção de infância foi
constituída. Del Priore aborda o cotidiano das crianças brancas, negras e índias no Brasil entre
o período colonial ao do Império. Estudando os textos da autora elaboramos um panorama que
apresenta como as crianças brancas, negras e índias eram tratadas e quais os pontos semelhantes
e divergentes quanto a suas infâncias. Com o desenvolvimento da sociedade o pensamento
sobre criança, agora sujeito de direitos e infância, período específico do crescimento humano,
estrutura-se em documentos e instrumentos legais que regulamentam e amparam novas posturas
diante da criança e da sua infância. No estudo dos textos da pesquisadora Lucymary Barnabé
de Andrade buscamos conhecer e analisar os documentos oficiais que tratam dos direitos da
criança e dessa forma pontuar como a criança é concebida e tratada enquanto ser social e de
direitos. Nessa investigação foi possível observar os contrastes em relação ao sentimento de
infância presente em determinados momentos da história, bem como a inter-relação desse
mesmo sentimento diante dos diversos documentos. Concluímos argumentando sobre os
direitos das crianças na atualidade diante dos dados das instituições e organizações
internacionais que atendem crianças cujos direitos foram violados, dialogando sobre as
questões mais importantes para visibilidade das crianças e de seus direitos na sociedade atual.
Palavras-chave: criança-infância-direitos-brincar.
1 INTRODUÇÃO
Quando ingressei na carreira do magistério, mas especificadamente como
professora de criança pequena sempre busquei responder a uma questão: como protegê-las?
Hoje inserida no curso de mestrado e estudando a Disciplina Educação e Direitos Humanos,
esta questão ficou latente ao estudar os direitos das crianças, e de como estes são percebidos e
1 Artigo apresentado na Disciplina Educação e Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação em Educação
Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/ CPAN, 2017. 2 Professora Orientadora.
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executados no cotidiano, sejam eles na educação, saúde, lazer, e de como estes direitos estão
expressos e consolidados nos documentos legais.
Assim durante o estudo, debates e discussões sobre os referenciais teóricos muitos
questionamentos pairaram, como e porque as políticas públicas para a infância não são
efetivadas, indignação também fez parte do meu entendimento do ser criança, percebi por meio
dos estudos o distanciamento do que já existe em termos de legislação e do que está sendo
efetivado na prática.
O que consta nos documentos legais que resguardam a criança, apontam que a
criança deve ter acesso à educação, alimentação e saúde sendo esses direitos essenciais para o
desenvolvimento infantil. O brincar deve ser como um fundamental direito porque promove o
desenvolvimento pleno de capacidades físicas, emocional, afetivo e cognitivo, entre outros, o
brincar também está assegurado em documentos legais como Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948) que estabelece em seu artigo 24 “o direito ao repouso e ao lazer”.
A Declaração dos Direitos da Criança (1959), em seus artigos 4 e 7, confere aos
meninos e meninas o “direito à alimentação, à recreação, à assistência médica” e a “ampla
oportunidade de brincar e se divertir”. Mais recente, o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), em seu artigo 16, estabelece o direito a “brincar, praticar esportes e divertir-se”. Diante
desses artefatos legais espera se o reconhecimento do brincar como elemento indispensável para
o desenvolvimento da criança.
O presente artigo tem como objetivo analisar sobre a visibilidade dos direitos da
criança e da sua infância, percorrendo um caminho histórico, enfocando no olhar da autora
pesquisadora Del Priore como os direitos das crianças foram negligenciados durante muito
tempo e também como e de que maneira foi dada a visibilidade dos direitos das crianças e do
brincar na infância.
Para a autora a infância no período colonial foi de muita dor, sofrimento e descaso
por parte dos adultos para com as crianças, foi um período de muita crueldade e violação dos
direitos das crianças. Como bem descreve no período colonial os maus-tratos com as crianças
índias, negras e brancas que apesar de terem algumas regalias também não eram reconhecidas
como criança e não desfrutavam de uma infância lúdica, o seu universo infantil também era
restrito a brincadeiras.
Com relação as crianças escravas e negras sofriam desde do abuso ao trabalho
escravo. Não muito diferente foi a história da criança negra escrava, iniciada no trabalho antes
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mesmo de completar sete anos de idade, enquanto a criança branca, da elite, estava destinada
aos estudos.
Nas embarcações as crianças sofriam humilhações, fome e constantemente eram
abusadas e violentadas. O índice de mortalidade infantil era alarmante devida a carência de
alimentação e a ingestão de alimentos saudáveis.
Assim percebe-se na abordagem da autora Del Priore que o ser criança no período
do Brasil Colonial, sua inferência, representatividade e sua singularidade no mundo adulto não
possuía qualquer significado. Em sintonia com a abordagem da autora sobre o descaso da
criança e sua invisibilidade como ser criança histórico e de direitos analisaremos documentos
de reconhecimento da certificação, legitimação, conquistas e avanços desses direitos.
Desta forma para uma melhor dialogicidade e análise das conquistas dos direitos e
sua efetivação foi preciso numa consistência teórica, uma breve abordagem considerando como
ponto de partida os documentos que amparam os direitos das crianças em contrapartida dados
que apontam as irregularidades e distanciamento da efetivação dos mesmos, traçando um
paralelo apontando que apesar dos avanços, muito se tem a fazer para a efetivação das políticas
da infância.
A necessidade de analisar as diferentes concepções de infância e as suas mudanças
se justifica no processo de estudo e pesquisa que tem por objetivo destacar que a visão que se
tem de criança hoje, foi historicamente construída ao longo dos anos.
2 A CRIANÇA PEQUENA
São muitas as questões abordadas por esta pesquisa, mas a fundamental é como o
conceito de criança foi historicamente construído. Hoje, em todas as literaturas sobre o que é
ser criança têm as definições mais singelas e românticas possíveis: muitos definem que ser
criança é poder desfrutar da criatividade, fantasiar, sonhar, ter a possibilidade de brincar, cantar,
dançar, pular, cair e se machucar. É poder se alimentar, assistir desenho, ir à escola, aprender
coisas novas, fazer amizades, brigar e fazer as pazes.
Apesar de existir um parâmetro geral sobre as diversas fases da infância, cada
criança é única e é influenciada pelo processo cultural e histórico em que vive, o qual interfere
no seu jeito de ser. Ora essa especificidade do ser criança levanta algumas questões: a criança
pequena sempre foi tratada assim? O lugar da criança branca, negra, índia aqui no Brasil sempre
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foi o mesmo? Como a criança sem pai, sem mãe ou a criança órfã passou do anonimato para a
condição de cidadã, com direitos e deveres reconhecidos e aparentemente respeitados?
Para a pesquisadora Mary Del Priore numa sociedade desigual como a brasileira e
vincada por transformações culturais existe uma história bem diferente sobre a criança daquela
vinculada nos comerciais ou livros infantis. A autora relata que:
Para começar, a história sobre a criança feita no Brasil, assim como no resto do mundo
vem mostrando que existe uma enorme distância entre o mundo infantil descrito pelas
organizações internacionais, por organizações não governamentais ou autoridades, e
aquele no qual a criança encontra-se quotidianamente imersa. O mundo do que a
“criança deveria ser” ou “ter” é diferente daquele onde ela vive, ou no mais das vezes
sobrevive. O primeiro é feito de expressões como “a criança precisa”, “ela deve”,
“seria oportuno que”, “vamos nos engajar em que” etc. até o irônico “vamos torcer
para”. No segundo, as crianças são enfaticamente orientadas para o trabalho, o ensino,
o adestramento físico e moral, sobrando-lhes pouco tempo para a imagem que
normalmente lhe está associada: aquela do riso e da brincadeira (PRIORE, Del. 1999,
p. 232).
Segundo a autora é preciso compreender como foi historicamente construída a
representação da criança no Brasil, e ter claro que teremos delineado vários retratos de
‘infância’. Priore afirma que havia diferentes práticas culturais relativas ao período anterior à
puberdade entre as nações indígenas existentes nas terras “descobertas pelos
portugueses”(grifo nosso).
Existia uma pluralidade de línguas, costumes, organizações sociais entre as várias
nações indígenas e essas diferentes práticas influenciaram a inserção das crianças no
mundo dos adultos. Entre os tupinambás, por exemplo, os meninos, desde muito
pequenos, caçavam e pescavam com os pais, chegando às vezes a participar nas
guerras tribais. Já as meninas começavam a fiar algodão antes dos sete anos de idade,
além de tecer redes, trabalhar nas roças, fabricar farinha e cozinhar (PRIORE, DEL,
1999, p. 13).
Pela história sabemos que essa rotina seria totalmente alterada no processo de
colonização que começou a partir de 1500. A autora destaca que as crianças indígenas foram
subjugadas e escravizadas ao longo da colonização brasileira e que mesmo com leis que
proibiam a escravização indígena, por exemplo, o tratamento a essas crianças não mudou.
Para introduzir os estudos e reflexões acerca da historiografia da criança buscamos
nos textos do francês Philippe Ariès referências sobre essa questão. Segundo o autor as crianças
tiveram seus direitos negligenciados por muito tempo. Ariès destaca que no decorrer do século
XX, o empenho pelo conhecimento da criança teve um aumento significativo em diversos áreas
do conhecimento.
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O autor procurou refletir o surgimento da noção de infância na sociedade moderna
e consolidou a ideia de que as visões sobre a infância são construídas socialmente e
historicamente. Os autores Bazílio e Kramer (2003) explicam que a inclusão real das crianças
e seus papéis se modificam conforme a organização da sociedade. Na visão dos autores, numa
sociedade desigual as crianças desempenham papéis diferentes nos seus mais diversos
contextos.
Percebe-se que a ideia de infância não surgiu naturalmente surgiu devido a
acontecimentos no contexto histórico e social da modernidade, com a diminuição da
mortalidade infantil, mudanças sociais, econômicas e desenvolvimento da ciência. Para Ariès
(1986) essa ideia de infância surgiu nas classes médias e foi marcada pela dupla forma de
perceber as crianças, pela contradição entre o moralizar e paparicar.
Kramer (2003) afirma que,
Sentimento de infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças;
corresponde, na verdade, à consciência da particularidade infantil, ou seja, aquilo que
a distingue do adulto e faz com que ela seja considerada como um adulto em potencial,
dotada de capacidade de desenvolvimento. (KRAMER, 2003, p.17).
A carência de assistência à criança naquela época desde o início da revolução
industrial condenava-as a não ser crianças, a exploração do trabalho infantil, das meninas e
meninos, nas fábricas e nas minas de carvão e nas ruas. Percebe-se que as crianças ao longo da
história sempre estiveram à mercê do adulto.
Observa-se também que em países como o Brasil o projeto da modernidade até hoje
não é destinado para a maioria das populações infantis, apesar delas serem sujeitos de direitos
que criam cultura e são nelas produzidas.
Segundo Ariés (1986), em três períodos distintos, o conceito de infância foi
problematizado: do século XIII ao século XVIII e do século XVIII até nos dias atuais. Não se
notava diferença entre o mundo infantil e adulto. Desde a convivência até a forma de
vestimentas, jogos, brincadeiras e festas eram igualmente aos dos adultos.
No século XVIII já se percebe uma significativa mudança, pois os adultos passaram
a diferenciar as crianças quando apareceram as primeiras instituições escolares. Já no terceiro
período que é referente a contemporaneidade, a criança começa a ocupar seu verdadeiro espaço,
e assim acontece a consolidação do conceito de infância que conhecemos na atualidade.
No Brasil, toda criança tem seus direitos garantidos quanto à educação, seja na
Constituição Federal Brasileira de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases (LDB, 1996), ou no
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próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n° 8.069, de 1990, dentre outras
emanações legais, este direito está explicitamente resguardado.
Historicamente, a criança teve seus direitos ampliados, considerando-se que antes
do surgimento dessas leis que a ampara, ela possuía alguns resguardos, oriundos do serviço
público. A qualidade desta assistência prestada não era tão vultosa, mas era um paliativo para
que pais e mães pudessem trabalhar fora de casa e garantir que os seus filhos ficassem em
ambientes acolhedores zelados por profissionais competentes.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 9.394, de
20 de dezembro de 1996:
Capítulo Seção I:
Art. 22°. A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-
lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer- lhe
meios para progredir no trabalho e nos estudos posteriores.
Seção II. Da Seção II
Art. 29°. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade
o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Art. 30°. A educação infantil será oferecida em:
I – creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II – pré- escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade. (BRASIL, 1996, 13).
Assim, conforme afirmação de Silva e Ruiz (2009, p.03):
Nas políticas específicas para a Educação Infantil também são nítidas as propostas de
articulações entre as políticas sociais. Na Política Nacional de Educação Infantil
(1994) já havia sido apresentada essa proposta, no item cinco quando se referiu a
Promoção da Integração de Ações Interdisciplinares e Inter setoriais em Favor da
Infância. Em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) lei n. 10.172 retoma essa
proposta ao apontar a necessidade de articulação de políticas para o público de zero a
três anos, atendidos pelas creches; estabelecendo uma meta específica a respeito da
colaboração dos responsáveis pelos setores da educação, saúde e assistência social.
Atualmente, a Constituição Federal de 1988, assegura que o dever do Estado com
a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola às
crianças de zero a seis anos de idade. Por sua vez, o ECA, no art. 5, atribui os seguintes direitos,
dentre outros:
[...] afirma-se que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”
Art. 53, ao tratar do direito à educação, define que esta deve assegurar, entre outros
aspectos: “o direito de ser respeitado por seus educadores (BRASIL, 1990, p. 46).
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Aos poucos, os direitos da criança foram se expandindo nacionalmente, nos estados,
e municípios, cada qual com suas competências específicas para execução e consecução das
tarefas que lhes eram atribuídas.
Do ponto de vista da interpretação histórica, a fragilidade da corriqueira e já
tradicional polarização entre assistência e educação tem sido superada através de debates e
discussões realizadas acerca do assunto. A partir de algumas perspectivas presentes em teóricos
como Haddad (1989), Rosenberg (1994), e Bondioli (1998), entre outros, verificamos que a
creche não deve ser considerada um local de depósito infantil, e sim um espaço educativo. Com
isso, torna-se importante a afirmação de Kramer (2007, p. 20) quando diz:
No Brasil, temos hoje importantes documentos legais: a Constituição de 1988, a
primeira que reconhece a educação infantil como direito das crianças de 0 a 06 anos
de idade, dever do Estado e opção da família; o Estatuto da Criança e do Adolescente
(lei n° 8.069, de 1990), que afirma o direito das crianças e as protege; e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, que reconhece a educação infantil
como primeira etapa da educação básica.
Do ponto de vista histórico, a creche era um serviço social às mães pobres. Nesse
sentido, o surgimento dessa instituição está ligado às transformações políticas, sociais e
econômicas, bem como a atual organização familiar e o papel social feminino, bem como suas
respectivas repercussões, principalmente no que se refere aos cuidados das crianças.
Essa perspectiva de superação não foi um avanço natural, mas sim historicamente
construído por diferentes segmentos da sociedade civil organizada e representante de órgãos
públicos, o que de certa forma, acabou contribuindo para que as políticas de educação de
crianças de zero a seis de idade tivessem explícito, em seus objetivos, a educação como direito
da criança (ROSA, 2003).
Em sincronia com esses princípios, a Educação Infantil tem buscado se organizar
de maneira a assegurar a formação das crianças de zero a seis anos, para que sejam capazes de
participar de forma crítica, consciente e criativa de uma sociedade em constantes mudanças
com base no processo democrático.
Apesar de todos os obstáculos encontrados, continuamos rompendo e reivindicando
mais e melhor educação para as crianças pequenas. Como a Educação Infantil tem sido
concretizada nos atos dos adultos para com as crianças, é primordial que os atos de alguns
possam sensibilizar outros e suas ações, possibilitando assim a constituição de uma rede com o
propósito de universalizarmos o atendimento ao direito das crianças à educação de qualidade.
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3 SERÁ QUE ESSES DIREITOS ESTÃO SENDO CUMPRIDOS?
Apesar dos direitos humanos sejam corriqueiramente desrespeitados,
universalmente esses direitos possuem um valor indiscutível. Andrade (2010) apresenta os três
eixos históricos essenciais para o ser humano, que são Declaração de Independência dos
Estados Unidos (1776), Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, surgida da Revolução
Francesa (1789) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada pelas Nações
Unidas em 1948.
Nessas declarações estão contidos os conceitos de liberdade, de trabalho e de
religião que não aconteceram naturalmente, foram fruto de discussões e luta no plano das
mentalidades. As discussões fundamentadas em questões políticas e sociais tiveram avanços
gradativos e drásticos e de retrocessos com momentos sangrentos e obscuros. Andrade (2010,
p. 29) explica:
Os direitos do homem, por mais fundamentais que possam ser, são direitos históricos,
que nascem em certas circunstâncias, e que na verdade se caracterizam por lutas em
defesa de novas liberdades contra velhos poderes. A luta por novos direitos surge de
modo gradual e não todos ao mesmo tempo. O conjunto de direitos do homem
modificam-se e continuam a se modificar com a mudança das condições históricas.
Assim pode-se afirmar que não existem direitos fundamentais, ou seja, o que parece
fundamental num certo contexto histórico e numa determinada civilização não é
fundamental em outros momentos ou em outras culturas.
Atualmente em pleno século XXI, as conquistas na legislação nos trazem ainda
desafios para efetivação dos direitos das crianças, percebido em discursos e ações que
evidenciam o descaso para com a criança. No Brasil segundo Andrade (2010, p. 87):
[...] a construção dos direitos das crianças percorre uma história configurada por lutas,
avanços, embates e desafios para que os princípios estabelecidos nos dispositivos
legais internacionais sejam incorporados ao quadro legal específico das nações.
Para uma melhor compreensão da explicação, Bobbio (2004), quando reflete sobre
os direitos no mundo contemporâneo, diz que a evolução dos direitos – sobretudo dos direitos
sociais, para se converterem em Direito Positivo, portanto inscritos no âmbito das Constituições
ou das Leis em geral – dá-se por meio de um processo.
Em primeiro lugar ocorrem experiências, pressões, num jogo mais segmentado.
Disto resulta algo generalizado, ou seja, há uma generalização daquela discussão, daquela
pressão. Depois criam-se novas expectativas que acabam por atingir vários países, várias
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nações. Ganham, assim, um caráter de internacionalização. No caso dos direitos das crianças,
a Declaração da ONU a esse respeito é de 1959.
Bobbio (2004), ao refletir sobre os direitos indica a influência das condições
históricas na construção desses direitos. Diante do pensamento de Bobbio o direito anunciado
nas declarações vem com uma dimensão histórica fundamentada em determinadas exigências
de cada contexto histórico.
Assim a criança como detentora e sujeito de direitos é proclamada com a
Declaração Universal dos Direitos da Criança em 1959, explícito no sétimo de seus princípios
que estabelece:
A criança tem direito a receber educação escolar, a qual será gratuita e obrigatória, ao
menos nas etapas elementares. Dar-se-á à criança uma educação que favoreça sua
cultura geral e lhe permita – em condições de igualdade de oportunidades –
desenvolver suas aptidões e sua individualidade, seu senso de responsabilidade social
e moral. Chegando a ser um membro útil à sociedade. [...] A criança deve desfrutar
plenamente de jogos e brincadeiras, os quais deverão estar dirigidos para educação; a
sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste
direito. [...]
A Convenção das Nações Unidas, em 1989, teve por objetivo reunir em um único
documento as diferentes medidas internacionais de proteção à criança representando um forte
instrumento inovador, internacionalmente reconhecido dos direitos das crianças, sendo assim
um marco fundamental no percurso da construção e definição de um estatuto digno para todas
as crianças.
Conforme descreve Marcílio, o Brasil antecede as normas da Convenção
reconhecendo a criança como sujeito de direitos na Constituição de 1988, de acordo o que
dispõe o artigo 227 da Carta Magna:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e aos adolescentes
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1998, p.50).
Nota-se no ano 1987 a realização de atividades da Comissão Nacional da Criança e
Constituinte, estabelecido por portaria interministerial e por representantes da sociedade civil
organizada. Percebe-se também que foram antecedidos pelas legislações internacionais e pelos
trabalhos da Frente Parlamentar pela Constituinte. Os preceitos da Constituição Federal.
Como afirma a autora Andrade (2010, p.145),
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Apesar dos avanços legais em relação aos direitos da criança, o panorama global sobre
a infância demonstra que essa categoria ainda não é prioridade na agenda
governamental de muitos países, resultando na ausência de investimentos do Estado
em políticas e dispositivos legais para a efetivação dos direitos das crianças.
Com relação aos empates da globalização nos direitos da infância o autor Tomás
(2006) apud Andrade (2010), enfoca o “hiato”, permanente entre as cláusulas internacionais e
a realidade local de milhões de crianças. Sarmento (2001, p.25), afirma que:
A globalização produz efeitos contraditórios e complexos na identidade
contemporânea da infância, agindo sobre dois polos. No primeiro polo, registra-se a
tendência reguladora dos organismos internacionais, dentre eles a ONU, Unicef,
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e
Organização Internacional do Trabalho (OIT) visando ao que seja “o melhor interesse
da criança”, e no segundo, revelam-se os índices alarmantes quanto ao agravamento
da situação mundial da infância. Como afirmou a diretora executiva do Unicef em
2004, na reunião dos líderes dos países mais ricos, sobre dados da terrível situação em
que se encontram as crianças dos países pacíficos: “12.500 crianças morrem de
malária, uma criança fica órfã a cada 14 segundos de vido à SIDA/AIDS, é negada
escolarização a 65 milhões de meninas, 160 milhões encontram-se em situação de má
nutrição e 22.000 crianças morrem de diarreia.
Constata-se que a visibilidade da infância na sociedade contemporânea é mostrada
por documentos legais de âmbito internacional, esses documentos vêm recheados de discursos
sobre a infância de direitos, mas que ao mesmo tempo contrariam esta visibilidade, explícito na
afirmação dos autores:
[...] ao falar-se (e ao estudar-se) as crianças, produzem-se, na ordem do discurso e na
ordem das políticas sociais, efeitos contraditórios, que resultam da extrema
complexidade social da infância e da heterogeneidade das condições de vida. (PINTO;
SARMENTO, 1997, p. 14).
Nota-se diante desse contexto, uma contrariedade na política da infância. Ao mesmo
tempo, temos um discurso assegurado considerando os como criança, percebe se um
sufocamento na maioria das crianças do mundo. Assim explica Andrade (2010, p.86):
Este paradoxo assola sobremaneira a realidade brasileira marcada por um quadro de
miséria, abandono, exploração e violação dos direitos de grande parte da população
infantil proclamados com a Constituição Federal (1988) e com o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), (1990).
Ainda a autora destaca essa violação dos direitos das crianças mediante os dados da
Unicef:
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[...] 2008, o Brasil possui a maior população infantil de até seis anos das Américas,
representando 11% de toda a população brasileira. Conforme os dados
socioeconômicos a grande maioria das crianças na primeira infância se encontra em
situação de pobreza. Aproximadamente 11,5 milhões de crianças, ou 56% das crianças
brasileiras de até seis anos de idade, vivem em famílias cuja renda mensal está abaixo
de ½ salário mínimo per capita por mês. Os dados estatísticos revelam, ainda, que as
crianças são especialmente vulneráveis às violações de direitos, à pobreza e à
iniquidade, a exemplo das crianças negras que apresentam quase 70% mais de chance
de viver na pobreza do que as brancas. (ANDRADE, 2010, p. 86)
Diante desse panorama percebe-se que as oportunidades não são de acesso a todas
as crianças. A situação mundial da infância é um quadro degradante, o descaso prejudica
milhões de crianças comprometendo profundamente o futuro. Os dados da UNICEF
apresentados pela Andrade (2010) são relevantes para compreendermos a ausência da eficácia
dos direitos das crianças e de viver uma infância lúdica.
Esses dados revelam ainda que é preciso acelerar os passos na efetivação desses
direitos pois ao nascer, as oportunidades de vida de crianças pobres são excluídas. O contexto
onde estão inseridas determinam se vivem ou se morrem, se terão a chance de estudar e, mais
tarde, alcançar uma vida digna.
Pode-se constatar nesse quadro de vulnerabilidade social da criança, também no
relatório do UNICEF de 2014 que apresenta em números a situação Mundial da Infância:
Aproximadamente 90 milhões de crianças – que teriam morrido antes de completar 5
anos de idade caso as taxas de mortalidade infantil tivessem permanecido no mesmo
nível de 1990 – foram salvas. Em grande medida, isso se deve ao progresso feito nas
áreas de imunização, saúde e serviços de água e saneamento.
[...]
Os dados ainda apresentam desde 1990 melhoras na nutrição uma redução de 37% na
ocorrência de retardo no crescimento. No que tange a educação, mesmo nos países
menos desenvolvidos a matrícula acelerou: enquanto em 1990 apenas 53 em cada 100
crianças pertencentes a esses países tiveram acesso à escola, em 2011 o número havia
aumentado para 81 em cada 100.
Apesar dos esforços realizados nas últimas décadas para reduzir esse índice de
mortalidades infantil, percebemos que a desnutrição infantil é relacionada à pobreza e as
desigualdades sociais, sendo um problema de proporções alarmantes na maior parte do mundo,
é considerado um expressivo fator de mortalidade de crianças nos países em desenvolvimento.
Diante das abordagens dos estudiosos e dos documentos que legitimam os direitos
humanos da criança, a infância é um momento peculiar da vida, consagrado ao lúdico e as
brincadeiras, a fantasia, a imaginação aos sonhos e aos devaneios desprovido, portanto de
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obrigações, então será mesmo que a infância lúdica é universalmente igual para todas as
crianças?
Constata-se também, nos dados da UNICEF de 2014 desigualdades sociais, devido à
má distribuição de renda, atingindo as crianças menos favorecida:
As crianças mais pobres do mundo têm cerca de três (2,7) vezes menos chance do que
as mais ricas de contar com assistência qualificada durante o nascimento, o que impõe
a elas e às suas mães um maior risco de sofrer complicações relacionadas ao parto.
No Níger, todos os domicílios urbanos possuem acesso à água potável, mas apenas
39% dos domicílios rurais têm esse benefício.
No Chade, para cada 100 meninos que chegam à escola secundária, apenas 44 meninas
conseguem o mesmo, o que as afasta da educação formal e das proteções e serviços
que as escolas podem oferecer.
Assim as crianças se tornam invisíveis e excluídas seja da educação, saúde e lazer.
A infância não é vivida igualmente por todas as crianças, ela sempre será influenciada pelas
diversas condições econômicas e sociais postas na sociedade. Embora sujeitos de direitos, as
diferentes realidades sociais e econômicas vivenciadas pelas crianças colocam em questão a
idealização de uma infância repleta de oportunidades.
4 BRINCAR
Estudos apontam o brincar como fator fundamental para o pleno atendimento das
necessidades das crianças. Nas brincadeiras, a criança aprende a se colocar na perspectiva do
outro, a representar papéis do mundo adulto que irá desempenhar no decorrer da vida, bem
como desenvolve capacidades físicas, verbais e intelectuais. Brincar
é uma necessidade, de todo ser humano assim com precisamos de amor, alimento, sono a
criança também precisa brincar.
Ao brincar ela cria situações imaginárias, nas quais assume diversos papéis, sendo
adulto, criança, mocinho, bandido, herói, pai, mãe, professora, mudando o seu comportamento
de acordo com o personagem representado. Conforme Vygotsky (1987, p. 7), “na brincadeira,
a criança se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu
comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que ela é na realidade”.
Com as transformações da sociedade, principalmente nas grandes cidades com
diminuição de espaços públicos de lazer, a insegurança nas ruas e a não importância do brincar
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acabam impedindo as crianças de viverem uma infância lúdica, de momentos importantes para
sua formação social, afetiva, cultural e cognitiva.
Para Andrade (2010) a brincadeira é um direito:
Nossas crianças têm direito à brincadeira. Nossas crianças têm direito à atenção
individual. Nossas crianças têm direito a um ambiente aconchegante, seguro e
estimulante. Nossas crianças têm direito ao contato com a natureza. Nossas crianças
têm direito à higiene e à saúde. Nossas crianças têm direito a uma alimentação sadia.
Nossas crianças têm direito a desenvolver sua curiosidade, imaginação e capacidade
de expressão. Nossas crianças têm direito ao movimento em espaços amplos. Nossas
crianças têm direito à proteção, ao afeto e à amizade. Nossas crianças têm direito a
expressar seus sentimentos. Nossas crianças têm direito a uma especial atenção
durante seu período de adaptação à creche. Nossas crianças têm direito a desenvolver
sua identidade cultural, racial e religiosa. (ANDRADE, 2010, p. 96 )
Portanto é inegável a importância das atividades lúdicas na prática docente e a eficácia
da sua influência na aprendizagem da criança. Trazemos a fala de Manson (2002) que define
alguns significados relacionando criança as brincadeiras:
Em grego, todos os vocábulos referentes às atividades lúdicas estão ligados à palavra
criança (païs). O verbo païzeim, que se traduz por ‘brincar’, significa literalmente
‘fazer de criança’. [...] Só mais tarde paignia passa a designar indiscutivelmente os
brinquedos das crianças, mas são raras as ocorrências. [...] Em latim a palavra
ludribrum, proveniente de ludus, jogo, também não está ligado à infância e é utilizado
num sentido metafórico. [...] Quanto à palavra crepundia, frequentemente traduzida
por ‘brinquedos infantis’ parece só ter adquirido sentido depois do século IV, e
encontramos frequentemente na pluma dos humanistas renascentista [...] (MANSON,
2002, p. 30).
De acordo com Manson (2002), tanto gregos quanto latinos elaboraram as primeiras
reflexões acerca do lugar em que o brinquedo ocupava na vida da criança. Mesmo nas
comunidades primitivas ou na sociedade atual, o brincar propicia ao educando uma construção
simbólica do mundo.
Para Vygotsky (1987) o brinquedo tem relação direta com o desenvolvimento da
criança, pois é através dele que a criança se apropria do mundo real, adquire conhecimentos,
tem relações interpessoais e se integra culturalmente. O brincar não é apenas coisas de crianças,
só da infância, mas integra o processo de aprendizagem e de crescimento por toda a vida. A
maneira como se joga significa não menos que a maneira como estamos no mundo. Gomes
(1993, p. 125) afirma que,
A brincadeira é um dos recursos empregados pela criança para conhecer o mundo que
a rodeia. Muitas vezes, os temas escolhidos nas brincadeiras são aqueles que a criança
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necessita aprofundar. Brincando, a criança constrói significados, objetivando a
assimilação dos papéis sociais, o entendimento das relações afetivas e a construção
do conhecimento. Brincando, a criança tem a possibilidade de assimilar e recriar as
experiências vividas pelos adultos, construindo hipóteses sobre o funcionamento da
sociedade.
Compreendemos deste modo que o brincar propicia uma vivência do cotidiano da
criança fica claro nas abordagens Vygotsky (1997) pois como defende o autor a interação da
criança com o meio é determinante na construção da sua aprendizagem e desenvolvimento.
Percebemos que o brincar para Vygotsky (1997) não está desvinculado do processo
pedagógico, e constitui a base da Educação Infantil. Através do brincar a criança desenvolve a
zona de desenvolvimento proximal, que para Pimentel (2007, p. 226):
[...] tal como ocorre na atividade de aprendizagem, o jogo gera zona de
desenvolvimento proximal, instiga a criança, cada vez mais, a ser capaz de controlar
seu comportamento, experimentar habilidades ainda não consolidadas no seu
repertório, cria modos de operar mentalmente e de agir no mundo que desafiam o
conhecimento já interiorizado.
Consata -se assim que o lúdico exerce um papel fundamental na construção da
aprendizagem e desenvolvimento da criança, pois aponta Vygotsky (2003) que o brinquedo
proporciona um espaço amplo de inúmeras ocasiões para que ocorra as mudanças de estágios
conforme à necessidade e consciência.
O autor ainda ressalta a interação como fator imprescindível, a criança interage com
o brinquedo e o colega e desta maneira constrói hipóteses que cria o conhecimento. A interação
deve ser proporcionada de forma dialética com seu meio sociocultural. Pois assim o indivíduo
transformará o seu meio e também a si próprio.
Estas constatações afirmam a importância inegável que Vygotsky (2003) atribui a
ludicidade, na formação das funções complexas do comportamento humano. Ele conclui sua
análise sobre o desenvolvimento da ludicidade reafirmando de que esta é determinada pelas
experiências sociocultural da criança.
Desta forma as crianças devem ser asseguradas com condições de oportunidades
para que possam ter uma infância lúdica, não somente no plano das leis, mas também no plano
real e concreto, onde de fato, o direito de brincar seja legitimamente reconhecido, respeitados
tento a sua importância e o seu significado.
Os desafios são inúmeros que precisam ser enfrentados para fazer com que a criança
seja reconhecida como sujeito de direitos.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto desta pesquisa, constatamos de acordo com os estudiosos da temática
aqui abordada, que os conceitos de criança e de infância foram construídos e desconstruídos ao
longo da história pelos acontecimentos de cada época. O reconhecimento legal da infância
passou por diversos momentos históricos, pois o desenvolvimento do processo de criação dos
direitos, fazem parte do próprio movimento de emancipação do homem. Esse reconhecimento
da criança como sujeito de direitos foi construído lentamente, como resultado de muitas lutas
políticas, porém ainda na atualidade apresenta dificuldades na sua efetivação.
Conforme explica Martins (2006, p. 43):
A dinâmica do processo emancipatório fundamenta-se em princípios que surgem nos
séculos XVII e XVIII, com a formulação dos Direitos Naturais do Homem e do
Cidadão. No ano de 1948, com o objetivo de atingir o Homem todo e todos os homens,
visando a sua felicidade e seu bem-estar, buscando subordinar o universo privado ao
universo público, bem como valorizar a família, a comunidade, os interesses, as
necessidades e a aspirações sociais do povo, foi aprovada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O respeito à identidade da infância então, é um movimento histórico atravessado
por lutas que buscaram a implementação dos direitos fundamentais da criança. Pois como
afirma Del Priore (1991), desde o período colonial a infância foi marcada por uma história de
exclusão, desigualdade, violência e sofrimento. Desta forma, a criança enquanto cidadão,
dotado de peculiaridades e necessidades próprias da infância, foi percebido legalmente
mediante a grandes esforços de lutas sociais, porém apesar dos documentos conferirem as
crianças direitos fundamentais na infância, percebe-se que na prática, se fazem presentes
aspectos que permearam as crianças em contextos anteriores.
Observamos que, atualmente no Brasil e também internacionalmente os
movimentos e as lutas sociais vêm ressaltando-se para exigir que esses direitos sejam
efetivados. Juridicamente os direitos vem avançando, entretanto, a realidade exposta na
sociedade, configura que a concretude das leis não ocorre de forma adequada. Sendo assim, a
necessidade de políticas públicas voltadas à criança rege a história de Direitos Humanos, mas
atualmente, o maior impasse não é regular na legislação a situação da criança, mas sim unir o
texto legal com a realidade.
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A análise efetuada ao longo desse trabalho, mostra que uma das problemáticas
encontradas com relação aos direitos das crianças, são as condições precárias de vida das
mesmas num contexto mundial, pois conforme o panorama histórico apresentado o índice de
mortalidade infantil é considerado alarmante. A expectativa de vida das crianças ainda é
colocada em evidência para a maioria que se encontram em situação de vulnerabilidade social
e econômica.
Milhões de crianças estão sendo negligenciadas do direito de viver uma infância
digna e lúdica e é preciso desenvolver um olhar sensível e atento para esta situação. Conforme
ilustramos neste estudo, é direito da criança ter acesso não somente a alimentação, saúde e
educação de qualidade, mas também o brincar, que se constitui juntamente com os citados
anteriormente, como elemento fundamental e indispensável para o pleno desenvolvimento
infantil.
Conforme apresentado na Declaração Universal dos Direitos da Criança aprovada
na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1959, no artigo 7º, é explícito próximo do direito
à educação, enfoca o direito ao brincar: “Toda criança terá direito a brincar e a divertir-se, sendo
de competência da sociedade e das autoridades públicas garantir a criança o exercício pleno
desse direito”. Nessa expressão legal, as crianças são incluídas no universo dos direitos
humanos, direitos que envolvem educação, saúde, alimentação, proteção, lazer,
profissionalização, cultura, dignidade e respeito.
Apesar de toda legitimação desses direitos, ainda não são suficientes, os relatórios
trazidos pelo UNICEF sobre a situação mundial da vida das crianças apresentam dados
relevantes de negligência para com esses direitos conquistados, iniciativas de mudar esse
quadro se apresentam com resistência a efetivação desses direitos humanos fundamentais.
Os agravamentos dos dados apontam com urgência necessidades de providências a
serem tomadas de prevenção e controle da violência das esferas governamentais, criando
políticas públicas destinadas para combatê-la estabelecendo as ações e recursos destinados para
esse fim.
Diante de tais transformações com suas vantagens e desvantagens, que não pode
ser negada, deve-se pensar em possibilidades de atuação para mudar os aspectos negativos da
realidade lúdica, a ação fundamental a ser empreendida é a de resgatar o espaço da brincadeira
na vida das crianças dar significado a sua infância. Na atualidade atuar para resgatar a
brincadeira e transformar a realidade lúdica, é um desafio de todos os sujeitos preocupados com
a infância.
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A intensão de resgatar o espaço que o brinquedo vem perdendo em nossa sociedade
é um dos caminhos mais interessantes que pode ser ofertado ás crianças de qualquer idade, e
condições econômicas. Ter consciência desta realidade é o começo de qualquer ação que tenha
como pressuposto o resgate do brincar, é, sobretudo, a intenção de oferecer a elas oportunidades
para que possam exercer o direito de brincar.
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