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O TURISMO NA FORMAÇÃO DAS CIDADES.
1.1 A Evolução do Conceito
Influenciado pelo Desenvolvimento das Cidades.
Dentro de um contexto global, do ponto de vista das
atividades sociais, URRY (1999) define turismo como uma
atividade de lazer que pressupõe o seu oposto, ou seja, um
trabalho regulamentado e organizado. Para COOPER (2003,
p.36), essa atividade está estreitamente relacionada com o
desenvolvimento econômico, sendo um fato recente, como
assinala em seu livro: “em termos históricos, a atividade
turística é um acontecimento relativamente novo, e apenas
recentemente tal atividade passou a ser digna de estudos
acadêmicos”.
IGNARRA (2003, p.12-15) cita as várias definições
de turismo, mostrando que este foi evoluindo na medida em
que passa a ser organizado enquanto atividade econômica.
No objetivo desta dissertação de entender como o turismo
influencia a organização espacial das cidades,
selecionaram-se alguns dos principais enfoques diretamente
associado com a estrutura urbana. Assim é que, pode-se
dizer, turismo é o deslocamento para fora do local de
residência, motivados por razões não-econômicas (OMT,
1993 apud IGNARRA, 2003); refere-se também a um
movimento temporário de pessoas para locais externos ao
seu lugar de trabalho e moradia (MATHIESON, 1990 apud
IGNARRA, 2003); considera turismo como o deslocamento
de indivíduos ou grupos de pessoas, do seu local habitual
por períodos determinados, para outro, no qual não exercem
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
Adriana Silva Barbosa
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nenhuma atividade lucrativa nem remunerada (LA TORRE,
1992 apud IGNARRA, 2003); é considerado o conjunto de
viagens durante as quais é temporária a ausência da
residência habitual (BORMANN apud ANDRADE,1998); e
finalmente, refere-se a fenômenos gerados por essas
viagens, ou seja, o desenvolvimento de serviços que se
produzem como conseqüências das viagens, isto é, da
estadia dos visitantes, desde que não seja um
assentamento permanente (HUNZIKER apud
ANDRADE,1998).
Parece que o turismo estabelece como ponto de
partida (gerador de viagens), o local de moradia e de
trabalho. A partir dela o turista passa por outras localidades
(o local de destino), sem estabelecer um vínculo de moradia
permanente, mas sua passagem acaba criando ou
fortalecendo relações sociais econômicas e culturais do
lugar.
Nessas definições o turismo vai ganhando
importância econômica e, ao invés de ser considerado um
simples ato de ir e voltar para o local de residência (ou
trabalho), acaba refletindo muito mais no conjunto de
atividades que necessitam da eficiência da estrutura urbana,
para se realizar.
Nesse sentido sublinha-se que a forma de ver o
turismo, foi mudando com o tempo; vindo a ser entendido
como uma atividade econômica que se realiza no território.
Assim, outros enfoques são lembrados, através das
definições em que se apresentam o turismo como uma
economia: é a soma das operações, principalmente as de
natureza econômica, relacionadas com a permanência e
deslocamento de estrangeiros para dentro e para fora de um
país, cidade ou região (SHULLARD, 1910 apud IGNARRA,
2003); é o conjunto de serviços e atividades consumido por
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
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pessoas que estão fora de sua residência (ou trabalho)
(MATHIESON, 1990 apud IGNARRA, 2003); a arte de atrair
e alojar os visitantes a fim de satisfazer suas necessidades
e desejos (MACINTOSH, 1993 apud IGNARRA, 2003);
fenômenos e relações que surgem entre turistas, empresas
prestadoras de serviços, governos e comunidades
receptivas para atrair e alojar os visitantes (GOELDNER;
MACINTOSH, 2000 apud IGNARRA; 2003) é uma
combinação de atividades, serviços e indústrias que se
relacionam com a realização de uma viagem (IGNARRA,
2003); e finalmente, não pode se esquecer que é uma
atividade sócio-econômica que envolve deslocamentos para
lugares em que o turista permanece pelo menos por um
período superior a 24 horas, no qual realiza gastos,
movimentando uma grande cadeia produtiva e distributiva,
adquirindo e aprendendo os costumes da população do local
que visita mas que geram gastos e inúmeras inter-relações
de importância social, econômica e cultural (COSTA, 2002).
Dentre estes conceitos, o turismo tem em comum,
um ponto de partida, ou seja, o local de assentamento
permanente. Destaca-se também, conforme afirma
IGNARRA (2001) sobre a conceituação da Organização
Mundial do Turismo (OMT) estabelecida em 1994,
colocando o turismo como um conjunto de atividades que
torna necessário a viagem e a permanência em lugares fora
do ambiente usual. Este ambiente usual é referido como o
ponto de partida em que o indivíduo possui uma infra-
estrutura para sua sobrevivência. Assim, pode-se observar
que a formação das cidades foi um elemento que contribuiu
para a permanência da população numa determinada
região, por tempo maior, formando o seu ambiente usual. A
partir deste local ou região inicia suas viagens turísticas.
Portanto, o turismo está diretamente ligado à contínua
formação das cidades.
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
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Do ponto de visto histórico, antes dos grupos
populacionais fixarem-se na terra, eram nômades. Segundo
DE MASI (2000), a humanidade nômade1 se deslocava em
busca de água, pastos e caças. Também mudava de local,
devido ao esgotamento da terra depois de várias vezes
cultivada, e também devido à inexistência de esgotamento
sanitário, o que agravava com sua permanência em local
poluído. Nessa situação, “viajar” era uma questão de sobrevivência tanto da população, como do meio ambiente
que precisava se recuperar. Não existiam ainda motivos de
lazer como geradores dessas viagens. Foi somente com o
desenvolvimento da agricultura2 que as atividades nômades
diminuíram (GUTIERREZ, 2004). Com o desenvolver da
civilização surgiram outros motivos, tanto para viajar como
para se fixar num lugar, de modo permanente.
1 O termo “nômade” vem de “pasto”, pastorear (FERREIRA, 1986). 2 Em Israel, foi estabelecida uma lei em que a terra deveria ficar em repouso uma vez a cada sete anos para que ela se recuperasse das agressões do homem o ano sabático (Êxodo 23: 10 e11).
1.2 O Turismo entre Cidades
Idade Antiga
Na antiguidade, segundo MUMFORD (1992 apud
FREITAG, 2001), os costumes sociais foram se
consolidando no espaço. Assim é que afirma, que, mesmo
nômades, as mulheres, cultuavam os seus mortos em
determinados lugares aos quais voltavam com regularidade,
vindo, em homenagem, a erguer santuários. Até então, o ato
de viajar e pernoitar em lugares diferentes era algo comum3.
Contudo, com o crescimento de vários povos e a disputa
destes por terras férteis, surge a necessidade de proteção e
fechamento da cidade por muros, quando o viajante nem
sempre era bem vindo.
Conforme DE MASE (2001) e BENÉVOLO, (2001),
as primeiras cidades, Ur e Uruk, surgidas há 3.000 a.C.
próximo ao golfo Pérsico, na Mesopotâmia, eram cercados
por muralhas banhadas, pelo rio Eufrates e circundada por
fossos, excluindo o ambiente aberto natural do ambiente
fechado da cidade. As ruínas do que parecem ter sido casas
haviam sido construídas de tijolo, com paredes rebocadas e
caiadas. Desse modo, tendo as cidades como uma
referência de moradia, pode-se dizer que o homem saia do
seu “ambiente usual” e viajava. Mas, conforme o caso, nem
sempre essas viagens estavam relacionadas com o turismo.
É que, ao mesmo tempo em que, nas cidades, os povos se
cercavam com muros, de outro modo, precisavam viajar
para conquistar mais terras, para ocuparem e explorarem e
3 As mulheres procuravam lugares seguros e protegidos ao dar a luz e ali permanecia por um período mais longo.
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para estabelecer relações comerciais com outros povos
(WATCH TOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY OF
PENSYLVANIA, v.3, 1992).
Foto 01: mapa do Império Babilônico e Império Assírio, Mundo Antigo. Fonte: Revista “Veja a Boa Terra” Cesário Lange/ SP: Watch and Tract Society of Pennsylvania. Associação Torre de Vigia de Biblias e Tratados, 2003.
Foto 02: mapa cidade de Ur. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo. Ed. Perspectiva, 4º edição, 2005.
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Foto 03: perpectiva do palácio com um zigurate, Ur: BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo. Ed. Perspectiva, 4º edição, 2005.
Neste mesmo período, às margens do rio Eufrates, a
cidade de Babilônia, também cercada por muralhas, atuava
como um importante centro manufatureiro e depósito
comercial para transações entre os povos do Oriente e do
Ocidente, tanto por terra como por mar. Desse modo, suas
frotas tinham acesso ao golfo Pérsico e aos mares (WATCH
TOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY OF PENSYLVANIA,
vol.1, 1992). Neste caso viajavam para realizar atividades
comerciais e não para turismo.
Nas cidades da região da fenícia, faixa litorânea
entre a Síria e Israel, por ser uma região inóspita para o
desenvolvimento da agricultura, houve a necessidade de
desenvolver o comércio internacional como um instrumento
de sobrevivência. Os fenícios estavam entre os grandes
povos navegadores do mundo antigo e faziam longas
viagens para a realização de transações comerciais (EZEQ.
27, p.3-7, apud WATCH TOWER BIBLE AND TRACT
SOCIETY OF PENSYLVANIA, vol.2, 1992, p. 114).
No Império Romano, muitas cidades eram portuárias
e Roma, por exemplo, tinha seu porto marítimo na vizinha
Óstia. As boas conexões marítimas existentes entre os
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portos garantiam a rápida comunicação com cidades-chave
mundiais da época que facilitavam uma administração mais
eficiente das províncias romanas4. Tais viagens se
revelaram ser percursos rotineiros para o transporte de
cereais.
Destaca-se que até esse período as relações
comerciais, de conquistas de terras e povos era o motivo
principal das viagens. Alguns autores (JUDD, 1999 e URRY,
1999) parecem considerar que o turismo só aconteceu entre
os séculos XVIII e XIX. Para URRY (1999), antes do século
XIX poucas pessoas, que não fosse das classes superiores
realizavam viagens por prazer. Para JUDD (1999) o turismo
começou no século XIX com as excursões ferroviárias. Mas,
a história revela que, a atividade de viajar e visitar outras
localidades saindo do seu ambiente usual já acontecia por
motivos religiosos e culturais. As cidades do antigo império
Babilônico possuíam suas próprias divindades guardiãs,
algo parecido a “santos padroeiros”. Babilônia, a capital do
Império tinha o deus Marduque (o planeta Júpiter), o deus
fundador da cidade. Muitas pessoas saiam de sua cidade de
origem para visitar os templos das outras cidades e fazerem
suas oferendas5. Os nobres romanos também viajavam
grandes distâncias para visitar os templos (IGNARRA,
2003), formando assim um tipo de turismo religioso em que
os visitantes, pelas condições de transporte, difícil e
demorado, acabavam por pernoitar na cidade usufruindo de
alguns serviços.
4 (Referencia: IT-1 pp. 692-699 – Deuses e Deusas) Roma também dependia da navegação para seus suprimentos de alimentos. Com uma população de aproximadamente um milhão de pessoas, havia uma enorme demanda de cereais. Flávio Josefo cita Herodes Agripa II como tendo dito que a África do Norte alimentava Roma durante oito meses por ano, enquanto que o Egito enviava uma quantidade de cereais suficiente para abastecer a cidade pelos outros quatro meses. 5 Babilônia era um lugar muito religioso. As evidencias encontradas nas escavações e nos textos antigos indicam a existência de mais de 50 templos.
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Outro dado, segundo IGNARRA (2003), é o antigo
Egito que já recebia visitantes para conhecer as pirâmides
ainda em construção e outros monumentos arquitetônicos
da cidade. Muitos vinham através de embarcações pelo rio
Nilo ou por terra com carruagens. Um tipo de turismo que
estava relacionado com a cultura e a arquitetura da época.
Pode-se dizer que já havia um turismo de eventos religiosos,
que atraíam visitantes de vários lugares. Observa-se assim
em Éfeso, durante o mês das Artemísias (deusa da
fertilidade), centenas de milhares de visitantes, de toda a
Ásia Menor, superlotavam a cidade. Uma parte de destaque
destas festividades era a procissão religiosa, na qual a
imagem de Ártemis era levada pela cidade, (Atos 19:34
apud WATCH TOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY OF
PENSYLVANIA, v.2, 1992). Os peregrinos afluíam ao templo
de Ártemis, assim como hoje multidões de pessoas vão ao
Vaticano, a Meca na Arábia Saudita, ou a Aparecida no
Brasil.
Na Grécia Antiga, eram realizados festivais nacionais
que misturavam religião e esporte. Uma delas eram os jogos
olímpicos, uma homenagem a Zeus, o rei dos deuses
gregos, em que diferentes cidades-estado da antiga Grécia
enviavam seus melhores atletas para competir na cidade de
Olímpia, a cada quatro anos. Embora essa seqüência de
jogos tenha sido interrompida, voltaram a ser realizados a
partir de 1896 em Atenas, a cada quatro anos. Desse modo,
viajantes atraídos pelos eventos religiosos, participavam
também das atividades culturais e esportivas.
Na cidade de Éfeso, na Ásia Menor, além da deusa
Ártemis, havia o estádio, reconstruído durante o reinado do
Imperador romano Nero (Atos 19:23-41 apud WATCH
TOWER BIBLE AND TRACT SOCIETY OF PENSYLVANIA,
v.1.1992). Era provavelmente o cenário de competições
atléticas e de combates de gladiadores. Também havia o
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
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teatro, com cerca de 150 metros de diâmetro, com
excelentes qualidades acústicas, estruturado com 66 fileiras
e capacidade para 25.000 pessoas. Toda a família podia
presenciar espetáculos no estádio, passar horas no teatro
ou participar de práticas de ocultismo6.
As cidades não só ofereciam entretenimento e lazer
aos visitantes, mas também escolas que estimulavam os
intercâmbios culturais. Atenas, considerada no mundo
antigo, o centro da erudição, da literatura e da arte grega,
tornou-se uma cidade universitária, repleta de mestres,
oradores e filósofos, tais como Sócrates, Platão e
Aristóteles. Estabeleceram-se ali quatro escolas filosóficas 7
(Atos 17:18 apud WATCH TOWER BIBLE AND TRACT
SOCIETY OF PENSYLVANIA, vol.1, 1992), que recebiam
estudantes de todo o império, no tempo romano, podendo-
se considerar este um tipo de intercâmbio cultural.
Atividades similares a essas continuam ainda hoje a serem
exploradas pelas agências de viagens de turismo ou de
intercâmbios.
Também, as viagens de lazer no império romano,
não era privilégio de poucos. Em Roma, os equipamentos
de lazer atraiam tanto pobres como ricos de todas as
cidades do império romano. Eram poucas as pessoas
consideradas da classe média e a riqueza estava nas mãos
duma pequena minoria. Mais da metade da população era
composta de escravos e homens livres. Então o Estado,
para conter a massa, não deixava de dar duas coisas,
alimentos e diversão. Conforme a enciclopédia bíblica
Estudo Perspicaz das Escrituras (WATCH TOWER BIBLE
AND TRACT SOCIETY OF PENSYLVANIA, 1992, vol. 3,
p.458), o povo poderia ir aos anfiteatros e circos para
6 Éfeso era amplamente conhecida por suas artes mágicas. 7 Tem-se a platônica, a peripatética, a epicurista e a estóica.
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assistir as lutas de gladiadores e o Circo Máximo, uma
gigantesca pista de corridas de carros romanos (bigas) com
capacidade para 250.000 espectadores, era uma atração
gratuita. Mesmo contendo no território romano um total de
186 arenas, Roma atraia muitos visitantes porque possuía a
atração principal do império, o Coliseu8.
Foto 04: maquete do Coliseu Fonte: BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo. Ed. Perspectiva, 4º edição, 2005.
Foto 05: maquete de Roma Imperial. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo. Ed. Perspectiva, 4º edição, 2005.
Conforme as cidades cresciam, cresciam também os
problemas de higiene. O turismo, que se baseava em visitas
às cidades, com seus templos, escolas, teatros e arenas,
volta-se, então, à procura de áreas naturais. Desse período
são conhecidas as viagens às áreas litorâneas para banhos
medicinais9, realizadas pelos romanos, indica a formação de
um turismo voltado para a saúde, como se fosse um tipo de
SPA10 daquela época (IGNARRA, 2003). Quando as
pessoas procuravam se recuperar dos males causados pela
forma de viver das cidades. Talvez se pudesse considerar
também esse período como aquele em que se formou o
início pelo turismo ecológico.
Refletindo sobre essas considerações, procura-se
compreender a influência do turismo na ordenação cidades.
Dos relatos históricos do mundo antigo destaca-se que:
8 O Coliseu de Roma era, na época de sua construção, um anfiteatro oval de quatro níveis. Suas arquibancadas de mármore tinham capacidade para 45 mil pessoas. Denominado anfiteatro Flávio, era conhecido como o Coliseu pelo fato de sua proximidade com a colossal estátua de Nero. Os gladiadores lutavam na arena e, segundo a história relata, era o lugar onde os cristãos eram lançados aos leões. Enciclopédia Encarta. Jornal O Estado de São Paulo – arquivos http://www.virtual.epm.br/uati/corpo/ cultura4_coliseu.htm. 9 No Império Romano eram comuns as viagens para a visita ás termas. 10 Os spas derivam seu nome de Spa, na Bélgica, famosa estância curativa, notabilizada por suas águas minerais naturais.
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Foto 06: planta de Roma Imperial. Fonte: BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo. Ed. Perspectiva, 4º edição, 2005. (pasta hist_cid_turismo)
O turismo surgiu praticamente junto com as cidades,
visto que, desde quando o povo era nômade, viajar
significava uma questão de sobrevivência e contato com a
natureza e outros povos, tornando-se algo rotineiro
necessário; as modalidades de turismo que se conhece hoje
(turismo religioso, de eventos, lazer cultural e de negócios)
foram desenvolvidas conforme a evolução das cidades; as
diferenças entre povos (curiosidade, conhecimento,
comércio e guerra) estimulavam as pessoas a viajarem; as
pessoas sentiam vontade de conhecer aquilo que era
diferente do seu cotidiano; e, então, visitar um templo, uma
arquitetura e cidade era algo que despertava a
curiosidade;11 com a necessidade de tratar as condições
insalubres das grandes cidades, o turismo ecológico surge,
11 Era o culto aos deuses (os templos), as características arquitetônicas (as pirâmides, o jardim suspenso da babilônia) e os eventos (lutas, teatro e jogos) que faziam com que pessoas saíssem de um lugar para outro. Portanto as pessoas viajavam para apreciar o que não havia no seu ambiente usual.
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
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sendo uma conseqüência da decisão de deixar a vida
nômade e se fixar à terra.
O que mudou nos séculos seguintes foi a forma de
encarar a atividade turística, que passou a ser considerada
como um produto de um lado, e de outro, como uma
atividade organizada, que as apoiava num conjunto de
serviços.
Idade Média.
Nesta fase, entre os séculos IV e XV, conforme
IGNARRA (2003) viajar era perigoso devido às guerras com
os povos bárbaros e grupos de bandidos que atacavam os
viajantes. Mas, mesmo assim, peregrinos europeus se
aventuravam em visitar a Terra Santa, Jerusalém, movidos
unicamente pela fé, embora muitos fossem capturados e
assassinados12. PEDRERO-SÁNCHES (2000, p.80),
menciona que:
(...) uma multidão inumerável pôs-se a convergir do mundo
inteiro para o sepulcro do Salvador. Primeiramente foram as
pessoas das classes inferiores, depois as do povo médio,
depois todos os maiores reis, condes, marqueses, prelados;
enfim o que nunca havia acontecido, muitas mulheres, as
mais nobres com as mais pobres, dirigiam-se ali.
Pode-se dizer assim, que os grupos de peregrinos,
seja qual for sua classe social, que visitavam Jerusalém por
motivos religiosos, foram os precursores do turismo
organizado (IGNARRA, 2003).
O território europeu era dividido por feudos e estes,
por sua vez, era a base econômica das populações. Dentre
os aspectos dominantes, destaca-se a característica de
ausência total do comércio e de intercâmbios monetários,
(PEDRERO-SÁNCHES 2000, p.80; IGNARRA, 2003). Na
12 Entre os séculos XI ao XIV, começam as cruzadas, que tinha o objetivo de recuperar a liberdade de acesso dos cristãos à Jerusalém.
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
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alta Idade Média (entre 1300 a 1789), as cidades perdem
seu poder como centros econômicos e culturais e os ofícios
(alfaiate, sapateiro, ferreiro e outros) passam a se realizar
dentro dos castelos. Em função dessas mudanças ocorrem
também mudanças na organização do território, como se
observa. Nos feudos, os serviços não eram executados
pelos donos da terra, mas por outras pessoas que
trabalhavam para estes e lá moravam. Os dois grupos
sociais, os dominantes (a nobreza feudal e o clero) e os
subalternos (camponeses e pequenos artesãos) praticavam
desde então, formas diferentes de lazer e entretenimento
(BENÉVOLO, 2001).
Os grupos sociais dominantes usavam as termas, os
banhos medicinais e se hospedavam na casa da nobreza
(nos castelos). Os subalternos se entretinham com jogos,
lutas e se hospedavam em barracas e hospedarias.
As primeiras hospedarias e feiras livres, também
surgiram junto com a formação das primeiras cidades
medievais, originadas dos burgos. Segundo PEDRERO-
SÁNCHES (2000, p.149):
(...) para satisfazer as faltas e necessidades dos da
fortaleza, começaram a afluir diante da porta, junto da saída
do castelo, negociantes, ou seja, mercadores de artigos
custosos, em seguida taberneiros, depois hospedeiros para
alimentação e albergue dos que mantinham negócios com o
senhor.
Os equipamentos que inicialmente, serviam para os
mercadores, mais tarde passam a ser usados por pessoas
interessadas em visitar e comprar nas inúmeras feiras livres
da idade-média, como a feira de Champagne e Flandres
(PREDERO-SÁNCHEZ, 2000). Com o crescimento dos
burgos e a formação das cidades medievais, as praças
passam a funcionar com um centro social, onde acontecem
as cerimônias, os espetáculos e eventos populares, além da
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
Adriana Silva Barbosa
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venda de produtos e da prestação de alguns serviços. Eram
atividades cívicas, religiosas e comerciais que, quase
sempre, aconteciam todas ao mesmo tempo (VARGAS,
2001). Todas estas atividades atraiam pessoas tanto de fora
como de dentro das cidades e essas praças, na fase do
renascimento (séc. XV e XVI), passam a ser entendidas como
um recinto ou lugar especial e não apenas um vazio na estrutura
urbana (DANTAS, 2004).
Foto 07: Procissão na Praça de São Marco, Veneza. Gentile Bellini, 1429-1507. Fonte: http://www.vitruvius.com.br/ arquitextos/arq000/esp253.asp. acessado em 18/02/2005.
Foto 08: Vista da Praça de São Marco, Veneza. Donato Rasciotti, 1599. Fonte: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos /arq000/esp253.asp. acessado em 18/02/2005.
Foto 09: Planta perspectivada da cidade de Veneza. Matthaeus Merian, 1635 Fonte: http://www.vitruvius.com.br/ arquitextos/arq000/esp253.asp. acessado em 18/02/2005.
Idade Moderna
Nesta fase, o capitalismo começa a organizar o
turismo, transformando-o numa atividade lucrativa13 e
influenciando ainda mais, as atividades econômicas das
cidades. Os serviços relacionados com o turismo, como os
meios de transportes e as hospedarias, sofreram mudanças,
ao perceberem que o turismo poderia ser um bom negócio.
Assim é que, já em 1828, segundo PIRES (2002), os
proprietários das pousadas em Florença reuniram-se para
13 Segunda dados da Word Travel and Tourism Council (WTTC) o turismo gerou em 1996, direta ou indiretamente 204 milhões de empregos. O que equivale a 10% da força de trabalho do mundo.
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
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fundar um grêmio, a fim de transformar as hospedagens,
que então eram consideradas como um ato de caridade,
tornando-as uma fonte de renda. A diferença é que, um
nobre hospedar um nobre (pessoas de mesma classe alta)
era uma honra, enquanto que um nobre hospedar uma
pessoa de nível social inferior, era considerado um ato de
caridade. Em 1835, empreendimentos específicos para o
turismo são construídos nas cidades como o museu de Cera
Madame Tussauds em Londres, local que exibe
personalidades sociais conhecidas, tendo sido pioneiro no
desenvolvimento de eventos completamente voltados para o
turismo (JUDD, 1999). Em 1841, Thomas Cook, o fundador
da agência de viagem que levava o seu nome, a Cook’s
Tour, oferecia pacotes de visitas organizadas a lugares
históricos e lojas importantes, chegando a conduzir mais de
um milhão de pessoas em viagens para várias cidades e
visitas à Europa.
Com o tempo, conforme JUDD (1999) as viagens se
transformaram numa economia que organizou e
comercializou as experiências turísticas, beneficiando-se
das novas tecnologias surgidas entre os séculos XIX e XX14.
Soma-se isso aos fatores econômicos e sociais
consolidados na primeira metade do século XX como a
industrialização e a regulamentação da jornada de trabalho,
facilitando ainda mais a exploração do turismo de forma
organizada e lucrativa15.
14 A locomotiva a vapor inventada por Stephenson (1814); a invenção do telefone por Alexandre Graham Bell (1876); a construção do primeiro aparelho cinematográfico pelos Irmãos Lumiére (1895); a invenção da fotografia colorida por Auguste Lumiére (1905), o avião 14 Bis por Santos Dumont (1906); a linha de produção nas fábricas de autos de Henry Ford (1913); a primeira travessia aérea do Atlântico realizada por Lindenberg (1927); a primeira transmissão televisiva (1936); a primeira Iluminação Urbana em Londres (1820); o primeiro computador comercial (1951) e a internet (1983). 15 Esta forma de encarar as viagens, como um produto, transformou o turismo na força central na economia mundial. Uma “atividade de
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
Adriana Silva Barbosa
32
Na fase industrial, segundo URRY (1999) o turismo
passa a ser visto de forma diferente pelos grupos sociais
existentes. Para o trabalhador assalariado, as férias
remuneradas lhe proporcionam um turismo de recompensa,
como uma gratificação pelo seu trabalho desgastante; e,
para as classes mais favorecidas, o turismo lhes confere
status sendo visto como algo necessário à saúde.
O turismo tomou maior impulso enquanto atividade
econômica, nas décadas de 1960 e 1970, levando à
massificação turística, caracterizada pelas viagens de
grupos organizados, provocando, muitas vezes, um
desgaste ambiental nos locais visitados e mesmo levando à
descaracterização física das cidades, em alguns casos.
Nesta fase, dois elementos novos são praticamente
introduzidos no turismo, como decorrência das
transformações sociais e econômicas: o turismo de massa e
o aumento da expectativa de vida dos trabalhadores
(terceira idade).
Portanto, na sociedade pós-industrial, as cidades,
além de considerarem o turismo como uma atividade
econômica importante para o seu desenvolvimento, também
precisam lidar com dois elementos novos: os danos
ambientais que a massificação turística provoca e o
aumento da população da terceira idade que se constitui
numa nova massa consumidora, em busca de lazer e
entretenimento. Para VIEIRA (2000) não há como negar o
potencial econômico da terceira idade e seus impactos
importância e significados globais” (COOPER). O turismo internacional entre 1950 e 1992 medido em números de chegada, expandiu-se numa taxa de 7,2% ao ano. Entre as décadas de 1980-90 o turismo internacional teve um aumento de 9,6% ao ano, excedendo consideravelmente a taxa de crescimento do comércio mundial como um todo. Também a economia de muitos países é muito mais dependente do turismo e em 1995 o volume total do movimento doméstico excedeu o turismo internacional atingindo um fator de 10 para 01. (OMT, 2000).
Espaço Urbano e Turismo: o caso de Campos do Jordão, SP
Adriana Silva Barbosa
33
sobre os diversos setores produtivos, entre eles o lazer e o
turismo16.
Ainda com relação ao turismo de massa, destaca-se
um outro fator preocupante para as cidades turísticas: a
sazonalidade. Esta acaba sendo também um atrativo para o
turismo de massa de um lado, e de outro a não regularidade
do turismo provoca a alta dos custos de seus equipamentos
e serviços (FIPE, 2001). Em outras palavras, essa
sazonalidade, por se referir à atividade organizada em
determinado período, e de acordo com as estações do ano
(verão ou inverno), tem a tendência de concentrar as
atividades turísticas nestes, como nas férias escolares, e
nos feriados, deixando as empresas, fora desse período, na
inatividade.
Além do turismo de massa e da longevidade da
população, outros fatores favoreceram o desenvolvimento
do turismo. Segundo DE MASI (2001), na sociedade pós-
industrial, a necessidade de permanência contínua nas
cidades, em função do trabalho, poderá diminuir, devido ao
tempo livre proporcionado pelas novas tecnologias (o tele
trabalho, por exemplo); as férias remuneradas; a
necessidade de estudos especializados (cursos no exterior,
intercâmbios e congressos); junto com maior facilidade de
locomoção. Todos estes fatores acabam permitindo que as
pessoas de vários níveis sociais, viajem com maior
freqüência17. Outro fator é a tendência da realização pelo
trabalhador, de atividades cada vez mais intelectuais e o
ócio sendo considerado importante para aliviar o cansaço
mental. Este é um ócio voltado para o trabalhador
16 O envelhecimento populacional constitui uma tendência demográfica observada, praticamente em todo o mundo. 17 Segundo DE MAIS (2000), caminhamos para um mundo em que as máquinas substituirão cada vez mais, o trabalho executivo, e aos seres humanos será fornecido mais tempo livre para trabalhos mais criativos e intelectuais. Neste caso as viagens poderão ser programadas não só apenas uma vez por ano, mas várias vezes.
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intelectualizado, oferecendo-lhe, nos centros urbanos,
atividades como cinema, teatro, museus, shows,
monumentos históricos e centros culturais. Algumas dessas
atividades aqui citadas, já eram realizadas nos primeiros
centros urbanos da civilização, motivando as pessoas a
viajar, com freqüência, num mesmo período, em função dos
templos religiosos de Babilônia; as pirâmides do Egito e o
Coliseu em Roma 18.
Mas, percebe-se que o turismo entre cidades estava
baseado nas diferenças. E hoje o turismo, visto como uma
economia tem gerado um processo de padronização
(uniformização), tanto dos atrativos como dos serviços
prestado na cidade. Por isso seria importante para o poder
público avaliar, até que ponto a padronização do ambiente
urbano é um fator positivo para o turismo e para a
identidade da cidade. Por sua vez os relatos históricos têm
comprovado a importância da preservação das diferenças,
reforçando que o interesse de viajar, pelo turista, se prende
àquilo que é diferente, que é atrativo aos seus olhos, ou
seja, praticamente tudo o que foge do seu cotidiano (URRY,
1999).
Hoje, enquanto que o turismo continua com a
tendência de uniformização do território, a cidade, vista
como um produto de consumo passa a se reger por políticas
de marketing em que suas especificidades são enfatizadas
(VARGAS, 1998). Portanto, enfrenta-se atualmente, uma
difícil conciliação entre a tendência de padronização do
espaço com seus serviços turísticos (franquias) e a
valorização das diferenças culturais, arquitetônicas e
geográficas das cidades. Neste aspecto, os monumentos
históricos, as manifestações culturais e as novas edificações
18 Os relatos históricos das primeiras cidades podem-se validar o que diz Urry, pois mesmo antes de terminar a construção das pirâmides do Egito, pessoas de outros povos vinham visitá-la, porque era algo diferente aos olhos do visitante.
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que possua um design que foge do comum, passam em
elementos de exploração do mercado turístico.
Foto 10: Torre Eiffel, Paris. Monumento histórico considerado um símbolo da França e um atrativo muito explorado pelo mercado turístico. http://en.wikipedia.org/wiki/Eiffel_Tower
Foto 11: Centro George Pompidou. Um complexo cultural que abriga museu, biblioteca, teatro entre outras atividades culturais. http://en.wikipedia.org/wiki/Centre_Georges_Pompidou
Desse modo, frente às considerações acima, pode-
se destacar os seguintes aspectos que ajudam na
compreensão do turismo no Brasil e o seu processo de
regionalização: todas as atividades religiosas (templos),
culturais (museu, biblioteca e teatro) e comerciais e de
serviços de uma cidade, têm estimulado turismo em suas
diferentes modalidades; as cidades podem ser consideradas
a essência do turismo, como também seu produto básico;
nas cidades, para fins de planejamento urbano, preservação
ambiental e, traçado de diretrizes turísticas é preciso
considerar os aspectos históricos e as paisagens formadas
em distintos períodos, reconhecendo o espaço urbano do
cotidiano e o espaço urbano do lazer e entretenimento. Só
assim será possível criar identidades peculiares a cada local
e região, interrompendo a padronização e uniformidade
urbana baseada num lugar maravilhosamente único para ser
visitado, mas que é encontrado, “igualzinho”, em todos os
países. As imagens publicitárias pode ser uma ferramenta
importantíssima ao exporem as características específicas
da região, capaz de convencer o turista, de que esse
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atrativo só será encontrado naquele lugar19. Este é
marketing do lugar, que acaba por identificar na cidade seus
espaços típicos (VARGAS, 1997). Dentre esses, um voltado
para o visitante, e outro voltado para o residente.
Foto 12: Reprodução de uma feira medieval na Sé Velha, em Coimbra, 1991. Manifestações culturais como forma de atrair turistas e revitalizar os antigos centros urbanos medievais nas cidades européias. http://www.regiaocentro.net/lugares/ coimbra/feiramedieval/index.html
19 Quando não existe nada de especial em um lugar que o diferencie, as cidades procuram criar uma nova imagem modificando seu espaço urbano e estabelecendo um mercado turístico correspondente á imagem divulgada.
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