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ESCOLA INDÍGENA E FORMAÇÃO DO PESQUISADOR:
POTENCIALIDADES A SEREM EXPLORADAS EM REDES DE
COLABORAÇÃO1
Karla Cunha Pádua (UEMG/Minas Gerais)
Resumo: O texto discute a apropriação da escola por professores/as indígenas, da etnia
Pataxó, que cursaram a primeira turma do curso de Formação Intercultural de
Educadores Indígenas (FIEI), oferecido pela Universidade Federal de Minas Gerais. Os
dados foram coletados no contexto de uma pesquisa que busca compreender as
repercussões da formação intercultural na vida de professores/as indígenas, na qual se
realizou entrevistas narrativas com cinco professores da aldeia Muã Mimatxi, em
Itapecerica, Minas Gerais. A investigação de temas relevantes para a vida comunitária
foi apontada pelos/as entrevistados/as como uma das aprendizagens mais relevantes do
curso realizado, tornando-se um recurso apropriado para orientar os projetos
pedagógicos da escola e servir aos anseios da vida coletiva. Os projetos coletivos
desenvolvidos na escola, tendo como base a pesquisa, constituem um campo fértil para
novas parcerias que apoiem a organização dos registros etnográficos realizados pelos/as
alunos/as e professores/as e a continuidade dos projetos comunitários voltados para a
sustentabilidade das novas gerações. As reflexões dos/as professores/as indígenas
entrevistados/as sugeriram a necessidade de continuidade da formação, sob a forma de
projetos colaborativos e de assessoria às aldeias, para apoiar as riquezas e
potencialidades desencadeadas no processo de formação inicial.
Palavras-chave: Professores/as Pataxó, Formação de Pesquisadores, Educação
Continuada
Introdução
Os projetos de pesquisa, antes intervenções sociais, de educação na
comunidade, orientam os percursos e são as linhas-mestras que dão rumo
aos percursos acadêmicos. Isto faz toda a diferença na formação
intercultural de educadores indígenas.
Maria Inês Almeida2
A análise de entrevistas narrativas realizadas com professores/as indígenas da aldeia
Muã Mimatxi, localizada em Itapecerica, Minas Gerais3, apontou que hoje a escola
tornou-se um lugar de exercício de pesquisa permanente, voltada para produzir saberes
1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de
agosto de 2014, Natal/RN. 2 ALMEIDA, Maria Inês. Os índios, inclusive. Diversa, Revista da Universidade Federal de Minas
Gerais, Ano 7, n. 13, fev. 2008, p. 1. Disponível em: https://www.ufmg.br/diversa/13/artigo2.html 3 Os dados foram coletados no contexto da pesquisa intitulada “Repercussões da Formação Intercultural
na vida de professores/as indígenas”, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade do Estado de Minas Gerais.
2
práticos importantes para a vida coletiva. Para compreender a relação desses/as
professores/as Pataxó com os conhecimentos e com a escola é importante recuperar o
processo de formação vivenciado por eles.
No país, o processo de formação de professores/as indígenas teve início com a
conquista do direito a uma educação diferenciada, na Constituição de 1988. A
implantação e o funcionamento de escolas indígenas, conduzidas por professores índios,
exigiam a formação desses/as professores/as. Atendendo a esta demanda, em Minas
Gerais, foi criado em 1995 o Programa de Implantação das Escolas Indígenas de Minas
Gerais (PIEI-MG), fruto de uma parceria entre a Secretaria de Estado da Educação
(SEE-MG), a UFMG e outras instituições, do qual participaram os/as professores/as
entrevistados/as na pesquisa (PÁDUA, 2009).
O PIEI tinha como proposta a criação de escolas culturalmente sensíveis à diversidade
das comunidades indígenas e das diferentes tradições étnicas. Visando garantir a
influência dos povos indígenas sobre as práticas educativas a serem desenvolvidas nas
escolas, este Programa propunha uma formação voltada para a pesquisa e a produção de
materiais didáticos, valorizando a autonomia e as identidades culturais de cada povo.
Segundo Rezende (2009), a experiência metodológica do PIEI ajudou a consolidar um
paradigma educacional inclusivo, com base na ideia de formar professores como
pesquisadores de sua própria cultura, que norteou a proposta pedagógica do curso de
Formação Intercultural de Professores Indígenas (FIEI).
Em 1999, as lideranças indígenas apresentaram à UFMG a demanda de continuidade
dos estudos após a conclusão do Magistério Indígena, resultando na instauração de uma
comissão para delinear um projeto de formação intercultural que resultou no FIEI
(FERNANDES, 2011). Este curso especial de graduação, financiado pelo PROLIND
(Programa de Apoio à Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas), teve
início em 2006, após um longo processo de mobilização e de negociações.
3
O FIEI/ PROLIND4 teve a duração de 5 anos, intercalando etapas intensivas, que
aconteciam dois meses por ano (em geral, maio e setembro) na UFMG, e intermediárias,
realizadas preferencialmente nas aldeias, visando uma conciliação entre práticas
acadêmicas e as atividades docentes nas escolas indígenas (FERNANDES, 2011). O
curso encerrou-se em maio de 2011, diplomando 132 indígenas das etnias Xacriabá,
Pataxó, Maxacali, Krenak, Aranã e Caxixó (UFMG, 2011).
É preciso, pois, interpretar as narrativas e as práticas escolares dos/as professores/as
indígenas da aldeia Muã Mimatxi considerando-se o diálogo com as concepções e
práticas vivenciadas nos seus percursos formativos. Dessas interlocuções resultaram
novas experiências e significações e novas práticas escolares, que transformaram a
escola em centro da vida comunitária, lugar de exercício de pesquisa permanente e
ligada à prática social, que os ajuda a repensar a sua relação com o mundo e a produzir
seus projetos de futuro.
As narrativas dos/as professores/as entrevistados/as destacaram as pesquisas
desenvolvidas no percurso acadêmico do FIEI como uma das aprendizagens mais
valorizadas no curso realizado, permitindo a investigação de temas relevantes para a
vida comunitária. E hoje, após a conclusão do curso, a perspectiva de pesquisar
permanentemente a sua própria cultura e gerar produtos que alimentam a vida e os
projetos coletivos continua orientando a prática desses/as professores/as na escola.
Para compreender esses processos, apresentaremos brevemente a pesquisa na proposta
político-pedagógica do FIEI, para em seguida discutir outros temas que emergiram das
narrativas, apontando novas perspectivas de continuidade dos estudos e de colaboração
intercultural.
A pesquisa na proposta de formação do FIEI
A ideia de oferecer aos estudantes indígenas percursos acadêmicos diferenciados e
desenvolver pesquisas em interface com projetos sociais já se destacava nos seminários
4 Em 2008, o FIEI converteu-se em curso regular de graduação da UFMG, com recursos do REUNI
(Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades), com a oferta de 35 vagas, entrada única anual e
duração de 5 anos, intercalando módulos presenciais na Universidade e intermediários nas comunidades
(UFMG, 2008).
4
realizados na UFMG, com o objetivo de discutir a proposta curricular e as concepções
que norteariam o curso de Formação Intercultural de professores (UFMG, 2005; 2007).
Desde o início, a proposta de uma formação diferenciada e de um currículo aberto,
norteado pelos interesses de pesquisa dos estudantes e das comunidades, ganhou
expressão na noção de percursos acadêmicos diferenciados, uma forma de atender aos
interesses das comunidades indígenas de formar profissionais capazes de agenciar os
projetos comunitários (FERNANDES, 2011). Os Percursos Acadêmicos acabaram se
tornando um importante componente curricular do FIEI, apresentando-se como uma
possibilidade do estudante indígena articular suas pesquisas com os projetos sociais de
suas comunidades e se apropriar criticamente da cultura alheia e “construir caminhos,
escrituras próprias e de sistematizar seus conhecimentos” (FERNANDES, 2011, p. 2).
A ideia de conectar a formação com as necessidades e o ritmo da vida das comunidades
indígenas e de tornar os professores indígenas pesquisadores de sua própria cultura
encontra-se no centro da proposta pedagógica e curricular do FIEI, como apontou
Rezende (2009). Dentro desta proposta, destacaram-se os Percursos Acadêmicos,
elemento curricular que permitia a cada estudante traçar um caminho específico dentro
do curso, de acordo com seus interesses e demandas comunitárias, articulando-se aos
projetos sociais de sua comunidade e também com uma área de conhecimento.
Nesta perspectiva, os projetos sociais, definidos ao longo do curso a partir das principais
demandas das comunidades indígenas, deveriam se articular com os campos do
conhecimento e com as atividades de ensino e de estágio. Da mesma forma, as
atividades de formação deveriam se articular com a docência e com “as ações/iniciativas
enquanto membro da sua comunidade” (UFMG, s/d, p. 23). O projeto pedagógico do
curso enfatiza, também, a articulação entre conhecimento científico e conhecimento da
experiência,
de forma a colocar em questão a supremacia antes atribuída à ciência, como
única forma válida de conhecimento, dando ênfase nas diferentes formas e
tradições de conhecimento nos diferentes sistemas de pensamento e, dentre
estes, no pensamento ameríndio (UFMG, s/d, p. 23).
Dessa forma, em seus Percursos Acadêmicos no FIEI, os estudantes elegeram temas de
investigação para desenvolverem uma atividade de pesquisa que acompanhou toda a sua
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trajetória de formação e culminou com a apresentação de um produto final, relevante
para as suas comunidades. Esta proposta de formação, voltada para o envolvimento
dos/as professores/as indígenas na investigação de temas relevantes para o contexto da
aldeia em que vivem, contribuiu para a reafirmação de seus saberes e tradições étnico-
culturais, liberando a sua criatividade sociocultural, como apontou Gasché (2013).
Cada um dos quatro professores da aldeia Muã Mimatxi que cursaram o FIEI
desenvolveu um projeto de investigação que tinha em comum a sua relevância
comunitária e a sistematização do conhecimento tradicional do povo Pataxó. Duteran
investigou a língua Pataxó; Siuê, os jogos matemáticos e Sarah, os mitos e histórias
tradicionais. Kanatyo, apesar de mencionar em sua narrativa a pesquisa sobre o grupo
Pataxó da aldeia Muã Mimatxi, destacou especialmente o projeto do Calendário
Socioecológico que, após o curso, foi escolhido para orientar a proposta pedagógica da
escola.
Acerca destas pesquisas desenvolvidas no FIEI, apresentamos algumas falas desses/as
professores/as:
E também a outra coisa que foi boa foi quando chegou nos percursos, nos percursos acadêmicos. Cada (professor) ia escolher um tema para estar
trabalhando e no final do curso apresentar. Eu fiquei com um para estar
fazendo um livrinho com minha mãe, com as histórias que ela lembrava, os
mitos, as histórias de vida dela, porque aqui na aldeia ela é uma das mais
velhas. Então, assim, eles ficavam observando que ela estava esquecendo
muita coisa, muitas histórias que ela contava quando eu era criança, que eu
lembrava. Quando eu pergunto hoje, muita coisa ela já esqueceu. Falei assim:
acho que vou pegar essa parte que é da minha área para estar pesquisando
junto com ela. E aí eu comecei a trabalhar nesse percurso, que no final deu
um livrinho e um DVD, um CD ROM com as histórias (Sarah).
E aí durante esse percurso a gente veio tentando trabalhar esse conhecimento, esse conhecimento da própria atividade da vida, tentando trabalhar e
desenvolver algumas atividades, desenvolver algum projeto como o que a
gente concluiu no curso. Cada um fez o seu projeto, e cada um de nós fez o
que tava na cabeça naquele momento. Então eu puxei pra fazer um resgate
desse grupo aqui da aldeia Pataxó, que é um grupo assim específico que vem
fugindo dessa questão do jeito de vida de outras comunidades (Kanatyo).
O maior aprendizado que eu tive, o maior conhecimento que eu peguei, que
eu consegui trazer da faculdade pra cá e pra mim, foi esse trabalho, essa
questão da língua, que até hoje eu trabalho muito com os meninos, procuro
sempre estar trabalhando com eles na sala, na escola (Duteran).
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Esta perspectiva de trabalhar com projetos sociais demandados pela comunidade
encontrou grande ressonância entre os/as professores/as pela possibilidade de se
articular aos interesses da escola e da aldeia, no atual contexto de vida daquele povo.
Perceberam os Percursos Acadêmicos como uma oportunidade interessante de pesquisar
e contar sua própria história. Ao vivenciarem durante o curso processos de investigação
relevantes para a comunidade em que vivem, estes/as professores/as Pataxó puderam
dar visibilidade as suas lógicas culturais, saberes e valores tradicionais, transformando
os Percursos Acadêmicos em caminhos fecundos para o diálogo intercultural.
Tais projetos de investigação apareceram nas narrativas desses/as professores/as Pataxó
como uma das aprendizagens mais relevantes adquiridas no curso. Isto porque coincidiu
com um gosto especial por este tipo de investigação proposta no curso, que acompanha
as dinâmicas da prática social e busca soluções para os problemas da comunidade,
transformando-os em sujeitos conhecedores da sua realidade.
A proposta de formar professores indígenas pesquisadores de sua própria realidade e de
colocar a investigação ao serviço dos projetos de vida da comunidade permitiu que,
após um longo processo de imposição cultural, pudessem recuperar seus
conhecimentos, sua língua, suas músicas e danças, seus mitos, conforme destacou
Palechor Arévalo (2010). Além disso, os projetos de investigação propostos e iniciados
durante o curso resultaram em produtos e materiais didático-pedagógicos que estão
sendo utilizados na escola e trazendo importantes contribuições para a vida coletiva da
aldeia. E, ainda, lhes abriram a possibilidade de, após a conclusão do curso,
continuarem produzindo novas investigações, de maneira autônoma ou com novas
formas de colaboração intercultural, como discutiremos adiante.
Entre os produtos que resultaram dos projetos de investigação iniciados e desenvolvidos
durante o FIEI, podemos mencionar os jogos e brincadeiras construídos no projeto do
Siuê, com previsão de publicação com recursos do Prêmio de Cultura Indígena5; o livro
de histórias e o CD com o registro das histórias da mãe de Sarah, a mais velha da
5 No projeto da aldeia, intitulado “O tempo da escola e o tempo da vida”, premiado na edição de 2006,
aparece a seguinte referência aos jogos: “Os jogos e as brincadeiras sempre eram realizadas no terreiro da
aldeia e nos rios. Os jogos eram feitos com frutas e outras coisas da natureza”. Ver: PRÊMIO
CULTURAS INDÍGENAS. São Paulo: Sesc, 2007, p. 265. Disponível em:
<http://es.scribd.com/doc/106378185/Catalogo-Premio-Culturas-Indigenas-2006-Edicao-Angelo-Creta>
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comunidade, que resultaram da sua pesquisa; o projeto de recuperação da língua Pataxó
desenvolvido por Duteran, cujos vocábulos têm sido utilizados em sala de aula com os
alunos. Podemos considerar o Calendário Socioecológico6 como outro desses produtos,
um instrumento apresentado em uma disciplina do FIEI, por professores ligados ao
Observatório de Educação Escolar Indígena (OEEI), da UFMG.
Não será possível aprofundar aqui o modo como o Calendário Socioecológico foi
apropriado e recontextualizado nas práticas “interculturais” desenvolvidas na escola.
Dada a sua relevância, este tema merece ser explorado em outra oportunidade, no
entanto, podemos afirmar que a significação atribuída a ele por esse grupo de
professores/as parece encontrar fundamento na história coletiva e na cosmologia dos
Pataxó. Como apontou Kohler (2007), o histórico de migrações familiares e concepções
cosmológicas muito antigas e enraizadas orientam as representações do mundo e uma
maneira de pensar a temporalidade, utilizando-se categorias espaciais. No aspecto
cosmológico, o autor se refere, especialmente, ao mito dos Baquirá, no qual o tempo
mitológico é, sobretudo, o espaço de um mundo subterrâneo, cujas camadas sucessivas
ordenam uma temporalidade distante, anterior à chegada dos Pataxó ao seu território
atual.
(...) Um dos projetos é o calendário do mundo, da vivência e da vida, que até
hoje a gente trabalha. Inclusive, nós estamos trabalhando na escola com um
tempo que nós vamos colocar no calendário que é o tempo que nós batizamos
e sentimos que é o Tempo das Águas Claras. Depois desse tempo, (vem o tempo) da turbulência, o tempo de 1500 pra cá, é o tempo da agressão, da
destruição da natureza, das guerras, essas coisas aí, então, esse tempo nós não
queremos trabalhar com ele no momento agora. Nós estamos voltando lá
atrás nesse tempo das águas claras, tentando fortalecer nosso espírito, nossa
mente, nossa cultura. Então, nós estamos mapeando esse mundo aí,
mapeando esse mundo mítico Pataxó. (...) O conhecimento tradicional parte
daí. Nós estamos desenvolvendo, fazendo mapas, essas coisas... Desde
quando nós estávamos quase fechando o curso que a gente vem trabalhando
isso aí, a gente vem tentando trocar experiências e tentando fazer esse
material. Dentro disso aí, nós desenvolvemos nossa educação. A espinha do
peixe (da nossa educação), como diz a Márcia Spyer7, é esse calendário que
estamos trabalhando com ele, é uma coisa que a gente vai continuar. (...) A nossa escola é uma escola diferenciada, os materiais vão ser todos elaborados
com as crianças e também com a comunidade (Kanatyo).
6 O Calendário Socioecológico é um método de organização e apresentação de resultados do Método
Indutivo Intercultural, desenvolvido por María Bertely Busquets e Jorge Gasché. Fundamentado na
revalorização e inclusão dos saberes e do saber-fazer indígenas, este instrumento se insere em uma
proposta alternativa de currículo para a formação de professores indígenas em nível superior,
experimentada desde 1988 em países como Perú, México e Brasil (SILVA, 2012; GASCHÉ, 2013). 7 Márcia Spyer foi coordenadora geral do FIEI e é responsável por muitas das ideias inovadoras colocadas
em prática no currículo deste curso, entre elas, a dos Percursos Acadêmicos. Ver Pádua e Veas (2013).
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Como se pode ver, este instrumento do Calendário Socioecológico foi atualizado e
recontextualizado, permitindo articular, nas práticas escolares, concepções próprias de
conhecimento, exercício da pesquisa como projeto permanente e ligada a prática social,
que os ajuda a repensar a sua relação com o mundo e a produzir seus projetos de futuro.
Escola indígena e formação do pesquisador
As práticas desenvolvidas hoje na escola indígena da aldeia Muã Mimatxi, na medida
em que construídas em um contexto de diálogo e de colaboração, podem ser
consideradas como fundamentalmente interculturais. Resultam de múltiplas influências
formadoras, porém, “emaranhadas por um pensamento próprio”, como nas palavras de
Rappaport e Pacho (2005). Quando analisada a partir de dentro e na perspectiva deles,
ela é um híbrido criativo de transformações, cujas influências “estrangeiras” são sempre
digeridas e deslocadas para assumir funções que os próprios índios lhe atribuem, como
sugeriu Franchetto (2010).
A perspectiva fenomenológica nos ajuda a compreender esta capacidade de transformar
o que vem de fora em coisas próprias, usando para isso categorias de “dentro”, como
ressaltou Viegas (2007). Considerando a existência no mundo um processo
intersubjetivo, nossas experiências e significações se constroem na interseção e
entrelaçamento com os outros, cujas relações, agenciadas pelo sujeito, constituem a vida
social como um processo incessante e um campo permanente de criatividade e de
reconfiguração.
A formação para a pesquisa, apresentada no FIEI, teve um imenso sucesso para esse
grupo de professores, que assumem o papel de mediadores entre o mundo da aldeia e o
dos “brancos”. Estes/as professores/as indígenas contam com o reconhecimento da
comunidade e a capacidade de relação com o Estado e, tendo conquistado esta
habilidade de transitar entre os dois mundos, conseguem imprimir na escola suas
concepções de conhecimento como projeto e de formação como pesquisa permanente.
Para eles, formar pesquisadores é aprender/ensinar a pensar por si próprio para servir à
vida coletiva; é atribuir sentido ao mundo; é aprender a transformar o que vem de fora
em coisas próprias. Por conceberem o conhecimento como projeto e construção
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permanente, que nunca está pronto, e que produz continuamente transformações na vida
coletiva, as pesquisas propostas nos Percursos Acadêmicos do FIEI tiveram grande
ressonância nesse grupo de professores da aldeia Muã Mimatxi.
Dessa forma, estes/as professores/as parecem estar conseguindo construir uma escola
que segue os interesses e ritmos da vida comunitária. Eles expressaram em suas
narrativas uma expectativa de que a escola os ajude a sistematizar os conhecimentos
antes guardados apenas “na cabeça” e na memória dos mais velhos; que contribua para
restabelecer uma relação com a terra, de modo a recuperar o seu “sopro vital” e seu
“princípio de fertilidade” (ALBERT, 2000) e que estimule a pesquisa como uma prática
permanente, capaz de produzir novas relações sociais e ao, mesmo, garantir a sua
reprodução social. É o que podemos apreender da narrativa de Liça, professora de Uso
do Território.
Também com essa vida, hoje tem outros ensinamentos também, já tem o
ensinamento da escrita, da escola. A gente só tem a escrita na cabeça, como eu, eu mesmo só tenho na cabeça. Eu só tenho na cabeça. Em escrita, eu não
tenho, como assim os mais velhos mesmo. É como hoje, vocês estão com
essa coisa aí, é como hoje, está aí com esse negócio [o gravador] na mão, vai
pegando pra ser uma memória pra você guardar e depois escrever. A minha
está na cabeça. Então, como eu falei, em relação ao mundo de hoje, da
escrita, do lápis, da caneta, hoje ela pode ser oral, pode ser prática e pode ser
também escola. Como eu mesmo, não trabalho com a escrita, mas pelo
desenho, eu faço o desenho e tudo ali, e trabalho com a terra, com a pesquisa,
se for andando, se for olhando, se for observando. Com os alunos, eu busco
ali o desenho, levo e explico pra eles. Nós fazemos no campo também, nós
fazemos a limpeza do espaço da aldeia. Eu trabalho com as crianças também. Eu vejo que a gente pode estar registrando esse modo de vida tradicional
Pataxó também, que ele possa ficar registrado. Hoje também já tem já esse
espaço ocupado pelas crianças da aldeia, como tem a escola. Não sei se você
está entendendo o que eu estou falando, a gente hoje tem esse espaço, as
crianças com o professor no horário de estar na escola. Já é um outro lado
também de estar trabalhando para a sobrevivência. Aí estão os pais, os
alunos, tudo nesse horário na escola. Nesse horário, eles podem estar fazendo
na casa deles, mas também no trabalho desse ensinamento é muito bom,
dentro da educação da escola, pra não ficar igual nós. Porque muita coisa
hoje vai acabando, vai também finalizando e a cultura também [pode]
desaparecer, pra não deixar acabar o nosso costume mesmo, eu acho assim
uma experiência de vida desse outro lado também que é muito bom.
Então, pra gente, [a escola] também é um bom incentivo. Tudo hoje dessa
saúde da terra, de toda a vida da terra. Eu falo de gente, e vocês falam ser humano, eu falo de gente, de bicho, de animais, de inseto, de planta... Tudo é
vida. Essa vida toda é incentivo para o mundo da terra, pra poder ajudar essas
coisas a viver, essas vidas que tem na terra junto conosco. Não somos só nós
que temos vida. Tudo é vida: os insetos, as formigas. Então, por isso
incentivamos as nossas crianças, pra quando elas crescerem incentivarem
também lá fora. Através da escrita, às vezes também faz um texto, um
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desenho. A gente fala o que a gente está sofrendo. Então, é pra isso também,
hoje tudo é através de que? Do ensinamento, da educação da escola. A gente
vê muita luta, uns pela vida da terra, os outros vem e destrói. Por isso que
hoje a terra está assim, ainda mais nós aqui que já pegamos uma terra
cansada, doente, envenenada. Então, pra nós é muito bom o conhecimento
também, nos ensina a cuidar dos insetos, a não colocar veneno, a não destruir
o que já tem, a ajudar o que tem e o que a gente também pode estar
retribuindo assim pra natureza também. É por esse motivo também, eles [os
não índios] não estão mais olhando a vida assim, eles estão destruindo, sujando as águas, botando veneno em terra, cavando terra e mais terra de
máquina, trator... Saber manter essa cultura nossa. A nossa cultura está
preservando mais a terra. Quando nós chegamos aqui mesmo, só tinha lixo,
esse espaço todo estava cheio de lixo. Aí nós pegamos e fomos limpando, os
professores mesmo, limpamos e já incentivando os meninos também pra não
fazer essas coisas, para preservar o que tem. E isso eu acho muito bom!
O interesse demonstrado pela pesquisa permanente, voltada para a sistematização das
tradições e para a observação detalhada e minuciosa sobre tudo o que se se vê e se ouve
(CUNHA E ALMEIDA, 2002), apontam para uma relação diferenciada com a produção
do conhecimento e com práticas que hoje denominam de “interculturais”. A escola
tornou-se um lugar de “cultura”, no qual exercitam uma concepção de ensino como
pesquisa, que os permite pensar por si próprios as questões fundamentais da vida
coletiva, colocadas nesse atual contexto histórico.
Como proposto no curso de formação intercultural, a pesquisa se articula aos projetos
sociais da comunidade e tem um sentido prático, de gerar produtos que interessam a
vida coletiva. Por isso, foi trazida hoje para a escola indígena, para sistematizar “a
cultura” e os conhecimentos dos mais velhos, para restabelecer uma relação com a terra
que foi se perdendo nos percursos de vida do grupo; para recuperar seus mitos e
tradições, para recuperar suas lógicas tradicionais de relação com o tempo e o espaço.
Assim, o conhecimento produzido na escola é capaz de gerar frutos para melhorar a
vida coletiva.
Conforme ressaltaram Cunha e Almeida (2002), a vinculação do saber com a prática é
uma característica dos conhecimentos tradicionais, estando a serviço dela, sendo o
exercício de atividades práticas crucial para a sua manutenção, transmissão e ampliação.
Nesta perspectiva podemos compreender a importância dos produtos e materiais
didático-pedagógicos gerados pelas pesquisas iniciadas nos Percursos Acadêmicos do
FIEI.
11
Então, temos alguns projetos como, por exemplo, a produção de material. A
gente percebeu que a gente nunca teve um material que correspondesse com a
nossa demanda, com a nossa visão de educação, de história. Então, a gente
sempre produz (materiais) no dia a dia com as crianças (Kanatyo).
Sarah também destacou esse aspecto de trabalho de produção de materiais didáticos
como resultado das pesquisas desenvolvidas no FIEI: “Então cada um ficou com (um
tema) que no final transformou num produto, que é para deixar assim na escolinha, para
a gente estar trabalhando com os alunos”.
Para a gente estar desenvolvendo esse trabalho, a gente desenvolveu alguns
materiais para os alunos na escola, material didático que foi desenvolvido.
Acho que isso foi um ponto muito bom, essa construção do material e
também a construção de projetos para os alunos, junto com os outros
professores de lá, não índios. Eles traziam experiências pra gente ir
trabalhando e a gente também já fazia o que estava no pensamento da gente, da nossa escolinha, dos outros professores, o que a gente pensava de estar
organizando. Vamos fazer esse trabalho, vamos fazer esse calendário, vamos
fazer essa apostila, aí a gente já tinha também um apoio das pessoas de lá da
faculdade, dos professores. Aí a gente desenvolvia também, ou eles vinham
para cá e faziam oficina aqui para a gente e a gente ia construindo esse
material. Então, aconteceu isso também e eu acho que foi muito bom, porque
desenvolveu esse trabalho com os alunos. (A gente) também trabalhava
quando eles vinham para cá desenvolver com a gente. A gente trabalhava
aqui junto com os alunos. Os alunos é que são os autores desses livros, desses
calendários, que vão estar saindo aí. (Sarah)
Nas pesquisas iniciadas no FIEI, algumas envolveram mais diretamente os alunos na
sua elaboração, como a de Siuê, que resultou na produção de 20 jogos, nos quais “os
desenhos são todos das crianças”. Este professor relata que o trabalho começou
envolvendo inicialmente uma turma de 12 alunos/as da escola, com o pensamento de
que “cada um vai ter uma participação nesse projeto, porque eu não quero fazer essa
coisa sozinho, quero levar as suas vozes também pra lá. Então, criancinha que tava com
seis anos, iniciando na escola, já começou com essa tarefa de fazer um joguinho”. O
projeto contou também com a participação das pessoas mais velhas da comunidade: “a
gente levou o mais velho pra escola pra contar a história” e, segundo o seu relato, foi
assim que a ideia foi amadurecendo. Sarah conta que sua pesquisa envolveu os alunos
em apenas um momento, quando aproveitou para registrar em filme para entrar no
trabalho:
a gente teve com os alunos foi na hora da contação de história, teve com os
meninos contando histórias, ficaram ouvindo depois colocamos alguns alunos
também para contar para ver quem que era, quem são os futuros contadores
de história aqui da aldeia, aí teve a participação dela e dos alunos, que era
para a gente filmar.
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Esta professora mencionou a continuidade desse trabalho hoje na escola, com a
produção de cartilhas, vídeos e livros, envolvendo um trabalho coletivo de alunos e
professores na discussão de certos temas, mostrando a sua relevância em suas
concepções de conhecimento e representações do mundo.
Igual assim, trabalhar a terra, o trabalho que a gente faz com a terra, a gente
vai transformar isso em uma cartilha ou em um vídeo ou em livrinho. A gente (...) tira uma semana só para trabalhar nisso, ou três dias da semana, a gente
organiza todos os professores, todos os alunos, aluno que não sabe escrever já
desenha e depois monta todo mundo junto. Assim também com os
conhecimentos que vem aí, a gente trabalha a escrita e nessa hora que a gente
vai ver também os alunos, se eles estão escrevendo bem, se estão sabendo
escrever nessas horas. E tem as outras aulas também que a gente trabalha o
conhecimento de fora (Sarah).
Como se pode ver nessas narrativas, para esses/as professores/as Pataxó, a escola é parte
do mundo e não desligada dele. E o conhecimento se produz no diálogo com os outros,
por meio de práticas interculturais. O conceito de interculturalidade foi apropriado para
produzir processos coletivos e permanentes de aprendizagem, como uma forma de
interligar conhecimentos de origens diversas: disciplinas diferentes, gerações diferentes,
culturas diferentes. Interculturalidade se apresenta para eles como trilhas de relações,
com os “outros” e com o conhecimento, que precisam ser permanentemente ativadas
para produzir a história como um processo contínuo de transformações.8
Quando a gente iniciou a gente (...) dava aula assim do nosso jeito. Por
exemplo, o professor fazia o plano dele de aula lá e eu fazia o meu de cá e
aquela coisa toda, assim, mais ou menos quase individual, quando a gente
reunia no sábado para discutir o que estava se passando. E (...) a gente foi
montando durante o curso a nossa proposta, (...) um pequeno livreto da forma
que a gente pensa a escola, a gente também fez um calendário. A gente foi
montando o nosso próprio jeito de viver e de trabalhar no tempo da escola.
Então, a gente foi montando esses (materiais), a gente pode colocar até como
parâmetros de matriz formadora para as crianças. Por exemplo, o que a gente
vive e o que isso tem a ver com o conhecimento escolar, pra gente aplicar para os meninos. Então, a gente foi amadurecendo a nossa ideia. Hoje a gente
está com a ideia mais sólida de educação específica e diferenciada que a
gente quer (Siuê).
Nesta perspectiva, o curso trouxe muitas contribuições para o trabalho desenvolvido na
escola, fertilizando os modos próprios de pensar Pataxó com as novas ideias que
resultam da formação intercultural que receberam e fortalecendo o trabalho coletivo que
8 Dada a relevância também dessa temática na pesquisa, será objeto de outro artigo.
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estes/as professores/as desenvolvem hoje na escola. Todo este trabalho, no entanto,
resulta de uma colaboração intercultural entre “os de cá e os de lá”, ou seja, os
professores da aldeia e os professores universitários do FIEI.
Foi assim, daqui, com o apoio de lá, porque foi de lá que foi desenvolvendo
nos intermódulos, com o apoio da nossa orientadora que era a Lucinha e da
Márcia que nos acompanhou. Aí falavam: vão levando isso, vão fazer,
entendeu? Vai ser o nosso projeto pedagógico, assim com a ajuda delas, mas
foi criado aqui. Só que assim pra construir o material, pra poder ajudar a
escrever, pra organizar, foi dentro do curso (Sarah).
Nesta mesma direção, Kanatyo afirma:
os nossos especialistas são os professores indígenas, esses formadores, mas a
metade dessa interculturalidade se aprende lá, (e a outra) se aprende cá.
Então, se aprende lá e cá. Tem coisa que se aprende lá, mas tem coisa que se aprende aqui e não se aprende nunca lá.
Assim, podemos dizer que o FIEI permitiu a este grupo de professores Pataxó articular
“o conhecimento tanto daqui e lá de fora”, estimulando a investigação de seus próprios
saberes tradicionais e incorporando, recontextualizando e ressignificando os
conhecimentos adquiridos nas experiências propiciadas pelo curso. Assim, possibilitou
o fluxo de relações, saberes e conhecimentos entre mundos e culturas distintos, por
meio da apropriação e reinterpretação criativa, como ressaltou Tassinari (2001).
A riqueza dessas trocas aponta para possibilidades de continuidade dessa colaboração e
assessoria dos não-índios, após a conclusão do curso. Entretanto, Kanatyo se queixa
que, após a conclusão do FIEI, “ninguém se encontra mais não, acabou esse contato
com os outros aí”, embora considere a continuidade desse trabalho “muito importante,
porque abre uma porta de diálogo intercultural pra outras direções também”.
Potencialidades a serem exploradas em redes de colaboração
Pudemos perceber nas narrativas desses/as professores/as múltiplas potencialidades
desencadeadas no processo de formação inicial, com variadas possibilidades de
aplicação dos conhecimentos produzidos na vida da aldeia e da escola, apontando um
campo fértil para novos projetos colaborativos.
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Na aldeia Muã Mimatxi, o movimento de revitalização da “cultura” parece estar abrindo
ricas possibilidades e não apenas para a aldeia. Os jogos produzidos por Siuê como
material didático, por exemplo, aponta também um campo fértil para a ampliação do
diálogo da educação indígena com universidades e escolas, disponibilizando esse tipo
de materiais também para a formação de crianças, jovens e professores/as não-índios.
Apesar da vitalidade do movimento de valorização da “cultura” impulsionado pela
escola diferenciada, há sempre um risco de reificação da cultura, de apagamento do seu
caráter dinâmico e múltiplo e das variações nas manifestações dos conhecimentos
tradicionais (GALLOIS, SZMRECSANYI e WAJÃPI, 2013). Por isso, Grupioni (2013)
chamou a atenção para a necessidade de um processo continuado e mais sistemático de
formação de professores e de pesquisadores indígenas, que conte com a colaboração de
equipes interculturais e interdisciplinares e com a participação fundamental de
antropólogos.
Nesta direção, podemos citar os projetos “Saberes Wajãpi”, coordenado por Dominique
Gallois (GALLOIS, SZMRECSANYI e WAJÃPI, 2013) e “Bases para um programa de
pesquisas interculturais e fortalecimento do conhecimento tradicional”, coordenado por
Manuela Carneiro da Cunha (RIBEIRO, 2013), que propõem a cooperação entre os
cientistas acadêmicos e os “conhecedores tradicionais”. Programas colaborativos de
formação de pesquisadores indígenas e de fortalecimento do conhecimento tradicional
como estes podem oferecer contribuições decisivas no sentido de desvelar a diversidade
de lógicas subjacentes às dinâmicas de produção de conhecimento e da cultura
(CUNHA, 2009).
A complexidade dos processos de registro e sistematização dos conhecimentos dos mais
velhos e de produção de materiais didáticos próprios vem exigindo tempos mais
alargados do que os exíguos tempos da formação inicial de educadores indígenas, assim
como colaboração e assessoria antropológica em projetos continuados de formação
intercultural de pesquisadores indígenas. Diante da enorme demanda gerada pela
expansão da formação superior de professores indígenas, tornam-se cada vez mais
necessários trabalhos colaborativos e dialógicos de assessoria para apoiar os projetos
locais de sistematização de conhecimentos tradicionais, registro de tradições orais e
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produção de materiais didáticos, desenvolvidos na escola indígena (GRUPIONI, 2013;
GALLOIS, SZMRECSANYI e WAJÃPI, 2013).
Outra demanda apresentada por Kanatyo, refere-se aos projetos relacionados ao uso do
território, que deseja ver incorporados à escola indígena. Ele acredita que a escola
poderia engajar mais os alunos em atividades como “plantar muda, fazer horta”,
“alguma coisa assim que tem relação com a vida das crianças e com as famílias” e,
assim, servir melhor à comunidade. Segundo ele, se a escola incentivar o trabalho dos
alunos com a terra, com o plantio, com a capina da roça, e fizer isso de uma maneira
organizada, poderia gerar aprendizagens importantes e muitos conhecimentos sobre a
terra, sobre a natureza e sobre a sua importância na vida coletiva. Na sua concepção, a
escola “tem que ser … fazer parte da nossa vida”.
Esta proposta representa outro campo para pesquisas colaborativas e formação
continuada de professores/as e agentes comunitários, propostas em redes de
pesquisadores acadêmicos, organizações não-governamentais e associações indígenas,
que apoiem as comunidades indígenas no reconhecimento e sistematização de práticas
tradicionais de conviver com o território e na formulação de novas perspectivas para
outros modos de viver. É o que vem sendo realizado em Roraima, por exemplo, no
projeto piloto “Makuchana: em busca da autonomia e sustentabilidade das terras
indígenas do Taiano”, no qual equipes multidisciplinares de assessoria a comunidades
indígenas contribuem para a busca de autonomia econômica e de alternativas
sustentáveis em Terras Indígenas.9
Podemos destacar também o estímulo à participação de agentes agroflorestais e de
saúde no âmbito escolar, como parte das ações de assessoria às comunidades indígenas,
como proposto pela Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/AC), como apontou Weber
(2006). Segundo esta autora, isto pode ampliar as oportunidades de socialização de
conhecimentos transmitidos nos cursos e oficinas de formação, reforçando a escola
como espaço de transmissão de conhecimentos práticos e ligados à vida cotidiana.
9 Ver: GOMES, Selma; KLEIN, Tatiane e SANTOS, Tiago Moreira dos (Eds.). Makuchana: em busca da
autonomia e sustentabilidade das terras indígenas do Taiano. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2013.
Disponível em: http://www.socioambiental.org/pt-br/o-isa/publicacoes/makuchana-em-busca-da-
autonomia-e-sustentabilidade-das-terras-indigenas-do-taiano.
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Todos estes movimentos - sistematização de saberes tradicionais, produção de materiais
didático-pedagógicos e busca de alternativas locais de uso do território - parecem exigir
a continuidade da formação de professores/as indígenas, para assessorar projetos que
podem fortalecer pontes entre o conhecimento prático e o que se aprende na escola
(RIBEIRO, 2013). No caso da aldeia Muã Mimatxi, a riqueza dos projetos e pesquisas
iniciados no FIEI indicam possibilidades de novas parcerias e projetos colaborativos,
considerando-se uma perspectiva temporal muito mais ampla do que aquelas oferecidas
na formação inicial.
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