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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 6673
ESCOLA NOVA E O ENSINO COMERCIAL NO BRASIL: OS IDEAIS DA ESCOLA NOVA E O ENSINO COMERCIAL NO BRASIL NA DÉCADA DE 30
Antonio Carlos Gomes Junior1
Introdução
A contabilidade é um dos ramos mais antigos e tradicionais do campo das ciências
sociais. Um conhecimento que originou desde tempos remotos com a ação do homem em seu
cotidiano impregnado de instintos de preservação e sobrevivência.
Contribui o autor PADOVEZE quando escreve:
Em termos históricos, registros indicam que a Ciência Contábil praticamente surgiu com o advento da civilização. Com a sedentarização da humanidade e a capacidade do homem de armazenar bens, nasceu a necessidade de controle desses bens. Há evidências históricas de registros contábeis na civilização dos sumérios, babilônios, assírios, egípcios, hebreus, gregos etc (PADOVEZE, 2004, p.41).
Assim, estabelece-se uma relação da contabilidade com a história da civilização
humana.
Em tempos mais recentes, esses conhecimentos de contabilidade foram assimilados,
aplicados e aperfeiçoados pelos europeus com a expansão e intensificação das grandes
navegações marítimas. Dessa forma, com as rotas marítimas intensificaram-se a formação,
crescimento e expansão dos grandes comércios e, ao mesmo tempo, a necessidade de
acompanhamento e controle destes negócios.
Desse caminho da contabilidade originado da prática produtiva do homem na sua
dimensão econômica segue-se, de forma concomitante, o seu ensino. E, neste caminhar, o seu
ensino teceu a sua história e que, muitas vezes, revendo a sua memória, ainda nos permite,
alguma interlocução e , talvez até, possibilitar e contribuir em estabelecer alguma relação
com a atualidade.
1 Doutor em Educação pela UNIMEP. Professor Associado na Divisão de Ensino na Academia da Força Aérea AFA em Pirassununga SP no curso de Formação de Oficiais do Comando da Aeronáutica do Ministério da Defesa. E-Mail: [acgomesjr@uol.com.br].
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Dessa forma, nesta perspectiva, este estudo propõe a um recorte temporal do tempo
mais recente deste caminhar no campo do ensino comercial contábil no Brasil. E, assim, a
investigar possíveis indícios de alguma repercussão do ideário do movimento na educação
brasileira chamado de Escola Nova nesta modalidade de ensino.
Para a continuidade deste estudo, o ensino comercial de contabilidade no Brasil
inserido no quadro dos cursos comerciais foi o que mais se desenvolveu.
Para tanto, este trabalho encaminha-se a uma pesquisa de revisão e análise
bibliográfica numa perspectiva histórica da constituição do campo do ensino profissional
comercial de contabilidade no Brasil (SILVA, 2003). Assim, em uma expectativa de se
estabelecer alguma relação com a contemporaneidade. E, ainda, nesta proposta,
constituindo-se como pano de fundo o tempo cronológico e os diplomas legais referentes à
sua oficialidade.
Conforme escrevem os autores Cervo & Bervian:
A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou como parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema (CERVO & BERVIAN, 2002, p.65).
Dessa forma, neste encaminhamento, um estudo no campo histórico da educação
brasileira desenvolvendo uma releitura do passado com objetivo de descobrir possíveis
generalizações interessantes para compreender o presente e até propor alguma predição
futura (ALVARENGA & ROSA, 1999).
Este trabalho justifica-se com apoio dos autores Kettle, Santos & Marion quando
escrevem:
Os estudos com ênfase na historiografia representam pesquisas que visam dar sentido e clarificação à finalidade da contabilidade como ciência e a sua importância para a humanidade desde os tempos mais remotos até os dias atuais (KETTLE, SANTOS & MARION, 2016, p.79).
O ensino comercial de contabilidade no Brasil teve seu primeiro reconhecimento e
oficialização pelo poder público no ano de 1905. Desta data em diante, inicia seu processo de
expansão e atinge a maturidade na década de 40 do século 20 (WEREBE, 1970).
Ocupou em importância, a segunda posição no quadro da educação secundária
(MAGELA NETO, 2002). O ensino comercial de contabilidade em período anterior era livre,
originado de iniciativa particular e, assim, sem organização e reconhecimento oficial. Esta
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condição lembra os cursos profissionalizantes de corte e costura, datilografia, caligrafia entre
outros.
Enfim, esta proposta de estudo é um convite a uma viagem no tempo e na memória do
ensino da contabilidade brasileira. E, em tentativa não descritiva, de conhecer e resgatar
aspectos dessa história das suas primeiras experiências que, de alguma forma, contribuíram
ao seu atual estágio e, talvez, instigando aos desafios para o futuro.
Desenvolvimento
Os primeiros movimentos do ensino comercial de contabilidade no Brasil foram com a
chegada da família Real em terras brasileiras no ano de 1808 com as Aulas de Comércio no
Rio de Janeiro em 1809 (ROSELLA; PETRUCCI; PELEIAS; HOFER, 2006).
Tratava-se de uma cadeira com o nome de “Aula Prática” que mais tarde passou a
chamar de “Aula de Comércio” com a finalidade de difundir a prática das principais
operações da atividade comercial e organização ou arrumação de livros.
O autor SÁ escreve que:
As referidas “aulas” ou “escolas de comércio” existiram em razão do que o governo estabelecera em lei em 1809 (Alvará), quando também criou um Tribunal de Contas que passou a formar a Contadoria do Reino no Brasil. Como a determinação do rei determinava que só pessoal habilitado devia compor a instituição referida, também a seguir passou a criar a regulamentação de cursos regulares de preparação contábil e pertinente às necessidades de tal desempenho (SÁ, 2008, p.66).
No contexto de incremento das atividades do setor público quanto das atividades
comerciais particulares, que requisitava nesta época um quadro de pessoal formado e
preparado para a demanda destes tempos.
Mas, o primeiro reconhecimento oficial do ensino profissional comercial de
contabilidade brasileiro ocorreu no período político republicano no ano de 1905.
Trata-se do Decreto nº 1.339, de 9/01/1905 – DOU de 11/01/1905, que declara de
utilidade pública a escola Academia de Comércio do Rio de Janeiro e reconhece seus
diplomas como de caráter oficial (VIEIRA, 1957).
Assim, com esta regulamentação e oficialização de 1905, de iniciativa do Congresso
Nacional, no governo de Rodrigues Alves (mandato 1902/1906), passam a ser reconhecidos
oficialmente os diplomas expedidos pelas escolas Academia de Comércio do Rio de Janeiro
(atual Universidade Cândido Mendes) e extensivo à Escola Prática de Comércio de São Paulo
(atual Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado - FECAP) na cidade de São Paulo.
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Estas duas escolas de comércio de origem particular foram fundadas em 1902. Os seus
diplomas passaram a ser reconhecidos oficialmente. Assim, com esta oficialidade tornaram-
se escolas de referência nacional no ensino comercial brasileiro.
Esta oficialidade marca o ensino comercial de contabilidade no Brasil que firma sendo
comuns as iniciativas deste ensino ligadas ao setor privado ou particular e o setor público
com a presença de reconhecer, legislar e normatizar (CARVALHO, 1965).
Até então, o ensino de contabilidade era prático e livre e Manoel Marques de Carvalho
em seu artigo Situação Atual e Tendências do Ensino técnico Comercial no Brasil escreve
que: “Foi a iniciativa privada que desenvolveu o ensino comercial no Brasil, mas coube ao
governo federal discipliná-lo, fixar normas para sua expansão” (MARQUES DE CARVALHO,
1965, p.83).
Quanto aos cursos de comércio destas escolas reconhecidas eram formados de dois
cursos comerciais. O primeiro, um preparatório ou geral, para formar profissionais com
atuação nas funções de guarda-livros, perito judicial (auxiliar da justiça) e empregos na
Fazenda Pública. O segundo curso como superior, em que o curso geral era preparatório, era
destinado a formar profissionais para atuação como agentes consulares e funcionários do
Ministério das Relações Exteriores, atuários de seguradoras, chefes de contabilidade de
bancos e grandes empresas comerciais.
Ainda, como repercussão desta oficialidade, essas escolas tornaram-se órgãos de
consulta do governo para temas ligados ao comércio e à indústria. Com autonomia de
estabelecer, além destes dois cursos oficiais e regulares, criar e manter aulas livres de
aperfeiçoamento. Aos portadores destes diplomas estavam dispensados de exames e
aprovação para o pleno exercício da profissão.
Portanto, pode-se aceitar que este diploma oficial de 1905 foi um marco e avanço na
história deste ensino.
Entre os fatos que contribuíram para este avanço, estão o desenvolvimento das relações
comerciais, suas regulamentações e normativas, questões tributárias, necessidades de
controle dos profissionais de contabilidade e sua formação.
Com o Decreto nº 4.724-A, de 23 de agosto de 1923, de iniciativa do poder executivo,
no governo de Artur da Silva Bernardes (mandato 1922/1926), implanta o regulamento do
ensino comercial. Este documento reconhece oficialmente todas as escolas de comércio e seus
diplomas expedidos, bem como, a fiscalização no cumprimento integral do regulamento em
vigor (VIEIRA, 1957).
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Para tanto, desde que os seus cursos e programas seguissem rigorosamente os mesmos
programas dos cursos de comércio das duas escolas de comércio reconhecidas e oficializadas
em 1905, ou seja, a Academia de Comércio do Rio de Janeiro e a Escola Prática de Comércio
de São Paulo.
Foi um fato positivo para este ensino quando outras escolas de comércio localizadas em
diversas regiões do país passaram a ter seus diplomas oficialmente reconhecidos. Tratava,
enfim, de uma valorização a este ensino.
Em seguida, com o Decreto nº 17.329, de 28/05/1926, de iniciativa do poder executivo,
governo de Artur Bernardes (1922-1926), implanta o regulamento para os estabelecimentos
de ensino comercial reconhecidos oficialmente pelo governo federal e respectivos programas
(VIEIRA, 1957).
Com o cumprimento integral obrigatório deste regulamento, as escolas de comércio
reconhecidas oficialmente, deveriam ter um curso geral com duração de quatro anos. E,
facultativamente, curso superior ou de especializações.
Este foi um fato isolado na educação brasileira quando naquele momento o governo
dispensa esse tratamento apenas para o ensino profissional comercial. Precisa-se atentar
para o fato de antes de um privilégio com este ensino, um reconhecimento, mesmo que
tardio, da necessidade de aperfeiçoamento da regulamentação a partir de 1905 para todo o
país.
Decisões tardias quando já tinha a existência do Código Comercial do Império do Brasil
(Lei nº 556, de 25 de junho de 1850) em vigor desde 1º/01/1851 que exigia dos comerciantes
devidamente habilitados a escrituração contábil uniforme das empresas e anualmente
balanço geral; a Associação dos Guarda-Livros da Corte de 1869; e, o Primeiro Congresso
Brasileiro de Contabilidade em 1924 (SÁ, 2008).
Mudanças nesta trajetória ocorreram no primeiro governo de Getúlio Vargas em 1930
com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública. Entra em vigor a Reforma
Francisco Campos com o Decreto nº 20.158, de 30/06/1931, que implanta a organização
geral do ensino comercial e a regulamentação da profissão de contador (VIEIRA, 1957).
Destaca-se com esta reforma um momento interessante em que esta trata da
centralização e normatização da educação brasileira em todos os seus ramos e extensivas a
todo o país. E, ao mesmo tempo, em que os ideais da Escola Nova já permeavam a educação
brasileira com seus pensadores e estudiosos.
Nesta perspectiva de organização e atualização do ensino comercial, o ministro
Francisco Campos, justifica-se segundo LOPES:
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A organização escolar foi feita para formar homens capazes de manejar as nossas empresas, participar do nosso processo econômico e dirigir para os seus grandes destinos a riqueza pública do Brasil. O ensino comercial tem, no Brasil, uma grande missão de aperfeiçoamento de métodos, de modos de trabalhar. Todos os processos de produção dependem dos processos dos que compram, vendem e distribuem e assim o ensino das diversas carreiras do comércio prepara o Brasil maior e mais próspero de amanhã. A reorganização do ensino comercial procurou aparelhar os futuros homens de comércio para a realização desse grande destino (LOPES, 1931, p.372).
Assim, com a reforma Francisco Campos, o ensino comercial brasileiro passou a ter a
seguinte composição: o Curso Propedêutico, os Cursos Técnicos (Secretário, Guarda-Livros,
Administrador-Vendedor, Atuário e Perito-Contador), o Curso de Nível Superior de
Administração e Finanças e o Curso Elementar de Auxiliar de Comércio (XAVIER, RIBEIRO
& NORONHA, 1994).
Para os concluintes dos cursos técnicos recebiam diplomas de Secretário, Guarda-
Livros, Administrador-Vendedor, Atuário e Perito-Contador e do curso superior de
Administração e Finanças o diploma de bacharel em Ciências Econômicas. Para os cursos
Propedêutico e Auxiliar de Comércio eram fornecidos certificados. Para o reconhecimento
oficial destas expedições, todas as escolas estavam obrigadas a atender o Decreto nº 20.158.
Ainda desta estrutura implantada com Francisco Campos ocorreu a regulamentação da
profissão contábil.
Em outro olhar, neste período o campo da educação estava influenciado pelo
movimento da Escola Nova. Foi um movimento na educação que buscava uma renovação no
cotidiano de todos os envolvidos no processo de educação atrelados às mudanças sociais da
época (GADOTTI, 2006).
Com origens na Europa e nos Estados Unidos no final do século XIX, propunha mudar
o rumo da educação tradicional, elitista, de cunho intelectual e livresco, permitindo espaços
para um sentido vivo e ativo, centrado no aluno ativo, este assumindo uma posição de
destaque no processo de aprendizagem (LUZURIAGA, 1985).
No Brasil este movimento da educação conseguiu adeptos, entre eles os nossos
intelectuais, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. Foi um momento de
perspectivas, esperanças e possibilidades da educação brasileira que ficou conhecido como
entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico (NAGLE, 1978).
Assim, com o Decreto 20.158, de 30/06/1931, em que o ministro Francisco Campos
adepto da Escola Nova, permitiu espaços para inovações (ARANHA, 2006).
Em seguida, foram publicados os seguintes documentos: “Instrucções sobre
Organisação e Fiscalização do Ensino Comercial”, de 27/11/1933 (ALMEIDA, 1937); e,
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também, “Instrucções sobre a fiscalização do Ensino Commercial – Circular Complementar”,
de 20/03/1934 (ALMEIDA, 1937).
Estes documentos foram emitidos pela então Superintendência do Ensino Comercial,
órgão responsável pela fiscalização do ensino comercial, subordinado diretamente ao
Ministério da Educação e Saúde Pública. Tratava-se de fiscalização de todas as escolas
comerciais conforme o padrão federal estabelecido.
Estes documentos foram assinados pelo então superintendente do Ensino Comercial,
Sr. Vitor Viana que abordavam todos os procedimentos e aspectos legais para o
reconhecimento oficial das escolas de comércio e seus cursos comerciais.
Entre inúmeras recomendações para o ensino comercial estava o laboratório:
ESCRITÓRIO-MODELO, com a proposta de reproduzir em sala de aula o ambiente do
mundo dos negócios em que o aluno assumia diversas empresas, tanto como, uma vez
proprietário e outra como colaborador.
Assim, o aluno assumia responsabilidades e desafios de resolver os problemas no
cotidiano desta administração. A proposta “não basta nas escolas, definir, dizer como se faz,
descrever: - é preciso fazer”. Reforça-se que o objetivo do Escritório-Modelo é um meio para
o processo ensino-aprendizagem capaz de provocar e enriquecer a estimulação e interesse
para o aluno (GAGNÉ, 1983).
Ainda ao longo destes documentos cita-se o estudioso belga das escolas profissionais
Omer Buyse (1891-1943) defensor do método “learning by doing - aprender fazendo/agindo”
para os cursos profissionais. Em suas idéias o seu pensamento dá ênfase no trabalho
experimental, curso teórico versus experimentos, reproduzindo a realidade (RCE, 2000).
A presença dos ideais da Escola Nova nesta modalidade de ensino confirma-se no
discurso proferido pelo ministro da Educação e Cultura, Clóvis Salgado, na abertura do II
Congresso Brasileiro de Ensino Comercial realizado na cidade de Belo Horizonte MG em 21 a
27/07/1957.
Este expressa em seu discurso amplo apoio e interesse do governo no sucesso deste
ensino. Firma apoio e expectativas com as experiências em andamento nas escolas comerciais
em um sistema de ensino funcional ou de classes-empresas, com aplicação de programas de
orientação pedagógica que procura trazer para dentro da escola e de cada classe, os
problemas da vida profissional (RBEP, n. 68-1957).
Trata-se de uma proposta inovadora uma vez que o aluno é o centro do aprendizado
onde aprende observar, pesquisar, perguntar, pensar, construir e a propor soluções em um
ambiente maior (LOURENÇO FILHO, 1974).
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Portanto, com este recorte na história do ensino profissional comercial de
contabilidade no Brasil, pretendeu-se verificar a existência de indícios da presença e
repercussões dos ideais da Escola Nova em seus regulamentos.
Um ideal de formar e construir um homem social com o cuidado de não moldá-lo
restrito ao mundo do trabalho, como um trabalhador mecânico operacional. Mas, um homem
em uma perspectiva de vida adiante. Assim, reconhecendo a educação como um caminho
para a construção de um país melhor.
Considerações Gerais
A proposta deste trabalho foi de uma revisão e análise bibliográfica numa perspectiva
histórica do ensino comercial de contabilidade no Brasil com ênfase na Reforma Francisco
Campos em um contexto permeado pelos ideais da Escola Nova.
No quadro da história da educação brasileira, o ensino profissional comercial de
contabilidade, teceu sua trajetória. E, após visitar este percurso de 1808 a 1946, foi possível
encaminhar algumas breves considerações gerais.
Conforme proposto para este percurso foi verificar em um olhar, a existência de
indícios dos ideais do movimento da Escola Nova nesta modalidade de ensino. Num outro
olhar, seu caminho percorrido e oficializações.
Assim, pode-se aceitar que este percurso foi construído de avanços e recuos. Para
momentos favoráveis e interessantes pode-se destacar o início de sua oficialidade em 1905 e a
influência do movimento renovador da educação Escola Nova. Esta influência verifica-se de
uma forma intensa e expressa nos documentos oficiais complementares deste ensino
editados nos anos de 1933/34.
As recomendações destes documentos estão que no cotidiano e espaço da sala de aula a
preocupação em valorizar o papel do aluno com a sua experiência e reproduzindo o mundo à
sua volta, motivando e desafiando sua postura para enfrentar a vida. As aulas em laboratório
reproduzindo a realidade das empresas. Então, é o ensino centrado no aluno como sujeito
ativo no processo ensino-aprendizagem. No trato da realidade levando a pensar, questionar,
propor e construir soluções no mundo a sua volta.
Mas destaca-se ainda que, a importância do movimento Escola Nova na educação
brasileira com seus ideais de renovação, ultrapassaram o limite do cotidiano processo ensino-
aprendizagem (SANTOS FILHO, 2008).
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Este movimento influenciou uma geração de pensadores e educadores brasileiros que
possibilitou naquele momento, um horizonte maior de esperanças na educação como uma
possibilidade de oportunidades e ascensão social para o povo.
Foi um momento de renovação de ânimos com a educação à frente para enfrentar os
grandes desafios da sociedade brasileira. Portanto, um movimento na educação brasileira
que ultrapassou os muros escolares.
Em outro plano, não menos importante, pode-se destacar ainda que, no ano de 1931,
com a reforma Francisco Campos, o ensino comercial deixa o Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio e incorpora-se, em definitivo, ao quadro da educação brasileira
passando a pertencer ao Ministério da Educação e Saúde Pública.
A contradição verifica-se quando a presença das escolas particulares de comércio é
altamente expressiva e que para um curso nos moldes recomendados pela legislação, estava a
montagem, existência e manutenção de um laboratório Escritório-Modelo. E, este requeria
investimentos em formação, capacitação e remuneração adequada de professores,
instalações físicas, compras de equipamentos e materiais. Condição que por conta própria
das escolas particulares não entusiasmava aos seus proprietários.
Para tanto, também haveria de existir planejamento de políticas públicas de educação
para investimentos em expectativas de um horizonte de tempo maior.
Por outro lado, a educação brasileira estava envolta em um contexto político na era
Vargas de um rápido processo de industrialização e urbanização que levou as pessoas a
procurarem de forma rápida, a via da educação, para melhores condições de vida e trabalho.
Nota-se assim, do poder público, um distanciamento entre a fala e a prática, legislação
e o cotidiano. O que se confirma quando no ano de 1942 com a Reforma Gustavo Capanema
(Decreto-Lei nº 6.141, de 28/12/1943, que trata da Lei Orgânica do Ensino Comercial) foi
criada uma estrutura de ensino profissional comercial paralela e fora de rede pública escolar.
Trata-se da criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, no ano
de 1946 - Decreto-Lei nº 8.621, de 10/01/1946 – DOU de 12/01/1946 (VIEIRA, 1957).
Este diploma legal atribuiu à Confederação Nacional do Comércio, instituição
particular de representação do empresariado, o encargo de organizar e administrar escolas de
aprendizagem comercial com objetivo de colaborar na difusão e aperfeiçoamento do ensino
comercial. Foi o poder público se afastando de cena em relação a este ensino firmando a
disponibilidade desta modalidade de ensino ao setor privado ou particular.
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Nesta reforma Capanema de 1943 (Leis Orgânicas do Ensino) o ensino comercial
profissional ficou como ensino de segundo grau e que para estudos mais avançados na área
por conta então do ensino superior.
Assim, em 1943 o curso comercial profissional ficou com dois ciclos: o primeiro ciclo
básico com duração de quatro anos e o segundo ciclo técnico com duração de três anos
(XAVIER, RIBEIRO & NORONHA, 1994).
Em seguida, criou-se o curso superior de ciências contábeis e atuariais conforme o
Decreto-Lei nº 7.988, de 22/09/1945 e o Conselho Federal de Contabilidade CFC conforme o
Decreto-Lei nº 9.295, de 27/05/1946 (VIEIRA, 1957).
Mesmo com o discurso da importância e defesa deste ensino, com a Constituição
Federal de 1934, firmou a condição de tratar-se de um ensino voltado para as classes
populares (SANTOS FILHO, 2008).
Confirma-se, portanto, uma posição do governo em considerar este ensino voltado para
atender a classe trabalhadora, mais humilde e sem condições de freqüentar um curso
superior.
Entre propostas, reformas e regimentos, desde 1809 até 1946, permaneceu a condição
do imediato ou curto prazo; atender a urgência dos anseios das pessoas que percebiam na
educação uma via para acesso a uma melhor condição de vida e a formação e o preparo de um
quadro pessoal para atender ao crescimento e desenvolvimento das empresas.
Portanto, mesmo assim, com avanços e recuos, as escolas de comércio com ensino de
contabilidade, espalharam-se por este imenso território nacional.
Muitas delas com limitações de toda ordem e originadas da mobilização particular da
comunidade. E, este ensino profissional com suas escolas de comércio não mudou o mundo,
mas deixou um legado.
No cotidiano de numerosas famílias, favoreceu, contribuiu e promoveu mudança para
muitos de seus filhos. Mesmo distantes de grandes centros regionais, idealistas, profissionais
de apoio e professores com muitos sonhos e esperanças depositados na educação brasileira,
fizeram existir em algum tempo, uma escola de comércio na sua comunidade.
Famílias que não mediram esforços para o sucesso de seus filhos e que perceberam com
este ensino, mesmo que trabalhando durante o dia e freqüentando cursos noturnos, tratava-
se de uma oportunidade de abrir portas para passar o difícil acesso do mercado de trabalho.
Portanto, o ensino comercial de contabilidade foi um ensino de vanguarda e construiu
seu espaço no quadro da história da educação brasileira.
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Para os tempos de hoje, é possível delinear alguns questionamentos. Quais os ideais e
desafios para a educação superior contábil? Estamos formando profissionais de contabilidade
à altura dos anseios de uma sociedade democrática? A educação é um dos pilares de uma
democracia. O que deverá ser ensinado e aprendido? Como deverá isso ser ensinado e
aprendido? Enfim, talvez, a resposta mais difícil seja para a pergunta, qual a pessoa que se
quer formar?
Daquele passado, hoje a contemporaneidade da sociedade. Um mundo de
complexidades, novas configurações nas relações políticas, comerciais e sociais. Sendo estas
de forma expressiva influenciadas pelo descarte, instantaneidade e virtualidade promovidas
pela tecnologia, pelas poderosas mídias, regulamentações, entre outros. No campo da
contabilidade, a sua internacionalização com a adesão ao padrão internacional de normas
contábeis.
Para o futuro as respostas devem ser construídas. Uma base é a Constituição Federal de
1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação-Lei nº 9.394/96 que propõem pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação
para o trabalho (GROSSI, 2000).
Com toda esta trajetória, a educação permanece e continua no seio da nossa sociedade
como a concretização do ideal de formação de seus filhos e estes capazes de contribuir na
construção de uma sociedade melhor.
Uma formação em que é possível aflorar sentimentos de cidadania, alinhados aos ideais
coletivos, e que a pessoa formada possa reunir condições de perceber, questionar, entender e
desenvolver soluções para o seu cotidiano, tanto na prática social quanto ao mundo do
trabalho (SANTOS, 2010).
Por fim, o ensino da contabilidade permeia toda a movimentação, modificação e
dinamismo da sociedade ao longo de sua história e que deixa indícios da sua permanência
neste quadro. Algo que nos desafia, conforta, impulsiona ou motiva estar ao seu lado.
Desta forma, com todas as considerações permitidas até aqui, este trabalho fica
inacabado. Em momento algum, não se teve a pretensão de ser encerrado, mas sim, desde os
seus instantes iniciais, tratar-se de ser um convite para se estudar e pensar mais sobre a
educação contábil brasileira.
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ISSN 2236-1855 6684
Referências
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
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