Escorpiao de Prata encontra Exú

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HQ Legado, escrita por Eloyr Pacheco com Lancelott e Ataíde Braz, ilustrada por Marco Santiago (lápis) e Lancelott (arte-final) e colorida por Adriano Felix.

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Revelando o Legado“Nós não queremos dizer, não temos a

intenção de dizer, que o que vamos dizer é verdade”.

Segundo Nelson Mandela, no prefácio de seu livro Meus Contos Africanos, é assim que os contadores de história de Ashanti iniciam suas narrativas.

Concordo em gênero, número e grau, inicialmente porque as narrações se modifi-cam ao chegarem na calçada do outro lado da rua, imaginem de um grupo humano para outro e, principalmente, quando pas-seiam no campo das práticas e ritos ances-trais advindas do outro lado dos oceanos como é o caso das narrativas africanas? En-tretanto, afirmo sem medo que, já estava mais do que na hora desses Legados virem à luz.

Talvez por isso de maneira ousada ino-vadora, intercontinental e criativa dentro desse instrumento literário chamado Histó-ria em Quadrinhos. Essa “arma” que tanto serviu à colonização começa a dar mostras de uma outra faceta: narrar narrativas nar-radas à beira das fogueiras, e que, teimo-samente, sempre fizeram parte de nosso quotidiano, nunca ficando somente do lado de lá, como sempre desejaram os recalca-dores das histórias dos subalternizados.

A Comunidade Negra brasileira passa a ser contemplada, eu, me sinto privilegiado em prefarticipar. Não agradecemos porque o show agora é que começou: passando por um batismo de fogo, o Escorpião de Prata descobre sua ancestralidade assume sua identidade negra, justamente numa segun-da-feira, referendado por Esu, Babá Inon 1 (inã), o Senhor das estradas, guardião da comunicação entre o mundo dos Ancestrais e o mundo dos mortais.

A memória ancestral começa a ser pos-ta à mesa, de maneira lúdica, porém sé-ria como o brincar das crianças, educativa e reveladora como a fala dos Apàló (entre os Yorubá), os decifradores de enigmas, guardiões das histórias de nossos povos, os artesãos da palavra, os guardadores da memória das genealogias dos clãs. Para a civilização Mandinga ou do Mali (império que na Idade Média se estendia da atual Mauritânia à Costa do Marfim), e Senegâm-bia, esses contadores são osgriô ou Djeli, formando uma verdadeira instituição.

Entre os Kimbundo, povo de Angola, é o Muambe; Kinsamuni, para os Kikongo, na Re-pública Kongolesa. Na Europa medieval eram os Menestréis e Trovadores; no Nordeste bra-sileiro, os Cantadores; e de Londrina para o Brasil e quiçá para o planeta, o velho Eloyr Pa-checo, com sua equipe-clã-criadora: Quarto Mundo.

Para os que ainda não aprenderam a língua dos Yorubá, podem ficar descansa-dos: o mestre dispõe notas de rodapé com tradução, dando mostra do carinho e res-peito que tem para com os seus leitores, provando que seu trabalho de pesquisa é sério e sua consultoria eficiente. Aláàfia!

Severino Lepê Correia

1 - Forma arcaica da palavra “iná” (inã). Fogo, em língua Yorùbá.

Nascido em Recife, em dezembro de 1952, Severino Lepê Correia, é Psicólogo, Professor, pós-gra-duado em História, Doutorando em Literatura e Interculturalidade-UEPB, pesquisador das Tradições

e Religiosidades Afros e Brasileiras. Jornalista radialista, foi do Mestrado de Filosofia da UFPE. Como cantor e compositor fundou o “Boca Coletiva” em 2009, e depois “Kandala Etu”, seu grupo atual. Como poeta e escritor vem participando do “Cadernos Negros”, Quilombhoje, e é um dos autores que fazem parte da obra - Literatura e Afrodescendência no Brasil: antologia crítica, vol. 3 - Contemporaneidade,

organizada por Eduardo de Assis Duarte, Ed. UFMG. É autor de “Caxinguelê” (1993 e 2006) e “Canoei-ros e Curandeiros: resistência negro-urbana em Pernambuco, Sec. XIX (2006).

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Uma História em Quadrinhos...Tudo tem um início... Um começo...

Esta HQ foi uma troca de vontades, tipo o “útil ao agradável” nascida assim... O ami-go Eloyr, numa troca de e-mails disse-me:

“Depois de me entusiasmar um tanto com o Catalogador, que dá margem para muitas histórias, pensei num encontro do Escorpião de Prata e Exú, para determinar algumas coisas que ainda estão abertas sobre o personagem, normal para um per-sonagem que trabalho como ‘obra aberta’.”

Eu fiquei honrado com a deferência do Eloyr, em incluir dois personagens meus, O Catalogador e Exú. Mãos à obra! Con-videi o Marco Santiago para fazer o lápis e o Mestre Ataíde Braz para fazer a decu-pagem do roteiro com base na proposta original de Eloyr. Adicionamos alguns ele-mentos ao texto, pertinentes e necessá-rios ao seu desenvolvimento.

A história de Escorpião de Prata, que revela uma parte íntima, pessoal foi bus-car nas tradições afros sua ascendência e ou ancestralidade e nada mais apropriado para o tema do que a tradição mantida e cultuada pelo povo negro e sua religião de família. O culto a família, aos antigos, aos seus antepassados, deuses de suas cabe-ças. Neste caso, o personagem Escorpião de Prata, descobriu, também, um pouco desta ancestralidade e se emociona no fi-nal com esta revelação surpreendente.

Para amparar a história em fundamentos naturais, culturais e decontemporaneidades, alguns elementos foram imprescindíveis para esta história. Poucos, mas necessá-rios... Por exemplo, no encontro nada ca-sual, de Exú e o Escorpião de Prata, numa segunda-feira, dia deste Orixá, a roda de capoeira se abre com o som das onomato-peias: TIM TIM DIM, DOM DOM e novamen-te TIM TIM DIM, DOM DOM, que é o toque São Bento Grande da Angola, que é um jogo lento e cadenciado, que se vai representar no desafio dos dois, um ritmo mais antigo.

Outra referencia à antiga capoeira, na provocação de Exú, é o verso: “Ai, é man-dingueiro? Ei, sabe jogar?”, numa home-nagem ao Mestre BIMBA, de um canto cantado por ele nas rodas capoeira de en-tão... A resposta a uma outra pergunta do Escorpião de Prata: “Quem quiser saber meu nome / Não precisa perguntar / Eu não sou filho daqui”. Do mesmo modo, fo-ram ladainhas, quadras, cantos entoados por Mestre BIMBA, mostrando também as andanças de Exú no tempo e a relação in-trínseca dos personagens com o ritual da capoeira.

Outro dado importante, são as sauda-ções e o respeito a tradição ancestral que Escorpião de Prata manifesta ao Orixá de cabeça, EXÚ e a seus antepassados: Èsú / Èsúyè, Laróyè! E, outra saudação tam-bémcom a presença de seus ancestrais: Inóninónmojúbà e emojúbà / Inóninónmo-júbà e àgòmojúbà

Ambas saudações em Yorubá, necessá-rias, ritualísticas e de respeito, dentro do contexto que se apresenta o personagem Escorpião de Prata. Enfim, afora estes ele-mentos imprescindíveis para um roteiro tão profundo como este e tão revelador ao próprio herói, outros menos impactantes e mais extrovertidos e até memoráveis, se apresentam espalhados nas figuras e de-corações dos quadrinhos.

Resolvemos prestar homenagens vela-das aos Mestres do Quadrinho Brasileiro, Tony Fernandes, editor, desenhista, rotei-rista, oportunizador de outros talentos bem como ao escritor, editor, roteirista, Ataíde Braz (um dos autores), como personagens da história a contracenar com o “contador de histórias” e narrador- Catalogador. Nos quadrinhos, espalhados nas paredes, es-tão quadros com logos das antigas Edito-ras, como PHENIX, ETF, TAIKA e GRAÚNA, que tanto produziram neste imenso país. E para coroar esta gama de homenagens, o jornal Gazeta de Nova Luz, de WILL, um

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...e Toni é reconhecido por seus antepassados!

Quando imaginei e depois ao lado do velho amigo Will, criei o Escorpião de Pra-ta, não imaginava que ele chegasse a este ponto na sua “existência”.

Vários momentos foram significativos para que eu pensasse nessa HQ que você acabou de ler (ou não, caso tenha vindo até aqui an-tes de lê-la). Um destes momentos foi quando dei uma entrevista sobre produção de HQs, mas o foco acabou sendo o personagem afro--descendente. Foi aí que eu me dei conta dos poucos personagens negros que temos nos Quadrinhos Nacionais. Outro momento foi ter conhecido pessoas como Fátima Beraldo e José Mendes, que mais tarde me apresen-taram a outras duas pessoas: D. Vilma, a Yá Mukumbi e Severino Lepê.

Esses momentos me levaram a perceber que meu personagem poderia ultrapassar a barreira do irreal e trazer para seu âmago uma homenagem a estas pessoas e a cultu-ra africana, que para mim se descortinava.

As redes sociais me aproximaram de Lancelott Martins e seu personagem Exú... Com a ideia ainda em construção e per-

cebendo a bagagem cultural carregada por Lancelott, pedi ajuda para organizar as ideias em um roteiro. Debatemos, acrescentamos detalhes e dele partiu a ideia de convidar o Mestre Ataíde Braz, que eu havia conhecido pessoalmente em Londrina, para decupar o nosso roteiro.

Eu me encantei com as coincidências que surgiram no decorrer da produção. (uma de-las Lancelott colocou na própria HQ: aquele sonho que Toni teve com seu avô na sua pri-meira HQ) A última delas, revelada por Lan-celott, é que Severino, que tive a honra de ter como prefaciador desta obra, é também o nome de seu avô. Há “convergências” no uni-verso palpável e no universo impalpável, que nos orientam! Tenha certeza disso!

Escorpião de Prata é um personagem que ganhou vida através das HQs e com esta HQ, sem medo de cair no ridículo, posso afirmar que ele ganhou alma! Uma alma nobre! A alma dos grandes guerrei-ros africanos!

Eloyr Pacheco

dos grandes talentos contemporâneos, um dos primeiros artistas a emular o perso-nagem de Eloyr Pacheco, se faz presente com várias notícias...

E para contextualizar e tornar a histó-ria, uma história real, do passado do per-sonagem, fomos buscar um inside, um flasback apresentado na história “Fuzuê na Universidade”, onde o EP sonhava com seu avô e ele lhe dizia: “Estou orgulhoso de voce meu neto... Querendo limpar meu nome, mostrando o quanto o Escorpião de Prata é valoroso...” Esta cena se torna “re-

velada” também nesta história quando ele ouve as mesmas palavras de um sonho re-corrente... Pronto, fechávamos a história. Cada detalhe é revelador!

Por fim, para mim, foi uma grande hon-ra ser parte deste projeto gestado por Eloyr Pacheco e somado a presteza do amigos Ataíde Braz em fazer a decupagem desta ideia e Marco Santiago que tão bem o tradu-ziu para o papel. Também agradeço as belas cores de Adriano Felix. Uma grande honra!

Lancelott

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A produção de uma História em Qua-drinhos engloba diversas etapas. Este pequeno “making of” mostra como foi feita a página 06 da HQ Legado.

01) Seguindo o roteiro, o desenhis-ta Marco Santiago esboçou a página a lápis e, após a aprovação do roteirista, fez a arte detalhada. Nesse caso, ve-mos que a página já está quase toda arte-finalizada, ou seja, Lancelott pas-sou nanquim sobre os desenhos de Marco.

02) A página, totalmente arte--finalizada, foi escaneada e “tratada” no Photoshop para deixar a arte-final com acabamento profissional.

03) Depois, o colorista Adriano Felix fez seu trabalho. A parte “artística” está pronta; por último foram colocados os balões e os textos para a página ser in-cluída na revista.