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Escritos sobre o Brasil, o Direito,as Cidades e as Religies
Claudio Henrique de Castro
Este livro foi diagramado e produzido sob demanda, uma encomenda do autor que detm todos os direitos de contedo, comercializao, estoque e distribuio dessa obra.
Projeto grficoJssica Juliatto da Rocha // designer
DiagramaoJssica Juliatto da Rocha // designer
Reviso gramatical tcnicaAdo Lenartovicz
ISBN: 978-85-912570-6-5
Ficha catalogrfica elaborada por Maury Antonio Cequinel Junior Bibliotecrio CRB9/896
Castro, Claudio Henrique deC355
Escritos sobre o Brasil, o direito, as cidades e as religies./ Claudio Henrique de Castro. Curitiba : Edio sob demanda, 2015.
110 p.
1. Direito 2. Cidades 3. Religio 4. Poltica 5. Eleio 6. Corrupo7. Transporte Coletivo I.Ttulo
CDU 34
P R E F C I O
Escrever um prefcio sempre um desafio. Pela origem etimolgica da palavra, pre-
fcio formada por prae-, antes, mais fari, falar. Quer dizer o que falado antes. Assim,
a se cumprir integralmente o seu objetivo, significa ter amplo conhecimento do que vai se
exposto a seguir e explicar, de forma a facilitar a leitura, do que trata a publicao.
Nem sempre fcil se explicar o Direito e suas novas vertentes que so desenhadas a
cada dia, acompanhando a evoluo da sociedade e, em especial, da tecnologia.
Falar do Direito, normalmente enveredar por termos complexos, buscar expresses
em latim, se estender ao longo de pginas e pginas, mostrar conhecimento do vernculo.
Felizmente para mim, que tenho conhecimento superficial da cincia por fora da
prtica jornalstica de mais de 40 anos, no o caso de mais esta publicao do professor e
advogado Cludio Henrique de Castro.
Como em seus livros anteriores, fruto de amplo conhecimento da matria e de uma
experincia que se acumula num extenso currculo, o autor trata de temas diversos do Di-
reito com a fluidez necessria para ser entendido pelo leitor comum de jornal ou das pginas
da Internet, onde alis publicou vrios deles.
Sem deixar de se referenciar ao que preveem os textos legais, Castro analisa com
fluncia temas da atualidade poltica brasileira, assuntos polmicos desarmamento, ped-
gio urbano, dentre eles fatos da cultura do brasileiro, como o famoso jeitinho e at a po-
lmica extradio do ex-diretor do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato. Neste caso, o autor
foi o primeiro a prever, com expressiva antecedncia, que o governo italiano promoveria a
extradio em artigo publicado no site www.paranaextra.com.br.
Trata-se, portanto, de uma obra muito atual, de temas que fazem parte de nosso
cotidiano, alguns nos afetando de forma direta, onde a facilidade de interpretao um
dos pontos fortes.
sim, um livro sobre o Direito. Mais ainda: uma publicao que d direito a qualquer
cidado entender facilmente e refletir sobre uma realidade que est prxima a ele e que,
num primeiro momento estampada numa manchete da imprensa, pode parecer distante
embora no instante seguinte passe a fazer parte de seu dia a dia.
Uma boa e fcil leitura,
Nilson PohlJornalista
S U M R I O
O que o Brasil? 11
Procura-se 12
As Abolies que podem ser feitas no Brasil 13
O homo sapiens corruptus brasiliensis 15
O Brasil politicamente volvel 17
O jeitinho brasileiro 19
A proteo jurdica das promessas de campanha 21
O que o Brasil? 23
A nuvem do impeachment paira sobre a Repblica brasileira 25
Alguns vestgios da Monarquia no Brasil 27
Breves notas sobre o Anurio Brasileiro de Segurana Pblica 2014 30
Das razes para votar e ser votado 32
A misria das propostas eleitorais no Brasil 34
O Brasil e o Futuro da Democracia 37
O poder das frases de efeito e o futuro do Brasil 39
As coincidncias entre o Futebol e o Estado Brasileiro 41
A Copa do Mundo nossa 43
Reviso histrica dos heris de 1964 45
Algumas razes dos rolezinhos brasileiros 47
As razes dos reis 48
Algumas consideraes sobre a delao premiada 49
Breves comentrios sobre a extradio do Henrique Pizzolato 56
O mensalo, as leis, o artigo e as aes dos magistrados no STF 58
As leis e emendas constitucionais votadas no esquema do mensalo 60
Sobre o Direito 63
O Caso Bruno e a acusao sem corpo 64
O vcio de iniciativa na jurisprudncia do STF 66
A ilegalidade do estatuto do desarmamento em face do referendo de 2005 68
A epidemia do Ebola e o Direito Sade Pblica 72
Breves comentrios sobre a nova lei do terceiro setor 74
As inovaes da lei que fixa cotas em concursos 76
Cidades e suas questes fundamentais 79
A desintegrao da RIT e suas consequncias jurdicas 80
Pedgio urbano, uma realidade prxima? 82
As recentes alteraes do Cdigo de Trnsito estabelecidas pela Lei n 12.971/2014 84
Consideraes a respeito do uso da Polcia Militar nos estdios de futebol 86
A urgncia das blitzes em Curitiba 89
A epidemia das mortes do trnsito nas estradas brasileiras 90
Quanto vale o patrimnio histrico de uma cidade? 92
As operaes-padro como forma de reivindicao 93
Destruio anunciada 95
Velozes e furiosos no trnsito brasileiro 96
Sobre as Religies 99
A Justia e o perigo da intolerncia religiosa 100
O respeito liberdade religiosa 106
O que o Brasil?
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
12
Procura-se
21 maio 2015
Procura-se para emprego imediato. Candidato (a) no precisa ter experincia, nem
boa aparncia. Procura-se quem tenha nvel mdio, graduao ou ps-graduao, mas
que saiba ler, escrever e compreender textos. Procura-se quem no fique o dia inteiro no
whatsApp, internet, facebook e outras redes sociais no aparelho celular ou no computa-
dor, principalmente quando estiver falando com algum, assistindo a uma palestra, atra-
vessando a rua ou no trnsito dirigindo. Procura-se quem conhea e saiba usar as expres-
ses: por favor; bom dia; boa tarde; boa noite; em que posso ajud-lo e saiba atender telefone
e dizer: al, bom dia, em que posso ajud-lo, at logo. Procura-se quem seja discreto e no
fique de fofoca no ambiente de trabalho e que, principalmente, trabalhe, cumpra o horrio
e faa as coisas com alegria, presteza, responsabilidade e satisfao. Que no seja corrupto,
que seja honesto e tenha carter.
Os benefcios so: tima remunerao, plano de sade completo, plano de aposenta-
doria, estabilidade, possibilidade de crescimento na carreira, benefcios famlia, ambien-
te de trabalho excelente, carga horria flexvel e grande incentivo aos estudos. O governo
de nosso pas possui um baixo ndice de corrupo, alta competncia em administrar as
finanas pblicas, um poder Judicirio clere, estabilidade governamental e economia
prspera e em crescimento.
Procura-se onde esto estes candidatos e onde se localiza este pas.
13
O que o Brasil
As Abolies que podem ser feitas no Brasil
13 maio 2015
O Brasil e os negros comemoram hoje, 13 de maio, os 127 anos da Abolio da Escravatura.
poca, no aconteceu a reforma agrria que, naquele momento histrico, faria a
plena insero dos negros na vida econmica do pas.
Na dcada de 40 do sculo passado tivemos a ideologia do branqueamento, exacerba-
da por Getlio Vargas e seu flerte com o nazismo e as ideologias racistas europeias justa-
mente no momento que surgiu a classe mdia no Brasil.
Atualmente, ainda em sua esmagadora maioria, as telenovelas brasileiras colocam
os negros em papis secundrios e serviais, numa forte construo preconceituosa contra
este majoritrio segmento racial.
Sem os negros no teramos as riquezas dos ciclos econmicos, da msica popular; da
culinria e, acima de tudo, da alegria no rosto dos brasileiros (Darcy Ribeiro).
Diante disso, relacionamos aqui algumas abolies que se podem e devem fazer no
Estado brasileiro:
1. A abolio da lentido dos processos cveis e criminais que atrasam o julgamento
de milhares de causas;
2. A abolio da impunidade nos delitos de trnsito e nos delitos do colarinho branco;
3. A abolio do jeitinho e da malandragem, com uma nova realidade tica e moral;
4. A abolio da corrupo escancarada no financiamento das campanhas eleito-
rais e das relaes do toma-l-d-c entre o poder Executivo e o Legislativo em
votaes importantes;
5. A abolio da fome, dos surtos epidmicos (Dengue e outras); do dficit habita-
cional e da no universalizao do ensino em todos os nveis;
6. E, para finalizar e principalmente, a abolio dos preconceitos: contra os negros e
pardos; contra as religies afro-brasileiras; contra os pobres; contra os velhos; con-
tra as mulheres; contra os obesos; contra os diferentes, as pessoas portadoras de
necessidades especiais e os mais variados grupos tnicos: amerndios, bolivianos,
haitianos e por a afora.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
14
No futuro, poderemos comemorar plenamente o dia 13 de maio, consagrador da igual-
dade, sem distines de qualquer natureza, como prev o art. 5 da Constituio Brasileira.
Mas h um longo caminho para ser trilhado.
15
O que o Brasil
O homo sapiens corruptus brasiliensis
14 abr. 2015
A Criminologia estuda os perfis dos autores e dos seus respectivos delitos. Investiga-
dores experientes, sem leitura nenhuma de manuais, conseguem traar o perfil de crimino-
sos com profundidade, sem sequer ter lido qualquer linha sobre o tema.
Assim, estupradores teriam desvios de condutas caractersticos que os identificariam,
os pedfilos teriam brinquedos em casa ou entenderiam o universo infantil, os viciados em
drogas, certas caractersticas fsicas decorrentes do uso das drogas, olheiras profundas. Os
cleptomanacos, aqueles que cometem pequenos furtos, normalmente passaram por trans-
tornos psicolgicos.
Os psicopatas so frios, sem sentimentos, inteligentes, dissimulados e com um perfil conser-
vador; quase sempre sofreram na infncia algum trauma terrvel que lhes retirou a sensibilidade.
Pelas recentes, ou nem tanto, notcias de corrupo a que a nao assiste, perplexa,
anotamos algumas caratersticas que podem ser percebidas em sujeitos que podemos cha-
mar de homo sapiens corruptus brasiliensis.
Vamos a uma breve anlise dessa nova descoberta cientfica.
Possuem um perfil quase sempre cativante, mas h excees; em momentos difceis
sempre sorriem, fazem de conta que no so parte do problema; esto incumbidos de resol-
ver as crises, mas nunca revelam objetivamente como e quando iro fazer isto. Sabem fazer
pequenos discursos e normalmente falam por ltimo em solenidades.
Vivem e respiram promessas, so utpicos, dizem que algum dia haver uma mu-
dana e repetem que esto fazendo de tudo para que isto ou aquilo melhore.
Possuem algumas frases de efeito sobre a moralidade e a tica, que cabvel em
todas as ocasies. Alguns discursam de improviso sobre a austeridade e sempre so contra
a corrupo e os corruptos.
Uma caracterstica notvel desses personagens a de ter na memria alguns ditados
apropriados para a cada ocasio.
Ainda, de que, independente da sua formao cultural ou educacional eles conhecem
todas as garantias constitucionais do processo penal, tais como a presuno de inocncia, o
direito de ficar em silncio e o direito ao contraditrio e da ampla defesa.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
16
Suas justificativas ou defesas so da negativa geral de tudo que se lhes impute e que
todos sempre fizeram assim h anos ou que o sistema assim ou, ainda, que normal.
Se ainda no foram descobertos, afirmam que esto verificando o problema, que vo
determinar investigaes rigorosas e acima de tudo iro afastar os envolvidos. Apesar disto,
so hbeis conciliadores de interesses.
Outro trao marcante o de que no sabem de nada; tudo lhes passa despercebido e que
realmente ficam chocados (as) com os acontecimentos e surpresos com as denncias em curso.
Organizados em agremiaes, so muito inteligentes em gerir seus interesses e
essencialmente so nutridos por recursos advindos do povo.
Finalmente, o homo sapiens corruptus brasilienses surge em decorrncia das pradarias
da impunidade, dos campos da incompetncia e das serras de omisso.
H mais de quinhentos anos habitam a terra brasilis e recentemente comearam a se preo-
cupar. Ainda no esto em extino pela sua grande populao que infesta o pas, mas a caa
predatria, autorizada legalmente, pode diminuir sensivelmente a populao desses seres.
17
O que o Brasil
O Brasil politicamente volvel
09 abr. 2015
No Presidencialismo normal, o Poder Executivo o que executa e o Poder Legislativo
quem legisla.
Agora, no Presidencialismo la brasileira o Legislativo submisso ao Presidente em
troca de verbas oramentrias e de nomeaes em cargos de primeiro e segundo escales.
Assim, no Brasil, o Executivo amigo do Legislativo com a famosa barganha de favores, o
toma-l-da-c, do consagrado para voc poder sorrir tem que me fazer sorrir.
No Parlamentarismo normal, o Poder Legislativo quem manda e o Poder Executivo
submisso ao Parlamento.
Agora, o Parlamentarismo, quando vigeu no Brasil, teve vida curta: foi institudo
para dar um golpe branco e para barrar a posse do ento vice-presidente Joo Goulart que
substitura Jnio Quadros; pouco depois tivemos o golpe de 1964.
Neste momento de denncias de corrupo e do enfraquecimento dos ndices de po-
pularidade da atual Presidenta, qual sistema est vigendo de fato no pas?
Os ministros de Estado parecem estar numa sala de aula de Jardim de Infncia, onde
h uma roda das cadeiras e, quando a professora desliga a msica, todos tm que se sentar, e
sempre sobram um ou dois em p que tem que sair.
Sem uma articulao poltica e apoio, o Poder Executivo fica sentado na calada com
o chapu arriado esperando as determinaes do Poder Legislativo.
No fundo, nunca houve uma barganha tica; as trocas sempre so compromissadas a
favores, a desmandos e a liberaes milionrias de verbas.
No quadro atual o Poder Legislativo demite e nomeia ministros, nomeia presidentes
das estatais, devolve medidas provisrias ao Palcio do Planalto e principalmente, manda na
agenda poltica do Brasil por meio da pauta de votaes.
O poder do Executivo resume-se ao poder de veto que pode ser derrubado por vo-
tao qualificada no Congresso Nacional, e diante da atual e vertiginosa perda da maioria
naquelas casas legislativas, Senado e Cmara, o Poder Executivo est combalido e frgil para
sequer dar os rumos do pas.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
18
No h nenhuma barganha; h sim, um grande refm chamado Presidncia da Re-
pblica. H factoides, aqui e ali, h pacotes grandiloquentes que no mudam nada e no se
direcionam a lugar algum.
E o pior, a gua est batendo nos joelhos da economia e subindo.
Quais as razes deste estado de coisas? A profunda perda da confiana causada pelos
escndalos formidveis que imantam os principais personagens do Executivo e do Legislativo.
A perda da confiana neste presidencialismo com feies parlamentaristas, ou des-
te presidencialismo la brasileira, importa uma soluo muito simples e constitucional: a
cassao e o impedimento de todos os envolvidos, contudo, processos de cassao e de im-
pedimento foram concebidos para no funcionarem de forma clere e dessa forma o povo
assiste corroso dos poderes sem entender o que realmente est acontecendo.
Afinal, quem est mandando no Brasil? Uma Presidente enfraquecida e com seus
partidos de apoio roendo as cordas ou os dois personagens ensopados de denncias que se
julgam os Rasputins da Repblica?
Em resumo, estamos politicamente volveis, como disse Machado de Assis na obra:
O Alienista.
19
O que o Brasil
O jeitinho brasileiro
07 abr. 2015
O jeitinho est na alma e no sentido do Brasil, pela plasticidade do perdo ao pecado
da tica catlica, pela colonizao portuguesa, pela poltica que ajusta solues sempre con-
ciliatrias e, essencialmente, pela corrupo entranhada no Estado brasileiro.
Onde h abundncia de leis, h corrupo, pois, quando as leis no so cumpridas,
elas precisam ser repetidas e aperfeioadas. Em Roma foi assim: as leis eram republicadas
para se fazerem cumprir.
Burlar as leis a vida das elites polticas. Arrumar brechas e escapatrias para o es-
casso cumprimento das normas no Brasil faz parte da vida republicana.
Transgredir as normas de trnsito, aqueles vai que d, s por um instante, bebi,
mas estou bem praxe. H toda uma tica que permeia os consagrados bordes: voc
sabe com quem est falando; quem tem padrinho no morre pago; para os amigos tudo,
para os inimigos os rigores da lei; ou, ainda, para os amigos a jurisprudncia.
Sempre h uma possibilidade, um jeitinho para resolver os problemas dos aliados, dos
amigos, dos achegados. A lgica do jeitinho pressupe laos de amizade ou de parentesco.
Aos desconhecidos a fila, aos amigos a rapidez no procedimento burocrtico. Dir-se-ia que o
Brasil o pas dos despachantes, sempre h um atravessador que conhece os meandros do
Estado e vai facilitar as coisas.
Neste sentido, todos que financiam as campanhas polticas garantem a si as portas
abertas para as conversas sobre obras, servio tudo que alimente o sistema de manuteno
do poder e as reeleies sucessivas. O desvio de dinheiro pblico uma pequena e necess-
ria consequncia para a chamada caixinha de campanha, o percentual para a campanha,
a ajuda, o presentinho.
H, sem dvida, uma especial curvatura das leis, e muitas vezes a ausncia delibera-
da de normas, para se propiciar o combate a certos procedimentos institucionalizados de
corrupo e de privilgios.
Dir-se-ia que a corrupo do Estado est historicamente institucionalizada pelas leis e
o ganho de certos grupos econmicos est cada vez mais protegido pela ausncia de regula-
o e leis anticorrupo. Pacotes so anunciados, mas a reforma poltica nunca acontecer.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
20
A prescrio processual penal e as pequenas-grandes falhas processuais so as gran-
des aliadas do jeitinho e da impunidade; todo processo judicial guarda uma pequenina se-
mente de nulidade processual, tem-se apenas que descobri-la. como aquele gro de feijo
da fbula que cresce at as nuvens.
As penas, os procedimentos e as medidas processuais sobre delitos de corrupo so
fracos e insuficientes, e esto longe dos padres penais dos pases desenvolvidos. Por outro
lado, h um profundo esquecimento eleitoral dos escndalos que se sucedem em todas as
esferas de poder e de governos.
H a ausncia ou uma grande insuficincia de fora jurdica; as leis so insuficientes
e todas discutveis nos tribunais.
O cdigo jurdico se subordina ao cdigo poltico, e neste ltimo impera a malandra-
gem. A paternidade desse sistema est nos partidos polticos, o ltimo refgio do coronelis-
mo no Brasil, com seus caciques, donatrios e senhores feudais.
As elites polticas comeam a se incomodar com as investigaes de seus privilgios
institucionalizados; alguma coisa, ainda que pequena, est mudando.
Coloca-se a mo por cima dos lbios quando alguma cmera pode estar filmando.
Constroem-se salas prova de escutas. Nenhuma palavra dita por telefone ou escrita no
correio eletrnico. Nenhum torpedo remetido. Conversas reservadas em restaurantes,
nem pensar, pois h o perigo de escutas ambientais.
O jeitinho tem novas faces diante do medo das investigaes em curso.
Os governantes nunca sabem de nada e nunca sabero, eles sempre esto alienados de tudo
o que acontece a sua volta. As responsabilidades jurdicas e polticas nunca sobram para eles.
As sucesses de escndalos evidenciam que no se pode desenvolver o Brasil, em ter-
mos econmicos e ticos, onde prevalece a tica do jeitinho.
O Estado brasileiro corrupto, e h quinhentos anos vige o patrimonialismo, onde h
a prevalncia dos interesses particulares sobre os interesses pblicos.
H uma parcela da populao que luta contra esta corrupo histrica e ainda se
indigna. desse grupo de pessoas que pode surgir uma proposta de refundao legal e
tica no pas.
21
O que o Brasil
A proteo jurdica das promessas de campanha
12 fev. 2015
Pesquisas recentes mostram que a vida em sociedade impe que as pessoas mintam
no seu cotidiano. As mentiras dirias so, at certo ponto, inofensivas.
Quando as mentiras ou falsidades, envolvem obrigaes contratuais, por exemplo, o
direito pune os mentirosos, ou os descumpridores de seus deveres de boa-f e lealdade con-
tratual, a regra das tutelas no plano civil e do consumidor.
Sorrimos quando no queremos sorrir, e a sociedade impe ritos que obrigam certas
atitudes que geram uma teia de falsetes a que todos se submetem.
A mentira, num sentido geral, foi um poderoso instrumento no desenvolvimento hu-
mano, pois a busca pela alimentao por grupos de caadores garantia por meio de embos-
cadas e trapaas a captura das presas que serviram para a sobrevivncia humana.
O sistema poltico garante e preserva os cidados das mentiras eleitorais na medida
em que os candidatos, por meio dos partidos polticos cumprem as suas agendas de campa-
nha, tal qual as enunciaram e convenceram o povo.
Em resumo, tudo que dito nas campanhas eleitorais, as medidas anunciadas, as pro-
messas de campanha e todo o rosrio de aes prometidas vinculariam, em teoria, as aes
e as propostas dos Poderes Executivo e Legislativo.
Ocorre que no poucas vezes as promessas eleitorais evaporam-se e novos discursos
se constroem aps as vitrias eleitorais, alterando substancialmente o contedo original das
promessas de campanha.
No se tem na legislao brasileira um recurso jurdico para o eleitorado utilizar,
quando for coletivamente enganado, isto , quando houver um flagrante descompasso entre
o discurso da campanha e a prtica do exerccio dos Poderes Legislativo e Executivo.
Nos Estados Unidos tem-se o recall poltico, ou a rechamada, isto , a possibilidade ju-
rdica de nova avaliao eleitoral que ocasiona a queda dos polticos mentirosos, corruptos,
incompetentes ou omissos.
Assim, sem mecanismos de retirada dos membros do Legislativo e do Executivo,
tem-se que o mandato o exerccio da irresponsabilidade por prazo determinado.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
22
Propostas eleitorais, vagas e gerais, geram um baixo comprometimento de atuao
durante os mandatos.
Para proteger o eleitorado temos apenas a figura do impeachment de alguns cargos de
relevo na esfera federal e os crimes de responsabilidade, tambm regulados por lei federal.
Restaria ainda a figura da renncia, ato personalssimo, que independe da vontade
coletiva do eleitorado.
A base legal que viabiliza as mentiras coletivas das promessas das campanhas elei-
torais dos Poderes Executivo e Legislativo deve ser revista para se evitarem surpresas, me-
didas abruptas e rumos absolutamente diferentes das promessas partidrias e de palanque,
que tm constantemente ocorrido no Brasil.
Somente uma profunda reforma poltica tornar possveis novos mecanismos de
controle, pelo eleitorado frente aos Poderes Legislativo e Executivo, sobre os responsveis
pelos discursos proferidos nas campanhas eleitorais.
23
O que o Brasil
O que o Brasil?
19 dez. 2014
O Brasil tem n definies feitas por socilogos, historiadores, todo tipo de doutores,
literatos, jornalistas e tantos outros que pensam em radiografar a alma do nosso pas.
A brasilidade uma mistura que tem na sua composio o carnaval, o futebol, a m-
sica, as comidas tpicas, as cachaas, o jogo de cintura e o jeitinho.
E os valores morais e ticos, quais so os nossos preferidos?
Numa palavra: o perdo.
Em outra: o jeitinho.
O perdo de tudo e a todos, o perdo que vem das entranhas do catolicismo, de todas
as mazelas histricas que passaram e passamos. O perdo nos faz rir, nos faz chorar, nos traz
a impunidade, nos traz o esquecimento dos escndalos que se sobrepem.
Podemos construir uma nao vitoriosa? Podemos pisar na Lua? Podemos povoar
Marte? Podemos colocar um satlite num asteroide? Sim, podemos.
O que nos falta? Vergonha na cara, um Estado sem corrupo, um povo educado e
cioso de progresso? Falta-nos ordem, falta-nos o progresso, falta-nos infraestrutura, falta-nos
Educao de excelncia?
Faltam-nos estadistas? Falta-nos um So Sebastio, que ir nos curar de todos os nos-
sos males? Falta-nos a reflexo de aonde queremos chegar e de quanto representa a coletivi-
dade prspera sobre as individuais?
O Brasil um poltico empossado por uma medida judicial, com milhares de votos e
com um mandado de priso pela Interpol?
O Brasil a maior empresa brasileira repleta de contratos duvidosos e superfatura-
dos? a preocupao com o 13 terceiro e as festas do final do ano e o Carnaval?
O Brasil um sonho individual? Um sonho de no passar mais fome, de no ter priva-
es, de conseguir chegar l, sabe-se l o que represente isso.
Onde esto nossos sonhos coletivos? Na poltica? No Congresso Nacional? Nas leis e
no Poder Judicirio? De algum dia se ter uma sociedade justa e democrtica?
Um Brasil geogrfico, um gigante territorial, um todo constitudo pela maior biomas-
sa e biodiversidade que o mundo conhece na Amaznia legal?
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
24
Outro Brasil, o histrico, uma alternncia de imperadores, monarcas, ditadores civis
e militares, num breve e curtssimo perodo de democracia.
Finalmente, um Brasil, pas do futuro, que est por vir, e ainda no veio, e que deze-
nas de geraes aguardam o seu despertar pujante.
Ainda no sabemos o que o Brasil, mas sabemos que podemos fazer dele o que qui-
sermos; basta-nos um projeto nacional de prosperidade, envolvido em valores ticos e morais.
25
O que o Brasil
A nuvem do impeachment paira sobre a Repblica brasileira
21 nov. 2014
As recentes denncias do caso Petrolo que apontam para desvios de bilhes de
reais da Petrobras, podem comprovar que os financiamentos dos candidatos ao Poder Le-
gislativo e Executivo foram bancados pelas empresas que se beneficiaram regiamente das
obras e servios, em esquemas fraudulentos.
Esses fatos, se fossem precipitados antes das eleies de 2014 poderiam arrastar e
comprometer diversos partidos e candidaturas. A verdade veio tona aps as eleies, de-
pois de uma disputa eleitoral imprevisvel e acirrada.
Pode-se comprovar que a vala do financiamento das campanhas passou por dinhei-
ros obtidos em fraudes e corrupo; essa seria a grande e inevitvel concluso a que se che-
garia a partir dos fatos apurados na operao Lava-Jato e na CPI da Petrobras.
Poucas vozes bradam por uma profunda reforma poltica que encerre o ciclo perver-
so do financiamento das campanhas pela corrupo de Estado.
A alcunha de operador no nova na poltica brasileira. Ser chamado de opera-
dor confere pessoa o status de ministro, de eminncia parda, de Cardeal Richelieu (o
arquiteto do absolutismo em Frana), daquele que manda nos bastidores, por detrs das
cortinas do poder.
Com a titubeante economia, a maioria voltil no Congresso Nacional, o burburinho
das ruas, somados s pginas dos jornais apontando nomes de relevo do governo federal, po-
de-se desaguar num processo de impeachment. S que, desta vez, poder envolver tambm
o Vice-Presidente, pela magnitude dos financiamentos eleitorais. O esquema que pode se
desenhar parece ter beneficiado a maioria dos partidos eleitorais brasileiros.
Cairia a Repblica, e elegeramos quem sobrasse.
O argumento seria talvez a improbidade na administrao (art. 85, V, CF), depois da
Presidente e do Vice-Presidente, assumiria o Presidente da Cmara dos Deputados (art. 80,
CF), cujo cargo poderia ser ocupado novamente por um desafeto declarado da Presidente e
as eleies, convocadas, noventa dias, depois de aberta a ltima vaga (art. 81, CF).
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
26
Se os atuais mandatrios e eleitos conseguirem se descolar do Petrolo, ser outro
cenrio, ainda com muitos desgastes; o inevitvel pode ocorrer.
A caixa de Pandora foi aberta, e o pas poder pagar as consequncias de serem rele-
vadas eventuais verdades inconvenientes, que muitos talvez soubessem ou apenas imagi-
navam que existiam.
27
O que o Brasil
Alguns vestgios da Monarquia no Brasil
17 nov. 2014
A famlia real foi exilada do Brasil aps a proclamao da repblica (1889)1, e ainda
esto pendentes as desculpas oficiais do governo brasileiro aos seus descendentes, tamanho
o trauma do exlio. Havia, naquele momento o medo do retorno da monarquia e a derrocada
dos valores republicanos recm-implantados.
Para lembramos os 125 anos do episdio, enumeramos alguns valores monrquicos
seguidos de teses republicanas para refletirmos se ainda persistem traos monrquicos no
Brasil ou se realmente estamos numa repblica:
1. A perpetuao no poder, para assegurar a estabilidade do governo, monrquica;
a repblica contrria reeleio sucessiva e ao continusmo, inclusive nos car-
gos de direo do Parlamento, contudo, a reeleio aprovada em 1997 assegurou
a continuidade do poder executivo nos municpios, estados e na Unio, sendo que
poucos conseguem enfrentar o poder da mquina do Estado numa reeleio;
2. A nomeao de parentes, amigos e apadrinhados em cargos honorficos e em tri-
bunais monrquica; j a repblica contrria ao nepotismo, ao empreguismo e
conduo dos amigos aos cargos pblicos, contudo, no Brasil se utiliza das esta-
tais e dos milhares de cargos em comisso para nomear aliados e apadrinhados;
3. O auxlio financeiro aos componentes da Corte e afins, com emprstimos, doaes
e dinheiros dos impostos pagos pelo povo monrquica; a repblica no conhece
os favores de Estado para grupos econmicos e para as famlias amigas do poder;
contudo, no Brasil os despojos do errio so partilhados pelos que financiam re-
giamente as campanhas eleitorais do Legislativo e do Executivo;
4. Na monarquia tem-se o princpio da pessoalidade, isto , os sobrenomes devem
prevalecer, as famlias devem permanecer no poder, e o amplo poder poltico se
perpetua; na repblica o Estado impessoal, as famlias no proliferam, e h am-
pla alternncia no poder; contudo, no o que vemos no Brasil h dcadas;
1 Para verificar toda famlia real exilada em 1889 consulte-se: http://www.imagensviagens.
com/br5_petropolis.htm
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
28
5. Na monarquia os grandes grupos econmicos so necessariamente conver-
gentes e afiliados ao poder, a economia gerida pelos interesses de poucos,
h o autoritarismo esclarecido de Estado; na repblica, preside-a o interesse
popular e no o interesse de poucos, contudo, no Brasil h um grande volume
de recursos destinados aos grupos econmicos que financiam as campanhas
eleitorais, h sim, pessoalidade;
6. Na monarquia o interesse coletivo e no de poucos; na repblica a vontade
popular e no de alguns; contudo, no Brasil, pela ausncia de partidos polticos
estruturados, prevalece o toma-l-da-c de cargos e de nomeaes, que transfor-
mou o Estado num loteamento de interesses exclusivamente privados;
7. Na monarquia h o patrimonialismo, isto , o patrimnio de Estado do rei e
de sua famlia; na repblica h a coisa pblica (res publica), isto , o Estado de
todos, serve a todos e deve distribuir riquezas para reduzir as desigualdades
sociais, contudo, no Brasil o enriquecimento dos detentores de cargos pblicos
sempre mal explicado, a coisa pblica serve aos interesses privados, e o patri-
monialismo continua a todo vapor;
8. Na monarquia h palcios, prncipes, princesas, viscondes, condes e fidalgos; na
repblica h cidados e to somente cidados, e todos so iguais perante a lei sem
nenhuma distino, contudo, no Brasil h o chamado carteirao, o sabe com
quem est falando e toda sorte de privilgios aos detentores de cargos pblicos e
pessoas que possuem influncias graas ao poder poltico e econmico;
9. Na monarquia, h a religio oficial; j na repblica h a pluralidade de religies,
no h uma religio oficial, contudo, no Brasil, as bancadas neopentecostais es-
to arruinando o Estado laico;
10. Na monarquia, a famlia real tem limites de gastos, os filhos nascem predestina-
dos para os cargos que iro ocupar; na repblica h a alternncia no poder, todos
tm acesso aos cargos pblicos, no somente alguns poucos; contudo, no Brasil,
as famlias do poder que se instalaram no Congresso Nacional, nas assembleias
legislativas e nas cmaras municipais, cada vez mais elegem seus filhos e apani-
guados, provando que os custos das campanhas eleitorais so um fator de grande
excluso para a participao popular na poltica;
29
O que o Brasil
11. Na monarquia, o rei tem que ser culto e possuir uma civilidade exemplar, ao es-
tilo da Corte, para guiar os destinos da nao; na repblica, o povo escolhe seus
lderes e no fica refm das famlias e de grupos que esto no poder desde sem-
pre, contudo, no Brasil, diante do esvaziamento das lideranas polticas, pelo
regime militar, h uma grande ausncia de lderes, com cultura, conhecimento
e acima de tudo senso do dever pblico;
12. Na monarquia, fala-se em impunidade, aos amigos do rei tudo, aos inimigos do
rei, os rigores da lei, assim a lei desigual na sua aplicao; na repblica a lei
igual para todos, contudo, no Brasil a lei mais igual para alguns e menos igual
para outros. Valem os ditados populares: quem no tem padrinho morre pago
e aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei.
Certamente o Brasil ainda est na transio da monarquia para a repblica, e talvez,
se a famlia real no tivesse sido exilada, tivssemos rei, rainha e tudo mais, com muito me-
nos custos para os cofres pblicos.
Afinal, a conta da corrupo em nosso pas estimada em 100 (cem) bilhes ao ano, e
certamente uma famlia real sairia muito mais barato ao povo, mas isto passado, pagamos
caro para a proclamao da repblica, uma quartelada de rompante, bem-sucedida, mas que
ainda no foi implantada no pas.
Falta-nos uma substancial reforma poltica e leis penais severas contra os crimes con-
tra a Administrao Pblica, mas isto um sonho Republicano bastante distante.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
30
Breves notas sobre o Anurio Brasileiro de Segurana Pblica 2014
12 nov. 2014
No Brasil no podemos mais falar no brasileiro cordial (Srgio Buarque de Holanda),
nem no homem conciliador (Gilberto Freyre).
A sociedade brasileira altamente violenta, seja nos elevados nveis de homic-
dios, das mortes no trnsito e apesar dos esforos governamentais, pela misria ainda,
de dez milhes de brasileiros.
Outrora o catecismo ensinado pelos padres no Brasil colonial aos escravocratas era mo-
derao e benevolncia e para os escravos pacincia, resignao e obedincia (Leonardo Boff)1.
Os reflexos histricos desta pregao crist nunca deram conta dos desafios da necessria pa-
cificao histrica que deve ser promovida pelos governos municipais, estaduais e pela Unio.
Quando se estuda a violncia no Brasil cogitam-se solues penais e de represso po-
licial, mas no se estudam os necessrios investimentos sociais e na preveno dos delitos.
a lgica do tratamento das consequncias e no das causas.
Por outro lato, os crimes do colarinho branco e de alto escalo social, no entram nas es-
tatsticas porque, ainda no Brasil, a grande exceo que os ricos e dirigentes da poltica e tribu-
nais no sejam enviados para o regime de recluso e ocupem, efetivamente, as penitencirias.
Esta impunidade dos estratos superiores da sociedade brasileira corri, desde
sempre, as nossas instituies. Reina a desconfiana sobre o cumprimento das leis, nos
polticos e no Estado brasileiro.
O instrumento da violncia no Brasil a arma de fogo (71,1% dos casos), mas a legis-
lao probe aos cidados portarem armas para se defenderem. a proteo e a segurana
legal aos que delinquem.
Vive-se um estado de insegurana pblica.
De outra sorte, as eleies de 2014, do Legislativo e Executivo, traduzem a baixssima
possibilidade de renovao na poltica, posto que a grande parte dos eleitos produto da
mquina do financiamento das campanhas eleitorais.
1 BOFF, Leonardo. Quo cordial o povo brasileiro? In http://leonardoboff.wordpress.
com/2014/10/31/quao-cordial-e-o-povo-brasileiro/
31
O que o Brasil
Editado pelo Frum Brasileiro de Segurana Pblica o Anurio2, deste ano, trouxe
dados atuais para refletirmos:
1. A cada 10 minutos uma pessoa assassinada no Brasil. A violncia armada
representa 71,1% em 2013;
2. 81% concordam que fcil desobedecer s leis no Brasil;
3. 32% confiam no Poder Judicirio. 33% confiam na Polcia e 48%, no Ministrio Pblico;
4. 192 bilhes (2013) so os custos com a violncia, segurana pblica, prises e uni-
dades de medidas socioeducativas;
5. Em cinco anos os policiais brasileiros mataram o equivalente ao montante de
trinta anos nos EUA;
6. Quanto ao Poder Judicirio, 4% acreditam que rpido; 29%, que honesto e 32%
confiam nele;
7. Ainda no item confiana, os menos confiveis so Partidos Polticos (6%), Con-
gresso Nacional (17%), e Governo Federal (31%). E os mais confiveis: Foras
Armadas (65%), Igreja Catlica (55%) e Ministrio Pblico (48%);
8. Quanto honestidade, a maioria dos juzes (55%), a maioria dos policiais (51%), a
maioria dos advogados (44%) so honestos;
9. Quanto s leis: 81% ( fcil desobedecer as leis no Brasil e, sempre que possvel,
as pessoas escolhem dar um jeitinho ao invs de seguir as leis) e 57% (existem
poucas razes para uma pessoa seguir as leis no Brasil);
10. No Distrito Federal onde os entrevistados mais acreditam que as pessoas es-
colhem o jeitinho (84%).
Enquanto as instituies estiverem naufragando na credibilidade e na confiana do
povo brasileiro, no se pode afirmar que vivemos numa democracia.
Somos ainda aspirantes a um Estado que distribua justia e bem-estar social.
Muitas leis, pouco direito. Muitas instituies, pouca confiana. Muitos culpados,
poucos condenados. Muitos discursos, pouca efetividade.
A refundao tica, moral e jurdica, no Brasil, passa por uma reinveno do Estado
brasileiro. Todos ns somos resultado da Histria que fazemos e vivemos.
2 Frum brasileiro de Segurana Pblica, 2014, In http://www.forumseguranca.org.br/
produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica/8o-anuario-brasileiro-de-seguranca-publica
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
32
Das razes para votar e ser votado
13 out. 2014
O fenmeno da escolha no momento do voto, ainda um mistrio para publicitrios,
cientistas polticos, jornalistas, malandros e curiosos.
A beleza encanta eleitores, o discurso pela mudana ou do time que est ganhando
no se mexe, o slogan ou frase de efeito, a abundncia de aparies, na televiso, nas redes
sociais, em cartazes e nas notcias, segurar criancinhas, rezar em missas e cultos, comer
buchadas de bode e pratos tpicos, tudo vale votos.
A ausncia de escolaridade na maior parte do eleitorado brasileiro combinada com as
promessas de soluo para as carncias sociais, repete a velha elite poltica brasileira reno-
vada por filhos, netos, sobrinhos, primas e toda parentela; o continusmo a marca na pol-
tica brasileira e nos poderes constitudos. Poucos dominam a manada. O enlace dos meios de
comunicao, instituies financeiras e grandes empresas faz o resto.
Os partidos apresentam-se como agremiaes obrigatrias, cujo clculo do tempo de
exposio vale ouro para emplacar candidaturas. Milhares, milhes e bilhes so doados
pelos grandes e mdios grupos econmicos, bancos, construtoras e empresas de interesses
variados, tudo visando contratos com o Estado e favores diversos.
Cada um tem um preo, e assim se constri a frgil democracia brasileira que combi-
na obras e servios para o Estado com o financiamento de campanhas eleitorais.
A pequena parcela de pessoas que disputam um cargo no poder legislativo e executi-
vo, no tem formao apropriada para exercer o cargo que pretendem. No executivo, ausen-
te um mnimo de conhecimento ou competncia em gesto ou administrao, no legislativo,
qui o conhecimento bsico de como funcionam as leis e a Constituio.
A campanha uma corrida pela exposio, pelo sorriso, pelo discurso que o eleito-
rado quer ouvir. Um misto de sensaes, palavras, emoes e imagens. Uma construo
frgil e com tempo curto para entreter, distrair e convencer o eleitorado a votar em
determinado personagem.
A racionalidade da escolha superficial; o que conta o emocional, o lrico, o conceito
abstrato. Voto nele porque ele bom, voto nela porque mulher, voto nesse ou naquele, por
33
O que o Brasil
que os polticos no merecem meu voto, voto porque bonita, da minha religio, porque
prometeu etc., e assim caminha a linguagem abstrata do convencimento para teclar nme-
ros na urna eletrnica.
O acompanhamento das aes, das promessas eleitorais ou da coerncia da atividade
no executivo ou parlamentar, praticamente no existe. O lamaal de denncias ou escndalos
redunda, em muitos casos, no famoso rouba, mas faz ou no mero esquecimento das massas
pelo futebol, pelo final da novela ou por novos escndalos que se sucedem toda semana.
A vida segue, a girndola roda e as eleies repetem a espetacular teia de acertos e
conchavos na qual o povo uma engrenagem facilmente conduzida.
Sem a revoluo na educao no mudaremos este cenrio vicioso e mal-acabado, que
chamam de democracia.
Entre as razes para votar e ser votado h o enorme interesse econmico em man-
ter tudo como est para ver como que fica. Mudanas no cenrio da segurana pblica,
da sade e na educao so apenas promessas que se esvaziam e se repetem de dois em
dois anos, nas eleies.
Enquanto isso, o Brasil est se desindustrializando; estamos cada vez mais atrs
nos rankings mundiais na educao; a produo cientfica do Brasil insignificante, nos
esportes rareiam as medalhas e na gesto do dinheiro pblico o Estado continua corrupto
e insacivel na tributao.
Precisamos de um projeto nacional para mudar esta realidade; nossas leis, as eleies
e a democracia ainda no nos bastam e no resolveram nossos dilemas histricos.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
34
A misria das propostas eleitorais no Brasil
11 set. 2014
Das propostas eleitorais em voga, podemos afirmar que todas tratam de sade, edu-
cao e segurana, as que combatem a corrupo de Estado e prometem alterar ou melho-
rar o cenrio poltico brasileiro sem enunciar que tipos de mudanas sero feitas ou como
objetivamente ocorrero.
Dos candidatos ao Poder Executivo, da Presidncia da Repblica e dos Governadores
dos Estados, podemos classificar as propostas em:
a. Genricas, com temas amplos e sem a explicao de como sero implantadas, ten-
dem a ser esquecidas e repetidas por todos os candidatos;
b. Dependentes do Poder Legislativo para aprovao, tais como reforma poltica, tri-
butria etc, que no dependem exclusivamente do Poder Executivo;
c. Fantasiosas ou utpicas, propostas que no tm a mnima condio de serem im-
plantadas em decorrncia da insuficincia de oramento;
d. De longo prazo, propostas que ultrapassam o mandado, mas que mesmo as-
sim, so enunciadas;
e. De marketing poltico, aquelas que devem ser enunciadas em decorrncia de pes-
quisas de opinio eleitoral e de tendncias recentes s eleies.
Dos candidatos ao poder legislativo, de senadores, de deputados federais e depu-
tados estaduais:
a. Genricas, com temas amplos e sem explicao de que forma sero implementa-
das pelo Poder Executivo. No nos esqueamos de que o Poder Legislativo apenas
prope e vota as leis;
b. Inconstitucionais, propostas que no sero votadas, pois flagrantemente incons-
titucionais, mas do gosto popular; pena de morte, priso perptua etc;
c. De outra esfera de governo; por exemplo, de leis de competncia federal, enunciadas
por candidatos de esfera estadual e vice-versa;
d. De polticas de governo, propostas que so eminentemente de competncia do
Poder Executivo e que jamais podero ser implantadas pelo Legislativo;
35
O que o Brasil
e. De marketing poltico, aquelas que devem ser enunciadas em decorrncia de
pesquisas de opinio eleitoral e de tendncias recentes s eleies.
H numa faixa de candidatos com a completa ausncia de propostas, em tom de goza-
o, deboche ou negao poltica, ou focadas em pessoas que exerceram funes de noto-
riedade pblica, humoristas, jogadores de futebol, cantores, atores, religiosos etc.
E por fim, h temas que no esto na pauta de discusso dos polticos, pois podem
ferir sentimentos de parcela do eleitorado ou interesses dos financiadores de campanha, so
temas esquecidos ou intocveis, mas que interessam grande maioria da populao.
Alguns desses temas proibidos: juros bancrios e grandes obras (dos financiadores de
campanhas, bancos e construtoras); mobilidade urbana (as cidades esto um caos); sistema
prisional (idem); poder judicirio (lentido dos processos e ausncia de democracia interna);
educao e polticas de privatizao (o alto custo e a baixa qualidade); qualidade dos servios
de telefonia, internet (os mais caros do mundo com baixssima qualidade e sem fiscalizao);
poltica salarial dos trabalhadores; reforma agrria (em choque com os setores do agrobusi-
ness); crescimento sustentado; polticas econmicas e industrializao; reforma poltica (em
choque com os interesses da prpria classe poltica); reforma tributria (com a consequente
distribuio de rendas para os municpios e estados geradores de riquezas); remunerao dos
agentes polticos (em constante aumento e em choque com os interesses da classe poltica);
estado laico (em contraposio s bancadas religiosas e seu poder econmico).
Todos, sem exceo, so contra a corrupo, embora vivamos num Estado corrupto.
Nos debates de candidatos vemos a alternncia de acusaes e personalismos, h uma
completa ausncia de propostas, projetos, modos de gesto para implant-los. Discutem-se
personalidades e no projetos.
Em sntese, h uma aridez nas propostas e um verdadeiro deserto de discusses sobre
temas que verdadeiramente interessam populao.
No nos sentimos representados pelos candidatos que a esto e nem motivados pelos
cavaletes espalhados pela cidade. A propaganda eleitoral no rdio e na televiso uma repe-
tio de enunciados vazios e incoerentes; o tdio a marca dos programas eleitorais.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
36
No nos sentimos motivados para votar. Prossegue, historicamente, a falsa renovao
gerada pelas famlias e parentelas do poder.
H uma descrena na poltica; vota-se porque o voto obrigatrio.
H uma tremenda falta de lideranas, faltam partidos polticos, falta participao e
h uma grande omisso dos cidados. Isso tudo propicia a ascenso e a manuteno da classe
poltica que nos governa e transforma o Brasil num pas essencialmente atrasado, cartorial,
corrupto, sem tica, e patrimonialista.
A misria das propostas elege nossa classe poltica; no podemos reclamar; somos
resultado desse amlgama de pessoas que se dispem a nos governar e legislar.
37
O que o Brasil
O Brasil e o Futuro da Democracia
26 ago. 2014
famosa a frase dita por Abraham Lincoln em discurso: A Democracia o Governo
do Povo, pelo Povo, para o Povo.
O Brasil busca a modernidade e aqui afirma-se que estamosnuma democracia.
Ser?
Em pesquisa recente da USP sobre a democracia brasileira, 79% dos entrevistados
consideram no haver igualdade perante a lei no pas, 64% no tm confiana no Poder Ju-
dicirio, 76 % no confiam no Congresso Nacional, 86% no confiam nos partidos polticos,
45% acham que a democracia pode funcionar sem o Congresso e 46%, sem os partidos.1
Neste cenrio ps-ditadura militar, quando j se passaram vinte e sete anos da
promulgao da Constituio de 1988, temos alguns dilemas ainda no resolvidos:
1. Os partidos polticos no so representativos do povo e no possuem sequer ideolo-
gia, ou programa de governo. Representam grupos de interesses com personalida-
des que se lanam candidatos. No h, nem internamente, democracia nos partidos;
2. O coronelismo poltico no interior do Brasil, gerado pela troca de recursos pblicos
com os carentes de recursos, ainda elege s custas dessa massa humana de manobra;
3. A existncia ainda do toma-l-da-c de recursos pblicos, que moeda de troca nos
apoios em votaes do Congresso Nacional com o Poder Executivo, das assembleias
legislativas com os governadores e das cmaras municipais com os prefeitos;
4. O clculo do voto de legenda, no qual os candidatos bem votados aumentam o
coeficiente eleitoral e elegem os candidatos menos votados (sem representao
direta), a exemplo de partidos nanicos;
5. Os volumosos recursos das campanhas eleitorais doados por corporaes, grupos
financeiros ou setores de interesse e o posterior comprometimento dos eleitos
que, muitas vezes, no representam os interesses do povo ou da maioria;
6. O grave problema da corrupo endmica no Estado que se alastra em estatais,
ministrios, secretarias de governo estaduais e municipais e rgos pblicos, con-
jugado com a tradicional e histrica impunidade do sistema jurdico brasileiro;
1 http://josealvaromoises.com.br/2014/06/17/falhas-do-imperio-da-lei-e-suas-implicacoes/
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
38
7. O grande dficit democrtico na escolha dos membros diretivos dos tribunais pela
no participao das bases corporativas que representam, nem muito menos do
povo (veja o exemplo democrtico das eleies e escolhas nos pases desenvolvidos);
8. O decrscimo no nvel de qualidade da escolaridade na populao brasileira, a
ausncia de investimentos estratgicos na educao e a consequente perda da
conscincia poltica e da importncia na democracia;
9. A corroso do Estado laico (que no possui religio) e o grande avano das banca-
das das novas religies de massa;
10. A ausncia de uma reforma poltica que possa retirar, democraticamente, muitos
dos atuais atores da poltica brasileira e as suas oligarquias familiares, e realmen-
te renovar a elite poltica brasileira (exemplo das reeleies do Poder Executivo e
na no desincompatibilizao dos membros do poder Legislativo);
11. O grande dficit em projetos de desenvolvimento econmico e a ausncia de re-
forma tributria para distribuir estrategicamente os recursos pblicos em prol
do desenvolvimento.
Acima disso, h, sobretudo, uma crise institucional, moral e tica, no sentido de que o
capitalismo internacional produziu a sensao de abandono coletivo e a ausncia de repre-
sentao de interesses do povo.
Falta-nos o comprometimento do Estado com as causas sociais, com a gesto estratgi-
ca do Estado. Falta-nos uma elite poltica que seja comprometida e governe pelo povo e para
o povo e no para os seus interesses pessoais (patrimonialista).
Algum dia, no futuro, teremos uma democracia no Brasil.
39
O que o Brasil
O poder das frases de efeito e o futuro do Brasil
19 ago. 2014
Senso crtico o exerccio de reflexo, nova anlise, dos fatos que nos cercam no dia a
dia. Todos ns avaliamos nossas aes, nossos atos e suas consequncias.
A tica e a moral se valem da avaliao das condutas que, se tomadas, desencadeiam
consequncias. Os conceitos do bem e o mal orientam as atitudes.
O senso crtico serve para se avaliar se tal ou qual conduta est ou no, correta dentro
de um mundo de valores.
Em sntese: os valores morais, religiosos, familiares, filosficos e legais deveriam
orientar a conduta das pessoas.
O senso crtico serve para questionarmos tudo isto e avanarmos para o aprimora-
mento das nossas condutas, das nossas instituies, e, por que no dizer ?, do nosso pas.
Votar uma atitude de anlise de valores.
No cenrio atual as redes sociais tm ganhado espao nos jovens. Apesar de termos
os infoexcludos, isto , aqueles que no esto conectados com as mdias de informtica,
expressiva parcela dos jovens brasileiros tem se conectado por torpedos no celular,
whatsApp, twiter, facebook, instagram, e-mails e tudo mais que serve para incessantemente
passar informaes uns aos outros.
Falar ao telefone tornou-se raro, remeter uma carta escrita pelos correios algo em
extino, ler livros para poucos.
A onda da comunicao rpida tem consigo mensagens curtssimas, de baixo conte-
do. O contato presencial entre as pessoas escasso, todos esto correndo busca de tarefas e
ao mesmo tempo se comunicam por meio de mensagens telegrficas; em resumo, uma frase
ou palavra resumem tudo.
Tudo ao mesmo tempo: falar e teclar mensagens, andar na rua e olhar para aparelhos
celulares, mandar torpedos ao volante ou enquanto se alimenta. A vida se encurtou pela
grande quantidade de mensagens que se remetem e se respondem.
As informaes so curtssimas, uma linha, uma palavra. No se constroem mais pa-
rgrafos. Rareiam a introduo, o desenvolvimento e as concluses.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
40
A linguagem se reduz dia aps dia.
Num mundo desses impossvel ficar meia hora com algum sem que o telefone to-
que, sem que a pessoa no se distraia, sem que tenha que responder a uma mensagem.
A epidemia do ebola uma realidade que espera chegar ao mundo desenvolvido e a
outros continentes. A violncia urbana corre a passos largos. A corrupo do Estado aumen-
ta e cobra seu preo antes e depois das eleies. A mobilidade urbana fica no discurso. Todos
os assuntos so discutidos de forma superficial.
Neste momento eleitoral as propostas de candidatos (as) so um amontoado de frases
de efeito. Fala-se o que o eleitor deseja escutar.
Palavras, gestos, imagens.
No h uma construo intelectual ou de profundidade nas propostas.
Os temas so vagos e gasosos.
Efetivamente no se tem conhecimento de como o Poder Legislativo ir legislar ou
como o Poder Executivo ir governar. O passado pode nos dizer algo, mas no temos tempo
para analis-lo, pois a vida corre.
Os partidos polticos so incolores.
Sem sabermos ao certo o que ser dos nossos destinos coletivos ou qual o futuro pol-
tico, vivemos a superficialidade das frases de efeito.
O destino do Brasil merece uma profunda reflexo crtica.
41
O que o Brasil
As coincidncias entre o Futebol e o Estado Brasileiro
08 jul. 2014
A propsito da Copa de 2014 do Mundo e a partida entre a Alemanha e o Brasil, lista-
mos alguns pontos de contato entre o futebol e o Estado brasileiro.
O Direito, em face da Copa do Mundo, recebeu vrias inovaes pelas imposies do
Caderno de Exigncias da FIFA, e todo o pacote de alteraes transitrias s quais se subme-
teu o Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014.
Em 2006 foi confirmada a Copa no Brasil.
Tivemos oito anos para realizar toda a infraestrutura necessria, tal como a modernizao
dos aeroportos, das vias urbanas, dos metrs, da mobilidade, da estrutura hoteleira e muito mais.
A seleo brasileira teve oito anos para se preparar. Mas, tambm em matria de
futebol, deixamos tudo para a ltima hora, para o ltimo minuto, para o ltimo jogo,
para a ltima tentativa.
Antes da partida entre Brasil e Alemanha, no nibus da seleo se ouviam sambas e
pagodes, muita alegria, pouco foco e nenhuma concentrao, tudo iria dar certo.
No deu.
Foram construdos, a toque de caixa, doze estdios; alguns, milionrios; outros, bilio-
nrios, com capacidade reduzida de espectadores.
A estrutura do futebol brasileiro est nas mos de alguns clubes, talvez doze, na sua
maior parte, altamente endividados na Previdncia Social. A estrutura da base do futebol
brasileiro praticamente no existe, e nossos craques so na maior parte exportados para os
outros continentes ricos, organizados e prsperos.
A paixo nacional o futebol, somos a ptria de chuteiras, o pas da bola. Vale a emo-
o. Pensamos que no final tudo d certo, contamos com a superstio, com o acaso, com a
sorte, com a jogada espetacular.
No Estado brasileiro no temos planejamento; a racionalidade e o planejamento no fazem
parte da agenda dos governos. As obras de ocasio guiam nossos governantes e o Legislativo.
Nossa seleo perdeu de goleada, sete, um nmero mgico; at agora no aceitamos
isto. Dois viadutos ruram, e at agora no sabemos o que aconteceu. Ou melhor, no fundo,
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
42
sabemos exatamente o que ocorreu. Sabemos que depender da sorte no garantia de xito,
nem nos jogos de azar.
A participao do Brasil nas Olimpadas tambm no , nem nunca foi significativa. No
temos poltica de Estado nos esportes; rareiam as medalhas. O futebol no foge mais desta lgica.
A grande lio que podemos tomar deste episdio: precisamos de planejamento estrat-
gico e temos que banir a corrupo das estruturas cartoriais do futebol e do Estado brasileiro.
Os sete baldes de gua fria que recebemos podem nos despertar do bero esplndido.
necessrio que conquistemos um Estado que garanta aos seus cidados a sade e
a educao de alta qualidade e inteiramente gratuita, que garanta segurana, mobilidade
urbana com dignidade de primeiro mundo, essa a verdadeira Copa do Mundo, a copa das
nossas vidas, no nosso cotidiano.
Depois viro as outras Copas!
43
O que o Brasil
A Copa do Mundo nossa
19 maio 2014
No Brasil, herdeiro de quatrocentos anos de escravido e as mais variadas diferenas
sociais, quatro elementos unem a sociedade, so eles: o futebol, o carnaval, a praia e Deus.
A causa fundamental das manifestaes est no fato de que poucos podero assistir
s partidas dentro dos estdios. Aps a Copa seguramente os estdios se tornaro espaos
de poucos afortunados. Lembremos a extino das gerais no Maracan; a regra de ouro da
FIFA afastar o povo dos estdios.
De outra sorte, os jogadores da seleo, na sua maioria, no esto dentro dos cam-
peonatos brasileiros, mas na primeira diviso dos campeonatos europeus. Passes milio-
nrios e arrivederci, Brasile!
O carnaval, pertencente s escolas de samba e seus financiadores, cada vez mais
longe do povo. Ressalve-se o ressurgimento dos blocos de rua no Rio de Janeiro ocorrido
h uns quatro anos atrs.
Sobram a praia e Deus.
A falta de segurana e a ausncia de ordem, seja na segurana pblica, na alta taxa
mortes no trnsito ou na impunidade dos crimes de colarinho branco, atestam a vigncia da
Lei de Gerson, cada um tem que sempre levar vantagem em tudo.
Quando a Copa comear, daqui a poucos dias, viro as manifestaes populares pela
grande contradio que se estabeleceu entre o luxo dos estdios e a falcia governamental
na segurana, na educao e na sade pblica.
O legado da Copa ser a descoberta de que o Brasil tem recursos pblicos para erguer
grandes obras, estdios bilionrios, mas que realmente no d a mnima para o povo, cada
vez mais exaurido pelo fisco, refm da sade e do ensino privados.
Falta-nos a determinao e um mnimo de gesto da coisa pblica, em todos os nveis
da Federao brasileira.
Falta-nos vergonha na cara para no elegermos a canalha que nos dirige h mais
de 500 anos, falta-nos a leitura da Constituio que assegura um mar de direitos e ns
d bacias de gua fria.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
44
Cada centavo que ergueu os estdios foi pago com o trabalho e o suor de milhes de
brasileiros. hora de dizermos um no ao descaso sade, segurana pblica, precariza-
o da educao, ausncia de mobilidade nas cidades, rodovias e aeroportos.
A Copa do Mundo nossa. Quando o Brasil nos pertencer?
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O que o Brasil
Reviso histrica dos heris de 1964
17 abr. 2014
No h duas histrias;h verses comprovadas ou no. Tnhamos um presidente elei-
to que foi deposto por um golpe militar.
A vivncia republicana foi prejudicada e diante de fatos altamente reprovveis sob o
ponto de vista da moralidade, dos direitos humanos, da cidadania, da tica, da democracia,
da justia e da Repblica brasileira; podemos lanar as seguintes premissas:
O perodo abrangido pela ditadura militar brasileira se deu de 31 de maro de 1964 at
15 de maro de 1990 com a posse de Collor de Mello, portanto, 26 anos de durao.
Pelos crimes de Estado praticados neste perodo, independente da Lei de Anistia (que
inconstitucional pelos julgamentos recentes da Comisso Interamericana de Direitos Hu-
manos), todos os crimes devem ser investigados e punidos, em especial, os crimes de seques-
tro e desaparecimento, crimes permanentes que no prescrevem.
Todas as homenagens efetuadas neste perodo devem ser revistas, a construo do
iderio local, regional e nacional sobre personagens que apoiaram, foram atores principais
ou contriburam, direta ou indiretamente para o regime autoritrio, merecem reviso.
Essa reviso deve ser feita por lei de carter nacional, autorizadas as assembleias legisla-
tivas, cmaras municipais e o Congresso Nacional para constiturem comisso para este mister.
Qualquer manifestao de carter local, regional ou nacional, especialmente em clu-
bes militares, academias de polcias militares ou congneres, deve ser punida na forma mi-
litar disciplinar competente.
Quanto redemocratizao do pas e o fortalecimento da Democracia, para se evitar
qualquer sombra de retorno dos militares ao poder recomenda-se:
1. O fortalecimento incondicional do Ministro da Defesa, que deve ser sempre um civil;
2. Desministerializao completa das foras armadas, perda absoluta do status de
ministrio das trs foras armadas;
3. A despolitizao de clubes militares, reavaliando-se a continuidade das manifes-
taes polticas dos inativos;
4. Completo repdio a qualquer tipo de comemorao do golpe militar de 1964 e a
seus atores principais e secundrios com a edio de lei a respeito do tema;
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
46
5. Retirada de todas as auto-homenagens, medalhas e similares daqueles que fo-
ram os principais atores do golpe militar;
6. Ressignificao do sentimento histrico que ensinado de forma deturpada e
ideologizada de modo ditatorial nas academias militares quanto tomada de
poder pela fora e dos atos arbitrrios que foram praticados naquele perodo;
7. A (re) construo do princpio de absoluta submisso dos militares ao poder civil
democraticamente eleito.
Esta foi a sntese do painel proferido no dia 31 de maro de 2014 no evento Debate sobre
o Direito e os 50 anos do golpe de 1964, promovida na Universidade Tuiuti do Paran, com
apoio do Centro Heleno Fragoso de Direitos Humanos e o Instituto Cidadania, tica e Justia.
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O que o Brasil
Algumas razes dos rolezinhos brasileiros
19 jan. 2014
O rolezinho uma manifestao social. Vamos aos sentimentos que podem ser os
motivos para explicar um pouco este recente fenmeno:
No podemos comprar o que est dentro dos shoppings. Vamos trabalhar como
serviais, zeladoras, seguranas, vendedoras, garagistas e domsticas que sempre
vo servir e no protagonizar os espaos de domnio econmico social. E, quem
sabe?, vamos concluir um curso superior e, por um acaso de uma genialidade e de
esforo, poderemos chegar presidncia do Supremo Tribunal Federal.
Mesmo que algum acerte o bilhete premiado da mega-sena, no ser admitidos
nos crculos sociais pelos que frequentam esses espaos.
O Bolsa famlia no nos permite comprar nos shoppings, nem mesmo consumir
os sanduches industrializados que vendem l. No mximo conseguimos atender
aos que comem l.
Algum conhecimento em informtica nos permitiu fazer um ORKUT e agora
o FACEBOOK, e isso nos une pela msica, pela classe social e pela maneira de
pensar o mundo.
A gritaria das ruas foi implodida pelos blacbloks, e no somos marginais que que-
bram tudo e entram em choque com a polcia. Queremos direitos que nos foram
assegurados desde h muito, e muito pouco colocados em prtica.
Vamos fazer a transposio do carnaval para outros lugares, com enredo e a ba-
tida da senzala. Depois do samba, atualizamos para o funk e outras batidas musi-
cais. No vamos nos limitar quarta-feira de cinzas.
As cotas raciais e sociais so muito pouco para nos libertamos da pobreza que
nos imposta. Queremos cultura, queremos educao, queremos poder aquisi-
tivo, queremos, acima de tudo nos sentirmos vitoriosos. Somente unidos vamos
conseguir isto.
No seremos mais enganados pelos partidos polticos e pelos poderes constitudos
que no nos representam e que nunca nos representaram. Somos brasileiros e
merecemos cidadania e respeito na real!
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
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As razes dos reis
18 dez. 2013
A ideia do governo comandado por famlias reais remonta a egpcios, hebreus, cal-
deus, romanos e muitos outros povos do Oriente Antigo.
Fala-se inclusive da comunicao dos reis com deuses.
H quem especule que os deuses eram extraterrestres que deram poderes sobrenatu-
rais para os reis governarem a turba rude e ignara.
Seja como for, os reis governavam at onde iam suas foras fsicas e mentais e eram
sucedidos por seus abenoados filhos ou descendentes.
A histria poltica paranaense repleta de continusmos, famlias e sobrenomes que
se sucedem nos poderes, como se acreditassem num carter divino que concede a eles o di-
reito de exercerem o poder sobre o povo esse ente indefinido e inodoro.
J faz tempo, a ideia do poder monrquico foi suplantada pelas Revolues Francesa
e Americana, dos fins do sculo XVIII.
As famlias reais europeias reinam, mas no governam; ficaram reduzidas a uma es-
pcie de novela das oito para o divertimento dos sditos.
Vive-se a alternncia no poder porque se sabe que quem o exercita tende a cometer
abusos, mesmo nas democracias.
Os reis exerciam o poder absoluto por se julgarem infalveis, sbios e investidos de
algo sobrenatural. A eles o povo devia reverncia, o beija-mo, o ajoelhar e abaixar a cabea.
A ideia ressurgida neste ente enigmtico intitulado FunCAP do Clube Atltico Pa-
ranaense, no nova na histria do mundo ocidental. Porm, j foi testada por sculos e se
concluiu que a melhor forma de administrao, com todos os seus defeitos, ainda a demo-
cracia, com a alternncia no poder.
Reis e ditadores existiram na histria brasileira, mas isto acabou.
Numa democracia, seja na poltica ou no futebol, apenas podemos conviver com reis
Momos, a Festa de Reis e o Rei Pel, mais ningum!
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O que o Brasil
Algumas consideraes sobre a delao premiada
05 dez. 2014
1. O que delao premiada
A delao premiada a entrega pelo delator de detalhes do crime, dos autores, dos
coautores, do produto do crime e da possibilidade de recuperao do produto do crime,
em troca de uma reduo ou alterao substancial da pena. No direito comparado tem-
se similitude nos EUA (plea bargaingin), na Espanha (delincuente arrependido) e Alemanha
(Kronzeugenrelegelung).
O Supremo Tribunal Federal apreciou o instituto em 1997 (HC 75261/MG Min. Oc-
tavio Gallotti), conferindo-lhe constitucionalidade.
As previses normativas recentes no direito brasileiro em matria de delao premia-
da encontram-se nas seguintes leis:
1. No Cdigo Tributrio Nacional, Lei 5.172/66, art. 138, quando se criou a figura da
delao espontnea que prev que a responsabilidade excluda pela denncia
espontnea da infrao, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo de-
vido e dos juros de mora, ou do depsito da importncia arbitrada pela autoridade
administrativa, quando o montante do tributo dependa de apurao;
2. Na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, 7.492/86, art. 25, 2
(confisso espontnea): se o delator revelar a trama delituosa, ter sua pena redu-
zida de um a dois teros;
3. Na Lei dos Crimes contra a Ordem Tributria e Econmica, 8.137/90, com nova
redao dada pela Lei 8.176/91, art. 16, pargrafo nico (confisso espontnea):
ter a sua pena reduzida de um a dois teros;
4. Na Lei 9.269/96 que alterou o Cdigo Penal no art. 159, 4 (colaborao em crime
de extorso mediante sequestro); neste caso, se o delator denunciar autoridade,
facilitando a libertao do sequestrado, ter sua pena reduzida de um a dois teros;
5. Na Lei de Proteo a Vtimas e Testemunhas 9.807/99, art. 14 (colaborar voluntaria-
mente): o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigao
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
50
policial e o processo criminal na identificao dos demais coautores ou partcipes
do crime, na localizao da vtima com vida e na recuperao total ou parcial do
produto do crime, no caso de condenao, ter pena reduzida de um a dois teros;
6. Na Lei de Drogas 11.343/06, art. 41 (colaborar voluntariamente): indiciado ou
acusado que colaborar voluntariamente com a investigao policial e o processo
criminal na identificao dos demais coautores ou partcipes do crime e na recu-
perao total ou parcial do produto do crime, no caso de condenao, ter pena
reduzida de um tero a dois teros;
7. Na Lei do Sistema de Defesa da Concorrncia, 12.529/2011, art. 86 (Programa de
Lenincia colaborar efetivamente) que prev que o Cade, por intermdio da
Superintendncia-Geral, poder celebrar acordo de lenincia, com a extino da
ao punitiva da administrao pblica ou a reduo de 1 (um) a 2/3 (dois teros)
da penalidade aplicvel, nos termos deste artigo, com pessoas fsicas e jurdicas
que forem autoras de infrao da ordem econmica, desde que colaborem efeti-
vamente com as investigaes e o processo administrativo, nos casos que tipifica;
8. Na Lei dos Crimes de Lavagem de Capitais, 9.613/88, com nova redao pela Lei
12.683/2012, art. 1, 5 (colaborar espontaneamente): a pena poder ser reduzida
de um a dois teros e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se
ao juiz deixar de aplic-la ou substitu-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de
direitos, se o autor, coautor ou partcipe, colaborar espontaneamente com as autori-
dades, prestando esclarecimentos que conduzam apurao das infraes penais,
identificao dos autores, coautores e partcipes, ou localizao dos bens, direitos
ou valores objeto do crime;
9. Na Lei Anticorrupo, 12.846/13, art. 7, VII, se prev que ser considerada, den-
tre outros, a cooperao da pessoa jurdica para a apurao das infraes, e no art.
16, (Acordo de Lenincia), se prev que a autoridade mxima de cada rgo ou en-
tidade pblica poder celebrar acordo de lenincia com as pessoas jurdicas res-
ponsveis pela prtica dos atos previstos nesta Lei, que colaborem efetivamente
com as investigaes e o processo administrativo, sendo que dessa colaborao
resultem os itens que disciplina nos seus incisos;
51
O que o Brasil
10. Na Lei de Organizao Criminosa, 12.850/13, art. 4 (colaborao premiada), se
prev que o juiz poder, a requerimento das partes, conceder o perdo judicial,
reduzir em at 2/3 (dois teros) a pena privativa de liberdade ou substitu-la pela
restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente
com a investigao e com o processo criminal, desde que dessa colaborao adve-
nha um ou mais dos resultados que tipifica.
2. A natureza jurdico-cnonica da delao premiada
A natureza jurdica de muitos institutos penais repousa no Direito Cannico, e neste
sentido, entendemos que os institutos que mais se assemelham delao premiada no Direi-
to Cannico so o do sacramento da penitncia e o das indulgncias que se encontram nos
cnones 959 e 992 no Cdigo Cannico da Igreja Catlica:
Cn. 959 No sacramento da penitncia, os fiis que confessem os seus pecados ao ministro legtimo, estando arrependidos de os terem cometi-do, e tendo tambm o propsito de se emendarem, mediante a absolvio dada pelo mesmo ministro, alcanam de Deus o perdo dos pecados come-tidos depois do baptismo, ao mesmo tempo que se reconciliam com a Igreja que vulneraram ao pecar.()Cn. 992 Indulgncia a remisso, perante Deus, da pena temporal, de-vida pelos pecados j perdoados quanto culpa; remisso que o fiel, devi-damente disposto e em certas e determinadas condies, alcana por meio da Igreja, a qual, como dispensadora da redeno, distribui e aplica auto-ritativamente o tesouro das satisfaes de Cristo e dos Santos. (Grifamos.)
A interlocuo entre o autor, coautor ou partcipe com a autoridade que investiga,
se assemelha interlocuo entre o fiel e o proco na confisso para a obteno do perdo
da pena cannica por meio da diminuio, atenuao ou alterao substancial da pena, por
outra de natureza diversa.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
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3. Sobre as tratativas delatrias e a reduo proporcional das penas ao delator
A tratativa da delao, entre acusado/indiciado e a autoridade que investiga, ocorre
em um nico momento processual, mas indubitavelmente, a barganha da pena passa por
tratativas mais longas, no sentido de que o estabelecimento da possibilidade da incidncia
do quantum debeatur da pena depender do grau e da amplitude da delao.
Note-se que nesta discusso, no h a figura do juiz, mas a da autoridade que investiga
e que posteriormente oferece a denncia. H sim, um prognstico da pena posto que se des-
conhece o grau de eficcia das provas e da comprovao ftica quanto delao oferecida.
No h a previso de um avano processual sistmico das tratativas, isto , um ponto
de no retorno (point of not return) das tratativas, posto que a amplitude da delao deve, em
tese, ser proporcional reduo da pena.
Assim, a amplitude da delao proporcional ao grau de informaes relevantes do
contedo da delao e a comprovao da ocorrncia dos delitos e seus autores.
Esta fase ainda investigatria, diante da delao por si, por no apresentar necessaria-
mente um grau de certeza e verdade para se inferirem certezas processuais, nem indcios sufi-
cientes, sem a persecuo penal e a comprovao dos elementos materiais e autorais da delao.
De outra sorte, haveria um compromisso entre o delator e a autoridade que investiga
para o aprimoramento e desenvolvimento da persecuo penal.
A reflexo da viabilidade, ou no, da delao seria eminentemente feita entre o advo-
gado e o delator, aps as tratativas com a autoridade que investiga, pois requer-se conheci-
mento tcnico quanto ao cumprimento da pena e sobre os prognsticos processuais.
Feito o acordo, desencadeia-se a fase de persecuo do resultado da delao, ou de
outras medidas para a comprovao delatria.
H nisto um compromisso processual penal, para o qual podemos recorrer ao dispos-
to no art. 852 do Cdigo Civil que prev:
Art. 852. vedado compromisso para soluo de questes de estado, de direito pessoal de famlia e de outras que no tenham carter estri-tamente patrimonial.
53
O que o Brasil
Apesar de prever especificamente o compromisso no Direito Civil, este o fundamento
para o Termo de Ajustamento de Conduta de interesses difusos coletivos e individuais homo-
gneos, prevendo a cominao de multa e outras medidas em caso de seu descumprimento.
Pondere-se que, apesar de a delao no possuir natureza privada compromissria,
parece-nos que h sim, um compromisso no momento da delao e a proporcionalidade da
imposio de pena. E, no obstante, o sistema de direito privado no se comunicar direta-
mente com o Direito Penal e Administrativo sabe-se que, por fundamento cientfico, o Direi-
to um todo integrado, racional e lgico.
O elemento patrimonial seria inerente aos delitos penais, posto que h a possibilidade da
indenizao por dano na ao ex delicto prevista nos arts. 63 a 67 do Cdigo de Processo Penal.
4. O contraditrio diferido na delao premiada e a questo das provas ilcitas
Na delao premiada a informao deve ser eficaz (HC 174.286-DF STJ), entretanto, a
eficcia da informao pode depender da investigao de fato ou pessoa, sem o contraditrio
pleno, isto , sem a divulgao do contedo da delao.
Nesta seara, entram em jogo princpios constitucionais e a possibilidade de, no curso da
investigao, surgirem exacerbaes indevidas ao devido processo legal. Contudo, avalie-se
que o inqurito no processo, e o contraditrio pleno est presente apenas na fase processual
penal e no na investigao que visa a formao e o desvelamento do iter criminis.
H a vedao da obteno de prova ilcita, nos termos do art. 157 do Cdigo de Pro-
cesso Penal, includa pela Lei 11.690/08:
Art. 157. So inadmissveis, devendo ser desentranhadas do processo, as pro-vas ilcitas, assim entendidas as obtidas em violao a normas constitucionais ou legais. (Redao dada pela Lei 11.690, de 2008) 1 So tambm inadmissveis as provas derivadas das ilcitas, salvo quando no evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Includo pela Lei 11.690, de 2008) 2 Considera-se fonte independente aquela que por si s, seguindo os trmites tpicos e de praxe, prprios da investigao ou instruo criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Includo pela Lei 11.690, de 2008) 3 Preclusa a deciso de desentranhamento da prova declarada inadmissvel, esta ser inutilizada por deciso judicial, facultado s partes acompanhar o incidente. (Includo pela Lei 11.690, de 2008)
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
54
Se a delao premiada for declarada invlida por ilicitude, esta declarao contamina
toda a sequncia de provas decorrentes da delao pelo nexo causal decorrente.
Vislumbra-se, por outro lado, a possibilidade de delaes sucessivas. Isto , na medida
em que acusados ou indiciados adentram o processo, vo celebrando acordos de delao,
reduzindo suas penas e incriminando toda sorte de coautores e partcipes.
Se todos delatarem todos, a pena ser reduzida conjuntamente, e o delito torna-
se atenuado. Neste sentido deve-se ter em vista a recuperao patrimonial decorrente
e no apenas a delao e a prova produzida em virtude das informaes surgidas a
partir da delao.
Forma-se a convico penal na fase investigatria, sem a regularidade do processo
pela ameaa das penas impostas. Neste sentido haveria a discusso relevante se se pode-
riam declarar nulas as delaes sucessivas, isto , aquelas decorrentes das delaes iniciais,
sem que ainda se tivesse formado completamente a persecuo penal antes mesmo do ofe-
recimento da denncia.
5. guisa de concluso
Ao fim de concluir, podemos afirmar que a delao premiada ainda carece de um iter
processual autnomo, inobstante o louvvel fim que se busca na reconstruo fidedigna do
delito e de seus autores.
A natureza jurdica da delao premiada procede de institutos do Direito Cannico,
no qual o processo inquisitrio incompatvel com as garantias processuais constitucionais,
mormente o da garantia da imparcialidade do poder judicirio.
Embora, se grifem em alguns diplomas legais a espontaneidade da delao no de
se supor a liberalidade neste agir, pois a motivao ao delinquente a reduo ou alterao
substancial da pena decorrente da delao.
Pelo alto grau de sofisticao da delinquncia patrimonial, mais refinados, se-
guros e revestidos de legalidade e constitucionalidade devem ser os mecanismos pro-
cessuais para a investigao penal, entretanto, sem se atingirem as garantias consti-
tucionais vigentes.
55
O que o Brasil
Nenhum ordenamento jurdico penal pode garantir processualmente o pacto de si-
lncio entre os delinquentes, e a delao premiada visa justamente abrir este silncio com a
reduo ou alterao da pena do delator.
tambm certo que a divulgao prematura de delaes premiadas deve conter
severas reservas pela concreta possibilidade de divulgaes sensacionalistas de delaes em
curso que maculam a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, bens
jurdicos esses constitucionalmente protegidos pelo art. 5, inciso X, da Constituio Federal.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
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Breves comentrios sobre a extradio do Henrique Pizzolato
17 fev. 2014
1. O que prev a Constituio italiana
A Constituio Italiana (1948) no admite a extradio de estrangeiros por crimes
polticos, nos termos do art. 10:
Art. 10 O ordenamento jurdico italiano adequa-se s normas do direito internacional geralmente reconhecidas. A condio jurdica do estrangeiro regulamenteda pela lei, em conformidade com as normas e os tratados inter-nacionais. O estrangeiro, ao qual seja impedido no seu pas o efetivo exerccio das liberdades democrticas garantidas pela Constituio italiana, tem direito de asilo no territrio da Repblica, segundo as condies estabelecidas pela lei. No admitida a extradio de estrangeiros por crimes polticos.
Neste caso, por ter dupla cidadania Pizzolato no estaria abrangido por este dispositivo.
Segue no seu art. 26 a Constituio Italiana:
Art. 26 A extradio do cidado somente pode ser permitida quando expres-samente prevista pelas convenes internacionais. Em hiptese alguma pode ser admitida por crimes polticos.
Temos dois obstculos para a extradio; o primeiro, a necessidade da existncia de con-
veno internacional e o segundo, tratar-se de crime poltico. Nenhum dos dois est preenchido.
2. O que prev o Tratado entre a Itlia e o Brasil e o Cdigo Penal Italiano
A questo de a condenao ser poltica seria na hiptese de inimigos polticos conde-
n-lo, e isto uma contradictio in terminis, posto que o governo no momento do julgamento
era o mesmo do partido poltico de Pizzolato.
A Conveno Internacional entre a Itlia e Brasil, prev no seu artigo II:
1. Ser concedida a extradio por fatos que, segundo a lei de ambas as partes, constiturem crimes punveis com uma pena privativa de liberdade pessoal cuja durao mxima prevista seja superior a um ano, ou mais grave.2. Ademais, se a extradio for solicitada para a execuo de uma pena, ser necessrio que o perodo da pena ainda por cumprir seja superior a nove meses.
57
O que o Brasil
3. Quando o pedido de extradio referir-se a mais de um crime e al-gum ou alguns deles no atenderem s condies previstas no primeiro pargrafo, a extradio, se concedida por um crime que preencha tais condies, poder ser estendida tambm aos demais. Ademais, quando a extradio for solicitada para a execuo de penas privativas de liber-dade pessoal aplicada por crimes diversos ser concedida se o total das penas ainda por cumprir for superior a nove meses. (ACQUARONE, Ap-pio Claudio. Tratados de extradio: construo, atualidade e projeo do relacionamento bilateral brasileiro. Braslia: IRB: Fundao Alexandre de Gusmo, 2003, p. 315 e ss.).
O Cdigo Penal Italiano no seu art. 13 prev:
Art. 13- Estradizione -Lestradizione regolata dalla legge penale italiana, dalle convenzioni e dagli usi internazionali.Lestradizione non ammessa, se il fatto che forma oggetto della domanda di estradizione, non preveduto come reato dalla legge italiana e dalla legge stra-niera.Lestradizione pu essere conceduta od offerta, anche per reati non preveduti nelle convenzioni internazionali, purch queste non ne facciano espresso di-vieto.Non ammessa lestradizione del cittadino, salvo che sia espressamente con-sentita nelle convenzioni internazionali.
Em sntese, no haveria a extradio caso os crimes cometidos no Brasil no tivessem
correspondncia na legislao italiana.
Vejamos:
A condenao de Pizzolato no Brasil foi de 12 (doze) anos e sete meses, por crimes de
formao de quadrilha, peculato e lavagem de dinheiro. H correspondncia desses delitos
na Itlia, no Cdigo Penal Italiano: Peculato (art. 314), lavagem de dinheiro (art. 648 bis).
Em sntese, a legislao talo-brasileira sobre a matria.
Assim, a extradio de Pizzolato apenas uma questo de tempo. Certamente ser con-
cedida, pois esto plenamente preenchidos todos os pressupostos legais para sua concesso.
Piano piano si va lontano.
Escritos sobre o Brasil, o Direito, as Cidades e as Religies
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O mensalo, as leis, o artigo e as aes dos magistrados no STF
30 nov. 2012
No dia 20 de setembro foi publicado aqui um artigo do advogado Claudio Henrique
de Castro onde ele afirmava no ttulo que as leis aprovadas sob o esquema do mensalo so
inconstitucionais(v
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