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ESTUDO DE CASO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO AO LONGO DO TEMPO
NA AGROINDÚSTRIA DA CANA-DE-AÇÚCAR NO PONTAL DO
PARANAPANEMA: MUNICÍPIO DE CAIABU-SP
Lúcia Iaciara da Silva1
RESUMO
No Pontal do Paranapanema além dos intensos conflitos em torno da questão do uso e da
posse da terra, também surge a questão do capital e do trabalho ligados ao setor
sucroalcooleiro. Intensificam-se as relações de latifundiários com a agroindústria canavieira.
O setor sucroalcooleiro ganhou forças advindas principalmente de políticas públicas setoriais,
em especial da metade do século XX até os dias atuais. Nutrido com o discurso de fazer
prosperar as regiões onde se instala, o setor acaba atraindo contingentes de trabalhadores com
baixa escolaridade e pouca qualificação para o corte da cana ou para suas unidades fabris. O
que se indaga neste trabalho são as condições de trabalho a que estes trabalhadores (migrantes
ou não) se sujeitam, principalmente no Município de Caiabu-SP, que aqui será tratado.
INTRODUÇÃO
O texto presente visa trazer uma análise sucinta acerca da importância em pensar nas
condições de trabalho na cadeia produtiva do açúcar e álcool, as formas como se dão os
vínculos empregatícios, já que sabemos que boa parte dos funcionários é safrista, trabalhando
por meio de contratos flexíveis, o que não lhes dá estabilidade no emprego.
Outra forma de trabalho, ainda, está baseada na migração de nordestinos para a região
do Pontal do Paranapanema,e, no caso de Caiabu, na busca de melhoria de vida, pretendemos
verificar o trabalho e o traçado de vida sob essa perspectiva, todavia, obtemos informações
mediante história oral.
A partir das respostas desses questionamentos faremos, conjuntamente com dados
secundários, uma análise histórica para sabermos o contexto político-social em que o Pontal
do Paranapanema se encontrava desde essa tomada de força da cana-de-açúcar. É necessário
1 Estudante do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia de
Presidente Prudente, FCT-UNESP, bolsista CNPq.
2
ter em vista que a cada novo governo pode-se mudar as motivações que levam famílias
inteiras a migrarem de uma macrorregião a outra, ou apenas o pai de família que, com a
separação desta, se aventura em busca de melhores salários enquanto a mãe e os filhos ficam
no aguardo para posteriormente ir ao encontro do chefe da casa.
Assim, deveremos apresentar como se dão as relações do capital e do trabalho
envolvida na produção e processamento da cana-de-açúcar, bem como suas implicações nas
condições de trabalho enfrentadas pelos trabalhadores rurais assalariados, principalmente do
Pontal do Paranapanema e focando como exemplo o município de Caiabu-SP. Logo,
queremos demostrar a ainda existente migração inter-regional na busca por melhores
condições de vida, via trabalho-emprego.
O TRABALHO LIGADO À PRODUÇÃO E AO PROCESSAMENTO DA CANA DE
AÇÚCAR NO PONTAL DO PARANAPANEMA
A territorialização do capital advindo da agroindústria canavieira mostra um novo
momento vivido pelo Pontal do Paranapanema em torno da questão do trabalho assalariado no
início do século XXI.
A expansão da cana-de-açúcar em grande parte pode estar atrelada à intervenção
estatal desde o período colonial e de programas governamentais de incentivo à produção de
açúcar e etanol a partir de 1980, como o Proálcool, também a isto se soma discursos de
legitimação do seu cultivo e processamento. Assim, o setor da agroindústria sucroalcooleira
se justifica argumentando que a atividade de produção e/ou de processamento da cana-de-
açúcar fará prosperar a região em que se instala, no sentido de aquecer a economia local
através da oferta de empregos. Discursos que vêm dos grandes latifundiários envolvidos na
agroindústria da cana-de-açúcar, principalmente no Pontal do Paranapanema, região que é
fruto de grandes grilos e sua problemática Reforma Agrária.
Entretanto, o que se verifica é que grande maioria dos trabalhadores se sujeitam à
condições de trabalho que colocam em risco sua saúde, como também sua vida. Assim como
mostra Barreto et. al. (2008):
Todavia, sabemos que os problemas de saúde enfrentados pelos trabalhadores das
agroindústrias não se resumem à queimaduras ou cortes, mas também a outros que
3
podem, inclusive, levá-los à morte. Silva (2006) aponta que nem todas as mortes
ocorridas nos canaviais são registradas, pois há aquelas que ocorrem ao longo do
tempo, determinando mortes gradativas, ocorridas por doenças como câncer,
provocado pelos agrotóxicos, pela fuligem da cana, além de doenças respiratórias
(BARRETO et. al., 2008).
O fato da grande maioria dos trabalhadores ligados ao setor da cana de açúcar não
deixarem seus postos de trabalho tem a ver com a baixa escolaridade e pouca qualificação de
sua mão-de-obra, o que não lhes possibilita outra opção. A busca deles está estreitamente
ligada à melhores condições de vida, especialmente para suas famílias, com a adição da
migração de muitos trabalhadores advindos de outros Estados brasileiros para o trabalho no
setor da cana-de-açúcar.
HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DO MUNICÍPIO
Caiabu se formou (IBGE; EMUBRA) a partir do pioneirismo de Henrique Pedro
Ferreira que atualmente dá nome a uma das ruas principais da cidade. Este residia no então
Distrito de Indiana, de onde saiu em busca de novas terras, que hoje formam Caiabu, tendo
sido desmembradas do município de Regente Feijó (segundo Decreto-Lei 14334 de
30/11/1944).
As propriedades, inicialmente, baseavam-se sobretudo, no cultivo de algodão, o que,
após algum tempo, daria o nome ao distrito de Iubatinga, popularizando-se este, então, como
“Ouro Branco”. Atualmente, este nome remonta a tempos de riqueza que viveu a economia
local décadas atrás, segundo a história oral.
De acordo com informações obtidas junto a moradores de Caiabu, no período da
“febre do ouro branco” contingentes foram atraídos para essas terras. Estabeleceu-se um
povoado, primeiramente chamado “Santo Antônio”, já em novembro de 1944 foi alçado a
Distrito de Paz e alterado logo após para Caiabu, possuindo a conotação da língua indígena de
“Terra Queimada”.
Em 30 de dezembro de 1953, Caiabu, juntamente com os Distritos de Boa Esperança
d’Oeste e de Iubatinga, através da Lei Estadual nº 2456, foi emancipado como Município;
atualmente com 62 anos de emancipação político-administrativa.
Entretanto, tudo indica uma situação de estagnação, pois, em termos de
empregabilidade o que se verifica é a dependência em relação ao município de Presidente
Prudente, considerado polo regional, que atrai trabalhadores de vários outros pequenos
4
municípios que integram a Região. Desta forma, Caiabu faz parte de uma relação hierárquica
de municípios da região bastante evidente. Isto se dá, principalmente, pela ocupação laboral
na usina Alto Alegre, situada em Ameliópolis, distrito de Presidente Prudente, o que significa
migração pendular para cidades médias2.
As condições físicas iniciais do (futuro) município eram favoráveis. Há registros da
chegada de Tiharu Itimura por volta da década de 1940 (provavelmente 1944), proveniente de
Álvares Machado. Atualmente, seu descendente, Jorge Itimura, tem participação na vida
política do município, tendo sido já seu vice-prefeito.
Tiharu empreendeu forças na atividade econômica do algodão, comprando muitas
terras. Com abundância do produto atraíram-se famílias para o trabalho de colheita em sua
fazenda3.
Como se tratando de um ciclo econômico, houve após as décadas de 1940-50,
aproximadamente, o declínio da cotonicultura e também da produção de amendoim, comum
àquela época. Diminuindo-se os postos de trabalho ou condições de empregabilidade,
diminuem-se também as pessoas residentes. Em 1956, período “auge”, a população municipal
total girava em torno de 12.725 habitantes, sendo que 96% (12.216) residia no campo. Já em
meados da década de 1970 há um notável decréscimo, pois passa a 7.041 habitantes, ainda
mantendo-se rural (cerca de 86% ou 6.055 pessoas). Já em 1996, a população era de 3.136
pessoas, em 2002 de 4.124 habitantes e atualmente, conforme Censo Demográfico do IBGE4
são 4.072 habitantes (vide gráfico 1).
Gráfico 1: Evolução populacional de Caiabu-SP, entre 1970 e 2010
2 Texto baseado em “Os jovens no município de Caiabu–SP: As perspectivas em termos de emprego e vida”,
relatório final da BAAE I (2011-2012), com orientação da Profª Drª Rosângela Ap. Medeiros Hespanhol, bem
como do Relatório de Programa de Formação Complementar (2013) intitulado “Formação histórico-econômica
do Município de Caiabu: Questões de Desenvolvimento Social e Polarização numa Perspectiva Regional”, sob
mesma orientação, ambos de autoria de Lúcia Iaciara da Silva. 3 EMUBRA – Enciclopédia Digital do Oeste Paulista:
http://camarapprudente.sp.gov.br/historia/hist_oeste/cidades/caiabu/. Acesso em 31 de julho de 2013.
4 Os dados são provenientes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponibilizados no site http://camarapprudente.sp.gov.br/historia/hist_oeste/cidades/caiabu/.
5
Fonte: IBGE. Acesso em 2011.
A PRODUÇÃO DA CANA-DE-AÇÚCAR
A cultura da cana-de-açúcar cresce exponencialmente. O processo que muda a
paisagem também modifica a própria dinâmica dos homems. Segue-se a uma espécie de busca
pela padronização dos lugares e intensa especialização produtiva. Quanto a isso nos
propusemos pensar esta realidade no município de Caiabu-SP, que vem sofrendo atualmente
com importantes desdobramentos deste processo, em que, através da indústria canavieira Alto
Alegre, também tem se consituído opção majoritária de geração de emprego para o pequeno
município de 4.072 habitantes, sendo a segunda opção, a nosso ver, o funcionalismo público.
De acordo com alguns dados (Tabela 1), Caiabu possui grande dependência dos
próprios repasses do Governo Federal, como também de políticas assistencialistas, tal como o
Bolsa Família, que em 2013 beneficiou 181 famílias5. Foram pouco mais de R$704, em
média, recebidos por família no ano, ou R$ 58,70 ao mês, se supormos uma generalização,
apenas em termos de entendimento de sua importância.
Tabela 1 – Recursos Recebidos do Governo Federal em 2013
Recebidos por área
Encargos Especiais R$ 2.740.123,07
Assistência Social R$ 127.516,00
Educação R$ 52.445,60
Educação
Recebidos por ação
FPM - CF art. 159 R$ 2.524.165,21
5 Vide https://www.beneficiossociais.caixa.gov.br/consulta/beneficio/04.01.00-00_00.asp. Acesso em 11 de
setembro de 2013. Referente ao período de setembro de 2013.
6
Cota parte dos Estados e municípios R$ 93.797,32
FUNDEB R$ 61.910,17
Royalties R$ 41.767,47
Apoio à merenda escolar na educação
básica
R$ 25.728,00
Recursos Pagos Direto ao Cidadão
Bolsa Família R$ 127.516,00
Total de recursos recebidos R$ 5.794.968,74 Fonte: http://sp.transparencia.gov.br/Caiabu/ - Acesso em 31/07/13.
Como podemos perceber, do total de R$ 5.794.968,74 repassados a Caiabu, R$
2.524.165,21 foram do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), valor este que
geralmente é entre metade e o dobro da colaboração do município para o governo federal,
dependendo do porte populacional do município. Assim, municípios menores têm maior
dependência desse tipo de repasse para sua manutenção, ao contrário de municípios médios,
com receitas mais diversificadas (Tabela 2).
Tabela 2 – Participação da Receita Própria, FPM, ICMS e demais fontes no total da
Receita Municipal, por grupos de população dos municípios paulistas – Ano 2000
Grupos de
Pop. dos
Municípios
(em
milhares)
Fonte de Receita dos Municípios
Receita
Própria
FPM ICMS Outras
fontes
Total
Índice de Participação no total da receita municipal (%)
0-5 3,22 42,81 30,13 23,83 100,00
5-10 7,74 27,47 35,49 29,30 100,00
10-20 8,63 26,12 31,11 34,14 100,00
20-50 14,55 18,71 31,54 35,20 100,00
50 ou mais 29,88 17,30 27,77 25,04 100,00 Fonte: IBGE: Carlos Silva Pateis, 2003. Sinopse Preliminar/ Censo 2000 (população); Min. da Fazenda
(Finanças).
Os aspectos gerais de Caiabu nos trazem uma perspectiva atual de contínua perda
populacional (Gráfico 1). Em termos de atividades econômicas, a cotonicultura perdeu força,
de modo que a alguns anos passou a haver uma penetração da cana-de-açúcar, se constituindo
em um dos preponderantes usos do solo, tanto na Região Administrativa de Presidente
Prudente, como do município em especial. Os dados do CANASAT/INPE (2013-2012)
demonstram isso.
Tabela 3– Área disponível para colheita (ha) em Caiabu – SP
7
Ano Soca (a) Reformada (b) Expansão (c) Total
(a+b+c)
Em reforma (ha) total cultivado (ha)
2003 4122 0 0 4122 1188 5310
2004 3717 1179 160 5056 575 5631
2005 4388 543 47 4978 756 5734
2006 4868 756 820 6444 69 6513
2007 6109 66 70 6245 386 6631
2008 5618 336 547 6501 610 7111
2009 5221 506 461 6188 1526 7714
2010 4380 1486 120 5986 1786 7772
2011 4891 1484 0 6375 1081 7456
2012 5231 960 0 6191 1068 7259
Fonte: http://www.dsr.inpe.br/laf/canasat/cultivo.html. Org. Lúcia Iaciara da Silva.
Através da Tabela 3 e Gráfico 2 observamos, desconsiderando as oscilações de
produção, inclusive nas etapas/classes6, que há um crescimento desde 2003 na área ocupada
por cana-de-açúcar no município. De 2003 até 2012 foram incrementados 1949 hectares na
produção em Caiabu que, de certo modo, forma uma área contínua à área norte de Presidente
Prudente, principalmente, se aproveitando de um relevo menos acidentado, com colinas mais
amplas.
6 A área disponível para colheita inclui a área de cana “soca” (lavouras de cana que já passaram por mais de um
corte, tendo rebrotado de uma planta ou de uma soca; também nesta classe estão lavouras reformadas com cana
de ano); a área de cana “reformada” (cana de um ano-e-meio que foram reformadas na safra anterior e
disponíveis para colheita na safra atual), a área “em expansão” (lavouras de cana que disponíveis para colheita
pela primeira vez; lavouras de cana que passaram a ter outro uso por período igual ou maior a duas safras, e
voltando a serem cultivadas com cana fazem parte também na classe de expansão). Vide ANÁLISE
PRELIMINAR DE UM CENSO AGROPECUÁRIO: PROJETO LUPA NO ESTADO DE SÃO PAULO
(Francisco Alberto Pino), 2009, p.8.
8
Fonte: http://www.dsr.inpe.br/laf/canasat/cultivo.html. Org. Lúcia Iaciara da Silva.
Segundo o relatório preliminar do LUPA7, o principal cultivo no Estado de São Paulo
é o da cana-de-açúcar, que ocupava até 2009 a quarta parte da área agrícola paulista. Houve
um crescimento nas unidades produtivas agrícolas – UPAs –, em torno de 42,3% de 1998 a
2009, aproximadamente. Nisto ocorreu um crescimento de 90,5% (de 2.886.312ha para
5.497.139ha).8
História oral temática: a migração nordestina e o trabalho no setor sucroalcooleiro
No mês de outubro de 2013, a fim de validarmos nosso estudo acerca das condições de
trabalho no setor sucroalcooleiro no município de Caiabu, e a dinâmica socioeconômica
construída, realizamos um pequeno apanhado da história que envolve a migração do trabalho
nordestino e a construção do setor sucroalcooleiro no município estudado e região, através do
método da história oral, que faz parte, pode-se dizer, de um conjunto maior de (re) construção
da história, chamada fonte oral.
Como se trata de história oral, apenas dois indivíduos fizeram parte desse processo da
pesquisa, de forma que buscássemos essa reconstrução em dois períodos e contextos distintos
da atuação da usina sucroalcooleira. Justificamos isso pelo fato de que a história oral temática
trata de um universo mais amplo do que uma simples entrevista, sendo dirigida por um roteiro
de questões pré-estabelecido, com o qual o diálogo nos leva a apreender a história coletiva a
partir de relatos (individuais).
Como os resultados foram extensos, optamos por sintetizar algumas informações
relevantes para o propósito desse trabalho.
A entrevista – assim a chamaremos – foi realizada com um senhor que à época tina 74
anos de idade e outro com 38 anos de idade, o qual ambos podemos caracterizar como típicos
“chefes” de família. Para efeito de preservar a identidade de ambos, o denominaremos
oportunamente de entrevistado 1 e 2, respectivamente.
7 Análise preliminar de um Censo Agropecuário: Projeto Lupa no Estado de São Paulo (Francisco Alberto Pino),
2009, p.7. 8 O projeto LUPA e o CANASAT estimam o cultivo de cana-de-açúcar de formas diferentes, o que dificulta a
comparação entre os mesmos. O Projeto LUPA estima a área cultivada total, incluindo cana-de-açúcar para
indústria e cana-de-açúcar para forragem, bem como áreas novas, que não estão em produção. A área total do
CANASAT inclui a área disponível para colheita mais a área em reforma, de forma que, por se tratar de satélite,
o INPE apesar de não propriamente fazer distinção entre cana-de-açúcar para indústria e cana-de-açúcar para
forragem, nem sempre as reconhece por se constituírem áreas menores e separadas das grandes lavouras de
indústrias, já que com visibilidade diferente.
9
Entrevistado 1: Relatou-nos trabalhar desde os 7 anos de idade, aproximadamente, como
condição imprescindível para a manutenção da família, devido às “grandes secas” que ainda
atualmente acometem o sertão nordestino, o que inviabilizava a cultura de subsistência
familiar. Veio de família constituída por pai, mãe e quatro irmãos (dentre os quais uma irmã).
Suas origens são de Lagoa do Jardim, município da Paraíba (PB), onde morou com a
família até os 20 anos de idade. Segundo ele, antes dessa idade, por conta de um ano seco,
fora trabalhar na Bahia, na roça de mandioca, ficando lá por 60 dias, sem contato com a
família, enquanto isso, seus pai e irmãos trabalhavam em Pernambuco, retornando à casa da
família na PB, no alto de uma serra, todos os finais de semanas, após seis dias de trabalho,
percorrendo a pé cerca de 12 km. Assim que retornou da BA, juntou-se a eles nesse trabalho
por 6 meses.
Quando tinha ainda 20 anos de idade, por causa das condições difíceis de vida no
sertão da Bahia, migrou com a família para o Estado de Alagoas, município de Santana do
Ipanema. Casado em 20 de janeiro de 1965, aos 25 anos de idade, trabalhou em uma fazenda
por cerca de 20 anos ainda.
Relata ele que, com a situação difícil no sertão do nordeste, veio para a cidade de São
Paulo em 1977, onde trabalhou até 1978. Durante esse tempo empregou-se numa fábrica de
cortinas por seis meses e nove meses na fábrica de bicicletas Caloi, sempre ajudando seus
familiares no Estado de Alagoas financeiramente. Ao saber da possibilidade de emprego na
Usina de açúcar e Álcool através de parentes que já estavam no município de Caiabu há mais
tempo, migrou com o filho mais velho de sete irmãos para o corte da cana-de-açúcar.
Ficou sabendo que pais acompanhados de filhos a partir de dezesseis anos poderiam
trabalhar conjuntamente. Um freteiro da usina “ajeitou” o trabalho, guardou as vagas, antes
mesmo de eles chegarem ao município, num domingo, dia 15 de outubro de 1984, começando
a trabalhar dia 17 do mesmo mês. Dividia o aluguel com uma parenta. Seis meses depois
alugou outra casa, e foi buscar o restante da família.
Em termos de relatar as condições de trabalho, o entrevistado nos contou algumas
coisas importantes, as quais elencaremos em tópicos, a fim de resumi-las.
Começou a trabalhar na segunda safra da usina (em 1984), tendo ela surgido
em 1983 no município de Caiabu (Fazenda Alta Floresta).
10
O trabalho do corte da cana, inicialmente, para ele se constitui em contrato de
trabalho temporário/safrista, ou seja, trabalhava durante a safra e era
dispensado na “entressafra”, nesse tempo trabalhando em roças de batata no
município, como boia-fria (a média de tempo desempregado era de 30-45 dias,
mas já chegou a ultrapassar isso para quase o dobro em anos secos).
O transporte de trabalhadores rurais na década de 1980 era feito por
caminhões, como ainda ocorre com boias-frias. Trabalhavam 5 dias integrais
na semana, mais meio período no sábado.
A usina não fornecia equipamentos de segurança, como botas com bico de aço
(estas eram oferecidas apenas para os funcionários internos da usina),
caneleiras ou luvas, isto, juntamente com a responsabilidade de levar água,
ficava a encargo e custo do empregado, caso ela oferecesse, o empregado
pagava por isso. Quem não tinha condições financeiras para comprar um par de
botas trabalhava de chinelas.
Os equipamentos de segurança foram “implementados” realmente a partir de
1997, quando a Usina Alto Alegre foi transferida para o município de
Presidente Prudente, por conta de exigência e pressão do Ministério do
Trabalho.
Havia uma cota de corte da cana queimada pré-estabelecido para que os
funcionários conseguissem manter-se no trabalho (o que era desconsiderado
em caso de doença), em torno de 200m de cana em pé por dia, o que equivalia
a 8 ton. aproximadamente. O salário equivalia em 1984 à diária de 3,500 C$,
no limite estabelecido dentro da cota; em casos de superá-la, como a maioria
dos cortadores conseguia fazer, havia um acréscimo variável, em torno de 5
centavos por cada 10m; um fato interessante é que se caso houvesse grande
produtividade dos cortadores esse valor no dia seguinte poderia cair,
pressionando os salários para baixo, sem nenhum aviso.
O registro em carteira chegou dois anos depois (1986).
Desde 1980 era expressivo o trabalho feminino no corte da cana-de-açúcar. O
maquinário não era presente. E sempre houve uso de agrotóxico, mas há um
11
aumento vertiginoso no período mais recente. Uma das frases registradas foi:
“Tem muita árvore seca por aí. Desconfio que seja o veneno”.
Atualmente a tecnificação no cultivo canavieiro é grande. O entrevistado citou
haver na fazenda da usina 20 colhedeiras e 4 máquinas de corte para plantio.
Houve um decréscimo de trabalhadores rurais do corte da cana, difícil de
precisar. Cita-se que num período de dois anos, aproximadamente, restaram 3
ônibus dos 4 utilizados para o transporte de “rurais”, assim, o entrevistado
estima que tenha havido uma redução de 1500 pessoas para cerca de 300 nesse
setor, referente à região (Caiabu, Irapuru, Santo Expedito – o qual ele destaca
como sendo área de grande expansão da cana-de-açúcar –, Adamantina,
Presidente Prudente, Regente Feijó, Taciba, Indiana, Lucélia, etc.).
Era comum pessoas passarem mal neste tipo de trabalho, pela insolação, com
queda de pressão arterial.
Trabalhou no corte da cana-de-açúcar até 2010, sendo realocado, devido à
idade, pela empresa para o trabalho no viveiro de mudas nativas (aroeira,
angico etc.) para reflorestamento, no qual permaneceu até 14 de janeiro de
2013, período em que encontrava-se de férias, e logo mais permaneceu
afastado por motivos de saúde (cirurgia realizada dia 27 de janeiro de 2013), de
modo que, no período da pesquisa, encontrava-se com atestado por tempo
indeterminado9. O interessante é que nesse trabalho seguia-se, em relação a
cursos d’água principais, como o rio do Peixe, pelo menos, as determinações
do Código Florestal, com a demarcação de APPs.
Quanto às expectativas de progressão ou mudança de vida no que condiz ao
trabalho nunca pensou em mudar de função, mas cita que “Uma vez quiseram
me pôr de faxineiro, mas eu não quis não”.
Entrevistado 2: Com 38 anos de idade trabalhava à época dos questionamentos como tratorista
na usina Alto Alegre, estando empregado na unidade fabril desde 2005, residindo no
município de Caiabu, veio a trabalho também na certeza de colocação na indústria, pois um de
seus irmãos já trabalhava. Natural do Estado da Paraíba, residia no Estado da Bahia desde
9 Frisa-se que o entrevistado 1 não retomou suas funções na usina Alto Alegre, vindo a falecer tempo depois
devido a um câncer.
12
seus 9 anos , no município de Juazeiro. Relatou-nos que começou a trabalhar com seis anos de
idade na roça para ajudar seus pais.
Entretanto, antes de migrar para Caiabu-SP, também passou por outras localidades,
como nos contou. Ainda quando criança migrava intermitentemente com a família entre os
estados da Paraíba e Bahia (por conta de laços afetivos) até se estabelecerem na BA. Em 2001
veio para a capital de São Paulo com um irmão e esposa, em busca de oportunidades de vida e
reconhecimento, formando uma dupla sertaneja, período em que se apresentou no programa
de TV “Raul Gil”. Neste período trabalhou durante um ano e meio de servente de pedreiro,
depois de marceneiro. Na entrevista disse-nos que trabalhava em barzinhos noite afora, até
mesmo de graça, enquanto durante o dia realizava essas atividades.
A questão familiar, percebe-se, é muito importante, pois para que ele se estabelecesse
em Caiabu, teve apoio tanto de um irmão que já trabalhava na indústria sucroalcooleira, como
de uma tia, residente no município há mais de 20 anos. Inicialmente, trabalhou na sacaria,
carregando e descarregando sacos de 50 kg. de açúcar, onde organizava-os em grandes pilhas,
sempre ajudando financeiramente os familiares no Nordeste. Seus pais vieram para o
município no ano de 2006, e assim ocorreu também com muitos irmãos (dois ajudados por
ele, que retornaram ao Nordeste) e parentes.
Relatou-nos as condições e repercussões atuais do tempo em que trabalhou como
saqueiro (até início desse ano), ocupando a função de tratorista em março de 2013, uma ótima
condição de trabalho de acordo com ele, mas com perspectivas futuras ainda melhores dentro
da indústria.
O trabalho na sacaria é ditado pelo ritmo tecnológico, através de uma esteira. Estima-
se, segundo suas informações, que diariamente eram carregados cerca de 2000 sacos ao longo
de sete horas. E sempre havia gente sofrendo neste tipo de trabalho. As consequências das
condições de trabalho lhe renderam, inclusive, 3 meses de afastamento pelo Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS), em 2007. Atualmente, repercutem tendinite, dores em joelhos,
cotovelos e ombros. Como ele próprio falou: “o trabalho foi embora, mas as dores ficaram”.
Quanto ao trabalho no corte da cana-de-açúcar, cita, ainda, que duas irmãs atualmente se
encontram afastadas por conta de problemas de escoliose, causado pelos esforços repetitivos.
Do mesmo modo que o primeiro entrevistado falou-nos, ele corrobora quanto à
questão do problema da dispersão de agrotóxicos, aos danos causados. Também interessante
13
saber da diminuição dos postos de trabalho no corte da cana em 2014, com a proibição da
queima e com o aumento da mecanização. Conta ele que a indústria está adquirindo mais
maquinários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tentando não se estender mais sobre o assunto, queremos apenas enfatizar a
importância de entender de dentro da dinâmica do trabalhador o quadro de expansão da cana-
de-açúcar em Caiabu, e na região de maneira geral, e quais as consequências disso numa série
de aspectos, dentre eles o social. Ambos os entrevistados nos apontaram, através de sua
história de vida, elementos parecidos, como o complexo processo de migração (presente
dentro da região nordeste e depois de lá para a sudeste), o uso de agrotóxicos e o meio
ambiente, a saúde e exploração do trabalhador dentro disso, e a mecanização da cadeia
produtiva etc. Isto apenas confirma nossas hipóteses iniciais.
Abaixo segue o gráfico de categorização da situação dos funcionários da empresa Alto
Alegre/ SA, isto é, os tipos de contrato de trabalho.
Gráfico 3
Fonte: Relatório de Desenvolvimento Sustentável, Alto Alegre, 2011. Disponível em
http://www4.altoalegre.com.br/docs/RELATORIO_SUSTENTABILIDADE_2011.pdf
Vemos que o universo do trabalho é muito mais complexo do que o simples emprego e
a conquista de direitos trabalhistas em termos de segurança em atividades com certo grau de
periculosidade. Ela envolve laços de solidariedade, sobretudo no que diz respeito a essa
migração inter-regional, a qual tentamos destacar através dos dois sujeitos que se dispuseram
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a partilhar parte de sua história de vida. Há, portanto, sonhos e projetos de vida que agregam e
se fortalecem no núcleo familiar. Também fica evidente a nova configuração em termos de
absorção da mão-de-obra, visto que a mecanização\tecnificação é crescente e tem mudado as
relações de trabalho e imposto novos requisitos dos trabalhadores, sobretudo quando
pensamos na flexibilização enquanto forma de adequar número de trabalhadores e demandas
mutáveis da produção em períodos de colheita e plantio, por exemplo, constituindo cada vez
mais um número maior de “safristas”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paranapanema (SP) (Histórico de lutas, marco de violência e futuro incerto!). 20??.
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