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PRESIDENTE DA REPBLICA
Luiz Incio Lula da Silva
MINISTRO DA CULTURA
Gilberto Gil Moreira
PRESIDENTE DO IPHAN
Luiz Fernando de Almeida
DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE PATRIMNIO IMATERIAL
Mrcia SantAnna
SUPERINTENDENTE REGIONAL / 5 SR / IPHANFrederico Faria Neves Almeida
EQUIPE TCNICA IPHAN
Departamento do Patrimnio Imaterial
Superviso
Ana Cludia Lima e Alves
Ana Gita de Oliveira
Claudia Marina M. Vasques
Marcus Vincius Carvalho Garcia
Apoio
Fabola Nogueira Gama Cardoso
5 Superintendncia Regional
Chefe da Diviso Tcnica
Fernanda Maria Buarque de Gusmo
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Coordenao do Projeto Referenciamento da Feira de Caruaru com vistas ao
Registro de Lugar
Mabel Leite Maia Neves Baptista
Apoio de coordenaoMaria das Graas Carvalho Villas
Apoio
Adriana Christina Almeida de Albuquerque Melo
Armando Tenrio Cavalcanti
Derocy de Lira Ventilari
Elaine Mller
Maria Cristine Soares Matos Oliveira
Raquel Viana Florncio
Agradecimentos
A todos os servidores da 5 Superintendncia Regional
EQUIPE TCNICA EXTERNA
INRC / Feira de Caruaru
Coordenao da Equipe
Bartolomeu Figueira de Medeiros (Frei Tito)
Pesquisa de campo
Brbara Luna de Arajo
Carlos Frederico Pinheiro
Gustavo Magalhes Silva MirandaJacira Cardim de Frana
Joo Paulo de Frana Ferro Alves
Pesquisa histricodocumental
Gustavo Magalhes Silva Miranda
Janine Primo Carvalho de Meneses
Registro udiovisual
Felipe Peres Calheiros
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Digitadora
Adriane Miranda Ferreira
Concluso do INRC e Elaborao do Dossi
Redao
Bartolomeu Figueira de Medeiros (Frei Tito)
Reviso de texto
Marieta Borges
Organizao
Joo Paulo de Frana Ferro Alves
Programao Visual / 5 SR
Aurlio Enedino Velho Barreto
Editorao
Elaine Mller
Joo Paulo de Frana Ferro Alves
Embalagem [malas artesanais]
Maria Gorette de Arajo Carvalho
PARCEIRO
Prefeitura Municipal de Caruaru/PE
Antnio Geraldo Rodrigues da Silva
COLABORAO
Alcir Lacerda
Geny Barbalho
Jos Mrio Austregsilo
APOIO
Centro de Estudo de Histria Municipal/PE CEHM | Eleny Pinto da Silveira Coordenadora
TV Asa Branca Equipe de Jornalismo
Dirio de Pernambuco Jailson da Paz Jornalista
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Faculdade de Filosofia, Cincia e Letras de Caruaru FAFICA
Fundao de Cultura de Caruaru/PE | Presidente Jos Lira Serdio Filho
Fundao de Cultura de Caruaru/PE | Documentao e Patrimnio Cultural Walmir
Dimern Porto
Fundao Joaquim Nabuco FUNDAJ Presidente Fernando Soares LyraFundao Roberto Marinho Silvia Finguerut Jornalista
FUNTEP Tadeu Godoy Diretor Superintendente
Prefeitura Municipal de Caruaru Prefeito Antnio Geraldo Rodrigues da Silva
Prefeitura Municipal de Santa Cruz do Capibaribe Prefeito Jos Augusto Maia
Prefeitura Municipal de Toritama Prefeito Jos Marcelo Marques de Andrade e Silva
Programa PsGraduao em Antropologia/UFPE
Rede Globo Nordeste Equipe de Jornalismo
Rede TV Bina Mariano Editora Regional
AGRADECIMENTOS
Andr de Paula Deputado Federal
Arary Marrocos Bezerra Pascoal Presidente da ACACCIL
Carlos Eduardo Braga Farias Presidente / Loja Manica Cavaleiros das Sete Virtudes N 17
Djalma Farias Cintra Jnior Presidente da Associao Comercial e Empresarial de Caruaru
Erich Veloso de Arajo Shopping Center Caruaru
Everaldo Fernandes da Silva Diretor da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras deCaruaru
Fernando Soares Lyra Presidente da FUNDAJ
Frederico Pernambucano Pesquisador e Escritor
Jarbas de Andrade Vasconcelos Governador do Estado de Pernambuco
Joaquim Arruda Falco Fundao Getlio Vargas
Jos Mrio Austregsilo Secretaria de Educao e Cultura do Estado de Pernambuco
Leonardo Chaves Presidente do Poder Legislativo de Caruaru
Leonardo Dantas Silva Historiador e JornalistaLuisa Cavalcanti Maciel Delegada Oficial CIOFF Mundial
Luiz Siqueira Assessor Extraordinrio do Gabinete do Prefeito
Marco Maciel Senador
Marcos Vinicios Vilaa Ministro de Tribunal de Contas da Unio
Maria do Socorro Maciel Presidente da Seo Nacional do Brasil CIOFF
Mons. Olivaldo Pereira Silva Vigrio Geral da Diocese de Caruaru
Onildo Almeida Compositor
Oscar Capistrano Secretrio de Sade
Roberto Benjamin Escritor e Folclorista
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Roberto de Oliveira Liberato Deputado Estadual
Severino Ribeiro da Silva Rede de Colgio Dimenso
Vicente Jorge Espndola Rodrigues Diretor da TV Asa Branca
Waldenio Porto Presidente da Academia Pernambucana de LetrasWamberto Aurlio Z. Barbosa Secretrio de Desenvolvimento Econmico
VDEO DOCUMENTRIO
Imagens
Renan Barbosa
Matheus Guerra
Rudrigo Moreira
Op. de udio
Rudrigo Moreira
Produo
Sandra Moreira
Cybelle Lima
Jeferson Lincom
Superviso de Produo
Edinho Moreira
Narrao
Jos Mrio Austregsilo
Programao Visual
Angelo Marcio
Edio de Imagens
Wagner Bezerra
Direo de Fotografia
Mhill Moreira
Direo Musical
Jos Mrio Austregsilo
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Argumento
Anselmo Alves
Jos Mrio Austregsilo
Roteiro e DireoIvan Jnior
Take Produes
FICHA TCNICA FEIRA DE CARUARU
Registro da Feira de Caruaru/PE
Processo n 01450.002945/200624
Proponente: Prefeitura Municipal de Caruaru / PE
Data de abertura do processo: 30 de Junho de 2006
Levantamento preliminar: Perodo: Julho Dezembro de 2004
INRC: Perodo: Agosto Dezembro de 2005
Concluso para Registro: Janeiro Junho de 2006
IDENTIFICAO FEIRA DE CARUARU
Pas onde se situa o Lugar: Brasil
Estado da Federao onde se localiza o bem: PernambucoNome do Lugar a ser registrado: Feira de Caruaru
Localizao geogrfica: A Feira de Caruaru est localizada na Cidade e Municpio de nome
Caruaru, situado na Mesorregio do Agreste pernambucano e na Microrregio do Vale do
Rio Ipojuca, a aproximadamente 130Km da capital, Recife, com acesso direto pela BR 232
e cruzado pela BR 104. Possui extenso territorial de 928,1 km2.
Localizao da Feira: Centro da cidade, Parque 18 de Maio antigo Campo de Monta.
Periodicidade da Feira: Permanente, com maior intensidade aos sbados, terasfeiras e
domingos.
rgo e pessoa responsvel, representando o Lugar: Fundao de Cultura do Municpio Museu do Barro, Ptio do Forr Centro Caruaru. Atual diretor: Walmir Dimern.
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SUMRIO
I. INTRODUO: CARUARU E SUA FEIRA ....................................................................... 10
II. O STIO F SICO: MUNICPIO DE CARUARU ................................................................... 13
2.1. Localizao ......................................................................................... 13
2.2. Paisagem Natural ................................................................................. 13
2.3. Marcos Edificados.................................................................................. 14
2.4. Localidade: Permetro Urbano, Incluindo a Feira do Gado ................................ 16
2.5. Localidade: Alto do Moura ....................................................................... 18
III. INFORMAES HISTRICAS E BIBLIOGRFICAS ..........................................................23
3.1. As Origens .......................................................................................... 23
3.2. A Feira no Sculo XX ............................................................................. 30
3.3. Dados do Plano Diretor de Caruaru ............................................................ 41
IV. A FEIRA E AS FEIRAS HOJE ............................................................................... 43
4.1. Feira do Paraguai, ou de Importados ....................................................... 43
4.2. Feira do Artesanato .............................................................................. 45
4.3. Feira da Sulanca Bem Associado Feira de Caruaru ..................................... 48
4.4. Feira do Gado ...................................................................................... 524.5. Feira das Frutas e Verduras ..................................................................... 53
4.6. Feira de Razes e Ervas Medicinais ............................................................. 54
4.7. Feira do TrocaTroca.............................................................................. 55
4.8. Feira de Flores e Plantas Ornamentais ........................................................ 57
4.9. Feira do Couro (calados, chapus, bolsas, etc., feitos deste material)................ 58
4.10. Feira Permanente de Confeces Populares ............................................... 59
4.11. Feira dos Bolos, Seo de Goma e Doces .................................................... 59
4.12. Feira das Ferragens.............................................................................. 61
4.13. Feira de Artigos de Cama, Mesa e Banho ................................................... 624.14. Feira do Fumo .................................................................................... 63
4.15. Feira Permanente dos Importados ............................................................ 63
4.16. Duas Edificaes na Feira ...................................................................... 64
V. O OBJETO DO REGISTRO ...................................................................................... 66
5.1. A Feira enquanto Lugar........................................................................... 66
5.2. A Antiguidade Histrica da Feira ............................................................... 67
5.3. A Feira Lugar Originante e Estruturante de Relaes Socioculturais .................. 675.4. Justificativas ....................................................................................... 75
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VI. CONDIES DE SUSTENTABILIDADE E APOIO FEIRA................................................... 80
6.1. Para o IPHAN e o Ministrio Pblico ........................................................... 80
6.2. Para o IBAMA ...................................................................................... 80
6.3. Para a Secretaria de Defesa Social do Estado de Pernambuco e do Municpio de Caruaru ..... 80
6.4. Para a Prefeitura Municipal de Caruaru ....................................................... 81
VII. CONSIDERAES FINAIS: A FEIRA LUGAR DO CULTIVO E DA PRESERVAO DA MEMRIA E DE
MEMRIAS ............................................................................................................82
VIII. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................... 84
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I. INTRODUO: CARUARU E SUA FEIRA
como poderamos intitular esta parte do Relatrio circunstanciado, ou Dossi. Pois, a
cidade e a Feira se imbricam, se entrosam uma na outra, se expandem ao mesmo tempo,
aquela dependendo quase sempre desta, pois a cidade nasceu da Feira, e com a Feira. Noh como separar uma da outra: compositores, cantadores de cordel, o grande Luiz
Gonzaga, que imortalizou a cano de Onildo Almeida, memorialistas, j vinham
alertando, h tempos, para a inseparabilidade das duas. As pesquisas, documentais e de
campo, vieram confirmar avoz do povo: a Feira de Caruaru. Caruaru parece viverparae
em funo desua Feira. Como ontem, assim continua hoje, apesar do propaladoMaior e
Melhor So Joo do Mundo, como a propaganda disseminada pelos poderes municipais
caruaruenses e os estaduais pernambucanos orgulhosa e interesseiramente propalam,
fazendo frente idntica campanha realizada pela Rainha da Borborema, a cidade de
Campina Grande/ PB.
Este relatrio foi composto por mim, como parte de minhas funes de Coordenador
Tcnico do Inventrio, mas, no teria existido sem o trabalho e a dedicao apaixonada
dos pesquisadores e do fotgrafo, todos alunos e alunas da UFPE. Tem muito de cada
um/uma neste trabalho, cujos nomes completos j foram expostos na Ficha Tcnica:
Janine, Jacira, Brbara aBaby Luna , Joo Paulo, Carlos Frederico oCac,todos na
pesquisa de campo, e Felipe Peres Calheiros, na atividade de fotgrafo e cinegrafista/
etngrafo.
Todos, como eu, deixaramse contaminar pela paixo pelo tema, pelo cenrio que aospoucos se enche e incha de gente, de enormes carrosdemo, de fardos levados s costas,
de buzinas de veculos automotores, sempre todos os dias, porm, sobretudo nas
segundasfeiras, de madrugada, dia da Feira da Sulanca1; pela atividade vibrante do povo,
em sua luta pela subsistncia, trazendo seus produtos dos stios, de municpios vizinhos
como Santa Cruz do Capibaribe, a cidade originria da Sulanca, e Toritama, a capital dos
jeans em carros fretados ou em lombos de montarias; pela produo da beleza interior
do povo, retratada no artesanato e no cordel, por exemplo; pela carnavalizao em puro
estilo de Bakhtin da Feira do Gado, onde um dos nossos pesquisadores, assustado pelo
assanhamento de um dos bois, encarapitouse num muro de uma altura que, em
circunstncias normais, ele no seria capaz de subir; pela criatividade estampada nas
criaes das alpercatas, sandlias de couro e, principalmente, das confeces populares
da Feira da Sulancaque pra matuto no and nu (!) s pra matuto a Feira da Sulanca?
A pesquisa demonstrou que no!
Pena que Walter Benjamin, que descreveu com tintas to pitorescas o Mercado de Moscou,
no tenha sobrevivido para fazer o mesmo em Caruaru! Que belas e interessantes pginas
o genial filsofo social no teria criado, ento!
1 Neste ano de 2006, ano da produo deste Dossi, a Feira da Sulanca foi mudada para as terasfeiras.
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Em agosto de 2004, o IPHAN deu o sinal verde para iniciarmos a primeira parte da
pesquisa: o Levantamento Preliminar. Vieram dois tcnicos do IPHAN para proporcionar o
treinamento da equipe de pesquisadores, cujos nomes e situao acadmica j foram
descritos na Ficha Tcnica, j escolhida anteriormente, por processo de seleo. Com a
volta dos tcnicos Ana Gita Oliveira e Marcus Vinicius para Braslia, demos prosseguimentoao treinamento, aproveitando a experincia j adquirida com a metodologia do INRC,
aprendida e vivenciada em pesquisa iniciada sobre os bens culturais do Litoral Norte de
Pernambuco, infelizmente interrompida.
Terminado o treinamento, foi iniciada a primeira etapa do Inventrio: o Levantamento
Preliminar, com as fases da pesquisa documental e da pesquisa de campo, que se
estenderam at dezembro daquele ano. As idas a campo aconteciam nos finais de semana,
sendo que duas vezes fomos no domingo noite: dormimos em Caruaru, a fim de
pesquisarmos a Feira da Sulanca desde o incio de suas atividades, s quatro horas da
manh. Numa destas ocasies, demoramos at a terafeira, para observarmos e
entrevistarmos boiadeiros e seguranas noturnos da Feira do Gado, na segunda noite,
voltando para l na manh da tera, para cobrir as atividades e o seu funcionamentoa
todo vapore mapear seu espao.
No ms de janeiro de 2005, foram concludas as correes das fichas preenchidas e
realizado o fechamento definitivo desta fase, com a composio, por mim, do Relatrio
Preliminar. Este foi enviado, posteriormente, para os componentes da Diretoria de Cultura
da Prefeitura de Caruaru, para as eventuais correes e complementaes, servindo
tambm de subsdio, juntamente com este Dossi, para a produo do vdeo, patrocinadopela Prefeitura Municipal.
Em maio de 2005, demos incio segunda etapa da pesquisa: o Inventrio propriamente
dito. A partir desta fase, contamos com a participao do pesquisador Gustavo Miranda,
caruaruense, autor de uma bela e rica de contedo Monografia de Concluso de
Graduao em Arquitetura, sobre a Feira de Caruaru includa tambm no Dossi
completo deste Inventrio. Continuamos com a metodologia de trabalho iniciada no
Levantamento Preliminar: reunies semanais, na sede do Programa de PsGraduao em
Antropologia/ PPGA da UFPE, ou no IPHAN, e as idas a campo. Estas se reduziram s
necessidades especficas de complementao de dados que faltavam nas fichas do
Levantamento Preliminar, ou para entrevistarmos contatos importantes, filmar entrevistas
e ambientes, completar a pesquisa no Alto do Moura identificado por ns como uma
Localidade, ainda hoje importantssimo, Feira. Tambm foram visitadas Toritama e
Santa Cruz do Capibaribe, estas duas cidades prximas a Caruaru,identificadas, nas nossas
discusses, comoLugares Associadosimportantes Feira.
Deste modo, podemos listar, nas duas etapas descritas acima, trinta e seis reunies
semanais, ricas em reflexes, estudos e tomadas de decises, estas muito necessrias,
numa metodologia que demanda criatividade e iniciativas; encontros nos quais houvesempre a participao das Coordenadoras Institucionais do Projeto as tcnicas da 5
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Superintendncia Regional do IPHAN, j apresentadas na Ficha Tcnica. Alm das
reunies, tivemos dezoito idas programadas a campo para observao e tiragem de fotos
das diversas feirase do Alto do Moura, alm de trinta e trs visitas para entrevistar os
interlocutores privilegiados, colher biografias, fotografar e filmar contatos importantes.
Alm disso, na qualidade de Coordenador Tcnico do Projeto, participei de diversasviagens a Caruaru para contatos com a Diretoria de Cultura do Municpio, acompanhando
as profissionais tcnicas da 5 SR, em 2005, alm de trs viagens acompanhando pessoal
tcnico do IPHAN Nacional: a Coordenadora do Setor de Registros, Ana Claudia Lima Alves,
e uma destas justamente para participar da solenidade de solicitao ao atual Presidente
do IPHAN da abertura do processo para declarar a Feira de Caruaru Patrimnio Cultural
Brasileiro e sua inscrio no Livro de Registros de Lugar, realizada em 24 de fevereiro de
2006. As visitas a Toritama e Santa Cruz e as tomadas de depoimentos e entrega de
materiais escritos (livros, folders, etc.) sobre as atividades da produo popular de
confeces foram realizadas pelas duas Coordenadoras Institucionais do Projeto.
Realizei, ainda, trs viagens a Caruaru, em maro de 2006, para complementar algumas
tomadas de depoimentos, recomendadas pela Coordenadora Nacional de Registros e,
sobretudo, para gravar meu depoimento no vdeo preparado pela Prefeitura Municipal
sobre a Feira. Totalizaramse, ento, vinte e trs idas a campo.
Finalizo esta Introduo com a bonita frase de Jos Mrio Austregsilo:
A temporalidade do que se pode chamar de nenhum lugar aponta para osretratos que os rostos apresentam no queimado do sol que identifica, alm da
pele, homens e mulheres que, ali instalados, realizaram no tempo a exposio desuas trocas. A produo de cultura que resulta desse processo ergue um espao,
onde o real e o imaginrio mesclam as fronteiras de unidades, binarismosrecalcitrantes de um entendimento maior do povo nordestino. o rosto o prprio
retrato, a coleo infinita da formao cultural de um povo espalhado pelo mundo,espalhado dentro da feira (AUSTREGSILO, 2006).
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II. O STIO FSICO: MUNICPIO DE CARUARU
2.1. Localizao
O municpio de Caruaru est localizado na mesorregio do Agreste Pernambucano e na
microrregio do Vale do Ipojuca, a aproximadamente 140km do Recife, com acesso direto
pela BR 232 e cruzado pela BR 104. Possui extenso territorial de 928,1km. Possui
altitude de 554m acima do nvel do mar, 8 17 de latitude e 35 58 34 de longitude. As
bacias hidrogrficas existentes no municpio so as do Rio Capibaribe e Ipojuca. limitado
pelos seguintes municpios: ao Norte, por Toritama, Vertentes e Frei Miguelinho; a Oeste,
por Brejo da Madre de Deus e So Caetano; ao Sul, por Agrestina e Altinho; e a Leste, por
Riacho das Almas e Bezerros.
Caruaru possui quatro distritos jurdicoadministrativos: Carapots, Gonalves Ferreira,Lajedo do Cedro e a sede do municpio, a cidade de Caruaru
, que conta com vinte e
sete bairros. Ambas as localidades inventariadas, oPermetro Urbanoe oAlto do Moura,
encontramse na cidade de Caruaru, j que a Feira pesquisada surgiu no centro da cidade
e a arte figurativa, um dos seus setores mais fortes e representativos , produzida
principalmente no Alto do Moura.
2.2. Paisagem Natural
Entre os principais destaques,na paisagem natural do municpio,enumeramos:
Morro do Bom Jesus
: Elevao geogrfica,
88m acima do nvel mdio da cidade e com
grande visibilidade de muitos pontos de Caruaru. Localizase no centro da cidade e, para a
populao, uma expressiva referncia geogrfica, alm de, para outros, servir de
moradia, j que se inicia um processo de ocupao desordenada desse morro, dado que a
fama de que em Caruaru h trabalho, d para ganhar a vida, vem atraindo uma
migrao interna e externa expressiva, no s de pobres e desempregados, mas de
profissionais liberais, comerciantes e outros setores ocupacionais, que migram do Recife e
de municpios e estados vizinhos. A fama de Caruaru, indicada pela revista Exame, em
edio de alguns anos atrs, dentre as cem cidades brasileiras onde se pode prosperar,
alm do relativo conforto em termos de condies de moradia, hotelaria, lazer, rede de
ensino mdio e universitrio de bom nvel, tem atrado tambm o segmento da classe
mdia interessado em cidades de mdio porte, para fazer de Caruaru domiclio
permanente.
Serra dos Cavalos
: Marco natural de Caruaru e nico local de preservao ambiental do
municpio, situada a aproximadamente 30km do centro da cidade. Na maior rea de Mata
Atlntica do interior do Estado, encontramos o Parque Ecolgico Prof. Joo VasconcelosSobrinho, parque ecolgico municipal, e tambm mananciais que abastecem de gua a
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cidade, como o Aude de Serra dos Cavalos. O nome do local devese ao fato de que, no
inverno, era impossvel trafegar de carro por suas ladeiras. O nico meio de se chegar
serra era a cavalo.
Passeando por l, vemse audes que ajudam no fornecimento de gua para a cidade e
uma vegetao riqussima. Tambm existem alguns mirantes naturais com belas vistas evrias trilhas usadas por ecoturistas. Representa para a populao um local que se deve
preservar para educar as geraes atuais e futuras, alertandoas sobre a proteo ao meio
ambiente, pois a nica rea verde de importncia em Caruaru.
Outros dados deste item podem ser encontrados nas Fichas do Sitio e das Localidades.
2.3. Marcos Edificados
Passemos agora aos principais marcos edificados da cidade:
Estao Ferroviria: Construda em 1895,com o nome da companhia inglesa dos trens,
Great Western, serviu por muito tempo de entreposto comercial e ponto de parada para
quem se locomovia do Litoral para o Serto do Estado, j que se situa no centro da cidade.
Atualmente, memria do passado e tem uma parte utilizada como centro cultural e
outra desativada. Serviu nas dcadas de 1980 a 2000 como local de desembarque das
pessoas e grupos que vinham para o So Joo de Caruaru, no ms de junho, trafegando no
Trem do Forr. Um descarrilamento da composio, ocorrido, ao que parece, em 2000,
cancelou esta promoo turstica. Hoje, o Trem do Forr carrega passageiros at o
municpio do Cabo de Santo Agostinho, na Regio Metropolitana do Recife.Igreja de Nossa Senhora da Conceio:
Remonta a uma capela do sculo XVIII,
construda
por Jos Rodrigues da Cruz, na Fazenda Caruru2, que, posteriormente, deu origem ao
municpio. Reformada e ampliada ao longo do sculo XIX, adquiriu as caractersticas
arquitetnicas que permanecem at hoje: planta tradicional em cruz latina, simtrico em
planta e fachada, com cobertura em duas guas, apresentando estrutura de madeira
revestida em telhas de cermica.
No se pode afirmar que seja essa edificao um exemplar monumental da arquitetura
barroca ou neoclssica, embora demonstre caractersticas do passado colonial. Isto se
justifica pela poca de construo e pela localizao geogrfica, distante dos centros
difusores dessas arquiteturas. Portanto, a igreja foi construda de acordo com o saber
local, ressaltando a arquitetura vernacular.
Visto como o edifcio mais marcante da poca, a Capela de Nossa Senhora da Conceio
foi construda em 1781, com aspecto simples, constando de duas partes bem distintas: o
corpo central e a capelamor, diferente do seu aspecto atual, com duas torres. No ptio
em frente a ela, aps a ampliao que a transformou na igreja hoje existente, foi
colocado um cruzeiro, transferido posteriormente para o Morro do Bom Jesus.
2 Cf. a histria da Capela e da origem do municpio no item seguinte: Informaes Histricas e Bibliogrficas.
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A construo dessa capela foi um impulso para o crescimento urbano do povoado, no
sculo XVIII, j que no ptio em frente a ela foi disposta a pequena feira secundando a
compra e venda do gado que ali passava rumo ao Serto e/ou tambm estacionava com
produtos que abasteciam as fazendas e as casas da vila de Caruaru. Assim, pessoas que
iam apenas rezar na nica capela da regio, passaram a comprar, ento, nesse pequenocomrcio ao ar livre, aumentando cada vez mais o fluxo de compradores na povoao.
(MIRANDA, 2004, p. 23). Atualmente, ela se constitui como um marco religioso e, na viso
da populao local, importante referncia cultural para a cidade.
Igreja N. Sra. Das Dores: Construda em 1846, com um estilo arquitetnico semelhante ao
da Igreja da Conceio, foi destruda, porm, por ameaa de desmoronamento, e
reconstruda na dcada de 60, em forma de cone. Junto a ela encontrase o Palcio do
Bispo. Localizase no centro da cidade e tem uso atual religioso e cultural, por ser a
santa que d nome ao templo a padroeira da cidade.
Alto do Moura:Maior centro de Artes Figurativas da Amrica Latina, segundo a UNESCO,
um bairro de Caruaru, situado a aproximadamente 7Km do centro da cidade, povoado
predominantemente por artesos cerca de 1.000 trabalhadores do barro, sobretudo, mas
tambm de madeira e de outros materiais. Constitui um conjunto populacional de
potencial enorme para a produo de formas de expresso cultural. Destacase, tambm,
por ter sido o local de nascimento do Mestre Vitalino e do Mestre Galdino, grandes
ceramistas, conhecidos nacional e internacionalmente por seus bonecos de barro. Tudo
isso faz dele um lugar onde a cultura regional permanece quase intacta e sempre se
renovando, abastecendo continuamente a Feira de Artesanato de Caruaru, alm de ser umlocal onde muitos moradores encontram seu sustento, baseado na venda desses produtos.
Parque 18 de Maio:Abriga atualmente a Feira de Caruaru, mas j foi o Campo de Monta,
pertencente ao Ministrio da Agricultura, onde se realizava o abate e a reproduo de
animais. Na dcada de 80, esse espao, com mais de 150ha, comeou a ser utilizado para
a transferncia de parte da Feira, que at ento se encontrava no centro. Desde 1992,
toda a Feira acontece l. Esse espao foi escolhido por se encontrar bem prximo ao
centro da cidade, e cada vez mais pensado pelas pessoas como local onde se pode
encontrar tudo que se procura e como meio de vida, principalmente para quem trabalha
na Feira da Sulanca e na do Artesanato.
Ptio do Forr: Neste local ocorre a maior festa da cidade, o So Joo, conhecido
nacional e internacionalmente. No comeo do sculo 20, este lugar era marcado pela
fbrica de beneficiamento do algodo que era trazido do Agreste e do Serto do Estado,
por isso h ainda a edificao maior, hoje Espao Cultural, e outra menor, o Museu Luiz
Lua Gonzaga, com peas de artesos de Caruaru e da regio circunvizinha. No Ptio do
Forr, h festividades no perodo que vai do fim de maio at o incio de julho, sendo,
ento, um lugar onde mais de cem mil pessoas passam, por fim de semana, para festejar o
So Joo na Capital do Forr, caracterizandose para a populao como um local defesta e diverso para a cidade, alm de uma enorme fonte sazonal de emprego e renda.
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Os dados expostos acima se completam com informaes mais detalhadas das duas
Localidades em que foi dividido o Stio Fsico: OPermetro Urbano de Caruaru
e oAlto
do Moura .
2.4. Localidade: Permetro Urbano, Incluindo a Feira do Gado
A Feira de Caruaru, incluindose a a Feira do Gado, foi localizada no centro da cidade,
mais propriamente na Rua do Comrcio, por quase dois sculos, at ser transferida, em
1992, para oParque 18 de Maio(foto), situado na margem sul do Rio Ipojuca, enquanto
que a do Gado foi localizada em terreno prximo ao Aeroporto e ao Distrito Industrial, no
bairro denominadoCaj.
Essa relocao foi determinante para a
melhoria da qualidade no fluxo de pedestrese de veculos em Caruaru, principalmente a
partir da dcada de 70, j que no Parque 18
de Maio h vias especficas internas que do
acesso aos automveis, alm de
estacionamentos, sem o problema de
cruzamento entre pedestres e veculos, bem
como uma rea de mais de 150ha, enquanto
o centro possua um espao limitado pelas
ruas, medindo apenas 22ha. Essa mudana
fez com que houvesse um crescimento no
nmero de feirantes em mais de 500% de cinco mil em 1970 para vinte e oito mil em
2004. J a Feira do Gado, conta hoje com rea para venda e exposio de animais e um
matadouro prximo, alm de sees de venda de gado caprino, eqinos e aves. Nessa
Feira circulam mais de dez mil animais por ms, gerando mais de um milho de reais por
semana, quantia que quase dobra na poca da safra ou do boi gordo.
J as doze ou treze Feiras situadas no Parque atendem, atualmente, mais de um milho
de pessoas por ano, que recorrem aos vinte e oito mil feirantes, atrados pela diversidadede produtos vendidos, desde roupa at frutas, passando por importados e miudezas e o
popular trocatroca. S a Feira da Sulanca arrecada, segundo a Associao de Feirantes
de Artesanato, mais de vinte e dois milhes de reais por semana, em mdia. Toda essa
imensido dos nmeros se reflete no espao usado pelos feirantes, que usam cada vez
mais as ruas do entorno do Parque para negociarem.
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Dados das Feiras de Frutas e Verduras, Sulanca e de Artesanato Ano de 2004
Tipo da feira N. de comerciantes N. de compradores
Valor comercializado em 2004
(R / mdia)
Frutas e Verduras 5.900 20.000/ semana 3 milhes/semana
Sulanca 12.000 +10.000 invasores
(sic)
100.000 alta estao
35.000 baixa estao22 milhes/semana
Artesanato 400 10.000/semana 20 milhes/ baixa estao/ semana40 milhes/ alta estao/ semana
FONTES: Coordenadoria de Comunicao PMC, Associao dos Sulanqueiros de Caruaru, Associao dosFeirantes de Artesanato de Caruaru.
Dentre os principais marcos edificados nesta Localidade, destacamos:
Administrao das Feiras e Mercados (Chal do Campo de Monta):
Essa edificao serviu
por muito tempo como residncia dos engenheiros agrnomos que trabalhavam no Campo
de Monta, local onde aconteciam o abate e a
reproduo dos animais de Caruaru, alm das
Exposies de Animais do Agreste. Esse
prdio ainda se encontra bem conservado,
com as caractersticas originais de
construo da poca, e serve atualmente
como sede da Administrao do
Departamento de Feiras e Mercados de
Caruaru. Atualmente, tem carter
institucional e apenas de referncia para oespao da Feira, pela populao.
Administrao da Feira da Sulanca (Prdio Rosa):Esse prdio serviu muito tempo como
Matadouro Municipal at ser cedido para a Prefeitura, por ocasio do projeto de
transferncia da Feira, em 1988. Foi preservado e hoje funciona como sede da
Administrao da Feira da Sulanca. Tem funo apenas institucional, no sentido de
referncia para o espao da Feira pela populao.
Mercado de Farinha: Prdio construdo em
1992, para ser instalado o novo Mercado de
Farinha, que seria transferido do centro da
cidade. Abriga vrios boxes e referncia de
edificao comercial para a cidade.
Mercado de Carne: Igualmente construdo
em 1992, para ser o novo Mercado de Carne,
transferido do centro da cidade.
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Igreja da Conceio:j foram descritos,acima,seu estilo e sua importncia cultural para
a cidade e o permetro urbano.
Museu da Feira:
Construdo no meio da
dcada de 20, era o antigo Mercado de
Farinha e funcionou, at 2000, como Museu
da Feira de Caruaru Celso Galvo, (hoje
fechado). referncia de um dos poucos
edifcios mantidos como original, e
referncia de local que abriga acervo da
Feira de Caruaru.
Feira do Gado: Localizase no Bairro do Caj, prximo ao aeroporto, e conta com um
Matadouro Municipal e espao para exposio
dos animais a serem vendidos. L, so
negociados caprinos, ovinos, bovinos e
sunos, que so trazidos de toda a regio eestados vizinhos, possuindo uma arrecadao
semanal de mais de um milho de reais.
Desse Matadouro, grande parte da carne
trazida para ser vendida no Mercado de
Carne. Esse espao marcante,
principalmente porque foi dele que se iniciou
o comrcio da Feira de Caruaru, ainda no
centro da cidade.
Parque 18 de Maio:A importncia deste espao, contando com mais de 150ha, a de ter
sido o local escolhido para abrigar a Feira de Caruaru, na ltima dcada do sculo XX,
como se ver adiante.
2.5. Localidade: Alto do Moura
O Alto do Moura est situado a aproximadamente 7km do centro de Caruaru e
considerado o Maior Centro de Artes Figurativas da Amrica Latina, segundo a UNESCO.Constituise em um bairro de Caruaru e cortado pelo Rio Ipojuca e pela BR 232 ,ao sul.
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As atividades l realizadas geram inmeros empregos, transformandose em uma base para
o comrcio da Feira de Artesanato,
localizada na outra localidade estudada, a do
Permetro Urbano de Caruaru, e para onde a
maioria dos produtos feitos daqui so levadose vendidos. A beleza desses produtos to
grande, que atrai inmeros visitantes, entre
brasileiros e estrangeiros.
H apenas uma escola municipal de 1 e 2
graus e um posto de sade para 6.167
habitantes, segundo o senso de 2000/IBGE. O
principal recurso hdrico do Alto do Moura
o Aude da Taquara, que serve como reservatrio para abastecimento de grande parte
dessa localidade. O ecossistema principal o caracterstico da regio Agreste de
Pernambuco, que a faixa inicial da
caatinga, vegetao caracterstica do Serto.
Dentre os principais marcos edificados na
localidade, destacamos:
Museu Mestre Vitalino:
Casa situada na rua
principal do bairro, local onde viveu por
dcadas o precursor das artes figurativas deCaruaru, Vitalino Pereira, ou simplesmente
Mestre Vitalino. Nessa residncia, ele
produzia suas peas e as levava para a Feira
de Caruaru, nas dcadas de 40/50, para
vendlas, tornandose conhecido nacional e internacionalmente. At hoje, essa
edificao utilizada por seu filho, Severino Vitalino, para a produo de peas de barro,
que so vendidas para pessoas da cidade e
turistas. Por tudo isso, esse museu, institudo
por decreto municipal em 1971, adquiriu um
sentido de forte preservao da cultura.
Museu Mestre Galdino: Nesse local,
encontrase a produo mais conhecida de
outro grande ceramista caruaruense, Mestre
Galdino, que trabalhava o barro com formas
diferentes, moldavao e dava formas de
seres imaginrios e reais, misturando cenascotidianas com as de um mundo fictcio. Esse
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museu mantido pela Prefeitura de Caruaru, visto que expressa um forte sentido de
preservao da cultura da cidade.
Rua principal do bairro:Nessa via, podem ser encontrados diversos atelis dos muitos
ceramistas locais, alm dos inmeros bares, que ficam lotados, principalmente no ms dejunho, quando turistas invadem Caruaru para o So Joo, a fim de se divertirem e
conhecerem a cultura local.
O nomeAlto do Mourase deve, segundo moradores, presena de um portugus chamado
Moura, dono das terras circundantes, que mostram algumas elevaes geogrficas. Assim,
as pessoas se referiam ao lugar como o Alto do Moura, que comeou como uma pequena
vila e, com o passar dos anos, transformouse num celeiro de grandes artesos, como
Mestre Vitalino e outros, j citados e ainda por citar.
Atualmente, h muitos artesos que se destacam por seus produtos de barro, como
Severino Vitalino, Manuel Eudcio, Elias Santos, Lus Antnio, Marliete Rodrigues e outros,
que esto reunidos em uma Associao de Artesos do Alto do Moura, fundada em 1981.
Cinqenta anos depois da descoberta de Vitalino por Abelardo Rodrigues, colecionador
pernambucano dono de uma escolinha de arte no Rio, onde se radicou e desenvolveu uma
coleo de peas de artesanato das maiores do pas, a Feira deixou de atrair os artesos
do Alto do Moura, como revela a artes Marliete, em entrevista dada a Eduardo Ferreira
(2006). O fcil acesso quele bairro, diz ela, permite ao arteso receber os turistas e
compradores em seu prprio ateli. Hoje, a Feira de Artesanato que funciona como
convite para visitar o Alto do Moura: houve, portanto, a reverso da situao antiga,quando Vitalino, a me de Marliete e outros criadores percorriam os 7km entre o Alto e a
Feira, a p, para vender l suas peas. Hoje, Marliete tem carro na garagem e vende suas
peas para todo o Brasil e at para o exterior, sem sair do seu ateli.
A situao acima descrita d lugar a diversas anlises:
Em primeiro lugar, demonstra a fora da fidelidade
tradio familiar, a reproduo da atividade artstica
passando de pais para filhos, e at para os netos. As
condies difceis, a misria que rondava a existncia
dos artesos e suas famlias no desestimulou a
continuao da atividade por parte das novas geraes.
Em segundo lugar, est clara a relao entre a Feira e a
produo artesanal. Antes, o percurso era do Alto do
Moura para a Feira: os artesos reconheciam nela o
lcus, o lugar para a comercializao dos produtos
artsticos. Vitalino chegava, ele e os filhos carregando
em tabuleiros, sobre a cabea, os bonecos de barro;
espalhava sua produo da semana numa calada, sobreuma toalha, na Rua Sete de Setembro, uma das ruas da
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Feira nos anos quarenta e cinqenta. Nesta ltima dcada, aconteceu o inesperado:
Abelardo Rodrigues, em suas vindas a Pernambuco em busca de novos talentos e peas
para sua fabulosa coleo, costumava passear pela Feira de Caruaru. Passo a palavra aqui
para Antnio Miranda, citado por Eduardo Ferreira:
Abelardo, ao avistar os bonecos, aproximouse e perguntou a Vitalino de quemera. So meus, foi a resposta. Abelardo ajoelhouse e escolheu os que mais lhe
interessavam. Levou tudo para expor em sua Escolinha de Arte, no Rio de Janeiro.Depois disso, Vitalino, os integrantes da banda de pfanos de Vicente Teotnio, oPadre Zacarias Tavares, dois violeiros, o prefeito (...) foram para o Rio, a fim de
que os cariocas conhecessem a obra do mestre caruaruense. Podemos dizer, agora,que, do barro, fezse Vitalino, ao se tornar um arteso conhecido no s no Brasil,
como no mundo. (FERREIRA, 2006, p. 41)
Uma terceira reflexo surge a partir do fenmeno atual da globalizao e da
mundializao, processos que afetam igualmente a confeco dos bens culturais.
Quando o arteso Luiz Antnio nos contou, em sua entrevista, de sua viagem ao Japo,onde ficou cerca de quatro meses, a convite de turistas e comerciantes, a vender, a
produzir e a ensinar a fazer sem muito sucesso, afirmava ele, entre risos bonecos de
barro no seu estilo bem pessoal, estava assinalando exatamente esta realidade: a
planetarizao das diferentes culturas e civilizaes do Mundo.
Fatos como este deixam muitos intelectuais preocupados: ser que os artesos vo se
render s facilidades da produo em srie? Ser que vo se manter fiis tradio
recebida? No o momento de discutirmos estas questes agora, mas posso adiantar, por
este exemplo e de outros, que os artesos normalmente sabem, intuem que suas peas
despertam interesse nacional e internacional porque elas so feitas do jeito que so,
porque mantm uma identidade prpria e so fruto de um saber especfico na arte do
fazer.
Assim, quando os arteso do Alto do Moura conforme vrios depoimentos que tomamos
recebem encomendas repentinas de viajantes nacionais e estrangeiros, recorrem a
parentes e amigos para dar conta da quantidade solicitada. Mas eles vo fazer a mesma
coisa, trabalhar da mesma maneira, tudo sob a orientao do mestre, que sempre dispe
de aprendizes para estas ocasies.
No raro encontrar um ou outro arteso se divertindo larga, ensinando turistas
europeus a amassar o barro e tentando esculpir as belezas em miniatura, que reproduzem
o universo imaginrio do segmento social ao qual eles pertencem. Mas claro que existe
um perigo nestas incurses desses artesos, simples e ingnuos como so, no sentido de
serem burlados seus direitos de autoria, de comercializao, etc.: o de se tornarem
vtimas inocentes de patenteamento de sua produo no Exterior, o que est a exigir
medidas rpidas no campo das salvaguardas e dos direitos autorais, por parte do IPHAN e
do Ministrio Pblico.
De modo que a comunidade de artistas artesos, pintores e fabricantes de artesanato
utilitrio, que l residem e trabalham, aceitam encomendas hoje quase semintermedirios, como pudemos constatar, e vendem a turistas e viajantes, tanto no varejo
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como em grosso, para a Itlia, Alemanha, Japo... Esta comunidade de artistas do barro,
das telas e das artes, que utilizam recursos vegetais em sua maioria e originrios da
regio, constituem um Bem Associado Feira.
O Alto do Moura dispe de acesso atravs do ncleo urbano, bem como pela BR 232. Alm
da CasaMuseu do Mestre Vitalino e da CasaMuseu do Mestre Galdino, destacamse osatelis e residncias dos artesos, cujos nomes e quantidade se encontram registrados nas
fichas de Contato; os objetos de arte que criam, nas fichas de Formas de Expresso; os
modos de amassar o barro, cozinhar no forno, moldar, etc., nas fichas de Saberes e Modos
de Fazer. As lojas de vendas dos produtos de cada um deles so, muitas vezes, a prpria
sala de visitas da residncia. Alm disso, encontramse diversos bares e restaurantes com
pratos regionais e outros3. Seis peas dos Mestres Vitalino e Galdino, alm de artesos
vivos, como Manuel Eudcio e Lus Antnio, encontramse expostas em Museus de Arte
Popular e/ou Artesanato na Europa.
O Alto do Moura, pela estreita relao de reciprocidade com a Feira de Artesanato, foi
inserido como uma localidade do INRC da Feira de Caruaru. Porm, diante da riqueza
cultural narrada acima, sugerimos aqui, que seja posteriormente realizado o Inventrio
(INRC) do Alto do Moura para Registro como Patrimnio Cultural Imaterial Brasileiro.
3 Nestes pargrafos referentes Feira atual e ao Alto do Moura, tomei dados da publicao da Prefeitura deCaruaru:Plano Diretor: Perfil de Caruaru, edio de 2002 (mmeo), gentilmente cedida, entre outras, pelo
Diretor de Documentao e Patrimnio Cultural da Fundao de Cultura de Caruaru Sr. Walmir Porto Dimern,ao qual agradecemos. A relao das feiras, no entanto, foi atualizada quanto aos nomes populares que o povod e quanto ao nmero, a partir da pesquisa de campo e de dados do prprio Walmir.
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III. INFORMAES HISTRICAS E BIBLIOGRFICAS
3.1. As Origens
Para se entender um pouco o que so as feiras livres, buscouse a definio encontrada no
Estudo da Fundao Ford (2004), onde se l o seguinte:
Um dos mtodos mais bvios, porm talvez menos entendidos, de aumentar aintegrao social em espaos pblicos e encorajar o crescimento de mobilidade [
a feira]. Cada vez mais, lderes comunitrios e governo vem as feiras pblicascomo local dos maiores problemas da cidade: a necessidade de trazer pessoas de
grupos diferentes; a necessidade de tornar os espaos pblicos convidativos eseguros, de revigorar a vizinhana e suportar a pequena escala de atividades
econmicas, de prover produtos frescos e de alta qualidade para os moradores dacidade, e de proteger o espao aberto e preservar a agricultura das cidades
vizinhas.
Alm disso,Feiras pblicas so localizadas e/ou criadas em espao pblico dentro da
comunidade. Esse um aspecto visvel das feiras a criao de um localconvidativo, seguro, e ativo, que atrai todo tipo de pessoas. (...) Como um lugar
efetivo onde as pessoas se misturam, feiras pblicas se tornam o corao e a almada comunidade, ou seja, um local onde as pessoas interagem facilmente e onde
inmeras atividades da comunidade acontecem.
Do mesmo modo,
As feiras so uma propriedade local, j que o comrcio independente eoperado por seus donos, e no comrcios que so dominados por franquias quase
que onipresentes. Isso ajuda a explicar o sabor local das feiras pblicas e a
exclusividade da experincia em comprarse nelas.
Dewar e Watson (1990) mostram que, embora muitas feiras livres sejam inicialmente
espontneas pela oportunidade econmica por parte dos comerciantes, o sucesso,a longo
prazo,depender em parte da ingenuidade da interveno nos estgios de desenho e da
implementao, o que ocorreria no incio da Feira de Caruaru, pois a localizao e o modo
de comear foram, de certa forma, ingnuos e espontneos.
Assinalo aqui um fato por demais conhecido: existem inmeros relatos sobre a evoluo de
cidades que tiveram seus incios marcados pela atividade mercantil e pela presena de
uma feira, por estarem em rotas de comrcio ou em situaes geogrficas benficas.Podese relembrar que as primeiras feiras do Brasil Colnia, no sculo XVIII,
desenvolveramse da mesma forma que tantas outras na Europa. Elas localizavamse em
grandes ptios em frente a um marco nessas localidades, como uma igreja ou um largo, e
rodeadas por inmeras casas comerciais, sendo vendidos os produtos da regio, como cita
e exemplifica Sampaio apud Reis Filho (1968), em relato sobre a histria da fundao de
4 Como j foi assinalado, as informaes constantes neste item se devem, em primeiro lugar, pesquisadocumental e bibliogrfica realizada por Janine Primo e Gustavo Miranda, alm de livros e artigos solicitados eenviados para a 5a SR do IPHAN por autores pernambucanos, cujos nomes sero conhecidos atravs de suas
citaes, que figuraro ao longo do texto. Quero ressaltar aqui a prestimosidade com que as Sras. MabelBaptista e Graa Villas, encarregadas ento do Ncleo do Patrimnio Imaterial da 5 a SR, empenharamse emconseguir as colaboraes externas acima nomeadas, enriquecendo, em muito, este Dossi.
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Salvador, no qual destacado o forte papel da feira livre na determinao do comrcio e
na vida dos habitantes da cidade:
Era nas feiras que se realizava o comrcio regular de produtos agrcolas, massobretudo de pescado. s feiras afluam os vrios produtos da terra e os de maior
procura. A farinha de mandioca pelas vrias maneiras como os ndios a fabricavam,a tapioca; as razes comestveis, aipins e batatas; o milho e o feijo; o mel da
terra; as frutas indgenas em que sobressaam as bananas, os ananazes (sic), cajuse maracujs; a caa grossa e mida; os animais vivos trazidos feira, pela estima
que lhes davam os europeus, como os bugios e sagis, papagaios e tuins; bom evariado como o nmero de aves canoras; o peixe e os mariscos abundantes,
oferecidos por baixo preo tudo a se encontrava. Situavamse as antigas feiras deSalvador na cidade baixa, junto praia e na cidade alta, na praa principal. Porfacilitar o mercado, consentiase que a feira realizasse beiramar, na Praia dos
Pescadores, vizinha da ermida da Conceio (...).
Diferentemente do exemplo anterior, a Feira de Caruaru5 nasceu e se criou, como dizem
os caruaruenses, conjunta cidade. Segundo Kleber Fernando Rodrigues (1995), nos
princpios da colonizao a localidade onde hoje formada Caruaru era ocupada pela
Sesmaria Ararob. Muito tempo antes, habitavamna os ndios Cariri, que denominavam a
regio de Caruru ou Caruaru (caru: principal; aru: campo ou stio).
Josu Euzbio Ferreira alega que a histria de Caruaru teve incio com a chegada dos
familiares do Cnego Simo Rodrigues de S, nos fins do sc. XVII, tomando posse de
terras no Vale Mdio do Rio Ipojuca, que foram empregadas,sobretudo,para fazendas de
gado; alm disso, desenvolveram nelas culturas de subsistncia. A famlia Rodrigues, ao vir
de Portugal em meados do sc. XVII, residiu primeiro no Recife, onde comerciava gado. Os
Rodrigues de S mudaramse para a regio do Rio Ipojuca, que banha Caruaru,
incentivados por informaes de viajantes que percorreram o vale mdio daquele rio, ecomunicaram no Recife as possibilidades de explorao econmica das localidades
visitadas. Encaminharam petio s autoridades, solicitando o direito de trabalhar
aquelas terras.
O pedido foi atendido: em 02 de junho de 1681, foram doadas terras famlia Rodrigues
de S, situadas entre as Misses de Limoeiro, no Capibaribe, e o vale Mdio do Ipojuca
(FERREIRA, 2001). Fundaram vrios stios de criao de gado e de agricultura de
subsistncia. So eles: Stio da Posse, Juriti e a Fazenda Caruru, fundada no incio do sc.
XVIII.
De acordo com Josu Euzbio Ferreira, Caruaru era, na poca, uma fazenda de gado
localizada s margens do Rio Ipojuca. O vale deste rio era utilizado como caminho para
transportar o gado desembarcado para o Serto, bem como o que vinha do Serto com
destino ao Litoral, para consumo e trao animal nos engenhos. A fazenda tornavase um
ponto de apoio; comearam a pernoitar na fazenda, fazer comida, etc. Com o tempo,
viajantes (tangerinos, tropeiros, mascates, etc.) passaram a pedir refeies aos moradores
da fazenda, como tambm dormitrios. Assim se iniciava o comrcio na Fazenda Caruru, e
o desenvolvimento da futura Feira de Caruaru.
5 De acordo com Austregsilo (2006), impossvel escrever Feira de Caruaru sem as maisculas.
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Jos Rodrigues de Jesus inicia a construo de uma capela em homenagem sua irm
caula, Maria da Conceio Rodrigues de Jesus, em 1781, sob a invocao de Nossa
Senhora da Conceio. A seguir, solicita autorizao ao Bispo de Olinda para a construo
da capela. Esta inaugurada em 05 de outubro de 1782, com o ttulo de Capela Nossa
Senhora da Conceio da Fazenda Caruru. Escreve Josu Euzbio Ferreira:Podemos supor que a Fazenda Caruru, a partir da inaugurao da Capela em
1782, passou a ser o nico lugar no vale mdio do Ipojuca, alm de So Jos dosBezerros, onde os moradores de toda a redondeza teriam a oportunidade de
acompanhar um ato religioso, celebrado por uma autoridade oficial da IgrejaCatlica (FERREIRA, 2001).
A fazenda tornavase um ponto de convergncia. Ferreira relata alguns costumes dos
freqentadores da Fazenda: ... assistir missa, batizados, casamentos, receber a beno
do padre, encontrar conhecidos, parentes e compadres". Os domingos eram os dias de
maior movimento na capela. Aproveitando a presena do padre, muitos se deslocavam
para a fazenda a fim de assistir e realizar celebraes, levando seus artigos para vender,
comprar ou trocar com os demais comerciantes.
Poderia aproveitar tambm a presena de um mascate que era habitual poraqueles caminhos; esses encontros eram oportunos para apresentar as novidadesdo momento: tecidos, linha, dedal, chapus, apetrechos de uso feminino, etc.
(FERREIRA, 2001).
Pedro Marins afirma, numa entrevista em 1997 (JORNAL DO COMMERCIO, 18/05/1997), que
Jos Rodrigues de Jesus fazia um pequeno investimento, dando um impulso econmico
regio, da seguinte maneira: Para assegurar o fortalecimento da feira e por
conseqncia das suas propriedades, ele comprava os produtos que sobravam e os
distribua com seus escravos.
Com o passar do tempo, a Feira foi aumentando, se fortificando. Os encontros tornaram
se semanais, os mascates, aos poucos foram sendo substitudos por casas comerciais no
prprio local. As relaes sociais se constituram nas ... possibilidades de mudanas nas
relaes pessoais e de negcios, caracterizadas pela confiana mtua, pelos prazos na
entrega dos produtos e nos pagamentos etc. (FERREIRA, 2001).
Kleber Fernando Rodrigues ainda comenta:
Tamanho era esse fluxo populacional ao lugar com vistas ao crescimento da Feira,objetivando comprar, trocar, vender produtos dos mais distantes e diversos rinces
do Agreste pernambucano, que em torno da Capelinha de Nossa Senhora daConceio desenvolviase o processo de urbanizao, com a construo de Casas,
formando as primeiras ruas (RODRIGUES, 1995).
Em frente capela, desenvolveuse pouco a pouco a feira livre da fazenda, e por isso
passou, aquele local, a se chamar Rua do Comrcio, mais tarde recebendo o nome de
Praa Joo Guilherme de Azevedo. A comercializao de frutas, cereais, gado bovino,
artesanato e utenslios, produzidos manualmente, atraam cada vez mais vendedores e
compradores. Com o desenvolvimento da Feira, forase formando em torno da capela o
incio da cidade, as primeiras casas e ruas, mais tarde tornandose um vilarejo.
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Essa ocupao da frente da capela por um comrcio se deveu, principalmente, no
existncia de um ncleo urbano no Brasil colnia sem uma praa ou largo e:
elas existiro onde houver, inicialmente, uma capela ou igreja (ROBA e MACEDO,2002, p. 1522) e, mais tarde, casas de cmara e cadeia, feiras. Ser sempre umespao aberto onde, num primeiro momento do surgimento dos ncleos urbanos,
as atividades sociais, comerciais, religiosas e militares acontecem (...),num amlgama de funes e que, mais tarde, vo sendo apropriados por novos
espaos, especializandoos, mas quase nunca sem a presena dotemplo. (NEVES, 2003).
De acordo com Kleber F. Rodrigues, Caruaru ... j no final do sc. XVIII comportava
trezentas casas residenciais, entre estas se encontravam tambm domiclios comerciais.
A populao do Caruru, na ribeira do mdio Ipojuca, beneficiada com aconstruo da estrada real do Recife a Cabrob, visto a mesma passar por dentro
de sua rua principal a da Frente ou do Comrcio vinha atravessando,paradoxalmente, situao bastante irregular e servindo de palco a toda sorte dealterao da ordem pblica, como se fosse um autntico lugar sem chefe e sem
lei. (BARBALHO, 1983).
Em 1811, o povoado de Caruaru tornase distrito de Santo Anto, antigo nome da atual
cidade da Vitria de Santo Anto.
Josu Euzbio Ferreira aponta trs fatores fundamentais para o processo de urbanizao
de Caruaru: a localizao geogrfica da fazenda, com seus currais prximos ribeira do
Ipojuca; o caminho das boiadas e a fazenda como posto de apoio e pernoite; e, como
elemento mais forte, a construo de uma capela.
Segundo Daisy Costa Lima (nossos pesquisadores no encontraram referncias desta
autora), a capela fora utilizada pelos moradores da vila, at 1846, como nico templo
catlico, pois foi neste ano construda a Igreja Matriz a qual, no sculo XX, com a criao
da Diocese catlica de Caruaru, receberia o ttulo de primeira Catedral dedicada a Nossa
Senhora das Dores, pelo missionrio Frei Euzbio de Sales, capuchinho do convento da
Penha, do Recife.
O vereador e padre Antnio Jorge Guerra, visando seus interesses polticos, solicitou a
mudana do local da Feira do sbado, fixandoa do nascente da casa do tenente Joo
Correia, em linha reta, casa do alferes Jos Francisco da Silva Macambira, e, para o
poente, at onde couber (BARBALHO, 1980b). Ainda segundo Nelson Barbalho, em 1853,
vrios moradores do Caruru, atravs de abaixoassinado, encaminharam CmaraMunicipal de Caruaru pedido de transferncia definitiva da feira semanal da vila para um
local fora da Rua da Frente, mas os vereadores de imediato lhes negaram a pretenso,
argumentando que no tem lugar o que requerem, visto acharse a feira no lugar do
costume e reclamado pela maioria do povo.
Em 26 de abril de 1854, o presidente da Provncia de Pernambuco determina a construo
da estrada que ligaria a zona da Mata ao Serto, atravs da Lei Provincial de n. 334. Essa
estrada percorria Gravat, So Jos dos Bezerros, Caruru, So Caetano da Raposa e
Pesqueira. Contribua, assim, para o alargamento das transaes comerciais em todo
Pernambuco e, conseqentemente, para o progresso da Feira.
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A Feira caracterizavase, do seu surgimento at o incio do sculo XX, pelo intenso
movimento. Cond (1960) relata em seu livro:
Vai de um extremo a outro da Rua do Comrcio mais de um quilmetro ocupadopelos toldos coloridos, montes de frutas e legumes, barracas que servem de
restaurantes populares (onde se come sarapatel, carne de sol, buxada, midosfritos), barracas que vendem celas, alforjes, redes, ervas medicinais e
afrodisacas, chapus de couro, cestos, passarinhos, cavalos, peles de sucuri.Envoltas em xales vistosos, o cachimbo de barro cozido pendente do lbio,
mulheres caboclas, negras e sarars fazem barganha com a freguesia. Rudos evozes partem de todos os cantos: dos becos que desembocam na rua, ondepedintes aleijados e cegos entoam cantigas improvisadas, de uma tristeza
ancestral; dos propagandistas das lojas de cintas, dos pregoeiros, das sanfonas,violas e pandeiros. Na calada da Igreja da Conceio, o trovador popular recita
para os matutos histrias sertanejas que vm narradas nos folhetos de capasberrantes e versos primitivos. (COND, 1960, p. 51).
Em outro trecho ele afirma:
Mal se pode andar nesta rua atravancada de gente, cavalos, balaios, toldos,barracas, monte de mercadorias. Das portas das lojas as peas de chita de todas as
cores so bandeiras em dias de festa. (...) A feira dos cavalos e dos passarinhos mais adiante, no fim da Rua do Comrcio, quase no comeo da Baixinha do Capito
Ioi; o Mercado de Farinha, no outro extremo, subindose o beco que vai dar naRua Duque. (COND, 1960, pp. 523).
Em determinada passagem, ele aborda at como os matutos atuam nessa Feira:
O sol comea a esfriar e o movimento na feira j no o mesmo de pela manh.Agora hora de fazerem compras os pobres da Lagoa da Porta, do p do monte,
daqueles que moram em casebres alm da ponte, beira do rio; tambm hora emque as bodegas esto cheias de matutos muitos j embriagados bebendo
aguardente (...). Os bbados de fimdefeira. (COND, 1960, p. 50).
Em 1855, a peste de cleramorbo chega a Caruaru. O vereador Jos Maria Brayner exigia
limpeza de esgoto, varredura de ruas e becos, queima de lixo, priso de porcos solta
pela sede da vila. Neste ano,no se realizaram as festas natalinas em frente Capela de
Nossa Senhora da Conceio, na Rua da Frente, o que enfraqueceu demasiadamente o
comrcio, principalmente o chamado livre. A Feira, como parte de um todo social,
atingida pela peste. Alm da peste, a subida do custo de vida nos anos 50 se abateu
tambm sobre a Feira, causando diminuio do consumo.
Kleber F. Rodrigues afirma que as feiras criadas no Brasil entre os sculos XVII e XVIII
foram baseadas na agromanufatura aucareira, no latifndio, no escravismo, numaeconomia voltada para o consumo externo.
A Feira de Caruaru, nasce e cresce dentro da realidade histrica da FazendaCaruru em que, ao construir a Casa Grande, a Senzala e a Capela e,
principalmente, ao estabelecerse nestas paragens agrestinas uma fazendaobjetivando a criao de gado vacum, alm de desenvolver nas cercanias daFazenda e mesmo em reas mais distantes a produo de uma agricultura de
subsistncia, estabeleceuse concretamente a necessidade de manipulao destaproduo ou por necessidade econmica ou ainda por necessidade de
sobrevivncia, pois distncia da capital, do porto e dos produtos de almmar,tornavase necessrio o intercmbio da produo seja de qual tipo fosse entre os
mercadores do lugar. (RODRIGUES, 1995).
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Rodrigues traa, assim, um dos primeiros diferenciais entre a Feira de Caruaru e a grande
maioria das feiras nascidas na Colnia naqueles sculos por ele enumerados. Temos, neste
caso, a primeira feira nascida em rea econmica pertencente ao ciclo do gado, no
Pernambuco Colonial, com as caractersticas por ele apontadas: diretamente vinculada s
necessidades do consumo interno; produo altamente diversificada, por conta dadistncia entre o Litoral, o porto e as grandes cidades e vilas da rea aucareira; outra
caracterstica a de que este comrcio, nascido de um pouso para o gado e para os
viajantes (tangerinos, boiadeiros, tropeiros, mascates, etc.), se baseava principalmente
no trabalho livre e numa economia no direcionada, como era a do Litoral, cujo comrcio
predominante: o do acar, fruto da monocultura e produzido em grande parte para a
exportao, impedia o plantio e conseqente oferta de outros produtos alimentcios
prprios para o consumo. Estes tinham de ser importados de outras regies da ento
Provncia, ou de outras unidades da colnia ou da metrpole.
importante frisar que as feiras livres das cidades da Zona da Mata Sul e Norte de
Pernambuco, onde predominou e predomina a agroindstria aucareira, eram muito
pobres em termos de oferta de produtos algumas so at hoje! inclusive de gneros de
primeira necessidade um dos lados perversos da monocultura canavieira, no Nordeste.
Ora, Caruaru foi a primeira feira livre verdadeiramentelivrena ProvnciadepoisEstado,
porque nasceu e se constituiu fora do sistema de produo baseada no escravismo e na
monocultura canavieira. A prpria necessidade de atender a uma populao que chegava e
se fixava fora das rotas do comrcio internacional, bem como populao flutuante, que
chegava, pousava e continuava viagem rumo ao Serto, impulsionou atividades econmicaspara diversificar o cultivo de produo agrcola de alimentos e de criatrio para o consumo
imediato. Deste modo, fora do mbito das pastagens e dos caminhos do gado bovino,
foram se desenvolvendo reas agricultveis e de criatrio de animas menores, de dois e
quatro ps.
O historiador faz ainda um paralelo entre as feiras da baixa Idade Mdia e a Feira de
Caruaru, relatando semelhanas e levantando hipteses de que o modo de fazer feira na
Europa foi transportado para o Brasil, mas que aqui ocorreram transformaes que
formam a identidade da feira brasileira, especificamente as do Nordeste: ... as
particularidades econmicas, polticas, vivenciadas pelos mercadores, feirantes da Idade
Mdia, e Moderna se afastam de singularidade e das peculiaridades da economia brasileira
dos sculos XVII, XVIII e XIX. (RODRIGUES, 1995).
Rodrigues explica que o grande fluxo econmico da Feira de Caruaru ocorre a partir de
1863, quando o governo ingls, durante a Guerra Civil NorteAmericana (Guerra de
Secesso), impedido de adquirir o algodo norteamericano, em decorrncia da guerra,
passa a investir economicamente nesta regio, criando linha de crdito para a produo e
exportao do algodo produzido na regio do Agreste e especificamente em Caruaru,
alm da construo da Boxwell, Usina de Beneficiamento do Algodo, e a ferrovia GreatWestern para o escoamento. Ferreira acrescenta que aquela indstria dispunha de uma
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rede enorme de compradores diretos dos produtores; assim, atravs de intermedirios, os
negcios com o algodo ultrapassavam as fronteiras do Agreste de Pernambuco.
Lembra ainda aquele autor, que na cidade j existia uma unidade da Sociedade Algodoeira
do Nordeste Brasileiro, a SANBRA, que tinha como atividade principal a extrao do leo
do caroo de algodo (FERREIRA, 2002). A atuao da indstria e a extenso da linha detrens contriburam para o alargamento econmico de Caruaru e das demais regies
circundantes.
Com o grande crescimento espontneo, e, por isso, da extrema desordem que sofre a
Feira na primeira metade do sculo XIX, a Cmara Municipal passou a intervir na
organizao e funcionamento desta. Em 1854, a Feira distava trinta e cinco braas da
Capela de N. S. da Conceio.
A Fazenda Caruru, no princpio do sculo XIX, j era um povoado prspero comuns mil habitantes, possuindo, desde 1795, sua Feira de Gado e produtos da roa,
origens da grande Feira de Caruaru. (DIAS, 1971).
Kleber F. Rodrigues defende que a imensa Feira que temos hoje em Caruaru fruto da
fuso das Feiras de Artesanato e de Verduras, Feira da Sulanca, Feira do Gado, Feira dos
Bolos e da Feira do TrocaTroca. A Feira do Gado Vacum foi uma das primeiras a se
desenvolver, pois, desde seus princpios, a regio utilizava o couro, fora motriz na
realizao dos trabalhos e para a construo de artigos de uso dirio (sendo que desde o
sc. XVIII, a regio do Rio Grande do Sul fazia concorrncia comercial de carne bovina com
Caruaru). A Feira da Sulanca foi iniciada em 1984.
A Feira de Caruaru tem como caractersticas principais e histricas o fato de serestabelecida pelos burgueses brasileiros, a nova classe de comerciantes proprietrios,
oligrquicos, mas tambm pelos vendedores e artesos livres e uns poucos escravos. Sendo
assim, muitos comerciantes atuais, empresrios caruaruenses, so descendentes de
antigos feirantes e proprietrios rurais, embora haja na atualidade certa discriminao por
parte do empresariado comercial em relao
ao feirante, pois muitos afirmam que
enquanto na Feira no se pagam impostos,
h possibilidade econmica de que o feirante
concorra economicamente em melhorsituao de vantagem em relao ao
comerciante estabelecido. (Ora, as
pesquisas de campo demonstraram que os
feirantes pagam impostos sim, embora em
quantia menor).
Caruaru viveu uma expanso demogrfica
significativa no desenvolvimento da economia local, ancorada na Feira, em todos os seus
setores. Expe a situao de decadncia do latifndio e da aristocracia coronelista em
funo do desenvolvimento microeconmico dos artigos que compe a Feira. Segundo
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Kleber F. Rodrigues (1995), (...) os mercados persas e turcos no causam inveja aos
caruaruenses, quando se trata de diversificao, criatividade, efervescncia cultural.
Tem a Feira o papel fundamental e preponderante de manter as tradies e a continuao
da produo artesanal, j que esta recebe parcos auxlios governamentais oficiais. o que
nos afirma Rodrigues (1995):A Feira de Caruaru uma das representaes do passado e do presente desta
comunidade; histria viva desta regio, o referencial da continuidade dahistria deste povo do Agreste pernambucano e nordestino.
Em 1857, a Vila de Caruaru contava com uma populao de 29.080 pessoas, sendo 26.833
livres e 2.247 escravos, fato que levava o jornalista Pedro Trancoso a polemizar a situao
de ainda vila? Em 18 de maio de 1857, sancionada a elevao da vila de Caruaru
categoria de cidade pela lei provincial de n. 416. Este ato administrativo unifica a
palavra: Caruaru,que ainda era falada dos dois modos:Carurue Caruaru. criao do
distrito de Caruaru referese lei municipal de n. 3, de 2 de dezembro de 1892.Segundo Tadeu Rocha, citado por Nelson Barbalho:
Um marco importante na evoluo econmica e social de Caruaru foi a chegadadas pontas dos trilhos da Estrada de Ferro Central de Pernambuco. Em dezembro
de 1895, o trem de ferro subiu a Serra das Ruas (sic) vencendo tneis eviadutos, passou por Gravat e Bezerros, apitou orgulhoso no km. 139 e resfolegouna estao de Caruaru. A multido de agresteiros que foram receblo confiava no
progresso que o trem haveria de levar sua cidade, com o crescimento docomrcio, o aparecimento das indstrias, o aumento da populao e a
intensificao da vida social, cultural e religiosa. Eram os comeos do novo postoque a cidade iria logo ocupar, no interior do Estado: o de metrpole regional da
parte centralsul da Borborema. (BARBALHO, 1980a).
Em 1895, as tradicionais famlias do Recife subiam a Serra das Russas pelos trilhos da
Estrada de Ferro Central de Pernambuco, para saborear pamonhas e carne de sol, ao som
das primeiras bandas de msica caruaruenses.
3.2. A Feira no Sculo XX
Vimos que a Feira de Caruaru no deixou de crescer desde 1819. O sculo XX iniciase com
a Feira ocupando a chamada Rua do Comrcio, tendo a igreja de Nossa Senhora da
Conceio construo que substituiu a antiga capela da fazenda ao fundo. Na pocacom pouco mais de vinte e cinco mil habitantes, a cidade ainda conservava os mesmos
hbitos e costumes do tempo de Vila. Segundo Mrio Sette (DIRIO DE PERNAMBUCO,
05/06/1984), em suas visitas a Caruaru em 1915, 1925 e 1929, a cidade j apresentava
grande progresso e lhe causava magnfica impresso.
Entre as dcadas de 30 e 60, Caruaru reconhecida como uma das maiores potncias do
Nordeste, com destaque para a indstria do couro. Suas produtoras eram a SANBRA, Caro
e o Curtume Souza Irmos, sendo esta ltima considerada a mais forte da poca. As
mercadorias eram transportadas em lombos de animais por causa da ausncia de
automveis na cidade.
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Entre as dcadas de 20 e 40 se deu o auge da venda de
folheto de cordis na Feira, tendo expressivo
enfraquecimento entre 1940 e 1950, pelo alargamento do
consumo de rdio e televiso. Nos cordis, encontramse
poesia, divertimento e informao. Muitos informes sobrea cidade eram obtidos atravs destes livretos. A TV e o
rdio tomariam esse espao na sociedade. Mas os
folhetins no perderam seu valor artstico e cultural.
O maior cordelista de Caruaru, segundo Aleixo Leite
(importante continuador da produo dos folhetos), era
Francisco Sales Areda, nascido em Campina Grande em 25
de outubro de 1916, mudandose para Caruaru em 1950.
Viveu exclusivamente da venda de seus cordis, no
perodo de 46 a 70.
Tambm so considerados grandes cordelistas de Caruaru: Jos Soares da Silva (Dila),
Olegrio Fernandes, Vicente Vitorino Cristvo e Manuel Baslio de Lima. Olegrio,
tambm violeiro, comeou a fazer seus cordis em 1956. Gostava muito de crilos tendo
como base os noticirios jornalsticos.
O Museu do Cordel
Olegrio Fernandes da Silva fundou o primeiro e nico, at ento, Museu do Cordel, em 2
de agosto de 1999, com acervo de duas mil e quinhentas peas e assessoria da Fundaode Cultura de Caruaru. O cordelista sofreu
um ataque cardaco no prprio Museu, em 3
de abril de 2002, que o levou a falecer aos
70 anos. Na ocasio, Maria Bethnia, sua
filha, afirmou que iria dar continuidade
grande realizao de seu pai, Tudo vai
continuar do mesmo jeito (JORNAL
VANGUARDA, 18/05/2002). Hoje, Olegrio
Filho o diretor do Museu. Ele deu uma
entrevista filmada sobre seu pai, que est no
dossi deste Inventrio.
As Boleiras
Nas dcadas de 1940 / 50, ganharam bastante destaque as boleiras de Caruaru, expondo
na Feira bolos de goma, de mandioca, de milho, broas, suspiros, beirassecas ou
truitas. Comeavam a produo na quintafeira para vendlos no sbado. As mais
famosas boleiras da poca eram Si Claudina, Maria de Artur Quinto, Maria Leandro,
Ana Preta e dona Maria Mata Escura.
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A feira de CaruaruFaz gosto a gente verDe tudo que h no mundoNela tem pr venderNa feira de Caruaru
Tem massa de mandiocaBatata assada, tem ovo cruBanana, laranja e mangaBatatadoce, queijo e cajuCenoura, jabuticaba, guin,Galinha, pato e peruTem bode, carneiro e porcoE se duvidar int cururu
Tem cesto, balaio, cordaTamanco, gria, tem tatuTem fumo, tem tabaqueiro,Tem peixeira e tem boi zebuCaneco, alcoviteiro, peneiraBoa e mel de uruuTem cala de alvoradaQue pr matuto no and nu
A feira de Caruaru...
Tem rede, tem baleeiraMde menino ca lambuMaxixe, cebola verde, tomateCoentro, couve e chuchuAlmoo feito na cordaPiro mexido que nem angu,Tem fia de tamborete, queD de tronco de mulungu
Tem loua, tem ferro velho,Sorvete de raspa que faz jaGelado caldo de cana,Planta de palma e mandacaruBoneco de Vitalino, que soConhecido int no SulDe tudo que h no mundoTem na feira de Caruaru
A feira de Caruaru...
Pequeno Histrico da Cano que imortalizou a Feira
Em fins de 1955, no auditrio da Rdio Difusora de Caruaru, Onildo Almeida leva para
mostrar ao seu amigo e locutor da rdio, Rui Cabral, sua nova msica A Feira de
Caruaru, ainda incompleta. Assim que a escutou, Cabral colocou Onildo no ar e pediu
para que cantasse. O amigo o fez. Com o improviso do sanfoneiro Jos Gomes, a msicafoi muito bem recebida pela populao, que pediu para Onildo cantar mais duas vezes.
Somente no incio de 1956, Onildo Almeida concluiu sua pesquisa sobre artigosvendidos na Feira que terminassem com a letra u. A idia era que cada verso
rimasse com o nome Caruaru. Ele buscou 14 tipos diferentes de especiarias.(JORNAL VANGUARDA, 18/05/2002).
Onildo, ento partiu para o Recife, em busca de Genival
Macedo, que era da gravadora Copacabana. Pensavam em
Jackson do Pandeiro, mas este j partira para o Rio de
Janeiro. Onildo no queria gravar a msica, consideravase umcantor romntico, no de baio, mas terminou gravando sua
msica, vendendo onze mil cpias em Caruaru. Afirma o
compositor que, num lado do disco, s havia a msica, no
outro, era um solo de cavaquinho.
Em 1956, Luiz Gonzaga chega a Caruaru para se apresentar na
Rdio Difusora. Em sua discoteca, Luiz escuta A Feira de
Caruaru. Com muito entusiasmo, pede a Onildo para gravla.
O autor, com muita alegria, afirma que, em 1957, vendeu mais
de cem mil cpias. A Feira cada vez se fortalecia, em todosos sentidos. As pessoas iam conferir na Feira os itens
relacionados na msica, e reclamavam a Onildo a ausncia de
alguns artigos. O prprio comps A feira de Caruaru 2,
gravada por Israel Filho, mas diz que a primeira msica
sempre ser o hino da Feira de Caruaru e da prpria cidade.
Hoje no se tem conta de quantos intrpretes cantam esta
msica: mais de trinta e quatro pases a conhecem. At no
Japo a msica faz sucesso. Onildo alega: Uma vez a
Orquestra Sinfnica de Berlim incluiu em seu repertrio a pea
interpretando A Feira de Caruaru.
Em entrevista concedida a Gustavo Miranda para este
Inventrio e Dossi6, dada no dia 11 de agosto de 2005, o
compositor explica alguns dos itens listados por ele na msica,
como o fsco sete lapadas, as meisinhas, e a cara de
arvorada. Seguem os trechos abaixo:
6 A fita original da entrevista concedida em 11/08/05 compe o acervo do Inventrio da Feira de Caruaru da 5SR do IPHAN.
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Gustavo: O senhor falou a na msica que o matuto no pode nem adoecer.Porque quando ele adoece ele vai se tratar na Feira. L uma farmcia?
Onildo: Tem farmcia. As meisinhas, n? Na Feira n. 2 (sua segundacomposio sobre a Feira de Caruaru, bem menos famosa que a primeira) eu falo
das meisinhas, falo dos fosco a sete lapadas, j ouviu falar?Gustavo:No. Como isso?
Onildo: Fsco a sete lapadas o fsforo fabricado artesanalmente em casa. No
sei se foi o matuto ou algum que... o fsforo comum ele vem dentro da caixinha,n? O outro um pedao de madeira retalhado, feito em palito, mas semdespregar o palito da outra base. Voc pega um quadrado assim, corta, corta em
cruz, sobra um bocado de palito tudo agarrado no tronco embaixo, que ele pega namassa quente do fsforo que faz o atrito, bota ali e tira, quando ele tira ele
enxuga, ento fica aqueles 40 ou 50 palitos de fsforos. Voc esfrega um no outroassim, que ele agarrado s em massa, a voc puxa assim, pega no solado dosapato e acende o cigarro. Chama esses fsforos de 7 lapadas, sabe por que?
Porque nunca acende de primeira (risos). Ou na pedra, ou na parede ou no cho ouno sapato, tin... tin... at acender a chama 7 lapada. Interessante, n? Eu novi mais esses fsforos, ainda vou atrs pra ver se consigo, se no conseguir eu vou
fazer como era feito, pra ter como exposio, entendeu? Pra ter esse registro.Gustavo: Fosco sete lapadas. bom saber at pra gente, quando for pesquisarna Feira, saber se existe. Porque ele seria caracterstico tambm aqui da Feira,
antigamente seria muito encontrado. E essa meisinha seria a farmcia de uso dosmatutos?Onildo: As pessoas antigas, se voc falar isso elas vo dizer: ah, me lembro,
fsforo sete lapadas.Gustavo: Ento tem que bater na mesa sete vezes...
Onildo: Por isso chamava sete lapadas, porque no acendia de primeira (risos).Gustavo: E sobre a cara de arvorada...
Onildo: Nessa Feira, as coisas importantes e curiosas e que hoje, hoje nspodemos derivar a origem, por exemplo, a maior Feira da Sulanca da regio:
Caruaru. Nasceu aonde? Na Feira de Caruaru. Por que nasceu na Feira de Caruaru?Porque, naquela poca, j se vendia roupa feita na feira. Sempre vendeu. Cara
de arvorada... nylon ou cortia pra matuto num andar nu. Quer dizer, o que cara de arvorada? o jeans de hoje. Como o jeans, se o jeans foi o americano
que inventou, foi...mas ... um pano caracterstico similar, s que o...o...a...o
brim, a alvorada, que era a cala de alvorada. Alvorada um brim, um brim feitouma lona, resistente a sol e chuva. O matuto comprava uma capa, uma caladaquela, ia pra roa com ela, lavava e vinha pra feira, quer dizer, era a roupaeterna dele, ele passava o ano todinho com aquela roupa, e a roupa forte, no
rasgava facilmente, que era uma lona, ento dali a semelhana do jeans, porque acor do jeans exatamente a cor da cala de alvorada, entendeu?
a mesma cor, essa cala que voc t vestindo, o mesmo que voc t vendo umbrim de alvorada. A juventude hoje, as novas geraes pra c desconhecem porque
desapareceu a alvorada, parece que ficou o jeans. E ali na feira de roupa vendialenol, vendia toalha, vendia blusa, vendia vestido de chita, redes, ento, a
feira de confeces, aquilo que tinha nas lojas tinha na Feira.
Muito importante este trecho da entrevista com o compositor naquilo que ela revela de
bens culturais que se encontram em situao de memria, de memria bem viva: vivacomo toda memria e bem viva porque registrada na cano e nas lembranas de homens
e mulheres caruaruenses da gerao de Onildo Almeida.
O depoimento importante tambm porque registra diversos tipos de bens sobre os quais
h desejos de que sejam recuperados, quer para informar s novas geraes a sua
existncia, a fim de manter os diversos usos e costumes perenizados nas tradies da
Feira, quer para perpetuar os significados inerentes a cada bem citado: cala de alvorada,
fsforo sete lapadas, e a relao destes com o matuto, o trabalhador rural, de poucas
posses e parcos recursos para renovar seu estoque de vesturio tendo que se limitar a
uma cala apenas para o ano inteiro alm de sua simplicidade de hbitos de consumo,
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preferindo o sete lapadas aos fsforos industrializados, aquele mais acessvel ao seu
bolso que estes.
Um terceiro elemento que me sugere a fala de Onildo Almeida a natureza do culto da
memria, enquanto viva. Neste culto, h coisas de guardar e h coisas de divulgar, de
reabilitar, num processo de reconstruo do passado, obedecendo a critrios explcitos eimplcitos, todos seletivos, porque preciso purificar, limpar o que no parece vantajoso
vir luz. Esse tipo de memria no se confunde com as lembranas (a memria de
guardar). Estas so colocadas no fundo dos bas da existncia, das recordaes, intocveis
(pelo menos ao nvel do discurso subjetivo), incomunicveis algumas, para que no se
perca seu encanto, seu enlevo, saboreadas nas tardes em que a saudade vem para ficar,
no agridoce dos sentimentos por ela provocados.
As evocaes de Onildo, transcritas acima, so do tipo da memria do divulgar, do
perenizar e do reconstruir. As do segundo tipo, penso que ele as deixou entrever nas
lgrimas que brilhavam em seus olhos, quando, diante do Presidente do IPHAN, do Prefeito
Tony Gel, das cem pessoas que representavam diversos segmentos da sociedade
caruaruense sobretudo os artistas e as associaes dos feirantes na manh de 24 de
fevereiro de 2006, o compositor finalizava a seo do pedido oficial para inscrever a Feira
de Caruaru no Livro de Registros de Lugar do Patrimnio Nacional Imaterial, cantando a
sua cano mais popular, mais evocativa, na mais comovente, talvez, de todas as
interpretaes que ele j protagonizou de sua msica. As lgrimas que escorriam de seus
olhos e de muitos outros dos presentes revelavam ocultando a ocorrncia da outra
memria, guardada no ba das lembranas, dos sentimentos mais ntimos, jamaisrevelados...
As reminiscncias de Onildo ligadas s meisinhas demonstram o referenciamento dos
feirantes e compradores pobres da regio para com os mdicos populares que receitam e
vendem os remdios fitoterpicos na Feira. Esta se apresenta tambm no aspecto delugar
para curar, verdadeiro lcus de medicina complementar e, muitas vezes, quase nica
instncia de busca de cura, paralela apenas s promessas e votos para os santos e demais
entidades curadoras.
fcil se constatar as mil e uma utilidades da Feira para o povo que dela se utiliza para
preencher necessidades vitais, fonte que de alternativas diversas e substitutivos para a
consecuo das urgncias da vida negadas pela organizao da sociedade de produo e
consumo capitalista, marcadamente excludente!
Continua a Histria da Cidade e da Feira
Em comemorao ao centenrio da fundao da cidade, foram erguidas na Avenida Manoel
de Freitas, em 18 de maio de 1957, as esttuas de Jos Rodrigues de Jesus (fundador da
cidade) e da primeira professora do municpio, a Sinhazinha.
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O comrcio de Caruaru, na dcada de 60, era procurado pela maioria da populao
agrestina, graas s linhas de nibus que ligavam o
municpio aos demais centros urbanos da regio. As
rodovias estadual (PE91) e federais (BR232 e BR104,
que liga PE a PB) e a Rede Ferroviria do Norte, antigaGreat Western, eram os acessos das cidades
pernambucanas e paraibanas Caruaru.
Em 1966, a Feira ocupava dois quilmetros do centro da
cidade. Em 1975,a Feira do TrocaTroca localizavase na
Rua So Sebastio. A Feira se compunha da feira dos
passarinhos, do fumo, das panelas, das frutas das
verduras, da carne, cujo mercado variadssimo, das
bonecas, dos bolos, dos laticnios, artigos de couro,
arreios para animais e aviamentos para sapateiros, entre
outros artigos. Nesta poca, j se usava um altofalante
para chamar ateno dos fregueses. As feiras se realizavam s quartas e aos, sbados,
mais fortemente neste dia.
Em 1976, afirma o pesquisador da Casa da Cultura Jos Cond, o movimento na Feira
comeava por volta das seis da manh, aumentando s dez horas. Os compradores vinham
de Garanhus, Bezerros, Arcoverde, Serra Talhada, Recife, Rio de Janeiro e So Paulo.
Relata ainda das famosas garrafadas, misturas de aguardentes com razes e cascas dervores que os agrestinos tomam como remdio. Na Rua So Sebastio encontravase o
comrcio destes remdios, com as barracas
dispostas em crculo, e a Feira do Troca
Troca.
Uma considerao importante se impe
sobre esta ltimaFeira: permanece ela como
uma significativa reminiscncia da antiga
relao de escambo, ou troca generalizada e
costumeira de bens de consumo de primeira
necessidade e outros igualmente teis vida
cotidiana. Nos tempos coloniais, quando a
circulao de moedas no meio rural era
muito escassa e rara, as populaes supriam
esta carncia atravs daquele sistema de permutas, para a satisfao das necessidades das
famlias e a manuteno do trabalho rural.
Tais costumes, de sentido vital at o sculo XIX, se perpetuaram nos dias de hoje em
transaes realizadas em determinados pontos das cidades inclusive das nossasmetrpoles, onde este uso permanece na qualidade de um meio de se trocar objetos de
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consumo suprfluo, no mais considerados teis pelo seu possuidor, desejoso de se
desfazer deles, permutandoos por outros bens, tidos como mais necessrios para o
momento. Alm das razes descritas acima, existem, no meio popular,indivduos e grupos
que esto sempre a permutar o que adquirem, recebem, ganham, num estilo quase cigano
de estar sempre com algo novo, rendidos atrao exercida pelo costume dofazer rolo,do trocar pelo prazer que isto lhes traz. Pois bem, temos na Feira do TrocaTroca um
exemplo eloqente da continuidade desta tradio, no Nordeste do Brasil.
H ainda outras atraes bastante curiosas na feira de Caruaru, como as bandasde pfano que alegram o ambiente e os contadores de
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