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7/24/2019 Filmar o Real
1/46
i
_ . 1
/ ._ [
;69
Copyright 2008, Consuelo Lins e Cludia Mesquita
Copyright desta edio 2008:
Jorge
Zahar
Editor Ltda.
rua Mxico
31
sobreloja
?0031-144 Rio de Janeiro,
RJ
tel.: 21) 2108-0808
fax:
21) 2108-0800
e-mail: jze@zahar.com.br
site: www.zahar.com.br
Todos
os
direitos reservados.
A reproduo no-autorizada desta publicao,
no
todo
ou em
parte, constitui violao
ele
direitos autorais. Lei 9.610198)
Capa:
Miriam Lerner
CIP-Brasil.
Cata
logao-na-fonte
Sindicato Naciona l dos Editores ele Livros, Rj.
Lins, Consuelo
I 73
J
Filmar o real: sobre o clocument
7/24/2019 Filmar o Real
2/46
umrio
Em
busca
do
real 7
Anos 9 : o documentrio ganha visibilidade 1 O
Tendncias do documentrio contemporneo
14
Contrapontos
com
o documentrio moderno
2
Presena
da
entrevista
27
A observao e o tempo 3
Documentrio
e auto-representao 38
Documentrio e mdia: confrontos
dilogos
44
Documentrio
subjetivo e ensaio flmico
5
Dispositivos
documentais
dispositivos artsticos 56
Dispositivos e novas formas audiovisuais 62
Imagem e
crena
69
Anexo:
Filmes documentais brasileiros
lanados
no cinema de 1996 a 2007 83
Notas
87
Referncias bibliogrficas 9
Crditos
iconogrficos
93
7/24/2019 Filmar o Real
3/46
mental' do(a) oulro(a)
t i l l l \ l
da convivncia com s ' IS oh
jetos pessoais e seu univ 1 ~ 0
domiciliar".
25
Ao final, dari
7/24/2019 Filmar o Real
4/46
60
1Cie111e (2006), de
Cao
GHimares e Pablo Lobato, tra-
l o
realizado
no
contexto do programa
DOCTV (e
poste
riormente ampliado para 35mm
numa
verso mais longa para
o cinema),
tambm
resultou da criao de um dispositivo .
O documentrio no parte de
um
tema, assunto
ou
situao
concreta preexistente, mas
ela
criao de um poema compos
to a partir ele nomes ele 20 cidades mineiras - nomes selecio
naclos na internet, sem qualquer conhecimento prvio elos ci
neastas a respeito
elas
cidades.
s
eshofes
elo poema
forneceram
o mapa para a viagem ele realizao.
Na
ausncia de temtica
anterior
ou
questo norteaclora, o dispositivo coloca uma espcie
ele aleatoriedade desejada (ou acidente programado), na escolha
e aproximao das cidades visitadas.
O dispositivo-poema adquire, assim,
um
certo poder sobre
os
cineastas. Decide por eles
onde
vo filmar; retira deles o di
reito ele recusar uma cidade caso no gostassem dela, porque a
o
poema
deixaria
ele
funcionar. Reduz o excesso
ele
intencionali
dade. Por outro lado, a partir dessa imposio inicial, ele
pouco
obriga, para alm
ela
visita a cada cidade elo poema -
em
cada
lugar,
os
realizadores esto livres para eleger assuntos, motivos,
abordagens, movimentos. Talvez por
isso,
relacionados a esta
' ' O DOCTV, Programa ele
Fomento
Produo
e Teleclifuso
elo
Do
cumentrio
Brasileiro, levado a ca bo
por
Secretaria
elo
Audiovisual do Mi
nistrio ela Cu ltura,
Fundao
Padre
Anchieta(IV Cultura
e Associao Bra
sileira elas Emissoras
Pblicas,
E
ducativ
as e
Culturais
(Abepcc), re
pr
ese nta
um
esforo indito na histria
elo
audiovisual brasileiro ele re
i
c
ionam
e
nto
continuado entre a TV aberta e a
produo
ind
epe
ndente. Tem viabilizado
a
produo
regional
de documentrios
(em 27 estados) e sua veiculao
em
rede
nacional , horrio
nobre,
sem a obedincia a
mod
elos
ou
formatos
prvios (afora o padro
de durao,
el
e
52
minutos, divididos em trs blocos,
e o
tempo
para realizao, ele 150 dias). At o
momento
foram
produzido
s
114
docum
ent
rios , alguns
com
res
ultado
s estticos
muito
significativos.
A poltica
pblica
criada pelo programa
no
Brasil tornou-se
n-.ocl
elo e teve
como desdobr
am
ento
o proj eto do DOCTV
Ib
ero-A
mrica,
que
produziu
e
veiculou
documentrios em 13
pases, na sua primeira edi
o
.
7/24/2019 Filmar o Real
5/46
imensa liberclaclc prod\ll'.idd
pt l.
i
olll l
li
cia
ele
temtica norl
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6/46
ispositivos e novas
form s
audiovisuais
A
busca de
uma
dimenso mais plstica e uma certa aten-
o aos parmetros da imagem (em especial
s
texturas,
cores, formatos
ele
captao) so traos marcantes em parte
da recente produo mineira, na qual se notam cruzamen-
tos com a videoarte e com s artes plsticas.
6
Elas se somam
a um desejo de
conhecimento
e apreenso
el
experincia
do outro , mais prpria tradio elo documentrio ( atua-
lizacla anualmente na capital do estado pelo forumdoc.bh
-Festival
elo
Filme Documentrio
e Etnogrfico de Belo Ho-
rizonte , realizado desde 1997). Tanto O fzm do sem fzm (Beta
Magalhes, Cao Guimares e Lucas Bambozzi, 2001) e Do
outro lado do
rio (Lucas Bambozzi, 2004)
quanto
A
alma do
osso
Cao
Guimares, 2004), boio (Marlia Rocha, 2005),
recho (Clarissa Campolina e Helvcio Marins Jr. 2006) e
ndarilho
Cao
Guimares, 2006) parecem se produzir na
encruzilhada desses dois movimentos, tendncias ou desejos:
a experimentao formal e ele linguagem (em convergncia
com procedimentos
el s
artes contemporneas) e
os
desafios
postos pelo relacionamento com o outro (mais prprios
62 tradio documental).
7/24/2019 Filmar o Real
7/46
boio
melhor
dot'IIIIH ' Iil,lllll l i o l ~ i i 1 o 110
festival
Tudo V rdndl' 1
{){) .
ccp11itlllol
bem
os
dois movim
l l [ O A
ddt
lc 1 1 ~ . 1 dei'. lli111t
''
ele
dispositivo
ele
que
l n l l i i i i i O
1
,
l'lllt
de
um tema: o canto
elo
aboio,
usudo p01 ' li'''
11m
ele certas regies do pas para lang r o g:1do, c 11
motivo que orienta
uma
viagem aos s
I I O l ~ d
Minas, Bahia e Pernambuco. Em Aboio '
d
I 'I
minante o encontro com
os
vaqueiros, suas
h
i
s-
trias, gestos e performances, o relacionamcnlo
da equipe
com os
personagens reais, de quem o
filme
depende
fortemente para se realizar. H
uso
abundante
elas narrativas e cantos, mas eles
nem
sempre so montados segundo o sistema
ele entrevistas - muitas vezes, correspondem
parte sonora
ele
ensaios audiovisuais que no se
limitam cena elo depoimento, trabalhando com
vigor imagens
elo
ambiente. Nota-se
uma
tnica
de explorao
ele
detalhes, de perscrutar
as
lo
calidades
como
textura, para
alm ela
contextualizao mais naturalista e
do plano geral fixo. Valendo-se, entre
outros procedimentos, de travellings
no meio
ela
caatinga, entre troncos
e galhos secos, no ritmo
elo
cavalo e
na cadncia
ele
quem
v
de dentro ,
Marlia Rocha cria
uma
paisagem
transfigurada , subjetivada, vivida.
A busca ele formas plasticamente in
teressantes se relaciona, portanto, a
um esforo
ele
apresentar o ambiente
como experincia;
ele
criar
uma
pai
sagem de acordo
com
a vivncia e o
imaginrio dos vaqueiros.
lnt wio M,
11lli,
R h,r pr IH
ur.1
, pr
nt
,
r
o ambiente
natur
a l tal como
experimentado
por
seus personagens:
uso de travellings
na
caatinga
no
ritmo do cavalo,
para
recriar a
paisagem de
acordo
com
a vivncia e
o imaginrio
dos
vaqueiros.
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Andarilho de Cao
Guimares,
tambm
busca a perspectiva
dos
personagens:
planos-seqncias
longos e fixos
e enquadramentos
fotogrficos precisos
que aos poucos
se
transformam,
adquirindo
uma estranha
subjetividade e um
carter a
lu
cinatrio.
64
Andarilho
filme mais rcccnlc de
Cao Guimares, cuja exibio abriu a
7a
Bienal de So Paulo (2006), tam
bm parece almejar
uma
representa
o contaminada , no plano da ima
gem, pela perspectiva
ele
seus persona
gens: trs andarilhos que
perambulam
por estradas brasileiras. O filme opera
uma
radicalizao de procedimentos
j
presentes
em
O fim do
sem fim
A
alma
do
osso
e
Acidente
com
a pre
sena marcante de longos e fixos pla
nos-seqncias, enquadramentos foto
grficos precisos nos quais se insufla
tempo. Atravs deles,
Cao
extrai
elas
estradas
onde
vagam
os
andarilhos efetivas vises: imagens expli
citamente objetivas - capturadas
com
a cmera
fixa
em
um
trip - transformam-se
pouco
a pouco,
ganhando
uma
estranha subjetividade, a ponto
ele
adquirirem
um
carter alucinatrio
que
dissolve
distines. Objetivo e subjetivo, real e imaginrio,
fico e
documentrio perdem
o sentido
em
ima
gens
beira
ela
abstrao:
caminhes
e motos afun
dando
na imagem, plantas evanescentes, estradas
fumegantes, seres em dissoluo Y
Esse esforo para se acercar ele uma tem
tica
no
apenas atravs
elo
discurso verbal e da
interao
com
os personagens, mas
por
meio de
ensaios audiovisuais, faz-se
notar tambm
na pro
duo contempornea elo
Cear o caso de As
vilas
volantes- O verbo contra o vento (Alexandre
Veras, 2005),
documentrio
realizado
na
segunda
edio do programa
DOCTV. Como em Aboio
e
Andarilho no
se trata da
criao
ele
um
clispositi-
7/24/2019 Filmar o Real
9/46
vo que deflag
ra
o
p t t e ~ ~ o d1
H
di
i' olt.
.ln ,
111:1'
dt um esforo
(a
princpio
mais lrndi r
io11
:d ) dt
d u ~ t t l t t
,, , . Jll ' ttl' lll'ia
ele
um
grupo el
e incli
vfduo
s, lltot :tdllll
' ' d1
'd ,
pt
\tjlll 'lt ,
mhetlns
pela areia no litora l
noto
~ l l
do
(
;,.,
\
l.tt '
dn
qltt ' tltlllttlin
no, a representao proposl
7/24/2019 Filmar o Real
10/46
dl dita
mais
tempo
- um velho senhor, tratado no terceiro
loco atravs de imagens de
um
cotidiano mido toma
das
em
seu
pedao de
terra, associadas a falas fragmenta
das trabalhadas
sobretudo como
narrao over. No mais
das vezes,
entretanto,
o filme explora cenas cotidianas
em
um
posto de gasolina e
no entorno. Cada segmento
ou se
qncia
elege um recorte
ou
priso espacial,
uma
moldu-
ra para o olhar: o posto, o cemitrio, a feira urbana. Essa
escolha
reduz
a apreenso do lugar qui lo
que
se d
vista, a
uma
superfcie visvel
que
a cmera
capta com
paci
ncia,
investindo
no
mosaico,
sem
formar
com
essas peas,
didaticamente, uma imagem
de conjunto.
Em
contraste
com
os planos quase
sempre
fixos e longos das locaes
abordadas,
h
segmentos compostos de imagens tomadas
do interior
de
caminhes
que
atravessam a estrada, suge
rindo a perspectiva
de quem
passa pela localidade, sem
experimentar
o seu
tempo.
Entre
pontuaes
e
pequenas
cenas
elo lugar,
aparece
um serto em
que
convivem velhas
tradies rurais e o irresistvel fluxo das mercadorias
(como
nas
imagens
em que cabras e caminhes dividem a estra
da);
um
serto de passagem , no mais
gueto
isolado, mas'
extenso do pas, precariamente
urbanizado,
cada vez mais
parecido
com
as periferias das grandes cidades.
m
trao recorrente nos
documentrios
mencionados
nes
ta seo a utilizao indireta das falas dos personagens .
Nota-se
uma
tendncia explorao dos depoimentos
como
vozes over,
sem reproduzir
a
cena
da entrevista.
No
plano
sonoro, portanto,
as
falas dos personagens so usadas
como
narrao , atravs da montagem de fragmentos de narrati
vas No plano
da
imagem,
temos ensaios visuais que elabo
ram a experincia dos moradores das localidades, valendo-se
de
um
corpo-a-corpo com imagens de ambientes e do coti-
7/24/2019 Filmar o Real
11/46
diano, segundo
parfi1n t i ) . ~ p l . t t i c
m dccLdHllil(, iiO c compo
sio (imagens captada
s,
1 1 1 1 1 1 t : 1
,,.,n, c111 dilcu 11tl s forma
tos-
super-8, digital,
1ll
llll , 1 111 1 ,. l'll '
tll ,. llliiiH
'O, sem
purismo
).
Imagem c som
ll
i
iO
St'
S
ltlHIIdlllollll
,
1 1 1 1
cll.tllll::tlll,
sugerindo rela
es
intrigan tes,
pt>ll(
'o oh\
loiS,
De
um modo geral, so lilm
s tjlll'
l1d : 1111111
~ 1 1 1 1
dc
forma cuidadosa e enftica . O som dircto
r
l':ipl.tdo
111111
I'S
mero e utilizado na montagem com autoiiOIIIIil, ' I I I 11111ito
apego sincronia com
as
imagens.
Aboo ~
vi
o s u l a u / ( . ~ ,
Uma
encruzilhada
apra
zvel
e
Andarilho
cnlr out10s,
r
criam
os
ambientes visitados, na montagem
tamb
' lll atra
vs ela
trilha sonora, trabalhando com detalhes, fragmentos
ele
sons, ruclos.
28
Em alguns casos, no apenas evita-se a
palavra, substituindo-a por uma atmosfera sonora, como evi
ta-se o sentido , conforme escreveu Clber Eduardo sobre
Uma encruzilhada aprazvel.
29
No mpeto experimentalista, buscando novas formas;
no rigor
elo
recorte ou
elo
dispositivo, impondo-se limites;
e
numa
certa insurreio contra a relevncia temtica,
atendo-se ao insignificante e mido
ele
ambientes ordin
rios, filmes
como
Acidente
e
Uma encruzilhada aprazvel
fazem frente a abordagens convencionais (elo ponto ele vista
ela
forma , com variaes
elo
sistema
ele
entrevistas ) sobre
temas urgentes (chacinas, acidentes areos, movimento
elos
sem terra etc.), to fregentes nas reportagens
ele
TV.
Outra
caracterstica
comum
ele fundo, a fragmentao: as se
gncias
elos
filmes correspondem a trechos autnomos,
que guardam
independncia
uns
elos
outros.
Acidente em
particular, no realiza uma construo narrativa ou retrica
que
crie um
acmulo
e
uma
relao
ele
interdependncia
entre as partes (apesar ela moldura elo poema) . Fragmentos
ele
histrias, fragmentos
ele
ciclacles, fragmentos
ele
temas,
'
;;;
J
'
;;
.2
u
J
rd
'd
'
o
c
cu
'
.::;
v;
o
o
67
7/24/2019 Filmar o Real
12/46
68
II llllados
num estrutura fragmentria . Talvez pudssemos
f l r
cm poes ia do insignificante
,
mas
t mb
m em es tti-
ca do fragmento , para caracterizar alguns dos docum ent-
rios recentes
que
bord mos aqui. *
Pode r mos contudo ver
limit
es justo onde vemos virtudes: esses mesmos
documentrios, sintomati came
nt
e, leve m em vontade le atua
licl
ale , em
enfre
nt
amento le processos socia is e situ
es pr
ese
nt
es, c rti cas,
ur
ge
nt
es
c
rac tersti cas, ali s, extensiv
as
a p rte significa tiva le produo contem-
pornea.
7/24/2019 Filmar o Real
13/46
O deslocamento de ca111po socia l trouxe para o cinema de
Coutinho, entre
outras muda tH;ns, t
ttll
7/24/2019 Filmar o Real
14/46
lm m
uatro
filmes
recentes
nos permitem
concluir
sem pre
tenso
ele
esgotamento
nossa breve reflexo sobre a re
e produo documental brasileira. So eles
uzo
2007),
ele
Maria
Augusta
Ramos
,
Serras
da
desordem
2006), de An
clrea
Tbnacci
antiago - Uma reflexo sobre
o
material bru-
to
2007),
ele
Joo Salles, e ogo
de
cena 2007),
ele Eduardo
Coutinho. Apesar
ele grandes
diferenas
temticas
e formais e
elas
particularidades
ele
cada
um
dos
quatro
filmes, so obras
que
dissolvem clistin_)es
traclicio_ }.a..5 entre
fico e docume
. l:.
trio e
amp
li
am as
possibilidades criativas
do cinema
brasilei
ro,
problematizando
uma questo
muito
pouco discutida
na
criao
audiovisual
contempornea:
a crena elo espectador
diante
elas
imagens do
mundo.
uzo
uzo
parte
elos depoimentos de meninos
infratores
no Tribu-
nal
ela infncia
e ela Juv
entude elo
Rio ele Janeiro
em
audi
ncias
que
desenham pouco a pouco
um
retrato desolador
ele uma questo crucial elo Brasil contemporneo: o
nmero
69
7/24/2019 Filmar o Real
15/46
Juzo
de Maria
Augusta Ramos,
mescla imagens reais
dos infratores com a
encenao
de jovens
atores, e o fato de
muitas vezes nos
esquecermos disso
revela o alto risco
desses se tornarem
personagens reais
do
filme. Na foto infe
rior, a juza Luciana
Fiala, que
diante
das
cmeras intensifica
seu papel no tribunal.
de meninos pobres que opla pelo cri
me na falta de qualquer outra pers
pectiva de vida. Adolescentes
que
mal conseguem se expressar, fora da
escola
ou
repetentes, grandes demais
para as sries em que estudam, alguns
j
com filhos. Acusados
ele
assalto a
mo armada, trfico
ele
drogas, roubo
e homicdio, eles aguardam o julga
mento
no Instituto Padre Severino.
O filme segue o princpio
elo
cinema
clireto, registrando situaes e perso
nagens sem quaisquer intervenes
da equipe, nos moldes
elos
filmes
anteriores ele Maria Augusta Ramos.
e
certo modo, situaes
elos
mais
diversos tipos
em
tribunais (pequenos
delitos, violncia domstica, crimes)
so particularmente interessantes ele
serem filmadas segundo a metodolo
gia ela observao.
Os
documentrios
ele
Freclerick
Wiseman
e Raymond
Deparclon nos mostram
isso
juzes, promotores, ,
defensores pblicos, acusados e familiares esto
to concentrados no que ocorre
em
cena que
es-
quecem
parcialmente a filmagem -
embora uma
elas protagonistas ele
uzo
contrarie esta afirma
o. Trata-se
ele
uma jovem juza que intensifica,
diante
elas
cmeras,
um
papel que
certamente
o
dela naquele tribunal: o ele me repressiva e au
toritria mas preocupada com
os
destinos desses
menores desajuizados, dirigindo-se a eles
em
uma
linguagem que ela
cr
mais prxima deles e quase
imprpria ao cargo que ocupa.
7/24/2019 Filmar o Real
16/46
O que foge regra
do (
l l l l
l l l l
d111'1o
' ' ''filme o fato
de a diretora ter u ado at01 . 11m dl'polllll 'lllm para repetir
falas
que foram dit
as
por
lll
' IIOi l'., ld111oldo
de
1
'
dmante
as
audincias. O filme nos
adv
d
d1
lo1
:
110
11111111
A
lei
brasileira probe a exposio da idvlltid,tdt di' .ulolnlc'llll's
infratores. Nesse filme, eles fora111 suh llltndm p111
'
'
'
1k
trs comunidades do Rio ele Jan iro hnhllt1.1do., IIH
' \111,1\
circunstncias ele risco soc
ial.
Porla11to, ut n ,utu L
11 :1
montagem planos elos menino reais filmndm d to: .1:1\ ro111
contraplanos ficcion ais
ele
jov
ens qu
faln111
pnra
n
t'lt lll
m;
contraplanos encenados, interpretado
s,
di1 ig
ido
s. Ma1
ia
Au
gusta Ramos fez questo
el
e no usar alorcs j om alguma
experincia ou formao, tais como os que participam de gru
pos, como
Ns
do Morro ou
Ns
do cinem
-
organizaes
que trabalham com jovens
ele
comunidades pobres
elas
peri
ferias e favelas
elo
Rio
ele
Janeiro,
aos
quais
as
produes
elo
cinema brasileiro contemporneo tm recorrido na busca ele
atores que encarnem com mais realismo personagens com o
mesmo perfil social.
O que muito perturbador nessa escolha o fato de que
esquecemos em muitos momentos a informao ele que
os
rostos que vemos na imagem no so
os
elos
infratores- infor
mao que, no entanto, est bem clara nos crditos iniciais-
em funo
elo
efeito de real que tais imagens carregam.
Mesmo os planos desses atores filmados fora do Tribunal,
nas dependncias
elo
Instituto Padre Severino ou nas comuni
dades onde os acusados moram, no final
elo
filme, adquirem
uma verdade rara nesse tipo
ele
procedimento. Em
ustia
(2004, ela mesma cliretora), por exemplo, o filme funciona
muito bem em todas as seqncias filmadas durante
as
au
dincias, mas perde fora quando encena, mesmo com perso
nagens reais, situaes em outros locais registrados pelo filme.
Ou seja, a cliretora no faz uso de atares em ustia e mesmo
assim
as
cenas
fora
elo
Tribunal esto longe de ter o impacto
E
'
71
7/24/2019 Filmar o Real
17/46
72
que c ~ s
opo
possui
em Juzo
mesmo difcil usar a palavra
ator
para falar dessas intervenes, tamanha a possibilidade
de
esses jovens estarem no lugar elos acusados. Trata-se
elo
mesmo horizonte social e cultural,
ele uma
dificuldade
ele
sobreviver
semelhante,
ele
uma
incapacidade
ele
se expressar
comum a todos eles.
A reversibilidade
ele
papis
faz
nossa
percepo
vacilar e
imprime ao filme uma camada suplementar de sentido. No
se trata em absoluto
ele um
procedimento visando apenas
atender a um voyeurismo
elo
espectador que quer
sempre
ver
mais,
ou
de
uma
facilidade para a
compreenso
do filme. Ma
ria Augusta Ramos consegue transformar
um
recurso
ele
mise
en-scene inerente s condies
ele
produo
elo
filme , em
uma
opo reveladora de um risco real que ameaa a maioria
elos jovens pobres
elas
grandes cidades brasileiras.
erras
d
desordem
J Serras
da
desordem (melhor filme , com Anfos do Sol no
34
2
Festival ele
Gramado,
em 2006) pe em cena a trajetria
ele Carapiru,
ndio
nmade ela
tribo w Guaj (do norte do
Maranho), sobrevivente
ele
um massacre contra seu grupo
familiar promovido
em
1978
por
jagunos contratados
por
fa-
zendeiros- provavelmente interessados em explorar uma das
maiores reservas
ele
recursos naturais
ela
Amaznia legal. Du
rante dez anos, Carapiru
perambula
pelos confins elo Brasil
central,
sendo
descoberto pelo
Incra
e pela
Funai
em 1988,
num
lugarejo no oeste
ela
Bahia, distante dois mil quilme
tros
ele
seu
ponto
ele
origem. levado para Braslia,
onde
seu
a
parecimento
provoca
comoo
nacional e cobertura me
lodramtica da imprensa, intensificada pelo episdio que se
seguiu: o ndio jovem trazido
elo
Maranho
como
intrprete
seu filho,
tambm sobrevivente
do
massacre, criado
duran
te alguns anos pelos mesmos fazendeiros que ordenaram a
7/24/2019 Filmar o Real
18/46
matana . e
ssa hi
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l.11
11 1 j 1l1o q
Andrea Tonacci se propo n t'1111l.11 , 1111111 1 lu
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dot tlllll 'lll ,\ri , fruto
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r os do presente
n naes
do pa ssado.
7/24/2019 Filmar o Real
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r
o
r
E
Li
74
ara contar a histria de Carapiru, e a partir dela proclu
t il
111ltiplas
conexes,
Serras
da
desordem
mobiliza uma he
terogeneidade significativa
ele
materiais e procedimentos: um
vasto arquivo
ele
filmes
que
inclui matrias telejornalsticas,
filmes
ele
fico e
documentais
(co
mo
Iracema
um
transa
m znic
(197 4),
ele
Jorge Bodanzky e Orlando Sen na, e A
cabra
na
regio
semi-rida
(1966), de Rucker Vieira); entrevis
tas sobre o passado e sobretudo encenaes, tendo o prprio
Carapiru e pessoas que conheceu no percurso como atares,
fazendo
os
prprios papis 20 anos antes; alm
ele
cenas que
documentam
o presente
ela
aldeia aw guaj,
onde
vive Cara
piru . Misturam-se texturas, qualidades ele
imagem,
cor e pre
to-e-branco . Mais elo
que
isso,
os
diferentes estilos
ele
co
ntar
mobilizados pela narrao,
no
curso do filme, endossam uma
atitude ele no-cliclatismo, propondo ao espectador que monte
as
peas ele uma histria que envolve tempos e espaos diver
sos,
medida que a assiste.
3
Muitos aspectos desconcertam neste filme singular, mas
destacaremos apenas um deles.
Serras da
desordem ence-
nado pelos protagonistas ela histria real, o que provoca
uma
permanente ambigidade entre documentao do presente e
reconstituio elo passado, uma instigante contaminao fic
o-documentrio, derivada sobretudo dessa
conv
ivncia e
temporalidades ,
como
afirmou em entrevista Ismail Xavier.
3
J
que Carapiru, protagonista da histria real, interpreta seu
prprio papel
no
passado, duas camadas
constantemente
in
teragem: Carapiru ator, agente ela fico (nas encenaes
elo passado), e ele mesmo , objeto elo olhar documental elo
filme (
no
presente).
Cada uma
elas
cenas
ele
reconstituio
implica tambm
um
reencontro (bem presente) com aqueles
que Carapiru
conheceu
20 anos antes, em sua jornada pelo
Brasil central.
Em
cada situao,
portanto,
no serto
ela
Bahia
ou em Braslia, estamos sempre a ajustar o canal: em que
regime ele atuao se encontram Carapiru e as pessoas com
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que ele interage? A a111bigilid.ull 1 11111
jll \\11;1
t personagem
parece reforar a allcridnd
d,
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11.1p1111
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IIHh'\a,,ahilidade
de sua experincia, mm a 1
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Como
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das imagens, a indeciso. Mesmo tp1a1ulo n q111lll.c c
,
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a comea a se resolver no nvel
prag11l:llll
o
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lno)'lilllil, ;I
poeira j levantada em seu cinema-pro sso
; I
t'lilll,l
;llc
o ln11
o campo
elas
incertezas, o que h ele la 'llll i
ll
, llllt
'l '
llti:ll, 11:1
cena vis vel.
32
antiago
Em Santiago Joo Salles coloca
em
prtica uma idia que vi-
nha defendendo com afinco nos ltimos anos: a produo
ele
documentrios no Brasil
eleve
se voltar para temas prximos
viela
elos
diretores, evitando-se filmar apenas o outro . Salles
talvez se referisse, indiretamente, ao filme iniciado por ele em
1992, e no concludo, sobre o mordomo que trabalhou com
a famlia Moreira Salles por quase trinta anos.'' Em agosto
de 2005, decide se confrontar com as nove horas do material
filmado e finaliza
Santiago
que adquire
um
subttulo-
ma
reflexo sobre o material ruto e uma outra densidade.
um
filme que contm muitas histrias:
um
documentrio sobre
* Embora no corresponda ao Outro clssico (moraram inclusive, por
anos, na mesma casa), Santiago no deixa de ser outro ( outro ntimo ,
talvez) o documentarista. Talvez possamos dizer, com Ilana Feldman,
que Salles assume nesse filme que todo documentrio sobre o outro um
documentrio sobre si, assim como se costuma dizer que toda crtica
uma
autobiografia . No texto Santiago sob suspeita , ela desenvolve considera
es
ele
grande intere
sse
sobre
as
camadas de Santiago, sobre suas reve
laes e enganos .
E
QJ
O. l
'
75
7/24/2019 Filmar o Real
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r
o
r
E
i L
76
1110rclomo mas tambm uma carta filmada elo elirctor
eli-
igida aos irmos compartilhando memrias, um ensaio flmi
co sobre como fazer (ou no fazer) um documentrio e uma
homenagem pstuma ao personagem.
Santiago de fato
um
personagem e tanto.
Conjuga
ha
bilidade narrativa com histrias incomuns de vida: nascido na
Argentina,
comeou
a trabalhar
com
uma famlia aristocrti
ca
em Buenos Aires, contraindo desde
ento
uma paixo
por
tudo o que dissesse respeito
viela ele reis e rainhas, a nobreza
em
geral, real
ou
imaginria, pouco importava . com fasc
nio
por
esse
mundo
que
ele conta
as
histrias ,
clos
grandes jan
tares e festas na manso
ela
famlia Moreira Salles na Gvea,
as
tarefas que envolviam a arrumao
ela
casa,
as
mesas,
as
flores, a orquestra,
os
nobres e distintos
que as
freqentavam.
So pequenas narrativas que desvelam aqui e ali a dureza elo
trabalho contnuo a clificulclacle ele
uma viela
privada, a sub
misso
elo
mordomo
a
uma
ordem
estabelecida.
O documentrio , contudo est longe ele ser s isso. Sal
les decide
tambm
expor
no
filme, implacave
lmente
o que
percebeu ao rever o material
ele
1992: o
quanto
se
manteve
distante de Santiago ao longo dos cinco dias ele filmagem, o
quanto
imps a ele
uma
idia prvia ele filme, o quanto no
entendeu
o
que de
fato importava
naquele
reencontro.
Uma
compreenso que se deu de certa maneira, tarde demais.
Santiago
morreu
poucos anos depois elas gravaes, e o que
foi filmado no poderia ser mudado.
Mas dessa sensao ele tarde demais que Salles extrai as
condies para finalizar o filme . Retoma erros, mal-entendidos
e incompreenses cometidas
por
ele ao longo
ela
filmagem
ele
1992 e os evidencia, sem meias palavras, sem subterfgios. Exi
be
truques e manipulaes efetuadas 13 anos antes e afirma na
narrao: difcil saber at onde amos
em
busca
elo
quadro
perfeito,
ela
fala perfeita. Desmonta imagens e sons e adverte o
espectador: desconfiem do que seus olhos vem.
7/24/2019 Filmar o Real
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Deparamo
-nos
on1
11111
di l"'
por vezes ds pol'l, in i Indo, :1p11 .
sacio, incapaz de cslab
l l 11111 , 1
efetiva
int
e
ra
o com Santiago,
qllt
'
tenta a seu modo acer lar
aquilo que o diretor que r. "San iago,
vai de novo, no olha para a g nl
no . No olha " diz Salles uma
das seqncias,
ou
ainda: " Fala logo
que
estamos
com um pouco
el
e pr
s-
sa." Raras vezes na histria do do u
mentrio um cineasta explicitou d
tal maneira segredos que ficam , na
maior parte elos
casos, perdidos no
material no usado
elos
filmes.
A
montagem extremamente
h
bil insere vrias repeties ele
uma
mesma fala elo mordomo, mantendo
hesitaes e silncios, intensificando
o desconforto tanto elo personagem
quanto elo
espectador. So momen-
tos
em
que
opresses vividas pelo
mordomo
ao longo
ela
viela
parecem se manifestar
ele forma mais contundente, e isso que Salles
constata ao dizer, perto do final do filme:
Duran-
te os cinco dias ele filmagem eu nunca deixei de
ser o filho elo clono ela casa e ele
nunca
deixou ele
ser o nosso
mordomo.
Mas o filme tampouco se limita a essa dimen-
so confessional. Joo Salles
vai
gradualmente
ao
encontro
ele Santiago e rev o que na poca no
o havia interessado:
as 30
mil pginas
ele
histrias
ela nobreza
ele
todos
os
tempos pesquisadas em bi
bliotecas e transcritas pelo
mordomo
ao longo
ele
Santiago de Joo
Salles, uma reAexo
sobre a realizao
de documentrios
e uma corajosa
autocrtica, que
desmonta
imagens
e sons e adverte
o espectador:
desconfie
do que
seus olhos vem.
77
7/24/2019 Filmar o Real
23/46
78
rnai de
meio sculo.
Uma
tentativa quase insana de impedir
qu
aquelas vidas desaparecessem ela
memria.
O cliretor traz
para o filme fragmentos desses escritos, assim
como comen-
trios pessoais de Santiago encontrados em meio aos textos.
Refaz, a seu
modo
o gesto elo ex-mordomo e retira Santiago
do
esquecimento
a
que
as imagens de 1992 o haviam con
denado.
antiago
, acima ele tudo, a narrativa perturbadora
e comovente ele um aprendizado e de uma transformao
de um cineasta no confronto com ele mesmo em
um
outro
momento
da vida. Transformao sutil e sem alarde ,
como
diz Salles
no
final do filme, e que ficou clara
no reencontro
com
as imagens ele Santiago.
ogo de
cena
Podemo
pensar
inicialmente
que a experincia
elo
especta
dor ele ogo de cena bastante prxima daquela produzida
por outros documentrios de
Eduardo
Coutinho.
Afinal, o
essencial no parece ter mudado. O filme nos coloca no
vamente diante de pessoas contando histrias ele
viela
ao
cineasta,
no
estilo minimalista
que
marca a obra de Cou-
tinho
desde
anto
forte
(
1999
.
S que, dessa vez, so todas
mulheres, e o que as
une
o fato de terem atendido a
um
anncio nos classificados ele
um
jornal carioca convidando
as a participar de
um documentrio.
Por
que
s mulheres?
Porque falam
com
mais facilidade das suas dores e alegrias,
diz
Coutinho;
e
tambm
porque
para ele,
mulheres
s o
o
que ele no , o outro que busca em seus filmes.
Con-
versam
com
o diretor
em
um
palco
ele teatro, e no mais
em uma
locao real -
nem
favela
nem
prdio. Falam ele
trabalho, cotidiano, relaes afetivas e especialmente elos fi-
lhos. Histrias ele amor cuidado e dificuldades, perda, dor
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r
50
so var iadas, mas h, de todo modo, uma valorizao da sub
jetividade do homem
comum.
Muitos filmes se relacionam
com experincias socialmente demarcadas (moradores de
uma localidade, por exemplo , evitando o ensaio que pode
ria, a partir de caractersticas transversais
ou
generalizaes,
relacionar tais experincias quelas de outros indivduos
ou
grupos, pela via da interpretao ou
elo
diagnstico.
s expe rincias so, de um modo geral, tratadas como irre
dutveis.
Nem
tpicas,
nem
exemplares,
tampouco
extraordin
rias. Ao contrrio: nicas, singulares. O valor, aparentemente,
est no registro e no trato respeitoso
com
elas, expondo suas
particularidades e no no olho que
v
mais longe, relacionan
do-as
conjuntura e a outras experincias,
ou
estrutura so-
cial, com suas potencialidades e problemas. So raros tanto
os
trabalhos que buscam explicaes previamente estabelecidas,
como
era freqente nos documentrios
elos
anos 60, quanto
os
filmes investigativos que constroem e expem interpretaes a
partir do desenrolar de um processo ou percurso otcias de
uma
guerra p r t ~ c u l r
e nibus
74
aparecem como excees.
Como
bem
observou em entrevista Ismail Xavier:
A vontade agora
explorar mais os suje itos no que tm de
singular. Evitam-se generalizaes, a busca dos porqus.
Con-
centra-se na apresentao de
um
inventrio dos
imaginrios-
enfim outra fenomenologia mais regrada sem se deter no pro
blema
da relao
entre
eles e as condies materiais ele existn
cia, sem saltos da experincia imediata para suas implicaes
sociais e pol ticas.
9
brasileiro contemporneo e a micro-histria (2004)
tendncia
que ela
compara metodologia da micro-histria,
em
oposio
s
macroanlises,
no campo de estudo da histria. Evitando estruturar seu discurso na forma
do diagnstico, a micro-histria buscaria seus temas a partir da abordagem
de situaes singulares, indivduos ou pequenos grupos.
ccsr
Diviso de Bibliotecas
7/24/2019 Filmar o Real
25/46
e sofrimento, mas lalllb III d1 l l l l i t l l l . l l l l l l l lo c
recuperao moral ; hisl l l i : d1 ldl11 t 11.1dm, .1
maioria
deles sem pai s 101
p t l ln .
t tpl t ' s
tes
que lembram
aquc l
s
d
l uclu
811
/ltl
'
' '
me, de Pedro Almodvar.
Ofilmetemmuitascamadas ~ ~ i l t l l l l l l l l t
11 1
delas. O ttulo Jogo de cena ug rc oul1 .
:
nt i l l l d
1 1
convidou atrizes para
inter
pretar mui h
res com quem j havia conversado ' raz
uma
articulao inesperada
cnlr
ss
s
vrios depoimento
s
Dis olve clislin s
entre o que encenado c o que
real c
produz mudanas, ao longo elo filme, na
forma
ele
o espectador se relacionar com
as imagens e sons. Se diante elas atrizes
conhecidas
somos tentados, inicialmen
te , a julgar seu desempenho, Jogo de
cena
nos retira desse lugar e propicia um
outro
tipo de experincia: a ele comparti
lhar com atrizes talentosas e reconheci-
elas
angstias e dificuldades inerentes
encenao
ele
personagens reais. Andra
Beltro provoca em
muito
s momentos
um curto-circuito comovente entre suas
sensaes e as ela personagem. Fernan-
da Torres interrompe algumas vezes
sua atuao, diz a
Coutinho
que pare
ce estar
mentindo
e explicita a
dureza
de interpretar uma
personagem
real: A
realidade esfrega na sua cara onde voc
poderia estar e
no
chegou. Marlia
Pra interpreta uma personagem extre
mamente
emotiva, mas esbarra numa
atuao
distanciada.
Jogo
de
cena
exibe
Um filme de muitas
camadas, desde
o
lftulo:)ogo de cena,
de
I
~ r d o
Coutinho,
; tH1 erta, comove
;
1
IIIVOll:cllcler a arte ele representar como algo instvel, inseguro e
exposto a riscos - extremamente prximo do documentrio,
tal como concebe Eduardo Coutinho.
Em
relao
s
atrizes e personagens desconhecidas,
s
questes so outras. Mulheres annimas narrando
momentos
ntimos de vida para a
cmera
de Coutinho adquirem, a nos
sos olhos, a fora
el
verdade, reafirmando de imediato nossa
crena na imagem
documental.
Mas pedaos
ele
histrias
j
narradas
comeam
a voltar em uma frase, em
um
rap, em
um
relato, instilando-nos pouco a pouco a dvida a respeito elo
que vemos no filme: uma pessoa real relatando sua histria
ou
uma atriz clesconhecicla representando?
Autntico , verdadeiro , espontneo , acljetivos que
sempre acompanharam a recepo elos documentrios elo
diretor,
mesmo
que revelia de Coutinho (que sempre en
fatizou a dimenso ele fabulao e encenao de si contida
nos depoimentos ele personagens reais), so estilhaados
um
a um. A incerteza se espraia pelo filme todo, atinge famosos
e annimos, e no sabemos ao final a quem pertencem
s
he
sitaes e os s_ilncios ele Anclra Beltro e Fernanda Torres-
se
s
atrizes
ou
s
personagens que reinterpretam. Perdemos
o controle sobre o que ou
no encenado,
e os indcios ele
que o filme est nos
enganando
nos fazem entrar, parado
xalmente, ainda mais
no
jogo proposto. Nos emocionamos
duas vezes com o
mesmo
caso, j sem querer saber qual das
mulheres a verdadeira clona
da
histria. At porque no h
garantia possvel:
s
duas
podem
ser falsas , atrizes fazendo o
papel ele uma terceira pessoa
que
no est no filme. Assomam
s
narrativas
como
foco
ele
interesse elo filme, lugar
ele
drama
tizao e organizao
elo
vivido, de
produo ele
verdades ,
ditos e episdios exemplares.
Um
filme sobre histrias, pode
ramos dizer, mais elo
que sobre personagens.
7/24/2019 Filmar o Real
27/46
que esses quatro dot'HIIIt ' ld.tdc lc 111 c lll cOlllllm , e que
praticamente in dito ll il
l)lodtt
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