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Fraseologia, unidades polilexemáticas e significado complexo

Liliane Lemos Santana Barreiros (UEFS/PPGEL/neiHD/NEL)Iago Gusmão Santiago (UEFS/PPGEL/CAPES/neiHD/NEL)

Stephanne da Cruz Santiago (UEFS/PPGEL/CAPES/neiHD/NEL)Dayane de Cássia Ferreira da Cruz Silva (UEFS/PPGEL/neiHD)

Na aula anterior...

1 Terminologia2.1 O que é a terminologia?2.2 Breve histórico2.3 Termo e vocábulo

2 O método da pesquisa terminológica3.1 Preparação e análise do corpus3.2 Pesquisa socioterminológica

Roteiro

1 Fraseologia2.1 O que é fraseologia?2.2 O objeto de estudo da fraseologia

2 Unidades fraseológicas2.3 Características2.4 Tipologia

3 Pesquisas em fraseologia3.1 Marcadores culturais e UFs na obra de Jorge Amado

Pão

Pão

Pão

Pão

Pão

Pão

Construções com pão

“que eu sou Juda, que nego o pão”.

“nem só de pão viverás o homem”.

“sangue de Jesus tem poder!”.

“tá repreendido diabo”.

“em nome de Jesus”.

Construções com a base pão

Lexema: pãoLexias: pão, pães

Lexema: pão brancoLexias: pão branco, pães brancos

Vocábulo: pão vara (BA)Lexias: pão vara, pães vara

Termo: pão da alma (Cat. Litu.)Lexias: pão da alma, pães da alma

O que é um pão?

Lexema: pão[+alimento] [+farinha] [+assado] [+fermento] [±ovo] ...

Lexema: pão branco[+alimento] [+farinha] [+trigo] [+assado] [+fermento][±ovo] ...

Vocábulo: pão vara (BA)[+comprido]

Termo: pão da alma (Cat. Litu.)[+momento] [+missa] [+hóstia]

O que é um pão?

Tirar o pão da boca deFazer passar privações.

Comer o pão que o diabo amassouPassar por dificuldades, privações.

Pão, pão, queijo, queijoCom toda a franqueza, sem subterfúgios ourodeios.

Construções com Jesus

Níveis de análise

Fonte: Wikipédia (2020).

Níveis de análise

Som (fone/fonema/grafema)

Morfema

Frases ou sentenças

Uso (significado no texto)

Contexto

L

E

X

E

M A

Fraseologia

“Saussure em 1916, no Cours de linguistique générale, jáchamava a atenção para essas combinações fixas depalavras, que para ele, são “[...] frases feitas, nas quaiso uso proíbe qualquer modificação, mesmo quandoseja possível distinguir, pela reflexão, as partessignificativas” (Saussure, 2006 [1916], p. 144). O autorapontou para a necessidade de um estudo específicopara essas unidades, destacando que tais combinaçõesexistem em grande número na língua e não podemser improvisadas, pois são fornecidas pela tradição“(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 20).

Fraseologia

“A fraseologia é um dos ramos das ciências da palavraque tem por objeto de estudo as 'unidades lexicais'cosntituídas de dois ou mais vocábulos ou desintagmas e de frases, com grau variável delexicalização, ou seja, com diferentes tipos de grausdiversos de integração semântica e sintática de seusconstituintes. Fraseologia significa, ainda, o conjuntode frasemas de um universo de discurso. O termofraseologia refere-se, pois a dois conceitos diferentes,embora complementares” (BARBOSA, 2012 apudARAGÃO, 2016, p. 36).

Fraseologia

“As primeiras definições de uma nova disciplina, afraseologia, surgiram na década de 1930 comPolivánov, em 1931, e Abakúmov, em 1936, mas foi nadécada de 1940, que a fraseologia se desenvolveu comodisciplina linguística. De acordo com Ortiz Alvarez(2000), é ‘a época do maior desenvolvimento daspesquisas dos linguistas russos nessa área, destacando-se Vinogradov (1938) como o primeiro a classificarsincronicamente as unidades fraseológicas do pontode vista funcional’ (Ortiz Alvarez, 2000, p. 71)”(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 20).

Fraseologia funcional

“Uma técnica lingüística determinada (isto é: unitária ehomogênea) dos três pontos de vista de que se vem falando— quer dizer, um só dialeto em um só nível e num só estilode língua - ou, em outros termos, uma língua sintópica,sinstrática e sinfásica, pode ser chamada língua funcional. Oadjetivo ‘funcional’ encontra, neste caso, sua justificação nofato de que somente esta língua entra efetivamente nosdiscursos (ou ‘textos’) (COSERIU, 1980, p. 113, grifo doautor).

Léxico do português, espanhol, tupi, iorubá...

no período X, no lugar X, no universo de discurso X...

O objeto de estudo da fraseologia

O termo fraseologia é polissêmico, podendo referir-se a doisconceitos diferentes, embora complementares: por um lado,designa o estudo das unidades fraseológicas, por outro,significa o conjunto de combinações fraseológicas, cada umdeles com estrutura semântica, sintática e pragmática específica,com diferentes tipos e graus diversos de integração de seusconstituintes, pertencentes a um universo de discurso. Nestecaso, os itens lexicais perdem seu significado original para obterum novo sentido em conjunto, em geral, com conotação cômica,trágica, emotiva ou crítica. Trata-se de uma unidadementalmente armazenada, à semelhança de uma palavra, que secaracteriza pela polilexicalidade e pela relativa fixidez(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 21).

O objeto de estudo da fraseologia

“Uma expressão linguística é uma expressão livre se elapode ser descrita como sendo construída da seguintemaneira: o Locutor seleciona cada um dos elementosda expressão separadamente para exprimir osrespectivos significados. Em outros termos, a escolhade um elemento particular não depende da escolhade nenhum outro” (POLGUÈRE, 2018, p. 62-63).

“A fraseologia de uma língua é o conjunto de todas asexpressões não livres dessa língua” (POLGUÈRE, 2018,p. 63).

Roteiro

1 Fraseologia2.1 O que é fraseologia?2.2 O objeto de estudo da fraseologia

2 Unidades fraseológicas2.3 Caracteristicas2.4 Tipologia

3 Pesquisas em fraseologia3.1 Marcadores culturais e UFs na obra de Jorge Amado

Unidades fraseológicas

“No Manual de fraseología española, ela apresenta um panorama dasdenominações atribuídas às distintas combinações de palavras natradição espanhola, tais como expresión pluriverbal, expresión fija,unidad fraseológica o fraseologismo etc., às quais se pode adicionarainda, de acordo com o contexto teórico, frase feita, expressãoidiomática, locução, entre outros termos empregados em línguaportuguesa. Diante da variedade terminológica existente, CorpasPastor descarta o termo expressão fixa, utilizada por Gross, em 1988,em seu estudo sobre Les limites de la phrase figée, porque enfatizauma única característica (a fixação), e opta pela denominação‘unidade fraseológica’ (UF)” (BARREIROS; TELLES, 2017, p. 21).

Idiomaticidade

“Estas características foram corroboradas por Corpas Pastor (1996).Para ela, a idiomaticidade é um dos principais aspectos de umaunidade fraseológica, segundo a qual o significado global não édedutível do significado isolado de cada um de seus elementosconstitutivos, podendo haver mais ou menos discordância. Asunidades fraseológicas podem apresentar dois tipos designificados: denotativo literal e o denotativo figurativo. Este,conhecido como idiomático, é produto de processos metafóricos emetonímicos e está presente na maior parte das unidades. “En estesentido, conviene recordar que no todas las unidades fraseológicasson idiomáticas, pues se trata de una característica potencial, noesencial, de este tipo de unidades”(Corpas Pastor, 1996, p. 27).(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 24).

Variação

Muita água ainda tenha de rolar debaixo da ponte.~ Passar muita água debaixo da ponte.Levar muito tempo, tardar.

Vendeu urubu por galinhaVender gato por lebre

(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 24).

A complexidade do significado

Em sua maioria, as unidades fraseológicas são tão difundidasna comunidade linguística, que é possível compreender alinguagem metafórica da mensagem, mesmo sem terconhecimento de como surgiu a expressão. Para tanto,pressupõe-se uma competência semântica para decodificá-la,pois a mensagem, geralmente, apresenta-se subentendida.Muitas das unidades fraseológicas são oriundas de experiênciasverídicas. Trata-se de um legado cultural de origem popular ouerudita, transmitido quase sempre oralmente de geração ageração (BARREIROS; TELLES, 2017, p. 23).

Esferas

“Com base nos critérios elencados, Corpas Pastor (1996, p. 52)classifica as unidades fraseológicas em três esferas: Esfera I –Colocações; Esfera II – Locuções; e Esfera III – Enunciadosfraseológicos (parêmias e fórmulas de rotina). A classificação deuma unidade fraseológica a uma determinada esfera depende desua fixação no sistema, na norma ou na fala, assim como de suacapacidade de constituir atos de fala e enunciados, por si mesma.Cada uma dessas esferas se subdivide em diversos tipos deunidades fraseológicas em virtude de uma série de critériosadicionais (categoria gramatical, função sintática, caráter deenunciado, independência textual etc.)” (BARREIROS; TELLES,2017, p. 25).

Sistema, norma e fala

Sistema

Norma

Fala

Critério da difusão do significado

Sistema ----------------------- Lexema

Vocábulo/termo

Lexia

Norma ------------------------

Fala ----------------------------

Critério da difusão do significado

Sistema ----------------------- Locuções

Colocações

Enunciados fraseológicos

Norma ------------------------

Fala ----------------------------

Critério da fixação da forma

(CORPAS PASTOR, 1996, p. 52).

Colocações

De acordo com Corpas Pastor (1996, p. 53), as colocações sãounidades fraseológicas que, do ponto de vista do sistema dalíngua, são sintagmas livres, gerados a partir de regras, masque, ao mesmo tempo, apresentam certo grau de restriçãocombinatória determinada pelo uso, isto é, uma fixaçãointerna. Essa restrição deve-se a ‘la tendencia sintáctico-semántica de las palabras aisladas de una lengua a adoptartan sólo un número limitado de combinaciones con otraspalabras entre una gran cantidad de posibles combinaciones’(Ettinger, 1982, p. 251)” (BARREIROS; TELLES, 2017, p. 23).

Colocações

(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 23).

Colocações

“Uma colocação é um sintagma AB (ou BA) tal que, paraconstruí-lo o Locutor seleciona A livremente de acordo como sentido de ‘A’, ao passo que ele seleciona B para exprimirjunto de A um sentido ‘s’ em função de restrições impostaspor A. Uma colocação é, portanto, um sintagmasemifraseológico” (POLGUÈRE, 2018, p. 65).

Dormir [=A] profundamente [=B] ~ como uma pedra, como umjusto rei, a sono solto.

Base e colocado

“Denomina-se de base da colocação o elemento que,selecionado livremente pelo Locutor em função de seusentido, controla o sintagma em apreço. Nos exemplosanteriores, as bases das colocações são os elementosetiquetados com A. Os elementos etiquetados com B são oschamados colocados” (POLGUÈRE, 2018, p. 65).

Chover [=A] a cântaros [=B] ~ torrencialmente, canivete

Colocações

A cuma tá dano?

Base - cuma (como)Colocado - tá dano?

a cuma é istocuma foicuma tácuma lá se diz

(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 27).

Locuções

As locuções, por sua vez, são definidas por Casares (1992[1950]) como “combinación estable de dos o más términos,que funciona como elemento oracional y cuyo sentidounitario consabido no se justifica, sin más, como una sumadel significado normal de los componentes”10 (Casares, 1992[1950], p. 170). Essas unidades fraseológicas apresentamfixação interna, unidade de significado e não constituemenunciados completos. Fixadas no sistema da língua, sediferenciam das colocações, fundamentalmente, por suainstitucionalização, sua estabilidade sintático-semântica esua função denominativa. (BARREIROS; TELLES, 2017, p.27).

Locuções

(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 28).

Locuções

“Assim, distinguem-se locuções nominais, adjetivas,adverbiais e verbais, que podem substituir as mesmasfunções sintáticas. Em alguns casos, o critério de classerevela uma grande diversidade estrutural. Incluem-setambém as locuções prepositivas, conjuntivas e causais.Estas são formadas por vários sintagmas, sendo um delesverbal como, por exemplo, saiu o tiro pela culatra (Motta,2015b [1982], p. 299), ou seja, “recebeu um dano quandopensava em causá-lo” (BARREIROS; TELLES, 2017, p. 27).

Locução vs. compostos

Coesão semânticasupermercado x vale-transporte x pão de queijo

Coesão morfossintáticaSupermercados x vales-transportes x pães de queijo

Critério acentual – acentuação particular

Critério ortográfico“[...] locuciones, aquellas unidades que, presentando umgrado semejante de cohesión interna, no muestran uniónortográfica” (CORPAS PASTOR, 1996, p. 93).

Locuções com a base pão

Lexema: pãoLexias: pão, pães

Lexema: pão brancoLexias: pão branco, pães brancos

Vocábulo: pão vara (BA)Lexias: pão vara, pães vara

Termo: pão da alma (Cat. Litu.)Lexias: pão da alma, pães da alma

Enunciados fraseológicos

“Por outro lado, na esfera III, enquadram-se os enunciadosfraseológicos, que são unidades fixadas na fala, pertencentesao acervo sociocultural da comunidade. São fórmulascoletivas, e tradicionais que espelham a mentalidade de umpovo, assim como seus costumes, crenças e estadosafetivos. Constituem atos de fala realizados por enunciadoscompletos, dependendo ou não de uma situação específica.São enunciados autônomos, que apresentam fixação interna,de forma (estrutural) e de conteúdo (semântica), e tambémexterna, relacionada com a situação ou posição que ocupamno acervo linguístico de uma determinada cultura”(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 28).

Enunciados fraseológicos

(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 29).

Parêmias e formulas de rotina

“Tanto as parêmias como as fórmulas de rotina sediferenciam fundamentalmente pelo fato de as parêmiaspossuírem significado referencial (fixação referencial) e teremautonomia textual, enquanto que as fórmulas de rotinaapresentam significados do tipo social, expressivo oudiscursivo, sendo determinadas por situações ecircunstâncias concretas” (BARREIROS; TELLES, 2017, p. 28).

O peixe morre pela boca – parêmia

Até logo - formula de rotina

Parêmias e formulas de rotina

Parêmias – Eulálio Motta

Citação – “os cães querem voltar ao vômito, os porcos queremvoltar à lama” (2Pedro, II, 22)

Provérbio – “Quem não chora não mama”.

Fórmulas de rotina – Eulálio Motta

Fórmulas comissivas de promessa e de ameaça – refere-se aofuturo, uma atitude que o emissor irá tomar – “Vem, danado,vem! Eu te passá-lhe o pilunga de mucambo na cabeça”.

(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 31).

Parêmias e formulas de rotina

Fórmulas diretivas de exortação, de informação e de ânimo –têm o objetivo de persuadir o receptor – Pode sê que amiore,comade, pode sê que desta veis êle tome juizo” (Motta, 2016[1933], p. 85);

Miscelânea – fórmula com a qual o emissor enfatiza que umacoisa não pode estar mais clara e fácil de compreender – “Éclaro que não vou cometer a tolice de prometer não publicarmais tais crônicas” (Motta, 2015a [1982], p. 300).

(BARREIROS; TELLES, 2017, p. 31).

Roteiro

1 Fraseologia2.1 O que é fraseologia?2.2 O objeto de estudo da fraseologia

2 Unidades fraseológicas2.3 Caracteristicas2.4 Tipologia

3 Pesquisas em fraseologia3.1 Marcadores culturais e UFs na obra de Jorge Amado

Estudos lexicais no acervo de Eulálio Motta

• Plano de trabalho• O projeto tem como objetivo geral elaborar o Vocabulário online das obras inéditas e

éditas do escritor baiano Eulálio de Miranda Motta, tomando como base a documentação de seu acervo pessoal.

• Elaborar o Vocabulário de Eulálio Motta online com base no modelo desenvolvido por Barreiros (2017);

• Construir um banco de dados com as informações registradas nos verbetes sincronizável;

• Fazer análise linguística do corpus, a partir dos dados obtidos nos programas AntConc e Wordsmith tools;

• Estudar as lexias simples, compostas e complexas do vocabulário geral, específico (técnico, político e religioso) e onomástico;

• Inventariar e classificar as unidades fraseológicas;• Identificar e classificar os marcadores discursivos;• Identificar e classificar os marcadores culturais;• Contribuir para os estudos lexicológicos e lexicográficos em

Língua Portuguesa.

Estudos lexicais no acervo de Eulálio Motta

- Lexicologia (perspectiva funcional)

- Lexicografia e metalexicografia

- Fraseologia

- Onomástica: antroponomástica e toponomástica

Referências

AULETE DIGITAL. Disponível em: http://www.aulete.com.br/index.php. Acesso em: 20 ago. 2020.

ARAGÃO, Maria do Socorro S. A fraseologia como marca do léxico regional-popular. In: COSTA, Daniela de S. S.; BENÇAL, Dayme Rosane. (Orgs.). Nos caminhos do léxico. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2016, p. 33-49.

BARREIROS L. L. S.; TELLES, C. M. As unidades fraseológicas no vocabulário de Eulálio Motta. ReVEL, vol. 15, n. 29, 2017.

CORPAS PASTOR, Gloria. Manual de fraseología española. Madrid: Gredos, 1996.

COSERIU, Eugenio. Lições de lingüística geral. Tradução: Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980

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