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ÍNDICE

Editorial 3-6

Dossiê–Futurismo,1909-2009 7-152

MariastellaMargozzi,Futurismo avanguardia italiana 9JoséManueldeVasconcelos,Antitradição e maravilhosona poética do Futurismo italiano 19PedroSargento,Regeneração e degeneração:o contínuo Futurismo 29CarloSerafini,O teatro futurista 47

RitaMarnoto,Futurismo e Futurismos em Portugal 61JerónimoPizarro,Pessoa e “Monsieur” Marinetti 77ManuelG.Simões,Os mitos futuristas e a “Ode triunfal”de Álvaro de Campos 89GianlucaMiraglia,“Ser italiano quer dizer dominar todasas raças”: Marinetti em Lisboa 99PaulaCristinaCosta,Futurismo, futurismos: deAconfissãodeLúcioaNomedeguerra 113FernandoJ.B.Martinho,Para um estudo da posteridadedo Futurismo na poesia portuguesa contemporânea 129

ArtigosGionaTuccini,L’uomo come esistenza che parla. L’orientamento morale e il sentimento religioso di Giovanni da Empoli 155PauloLopes,Um olhar português sobre a Roma de Quinhentos 169SílvioCastro,Leopardi e Fernando Pessoa: projeto e anteprojetodo “livro único” noZibaldonee noLivrododesassossego 183

Temas e debatesErnestoRodrigues,Imaginação e Literatura 209Aa.vv.,Para um dicionário de tradutores 223

Obra abertaErnestoRodrigues,Branco 245

RecensõesEçadeQueirós,La Corrispondenza di Fradique Mendes.Memorie e note,acuradiRobertoVecchieVincenzoRusso(ManuelG.Simões) 261Traduzioni, imitazioni, scambi tra Italia e Portogallo nei secoli,acuradiMonicaLupetti(IsabelAlmeida) 263MariaBochicchio,O paradigma do pudor(ArnaldoSaraiva) 268Futurismo Avanguardia Avanguardie,acuradiDidierOttinger;Futurismo 1909-2009 Velocità + Arte + Azione,acuradiGiovanniListaeAdaMasoero(RitaMarnoto) 271GiusiBaldissone,Filippo Tommaso Marinetti(RitaMarnoto) 275V.deSaint-Point,Manifesto da mulher futurista. Manifestofuturista da luxúria,trad.deCéliaHenriques(CleliaBettini) 277AngeloD’Orsi,Il Futurismo tra cultura e politica. Reazioneo rivoluzione? Con antologia di testi(RobertoGigliucci) 281

ActualidadeEditou-se...(PaolaD’Agostino) 285Zum-pim-zim!Unbanchettoaerofuturista(CleliaBettini) 293QuintoEncontrodeItalianística.Os Palermas de Coimbra(RitaMarnoto) 299Nel mezzo del cammin.JornadadeEstudosItalianosemHonradeGiuseppeMea(RitaMarnoto) 301Attivitàdell’IstitutoItalianodiCulturadiLisbona

IldebitodellalusitanisticaitalianaversoilProf.GiuseppeCarloRossi(MariaLuisaCusati) 303UnaltaredelloscultoregenovesePasqualeBocciardoperilSeminarioMaggiorediCoimbra(FaustaFranchiniGuelfi) 315

LucianaStegagnoPicchioin memoriam(MariaJoãoAlmeida/GionaTucini) 329CarmenRaduletin memoriam(ManuelSimões) 333

È con particolare soddisfazione che, a poche settimane dal mio arrivo a Lisbona, presento l’ultimo numero diEstudosItalianosemPortugal.Si tratta del quarto numero della nuova serie nata nel 2005, e da allora puntualmente edita con scadenza annuale, con la finalità di rinverdire una tradizione prestigiosa e dare continuità alla lunga vicenda novecentesca della rivista dell’Istituto Italiano di Cultura che ha svolto, in passato, un ruolo fondamentale nello scambio culturale fra Italia e Portogallo, rappre-sentando un opportuno punto di incontro per i lusitanisti italiani e gli italianisti portoghesi e contribuendo a una conoscenza più appro-fondita delle due culture. Le sezioni, “Artigos” e “Temas e deba-tes”, offrono vari saggi su argomenti che spaziano dal Cinquecento alla contemporaneità, mentre la rubrica dedicata alle recensioni con-sente al lettore di aggiornarsi, in maniera critica, sulle pubblicazioni più recenti che riguardano i rapporti culturali fra i due paesi. In chiusura di volume, la sezione “Actualidade” informa sulle attività promosse dall’Istituto e sugli eventi svoltisi presso le università por-toghesi negli ultimi dodici mesi, un periodo purtroppo rattristato dalla scomparsa di due figure maggiori della lusitanistica, le profes-soresse Luciana Stegagno Picchio e Carmen Radulet, che più volte avevano collaborato alla rivista. Il dossier monografico, che caratte-rizza ogni numero, è questa volta dedicato al futurismo: un secolo fa, nel febbraio del 1909, usciva sulle pagine del giornale pariginoLeFigaroil Manifesto firmato da Filippo Tommaso Marinetti.

Colgo l’occasione per segnalare che l’Istituto Italiano, nell’ambito delle celebrazioni per il centenario del movimento dell’avanguardia artistica, organizza una mostra dal titoloCollezionareilfutu-rismo,presso il Museu da Água – Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, che potrà essere visitata dal 16 dicembre 2009 al 31 gennaio 2010.

Desidero, infine, esprimere la mia gratitudine a tutti i collabo-ratori e alla Prof.ssa Rita Marnoto che, con l’abituale dedizione e riconosciuta competenza, ha curato il coordinamento editoriale.

Lidia RamogidaAddettoCulturaledell’Ambasciatad’Italia

eDirettoredell’IstitutoItalianodiCulturadiLisbona

É com particular satisfação que, poucas semanas depois de ter chegado a Lisboa, apresento o mais recente número de Estu-dosItalianosemPortugal. Trata-se do quarto número da nova série, iniciada em 2005, e que desde então tem vindo a sair regu-larmente, todos os anos, no objectivo de fortalecer uma tradição de prestígio e de dar continuidade ao longo percurso, iniciado no século XX, da revista do Instituto Italiano de Cultura, a qual desenvolveu, no passado, um papel de fundo, no intercâmbio cultural entre a Itália e Portugal, representando um adequado ponto de encontro para os lusitanistas italianos e os italianistas portugueses, ao mesmo tempo que contribui para um conhecimento mais aprofun-dado das duas culturas. As secções, “Artigos” e “Temas e debates”, propõem vários ensaios sobre temas que vão desde o século XVI à contemporaneidade, ao passo que a rubrica de recensões permite ao leitor uma actualização, em moldes críticos, acerca das publicações mais recentemente dedicadas às relações culturais entre os dois paí-ses. A fechar o volume, a secção “Actualidade” fornece informação sobre as actividades organizadas pelo Instituto e sobre os eventos que ocorreram nas Universidades portuguesas durante os últimos doze meses, um período infelizmente ensombrado pelo desapareci-mento de duas grandes figuras da lusitanística, as Professoras Luciana Stegagno Picchio e Carmen Radulet, que em diversas oca-siões colaboraram na revista. O dossiê monográfico, que acompanha os vários números, é desta feita dedicado ao Futurismo: há um

século, em Fevereiro de 1909, saía, nas páginas do jornal parisiense LeFigaro, o Manifesto assinado por Filippo Tommaso Marinetti. Aproveito esta ocasião para assinalar que o Instituto Italiano, no âmbito das celebrações do centenário desse movimento artístico de vanguarda, organiza uma exposição sob título, Collezionareilfuturismo, no Museu da Água – Estação Elevatória a Vapor dos Barbadinhos, que poderá ser visitada de 16 de Dezembro de 2009 a 31 de Janeiro de 2010.

Gostaria também de apresentar os meus agradecimentos a todos os colaboradores e à Professora Rita Marnoto que, com a habitual dedicação e reconhecida competência, fez a coordenação editorial.

Lidia RamogidaAdidoCulturaldaEmbaixadadeItália

eDirectordoInstitutoItalianodeCulturadeLisboa

Est.Ital.Port.,n.s.,4,2009:61-75

FUTURISMOEFUTURISMOSEMPORTUGAL

Rita Marnoto*

As celebrações do centenáriodoManifesto de fundação do Futurismo,editadoem19091,têm-sevindoarevelar,paraalémdaefeméride,profícuaoportunidadeparaaelaboraçãodaquelebalançocrítico,distanciadoerigoroso,quehámuitourgialevaracaboacercadavanguardaitaliana.

* ProfessoradaFaculdadedeLetrasdaUniversidadedeCoimbraeDirectoradorespectivoInstitutodeEstudosItalianos,dedica-seaoestudodaliteraturaitaliana,da literaturaportuguesaedas relaçõesentreasduas literaturas,comreferênciaaváriosperíodoseautores.Estetextoéaversãoreduzida,empor-tuguês,deumaconferênciarealizadanaUniversidadedePrinceton.

1 Narealidade,emfinaisde1908,apesardeograndeveículodasuadivul-gaçãointernacionaltersidoLe Figarode20deFevereirode1909.Jáanterior-mentetinhasidoeditado,emversãointegral,comotextodeaberturadedoislivrospublicadosem1908:Le ranocchie turchinedeCavacchiolieaantologiaEnquête internationale sur le vers libre.Alémdisso,Marinettimandaraimprimir,emfinaisdessemesmoano,milharesfolhasvolantescomosseuspontospro-gramáticos,impressasaazul,comumatiragememitalianoeoutraemfrancês.Prepara,entretanto,asuapublicaçãononúmerodarevistaPoesiadeDezembrode 1908-Janeiro 1909, onde acabará por não sair, em circunstâncias que seprendemcomoterramotodeMessina.Masapartirdomomentoemqueosmanifestoscomeçamaserdistribuídos,nofinaldeJaneiro,logoéreferidoepublicado,integralouparcialmente,emváriosjornaisitalianos,comdestaqueparaaediçãointegralquedeleéfeitaporLa Gazetta d’Emilia,deBolonha,a5deFevereiro.Vd.GiovanniLista,“GenesieanalisidelManifesto del FuturismodiFilippoTommasoMarinetti,1908-1909”, inFuturismo Avanguardia Avan-guardie,acuradiDidierOttinger,Parigi,CentreGeorgesPompidou,Milano,5ContinentsÉditions,2009,pp.78-83.

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Salientodoisaspectosque,nãosendopropriamentenovi-dade,nemsempremereceramodevidorelevo,poisassinalampercursosdeinvestigaçãoque,emtantasdassuasvertentes,aguardamserexplorados.Oprimeiro,dizrespeitoaoreco-nhecimento do Futurismo italiano como vanguarda queserviudereferência,deumaformaoudeoutra,atodososmovimentosdevanguardaqueselheseguiram.Osegundo,dizrespeitoàescaladasuairradiação,queémúltipla,numaabrangência dotada de contornos planetários. O própriofactodesetratardaprimeiravanguardahistóricapotenciouessaprojecçãoporlatitudeselongitudessubstancialmentediferenciadas,oqueimplicasubstratosliterários,culturaiseartísticosmuitovários,numapropostaderenovaçãoglobaldecostumeseexperiênciasdevida.Avastidãodessaarti-culaçãodefactores,comassuasvariáveis,nãopodedeixardeserdirectamenteproporcionalàmultiplicidadedosresul-tadosdecorrentesdasuarecepção.

Aliás,adivulgaçãodoFuturismoeratambémpropiciadapelodinamismoepelotalentopublicitáriodeMarinetti,queviajavapelosquatrocantosdomundo.NascidoemAlexan-driadoEgipto,formadoemFrançaeemItália,residenteemMilãoedepoisemRoma,eraumcosmopolita,facetadaqualsoubetiraromelhorpartidoparadaraconheceromovimento.

Possuíaplenaconsciênciadopotencialcontidonaarticula-çãoentreocaráctermatricialdavanguardaquelideravaeaautonomiadosváriosmovimentos futuristas.EmAl di là del comunismo,de1920,escreveemletrasonante2

TuttiiFuturismidelmondosonofiglidelFuturismoitaliano,creatodanoiaMilanododiciannifa.Tuttiimovimentifutu-ristisonoperòautonomi.Ognipopoloavevaohaancoraunsuopassatismodarovesciare.

2 Al di là del comunismo(1920),F.T.Marinetti,Teoria e invenzione futurista,prefazionediAldoPalazzeschi,introduzione,testoenotediLucianoDeMaria,Milano,Mondadori,1968[1.ªed.],p.413;vd.tambémanotadap.CVII.

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Opotencialdestaarticulaçãonemsempremereceurelevo,noplanocrítico-literário.Al di là del comunismoforaorigi-nariamenteescritonaprisãodeSanVittore,ondeMarinettiestiveraencarcerado,em1919,juntamentecomMussoliniecomoutrosparticipantesnomovimentoarmadoquecon-testaraavitóriaeleitoral socialista.Odireccionamentodasualeituraemsentidoideológicodeixounasombra,porém,muitosaspectosdohorizonteinternacionalvisadoporummanifestoquetempor incipit,Ai futuristi francesi, spagnoli, russi, ungheresi, rumeni, giapponesi.

Foisobreopanodefundodateoriadoscódigosque,apartirdadécadadeSetenta,essaarticulaçãocomeçouaserverdadeiramenteexplorada.FicacondensadanacorrelaçãoentreFuturismo, no singular, eFuturismos, noplural, queservedepontodepartidaaopresenteestudo.Les FuturismesfoitítulodosdoisnúmerosquearevistaEuropededicouaotema,em19753.“Iln’yapasunton,maisdestonalités”,escreveCharlesDobzynskinoeditorial.EssaperspectivafoidepoispotenciadaedocumentadapelaexposiçãonoPalazzoGrassideVeneza,Futurismo e Futurismi,de1986.Avariedadedefolhetos,ediçõeseobrasdeartefuturistasnelacoligidasconfrontouoolhardovisitantecomumacervodocumen-taldedimensõesimpressionantes4.Afecundidadedessalei-

3 Ano53,551,552,1975.Cit.de“Àl’assautdusiècle”,551,p.5.4 Vd.Futurismo e Futurismi. Catalogo della mostra, Venezia, Palazzo Grassi,a

curadiPontusHulten,Milano,Bompiani,1986,1992.AimportânciacríticadessaperspectivamúltiplaeabrangenteacercadoFuturismoéilustradapelasériedeexposiçõesque,dediferentesmodos,nelaserevê,desdeFuturismo e meridione,de1996,noPalazzoRealedeNápoles(catálogo,Futurismo e meridione,acuradiEnricoCrispolti,Napoli,RegioneCampania,Electa,1996),atéàsactuaisFuturismo 1909-2009 Velocità + Arte + Azione,Milão,PalazzoReale(catálogoSkira);Futurismo Avanguardia Avanguardie,Roma,ScuderiedelQuirinale;Paris,CentreGeorgesPompidou;Londres,TateModern(catálogoCentreGeorgesPompidou,5ContinentsÉditions);Il futuro del Futurismo. Dalla “rivoluzione ita-liana” all’arte contemporanea,Bergamo,GAMeC(catálogoElecta)ouItalics. Arte italiana fra tradizione e rivoluzione, 1968-2008,Veneza,PalazzoGrassi(catálogo

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turareafirma-se,naactualidade,enquantofiocondutorqueligaasváriasmanifestaçõesorganizadasemItália,porocasiãodocentenáriofuturista.

AlinhadeleituradoFuturismo/sportuguêsqueapresentopropõe-sedarumavisãodeconjunto,emtraçosnecessaria-mentesintéticos,dasuaprojecção,deformaacontemplarairradiaçãodomovimentoporváriosespaçosgeográficosdePortugal.Naverdade,conhecem-sebemosecosdavan-guardaitalianaemLisboa5.Masestáporesboçarumapers-pectivamaisalargadaearticuladadoFuturismo,queavancepeloespaçogeográficodaliteraturaedarecepçãocrítica,assinalandoamultiplicidadedasuaexpressão,sobreomapa.

Comecemos,pois,peloinício.AnotíciadoManifesto de fundação do Futurismoédada,emprimeiramão,porumjor-naldoPorto,oJornal de Notícias6.AligaçãoentrePariseacidadedoPortotemporelomediadorJoséXavierdeCar-valhoJunior.NascidoemLisboaem1861,desloca-separaoPorto,ondetrabalhacomojornalista,atéque,em1886,parteparaParisnaqualidadedecorrespondentedeváriosjornaisportuguesesebrasileiros,cidadeondemorreem1919.

Oartigo,intitulado“Umanovaescolapoética–oFutu-rismo”,sainoJornal de Notíciasde26deFevereirode1909,ou seja, poucosdias depois deoManifesto de fundação do Futurismotersidopublicado,emfrancês,porLe Figaro,maisprecisamente,a20deFevereiro,emsimultâneocomaediçãoedistribuiçãodepanfletosemitalianoeemfrancês.XavierdeCarvalhoapresentaoFuturismonosseusaspectosgerais.Enquadra-onasucessãode-ismosquevaidoDecadentismo

Electa)e,sucessivamente,Chicago,MuseumofContemporaryArt.Vd.supra,pp.271-275.

5 ValhaportodosoreenvioparaostextosdeNunoJúdiceeTeolindaGer-sãoqueacompanhamareediçãodePortugal Futurista,Lisboa,Contexto,1982.

6 EsteassuntofoitratadoporPedrodaSilveira,quereeditaosdoisartigosdeJoséXavierdeCarvalho,em“Oquesoubemoslogoem1909doFuturismo”,Revista da Biblioteca Nacional,1,1,1981,pp.90-103.

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edoSimbolismoaoSatanismo,dandoinformaçõessobreoseulíder,oseunomeeoseuprograma.Nesteâmbito,sãoparafraseadosdoispassosdomanifesto,ondeaguerraéglori-ficadacomoúnicahigienedomundoeseadvogaadestrui-çãodemuseusebibliotecas.Ojornalistaportuguêséparti-cularmentesensívelàquestãodaviolênciaedobelicismo,acompanhandoopulsardeumaEuropaprestesaentraremGuerra.Nãoadere,porém,aoseuprogramagenérico,oquallhemerececríticas,emnomedamoraledosbonscostumes,nemlevaomanifestomuitoasério,classificando-ocomoumrordedisparatesaojeitodeblaguecarnavalesca.

Masomovimentodeviaterassumido,defacto,algumsignificado,paraXavierdeCarvalho,senaediçãodoJornal de Notíciasde6deAbrilde1909voltaaoassuntocomumanotíciasobre“O Rei Bombance–ofiascodapeçadeMari-netti”,aqueassistiuemParis,noThéâtre de l’oeuvre.Trata--sedeumatragédia satíricaemqueaspersonagens,quesãoalegoriasdevícios,comodesesperodafome,serevoltamcontraoReiefazemumbanquetedesmedido,oquelhepermiterecuperaropoder.Apeçamarcaumarupturadeci-siva,nopanoramateatraldeiníciodeséculo,abrindoumafrenteestéticadereconhecidoalcance.Contudo,ojornalistaportuguêspoucomaisneladescortinadoqueumfiasco,umachuchadeira,umdesfiledeexcessosgastronómicossem regras de teatroeumabrincadeira trocista,retomandoumtópicojápre-sentenoartigoqueanteriormenteescrevera.Nessesentido,aocolocaremdestaqueosucesso de escândalodeMarinetti,comporta-secomosefosseoseuespectador ideal,pararetomaraterminologiadeUmbertoEco.NãodeixadeapreciarabelezadoscenáriosdeRanson,ouseja,PaulRanson,umdosmembrosdogrupodavanguardasimbolistaconhecidacomoNabis,quecontestouoimpressionismo,desenvolvendoumestilodecorativodelinhasefigurasgeométricas.

Apesardenãoestaremcondiçõesdecompreenderaati-tudevanguardistaearelaçãoestabelecidacomopúblico,

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JoséXavierdeCarvalhoacompanhaanovidade,dando-aaconheceraosleitoresdoJornal de Notícias.

AnotíciasucessivaacercadoFuturismo,divulgadapelaimprensaportuguesa,sainumjornaleditadoemS.Miguel,oDiário dos Açores,a5deAgostodomesmoano7.Seguecritériosmaisdocumentados,abrindo-secomumanotadeapresentaçãodanova escola literária,aoquesesegueatradu-çãoparcialdoManifesto de fundação do Futurismo,umaentre-vistacomMarinettitiradadarevistaComoediaeumaapre-ciaçãocrítica,sobaepígrafe“Osescritoreseaimprensa”.Destafeita,oseuautor,LuísFranciscoRebeloBicudo,éomediadorda linhaque ligaPontaDelgada aGénova,deondeescreve.Nascidonaquelacidadeaçorianaem1884,noseiodeumafamíliaaristocrata,foiapoiantedaRepúblicaeestudouDireitoemCoimbra,depoisdoquepartiuparaumgrand toureuropeu.

Atraduçãoomiteaparteinicialdomanifesto,abrindo--secomosseusonzepontosprogramáticos.Talvezopassosuprimido,ondesecontaanoitedevigíliasoblâmpadasdemesquitaeodesastredeautomóveldeMarinetti,fossecon-sideradodissuasorouentediante,istocasoLe FigarofosseafontedeBicudo8.Aprópriatraduçãoatenuaalgumasface-tasmaisradicaisdooriginal.Quantoàentrevista,incideemparticularsobreaspectosdeíndoleideológicaededebatedeideias.Trataarelaçãoentreplanoindividualecolectivo,arecepçãoporpartedopúblico,eexplicitaaspropostasessen-ciaisdomovimento,queeraoquemaisdespertavaaatenção,nummomentoemquetinhaacabadodeseranunciado.Napartefinaldoartigo,RebeloBicudotraçaumavisãodesín-tesedotadaderelevantesentidocrítico.Assuaspreocupaçõesdocumentaissãoilustradaspelaconsultaereferenciaçãodefontes,apartirdarevistadeMarinetti,Poesia.Enumeraos

7 Vd.ib.,quereeditaoartigo8 Vd.supra,n.1.

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seuscolaboradoresefazumaresenhadaimprensaestrangeirasobreoFuturismo,combaseeminformaçõesnelacontidas9.Bicudopercebeque,paraalémdasimplescondenaçãooudosimplesapoioaoFuturismo,háqueentenderaprofundidadedeummovimentoliterárioqueesconde uma escola filosófica.Porconseguinte,põedeladooscomentáriostrocistas,des-tacandoosintuitosderenovaçãoeavertenteiconoclastadavanguardaitaliana.Oseucosmopolitismoficapatentenoorgulho,traduzidologonoiníciodoartigo,deoDiário dos Açoresserumdosprimeirosjornaisaapresentar,emPortugal,anovaescola.E,aterminar,empenhadoemaproximarouniversoaçorianodavanguardaeuropeia,estimulaospoe-tasdasuaterraaestabeleceremcontactoscomosfuturistas.

ApesardoapelodeBicudo,apassagemdarecepçãodoFuturismo,doplanocrítico,aodarecepçãocriativa,nãofoi,aparentemente,imediata.Ossucessivossinaisdessarecep-çãosãode1913,situam-senoâmbitoprogramático,evêmdeumlongínquoterritóriocolonialportuguês,NovaGoa.OprimeironúmerodaRevista da Índia abre-se comum“Manifesto”,assinadoporPaulinoDias,ondeMarinettiéumareferênciafundamental10.Operiódico,quetemporsub-títuloMensal de Letras e Artes,saiuentreJunhode1913eJulhode1914,tendopordirectoresPaulinoDiaseAdolfoCosta.

9 Nãomenciona,noentanto,ospoetasdelínguaportuguesaquenelapar-ticiparam.PeloquedizrespeitoaopoetabrasileiroMagalhãesdeAzeredo,vd.SílvioCastro,“CarlosMagalhãesdeAzeredoeaEnquête internationale sur le vers libredeMarinetti”,El girador. Studi di letterature iberiche e ibero-americane offerti a Giuseppe Bellini,acuradiGiovanniBattistaDeCesareeSilvanaSerafin,Roma,Bulzoni,1993,vol.1,pp.191-199.TambémcolaboramemPoesiaE.MachadoeAntónioNascimentodeMendonça.

10 Vd.SandraBagno,“IlFuturismoaGoaelaRevista da Índia”,Rosa dos Ventos. Atti del Convegno. Trenta anni di cultura di lingua portoghese a Padova e a Venezia, a cura di Sílvio Castro e Manuel Simões, Padova, Università diPadova,SezionePortoghesedell’IstitutodiLingueeLetteratureRomanze,1994,pp.89-101;e“OFuturismolibertárionaÍndiaportuguesa”,Jornal de Letras, Artes e Ideias,15,640,1995,pp.26-27,quetranscrevelargospassosdo“Manifesto”.

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Osprincípiosprogramáticosdarevista,aoseremtransfe-ridos,dodomíniodoeditorial,paraodomanifesto,enchem--sedeumtomcombativo.PaulinoDiascomeçaporseguirofioemancipadorquevaidaAufklärungatéaoiníciodeséculo,operandoumnivelamentouniversaleutópicoqueabarcaCristo,TolstoieBacunine.EsseeclectismoculminacomumaexaltaçãodaRenascença literária das nacionalidadesquetomaMarinetticomobaluartedaargumentaçãológicado“Manifesto”.Pontocapital,éaenergiadeboxercomqueolíderdavanguardaitalianacombateopassadismodeumpaísantigo,oquemostra,segundoPaulinoDias,queas nações modernas são francamente futuristas.Depoisdepassaremresenha aspectos identitários, tipificados, de vários países,detém-se sobre a especificidade da Índia portuguesa,enquanto possível cruzamento entreOriente eOcidentedondebrotao peito moço da Índia.Emseuentender,tambémomovimentodeconsciêncianacionalqueaíseestáaformaréumareacçãocontraasforças atávicaseomisticismo absurdo.

ParacompreenderointeressepeloFuturismoitaliano,emfunçãodestaquestãoidentitária,háqueteremlinhadecontaomovimentodeafirmaçãodaÍndiaportuguesaqueseformaentrefinaisdoséculoXIXeiníciosdoséculoXX.Ojor-nalismoealiteraturaforamduasdassuasgrandesfrentes11.Ora,PaulinoDiasetantosdoscolaboradoresnaRevista da Índia pertenciamaessegrupodeescritoresejornalistasindo--portugueses.Naverdade,aproduçãopoéticacoligidanosváriosnúmeros,degrandeinteresseparaaintersecçãoentreculturaseliteraturas,poucoounadatemdefuturista.Noentanto,avanguardaitalianaeraconhecidademodopró-ximo,apontode,em1913,jásedizerqueomanifestode1909forapublicadoanos atrás.Aliás,opoetaindo-portuguêsAntónioNascimentoMendonçapublicara,nonúmerode

11 Vd.VimaldaDevi,ManueldeSeabra,A literatura indo-portuguesa,Lisboa,JuntadeInvestigaçãodoUltramar,1971,2vols.

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1908-1909dePoesia,umacomposiçãodedicadaaMarinetti,oquemostraexistiremrelaçõesentreavanguardaitalianaeavanguardagoesaquemuitoimportariaestudar.

Nosanosde1916ede1917,háaassinalarapresençadeváriosnúcleosvanguardistas,entreFaro,aFigueiradaFozeCoimbra.Estefervilhardeideiassitua-se,deumaformaoudeoutra,nasendadasiniciativaslevadasacaboemLisboa,alémdomais,comaediçãodeOrpheu,oManifesto Anti-Dantas,asessãofuturistanoTeatroRepública,emqueJosédeAlmadaNegreiros lêoUltimatum futurista às gerações portuguesas do século XX,eonúmeroúnicodePortugal Futurista,de1917.

ComecemosporFaro,ondeumgrupodevanguardistassereuniuemtornodojornalO Heraldoeorganizouumaexposição12.EmMaiode1917,estevepatente,nessamesmacidade,umamostra,cujocatálogoseintitulaFuturismo,naqualparticiparamMirly,ZarnaeRodrigueeCarlosPorfí-rio.Pintordegrandemérito,cujaobrapermaneceráligadaàestéticafuturista,eque,posteriormente,tambémseveioadedicaraocinema.PorfírioeranaturaldeFaro,masestavaligado,àsemelhançadeoutrosmembrosdogrupo,aonúcleodeLisboa,tendosidofundadoredirectordoPortugal Futu-rista.Recorde-seque,naspáginasdeO Heraldo,AlmadapublicouLitoral,FernandoPessoaA casa branca nau preta,poemaquedepoisviriaaseratribuídoaÁlvarodeCampos,eMáriodeSáCarneiro,Além.

A5deNovembrode1916,éinauguradaumanovasecçãodojornal,chamadaGenteNova,ea4deFevereirode1917uma outra, intituladaFuturismo. Ambas se mantêm até àúltimaediçãodoperiódico,quesaiua29deAgostode1917.Os colaboradores assinam sob pseudónimo. Horácio ouO’RacioéJoãoRosado;Nesso,CarlosPorfírio;RaulMar-quesCarneiro,A.Queiroz;Kernok é Leyster Franco, o

12 EmPoesia futurista. Faro 1916/1917,selecçãoeprefáciodeNunoJúdice,Lisboa,ARegradoJogo,1981,estecríticoestudaereeditapartedessaprodução.

70 Rita Marnoto

própriodirectordojornal;NaissanceéAntóniodeNasci-mento.Traçospoéticoscomunseremissõesmútuasmostramoespíritodegrupoqueosunia.Asreacçõesquesuscitamsãooportunamenteaproveitadasparaexplicitaredefenderoseuvanguardismo.Numacartadeapoio,comdatade15deJulhode1917,assinadapelosrepresentantes do comité futu-rista,ouseja,AlmadaNegreiroseSantaRita-Pintor,agra-dece-seeexalta-seoseuempenhofuturista.UmamisteriosaMissEdithdirige-se ao jornal,deslumbrada pela incendiária lucilação da grande Arte Futurista.

Alinguagemplásticadospoemasactualizaarevolução tipo-gráficaadvogadaporMarinetti,comrelevoparaascomposi-çõesassinadasporKernoceCarlosPorfírio,queexploramarelaçãoentreimagemetextoverbalcomparticularelegância.Concomitantemente,ésuperadaavelhasintaxedeHomero,comusorecorrentedoversolivre,deduplasdesubstantivosedatécnicadaspalavrasemliberdade.Osentidodedisper-sãoétrabalhadoapartirdatécnicadofragmentoedojogodesensações,enotratamentodotemadaviagemlêem-seecosdapoesiadeOrpheu.Aestéticadamáquinaeaviolên-cianãosão,porém,eleitasobjectodeexaltação.

Por esses mesmos anos, estuda em Coimbra, onde seformouemDireito,oexóticoepopularFranciscoLevita(1894-1924)13.Conheciabemoprogramafuturistaeencon-trava-se enquadrado na atmosfera coimbrã. O seu nomeficougravadonasmemóriasdeestudanteseasuapoesiadevanguarda teve um impacto tal, que foi parodiada pelasrevistasdacidade.Certaocasião,alugouumautomóveledirigiu-se,comalgunsamigos,paraoPalacedoBussaco,ondeapresençadeestudantesescandalizouumaclientelaseleccionada.Encomendaramumaementadignadeverda-

13 Vd.RitaMarnoto,Francisco Levita, Negreiros-Dantas [….] Coimbra manifesto 1925,Lisboa,Fenda,2009,ondesereproduz,emfacsímile,omanifestode1916eoutrostextosdeLevita.

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deirosfuturistas:galinhacomchocolate,omeletedepêssegoe,aacompanhar,champanhefrancês.Levitatambémdese-nha,adoptandoaquelegeometrismolinearquecedocome-çouaserusadoemCoimbra,nacaricatura.

AlémdolivroI assim… Poemas [.…]seguidos do Elogio do I e da tragédia em 1 acto Amor! Amor!,assinale-seomanifestoNegreiros – Dantas. Uma página para a história da literatura por-tuguesa, ambos de 1916, este último em polémica comAlmadaNegreiros,quetalveztivesseconhecidonasuafugazpassagemporCoimbra.AdesafiarAlmada,foramtantos,adesafiá-locomovanguardista,FranciscoLevitateriasidoumdospoucos.Concluique,alguémquesepreocupacomJúlioDantas,é um Dantas n.º 2.

De Coimbra, passemos à Figueira da Foz, em cujoambienteliterárioeracultivadapoesiasimbolistaedecaden-tista. Fernando Pessoa, em apontamentos onde traça umquadroalargadodosensacionismo,chamaaatençãoparaarevistaO Fauno,comumnúmeroúnicoquesaiunaFigueiraem191714.FoiseudirectorManueldeSousaeseueditorRaimundoEsteves.

Noentanto,umoutrogrupoháaassinalar,noseiodoqualsedestacamAntónioMarianodaCunhaGoulart,LuísJoaquimPintoeAntónioCorreiaPintod’Almeida.Opri-meiroestudouDireitoemCoimbra,nosanosde1915-1916e1916-1917.Pintod’Almeida,queassinouváriasobrascomopseudónimodeAntónioAmargo,escreveu,emcolabo-ração,comGoulart,umlivrodeSonetos mínero-metálicos,de1917,cujoautorseidentificacomoAntónioDoceAmargo15.

14 Vd.GianlucaMiraglia,“OsnovosdaFigueiradaFoz”,Foro das Letras,13-14,2006,pp.99-104.

15 Pensou-sequesetratassedeumúnicopoeta,chamadoAntónio,atépelaformacomoégraficamenterepresentadoonomedoautordosSonetos mínero-metálicos (Coimbra, FrançaAmado, 1917), comuso de uma chaveta,mas adedicatóriadoexemplar existentenaBibliotecaMunicipalPedroFernandesTomás,daFigueiradaFoz,comacota82-1AMA,vemesclarecerestaquestão.

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Reúnedezanovesonetosemquesentimentoseemoçõessãoexpressos atravésde referências amateriaismetálicos,compostos,pedras,oufórmulasquímicas.TemporepígrafeAo Sr. Júlio Dantas, médico em literatura e literato em medicina, ourives mimoso da forma e supremo joalheiro do ritmo.

OfactodeGoulartterestudadoDireitoemCoimbra,aatitudedestesvanguardistasperanteJúlioDantaseofascínioporcertasmatériasdavidamoderna,sobreumpanodefundoondeavultaafiguradofilósofofigueirenseJoaquimdeCar-valho,levamacrerqueestesfuturistasdaFigueiradaFozgiravamnaórbitadeFranciscoLevita.

Nadécadade1920,ageografiadoFuturismo/sportuguêsassinaladoisnúcleos,umemÍlhavo,outroemCoimbra,aoqualcabeumimportantepapel,nahistóriadaliteraturapor-tuguesa do séculoXX.Têmpor elo de ligaçãoo artistaplástico,médicoeescritor,JoãoCarlosCelestinoGomes.

Chegaramaténósvagasnotíciasdeumgrupodevan-guardadeÍlhavo,designadocomoplêiade ilhavense16.LevavaàcenaespectáculosnoTeatrodoNovos,nessavila,enoteatrodaVistaAlegre.Noiníciodadécada,CelestinoGomeseditaalgunstextosdepequenadimensão,caracterizadosporumtomexpressionista,turbulentoevital,quecontêm,emgérmen,apaletadaquelequeviriaatraduzirIl trionfo della mortedeGabrieleD’Annunzio.ÉemÍlhavoque,em1924,publicaumpanfletointituladoSobre o atavismo,ondeexpõealeidahereditariedade,masnassuasrepercussõesnegativas,tendoemlinhadecontacomo,poressavia,seperpetuamvíciosetarasqueimpedemaselecçãodosinúteis.Odarwi-nismoerige-se,pois,emvínculoaumpassado,cujoatavismoimpedeaplenitudedofuturo.Estaposiçãopoderásercon-frontadacoma lei de Malthus da sensibilidade,noUltimatum

16 Vd.otestemunhodeGuilherminoRamalheira,novolumeIn memoriam do Dr. João Carlos Celestino Gomes, 1899-1960,Aveiro,Coimbra,ArquivodoDistritodeAveiro,1962,emparticularp.63.

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de Álvaro de Campos publicado em Portugal Futurista,embora a conceptualização e a exposição de CelestinoGomestomemoutrosentido17.Otextoexpositivoobedeceaumaformulaçãolinguísticatradicional.Inicia-se,porém,comumasúmulaescritaemestilofuturista,comosedeumguiãosetratasse,queprescindedenexossintácticoseusasinaismatemáticos.

Porsuavez,“OmovimentofuturistadeCoimbra”éotítulodoartigo,editadopeloDiário de Lisboa,a13deMarçode1925,emqueseanunciaarevolução artísticaqueestáaserpreparadanessacidade18.Ojornalistaapresentaoseulíder,MárioCoutinho,noseuquartodaAlta,rodeadopormani-festoseobrasplásticasdevanguarda,etendosobreamesadetrabalhoummanifestodeMarinetti.Trata-se,pois,deumgrupoqueconhecebemoprogramadosfuturistasitalianos.

UmadaspeçasfundamentaisdasuaactividadedeagitaçãofoiopanfletointituladoCoimbra manifesto 1925,queseini-ciacomduascitaçõesdeMarinetti.Divide-seemquatropartes,cadaumadasquaiséassinadaporumpseudónimo,Óscar,ouseja,MárioCoutinho,naturaldeCaldasdaRai-nha,estudantedeMedicina;PereiraSão-Pedro(Pintor),ojáreferidoJoãoCarlosCelestinoGomes;TristãodeTeive,AbelAlmada,naturaldoFunchal,tambémeleestudantedeMedicina;ePríncipedeJudá,AntóniodeNavarro,oriundo

17 ConformenotaJoséAntónioBandeirinha,enquantoodarwinismoavivaaconsciênciadequeohomemédescendentedomacaco,oFuturismoincita,programaticamente,àfugadessepassadoatravésdavelocidadeedodinamismo:“ohomemapanhacomboiosavapor,depoisagasóleo,depoiseléctricos,depoisaviõesajacto,transportescadavezmaisrápidosparafugiràcondiçãodedes-cendênciadomacaco.Quantomaisrápidoviajar,maisdistanteficaessafatalconstatação,quantomaisrápidosefizertransportar,maislongecaminhounafugadessasorigensemaishonrosassetornamasdiferençasrelativasaessacon-diçãoancestral”,“ViolentiaVeloxVisio.Leiturasemmovimento”,NU,28,2009,p.13.

18 RitaMarnoto,cit.,ondeétranscritoesteeoutrostextosrelacionadoscomomovimento,esereproduzomanifestode1925.

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deNelas,quefrequentavaaFaculdadedeDireito.Ofolhetoassociaaartedevanguardaàclarividênciatipográfica.Adivi-sãoemduascolunas,cominterposiçãodebarrasatodaalarguraegarrafais,exigeodomíniodetécnicascompositivasmuitoespecíficas.Aliás,oseugrafismoésemelhanteaodarevistaLacerba.FoitambémorganizadaumaconferêncianoTeatroSousaBastos,proferidaporAntóniodeNavarro,queacaboucomumbanhodeagulheta.Intitulava-seSol,queera,igualmente,otítulodarevistaquesepropunhameditar.Solfoiumapalavra-chaveparaosfuturistasitalianos.Serviadecontrapontoàluaeaoluar,símbolosdopassadismoealvoprimordialdopanfletoUccidiamo il chiaro di luna!,publi-cadodoismesesdepoisdoManifesto de fundação do Futurismo.

OlivrinhoGuarda-sol. Exortação à mocidade futurista prece-dida dum prefácio às frontarias. Abaixo a cor! Bendita a lua!,umoctógonoqueabredaesquerdaparaadireita,publicadoemCoimbranomesmoano,sobopseudónimodeHumsilfer,ededicadoaAlmadaNegreiros,éumaparódiadomanifestodeLevitaedoCoimbra manifesto 1925,oquemostraqueeramsituadosnumalinhadecontinuidade19.Oseuautorserá,noentenderdequemescreve,HumbertodaSilveiraPinto,estudantedeDireitoecolegadeAntóniodeNavarro,queneleéreferido.

AimportânciadomovimentofuturistadeCoimbra,paraahistóriadaliteraturaportuguesadoséculoXX,prende-secomacriaçãodarevistaPresença.Tratou-se,naverdade,dotrampolim que permitiu ultrapassar um impasse, àquelenúcleodeintelectuaisqueprocuravaoutrorumo,masquecareciadeumaforçacanalizadora.Constitui,porisso,umprecedentefundamentaldaPresença.Éemfunçãodoímpetopropulsordessegrupodevanguardaquemelhor sepode

19 Fez-lheumafugazreferência,M.Maiani,Aspectos do futurismo na obra de Fernando Pessoa, tesi di laurea,Università degli Studi diVenezia, Facoltà diLingueeLetteratureStraniere,1991-1992,p.45.

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compreender como, da revistaByzancio, uma publicaçãoligada ao simbolismo e aodecadentismo, eTriptico,maisviradaparaaculturaeuropeiaeparaasartes,sepassaaumainiciativaeditorialcomaaberturainternacionaleolastroartísticodaPresença.

Estepanorama,desenhadoatraçoslargos,dáumaimagemmuitováriaearticuladadoFuturismo/sportuguês.Foramapresentadososseuspontosnodais,mastantosoutroshave-ria,eventualmente,aacrescentar.Mereceriaminvestigaçõesespecíficas,querecuperassemmateriaisquejazemesqueci-dosemarquivospúblicosouemfundosdeparticulares,sobriscodeextravio.

Doquadroaquiexposto,resulta,noseuconjunto,umamalhaabrangente,quedeÍlhavoseestendeàÍndiacolonialportuguesa, passandopelosAçores. Se asmodalidadesderecepçãodoFuturismoserevelambastantediversificadas,articulaçõesdesubstratoehorizontesdeactuaçãoconferemumasignificativavariedadeaosseusresultados.Osmateriaiscoligidosdizemrespeitoaojornalismo,aocomentáriocrí-tico,aoenunciadoprogramático,àcriaçãopoética,àperfor-mance,aoplanodoscostumes,aografismoouàsartes-plás-ticas.OFuturismoéaplataformaapartirdaqualseexprimemaspirações identitárias, reservas evolucionistas ou grandesprojectosculturais,comoéocasodaPresença,numamulti-plicidadedefacetasquerevelabemopotencialdeirradiaçãodomovimentodeMarinetti.