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Giro Dervixe Mevlevi
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANASv>'XPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
ENTRE O CAMELO E O LEO: A DIALTICA DO GIRO DERVIXE
Uma Etnografia do Sama - a Dana Girante dos Dervixes da Ordem Sufi Mevlevi
GISELLE GUILHON ANTUNES CAMARGO
FLORIANPOLIS SANTA CATARINA - BRASIL
SETEMBRO -1997
ENTRE O CAMELO E O LEO: A DIALTICA DO GIRO DERVIXE. UM A ETNOGRAFIA DO SAM A - A DANA GIRANTE DOS DERVIXES DA ORDEM SUFI MEVELEVI.
GISELLE GUILHON ANTUNES CAMARGO
Esta Dissertao foi julgada e aprovada em sua forma final para obteno do ttulo de MESTRE EM HISTRIA DO BRASIL
BANCAEXAM INADO RA
Prof. Dr. Fernando Dias de vila Pires (Orientador)
Prof. Dr. Artur Csar Isaia
At aiHjJcAoProfApr. Joj Jorge Carvalho (U N B )
Prof. Dr. lio Cantalcio Serpa (Suplente)
Florianpolis, 12 de setembro de 1997
ENTRE O CAMELO E O LEO: A DIALTICA DO GIRO DERVIXE
Ao meu av (in memorium), por ter me ensinado a perseverar.
AGRADECIMENTOS
Eu gostaria de agradecer primeiramente ao meu orientador Fernando Dias de vila Pires,
por ter acreditado nesse trabalho e incentivado minha ida Turquia;
Aos professores do Curso de Ps-Graduao em Antropologia Social da UFSC, por terem
contribudo para a minha formao de pesquisadora, e me iniciado na prtica do trabalho de
campo antropolgico, especialmente os antroplogos Slvio Coelho dos Santos, Rafael Jos de
Menezes Bastos, Miriam Pillar Grossi e Elsje Maria Lagrou;
Ao Programa de Ps-Graduao em Histria por ter aceito minha transferncia do
mestrado em Antropologia, bem como meu projeto de pesquisa;
s queridas me e av, por sempre respeitarem as minhas escolhas pessoais, mesmo as
mais radicais;
Sou muitssimo grata aos amigos Mara Loureiro, Maria da Graa Pontes, Cleusa Ramos,
Oswaldo Miqueluzzi, Virgo e Mariza Miqueluzzi, Juclia e Janete Corra, Maurcio Muller,
Cristina du Pasquier, Eliane de Jesus, Joo Kracik Jr., Omar Sabbag Filho, Flvio Alarsa, Samuel
Napolitano, Norton Carneiro, Marina Moros, Maria Jos dos Santos, Edmundo Agorio, kleber
Rosa, dentre outros, por terem me acompanhado, cada um a seu modo, nessa caravana;
Agradeo a incrvel hospitalidade daqueles que me receberam na Turquia, especialmente
Misbah Erkmenkul, Yasar Guvenc, Rahmi Guvenc, Meryem e Hanefi Kirgiz, Ender Karaca,
Nazan karaca, Fatima e Talip Karaca, Mustafa Bas, Asim Kaplan, Husseyin Kaplan, Muzafer
Kaplan, Mustafa Diken, Abdurrahmann Evin, Nail Kesova e Suleyman Erguner.
Finalmente aos amigos da Karavan de Konya e ao departamento de msica da
Universidade Seljuk de Konya, que me forneceu um material muito raro sobre msica sufi, bem
como algumas partituras de Msica Turca Clssica.
Vieste apenas contemplar o nascer do e te deparas conosco girando como tomos em profuso, quem teria tanta sorte?
Rumi
RESUMO
Esta dissertao uma pesquisa etnogrfica do Sama, a dana girante inspirada
pelo poeta persa Jalaluddin Rumi, em Konya (Turquia), no sculo XIII. uma
descrio densa do ritual, com suas pertinncias etno-coreo-musicolgicas.
Tomando como ponto de partida a Antropologia e a Histria optei por uma abordagem
interdisciplinar, dialogando com a Filosofia, a Poesia, a Dana e a Etnomusicologia. A
interpretap envolvida consistiu em salvar o dito sob formas pesquisveis, fixando-
o, assim, no quadro geral de prticas mstico-filosfcas , tanto orientais quanto
ocidentais.
ABSTRACT
This thesis is an ethnographic research of Sama, The gyrating dance inspired
by the Persian poet Jalaluddin Rumi, in Konya (Turkey), in the 13th century. It
includes a dense descriptionof that ritual, with its ethno-coreo-musicological
relevance. Taking Anthropology and History as the starting point, this study provides
an interdisciplinary approach including Philosophy, Poetry, Dance and
Ethnomusicoly. The interpretation involved consisted of preserving discourseunder
researchable forms, thereby placing it in the general framework of both eastern and
western mystical-philosophical practices.
SUMRIO
APRESENTAO ________;______________________ _________________________
ENTRE UM GIRO E OUTRO: UMA INTRODUO //
I. DE UMA CINCIA DA HISTRIA PARA UMA HISTRIA DA CINCIA:OS SUFIS.____________________________________________________________________
II. ENTRE O VISVEL (RUMI) E O INVISVEL (SHAMS): UM ENCONTRO DE MESTRES____________________________________________________________________
III. ENTRE AS CINCIAS HUMANAS E AS ARTES: EM BUSCA DE UMA TEORIA DO SAM A___________________________________________________________
1. ENTRE A ARTE E O PENSAMENTO: UM REFERENCIAL POTICO- TERICO______________________________________________________________
2. ENTRE A ANTROPOLOGIA E A HISTRIA: UMA METODOLOGIA DIALTICA____________________________________________________________
3. ENTRE A PERFORMANCE E O RITUAL: UM REFERENCIAL ETNOLGICO PARA A ANLISE DO SAM A_____________________________________
4. ENTRE A ETNOMUSICOLOGIA E A MUSICOLOGIA CULTURAL: ALGUMAS TRILHAS A SEGUIR NO DESERTO__________________________
IV. ENTRE O CAMELO E O LEO: A DIALTICA DO GIRO DERVIXE__________
V. ENTRE O ESTTICO E O EXTTICO: PARA ALM DE UM PENSAMENTO SEM CORPO E DE UM CORPO SEM ALMA____________________________________
V. CONCLUSO_______________________________ ______________________________
ANEXO:
AS ORDENS DE DERVIXES DA TURQUIA: FRAGMENTOS DE UM DIRIO DE CAMPO
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
dia, le\anta! tomos danam, as almas, perdidas em xtase, danam, a abboda celeste, por causa desse Ser, dana, ao ouvido eu te direi para onde o leva a sua dana. Todos os tomos que esto no ar ou no deserto, saiba que esto enamorados como ns, e que cada tomo, feliz ou infeliz, est atordoado pelo sol da Alma no-condicionada.
Rumi
7APRESENTAO
A presente dissertao tem como inteno primeira um estudo preliminar do Sama, a
dana girante dos dervixes' da Ordem sufi2 Mevlevi, criada pelo poeta persa Jalaluddin Rumi, em
Konya (Turquia), no sculo XIII.
A vontade de estudar o Sama comeou a germinar quando vi pela primeira vez a imagem
de um dervixe girando. Foi numa revista que eu folheava distraidamente numa pequena livraria de
Londres, em 1993. Dias depois, enquanto caminhava com uma amiga no Richmond Park,
conversando sobre os nossos destinos profissionais, tive uma estranha certeza: iria retomar ao
Brasil para estudar o Sama... Na Turquia.
Havia, naquela poca, uma situao sincronicamente relacionada com esta deciso: em
Londres eu tomara conscincia, uma vez mais, de um desejo antigo: estudar a msica e a dana
dos povos do Oriente. A dana eu tentava efetivamente resgatar trabalhando para uma companhia
que mesclava dana contempornea com dana clssica indiana.
Alm disso, j vinha eu me interessando, desde 1990, pelo estudo do Sufismo e suas
prticas, o que, de certo modo, facilitou a minha aproximao do objeto em questo.
Em 1994 entrei para o mestrado de Antropologia Social desta universidade com um
projeto que propunha a continuao de um trabalho iniciado por mim em 1991: o estudo da
msica dos ndios Guarani de Ibirama (SC), que foi tambm tema do meu Trabalho de Concluso
de Curso em Cincias Sociais, em 1992.
No decorrer do mestrado, aps ter cumprido a maioria dos crditos, o desejo de estudar o
Sama voltou com fora total. Traindo o projeto indgena, fiz um outro, voltado para a
compreenso desse ritual turco-balcnico que tanto me suscitava reflexes sobre a cincia
contempornea, as artes e a filosofia.
Esta mudana de direo implicou tambm na minha transferncia, em 1995, para o
mestrado de Histria. Assim, revalidei os crditos cumpridos na Antropologia, fazendo mais
algumas disciplinas.
1 A palavra "dervixe" de origem persa e significa literalmente "algum que espera na porta". tambm associada ao estado de pobreza e simplicidade. No contexto sufi designa o "buscdor". uma traduo do rabe "sufi", palavra provavelmente mais antiga. Ver Textos Sufis. RJ: Edies Dervish, 1990.
A palavra "sufi" deriva do radical rabe suf que significa l. Os sufis vestiam l a fim de demonstrar sua rejeio luxria. Ver MATAR, N. I. Islam for Beqinners. NY: Writers and Readers Publishing, 1992:112.
Em 1996. entre os meses de maro e junho, viajei para a Turquia em busca dos Dervixes
Danantes, com a finalidade de realizar o campo.
Agora, entre as influncias diversas que tem este trabalho, influncias que comeam com a
minha formao em dana e yoga, a paixo pela msica, a graduao em Cincias Sociais, o
mestrado em .Antropologia Social, e, dentre outras, a tentativa de interface com a. Histria,
procuro um ponto de interseco que permita uma traduo do Sarna para a linguagem
acadmica. Na busca de um sistema de comunicao comum s vrias reas que por aqui
transitam, a inevitvel dissonncia interdisciplinar.
A dissertao formada de uma introduo, cinco captulos e um anexo:
A introduo antes um elogio ao giro e s prticas similares de dana e meditao do
que propriamente um referencial do que vem a ser o Sama. Tem como inteno colocar o leitor
em contato com o esprito do objeto, mais do que com o objeto ele prprio.
O captulo I pode ser considerado uma segunda introduo. E uma passada de olhos pela
Histria da Cincia, do ponto de vista da influncia que esta teve dos rabes sufis. No deixa de
ser tambm uma interface com o Sufismo. Aqui a inteno aproximar o leitor do contexto
histrico-cientfico-filosfico do qual Rumi, o criador do Sama, tambm fez parte. A sntese foi' 3feita com base no livro Uma Histria dos Povos Arabes, de Albert Hourani e no texto A
Sabedoria do Isl, de Jos Tadeu Arantes4.
O captulo II narrativo: conta os principais fatos da vida de Rumi, dentre os quais o seu
decisivo e clebre encontro com o mestre Shams de Tabriz. Me baseio aqui, principalmente, na5 6sntese de Jos Jorge de Carvalho e na traduo reduzida de Aflaki, ambas edies nacionais.
O captulo III narra algumas verses de como Rumi teria se inspirado para fazer o Sama,
e depois divide-se em quatro subcaptulos, onde se concentram os referenciais tericos desta
dissertao, com toda a interdisciplinaridade que lhe cabe.
O primeiro subcaptlulo, intitulado Entre a Arte e o Pensamento: um referencial potico-
terico, uma anlise introdutria do Tausto, de Goethe7 e do Zaratustra, de Nietzsche8. Os
dois filsofos alemes trouxeram a Arte (a poesia, a msica, a dana) para o texto, colocando-a
3 A HOURANI. Uma Histria dos Povos rabes. SP: Cia. Das Letras, 1994.4 J. T. ARANTES. A Sabedoria do Isl. Publicado em Globo Cincia nmero 29, 1993.5 J. J. de CARVALHO. Seleo, Traduo e Introduo dos Poemas Msticos - Divan de Shams de Tabriz de Jalaluddin Rumi. RJ: Edies Dervish, 1996.
AFLK. Os Sufis Voadores. Trechos extrados de Biografias dos Msticos (manqib ul-rifn), traduzido do Persa ao Francs por Clment Houart, sob o ttulo de "Les Saints des Derviches Tourneurs. RJ: Editorial Kashkul, 1995.7 J. W. von GOETHE. Fausto. Traduo de J. K. Segall. BH: Ed. Itatiaia, 1987.8 F. W. NIETZSCHE. Assim Falava Zaratustra. Traduo de J. M. de Souza. RJ: Ed. Tecnoprint, S/D.
em dilogo vigoroso com o Pensamento (a filosofia, a histria, a literatura). Espero que possam,
de alguma forma, cubrir o abismo criado pelas Cincias Humanas, que tanto dissociaram a Arte
do Pensamento, ampliando, assim, o campo para pensar o Sama.
O segundo subcaptulo, Entre a Antropologia e a Histria: uma metodologia dialtica
uma tentativa de interface entre as duas disciplinas, usando como ponto de ligao, dentre outros,
a viso histrico-filosfica de Walter Benjamin9.
O terceiro subcaptulo chama-se Entre a Performance e o Ritual: um referencial
etnolgico para a anlise do Sama. Aqui o Sama tratado como uma sequncia organizada de
etapas, como um Rito de Passagem. E essas sequncias, aparentemente invariveis, ganham
suporte terico na abordagem performtica de Tambiah10.
O quarto e ltimo subcaptulo, Entre a Etnomusicologia e a Musicologia: algumas trilhas
a seguir no deserto tem por finalidade re-inaugurar um caminho que vem sendo to
exaustivamente enfatizado tanto na Antropologia Cultural quanto na Musicologia Histrica, que
a importncia da msica no contexto social ao qual ela pertence. No a msica na cultura, mas a
msica como parte integrante, atuante e significante dela. (Infelizmente no podemos extrair sons
do texto! Este ser sempre uma metfora do contexto.) H aqui tambm uma calassificao dos
instrumentos musicais Mevlevi, e um resumo das partes do Sama.
O captulo IV, Entre o Camelo e o Leo: a Dialtica do Giro Dervixe, o centro de
gravidade deste trabalho. Nele est contida a etnografia do ritual, a descriso densa11 do Sama.
Aqui o discurso social fixado, tanto quanto possvel, atravs do relato minucioso do ritual12
(estrutura e simbolismos). O objetivo aqui possibilitar o dilogo entre ns e o mundo
conceituai no qual vivem os outros, os sujeitos ativos do discurso ritual. Este captulo
entrecortado por um segundo texto, que est propositalmente em itlico para diferenciar-se da
etnografia, com a qual vai dialogar. Aqui o leitor pode optar entre ler a descrio do ritual
somente, com as partituras para flauta ou ler o texto descritivo simultaneamente com o subtexto.
O captulo V, "Entre o Esttico e o Exttico, para alm de um pensamento sem corpo e de
um corpo sem alma, uma relativizao de conceitos como xtase, transe e possesso,
9 W. BENJAMIN. Sobre o Conceito de Histria. In: Obras Escolhidas. SP: Ed. Brasiliense, 1987. Alegorias, Imagens, Tableau. In: ARTEPENSAMENTO. SP: Companhia das Letras, 1994.10 TAMBIAH, S. J. A Performative Approach to Ritual. RJ: Editora Vozes, 1978.11 Ver GEERTZ, C. A Interpretao das Culturas. RJ: Zahar, 1978: 13-41. De acordo com Geertz, a descrio densa etnogrfica possui trs caractersticas: ela interpretativa; o que ela interpreta o fluxo do discurso social, e a interpretao envolvida consiste em salvar o dito num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fix-lo em formas pesquisveis.
Ritual aqui entendido diaieticamente, em oposio rotina; como um ciclo que se deseja marcar e revelar; como um fenmeno dotado de certos mecanismos recorrentes, e tambm de certo conjunto de significados. Ver A van Gennep. Os Ritos de Passagem. RJ: Editora Vozes, 1987.
10
necessrios para o estudo do Sama. A base terica aqui a abordagem sociolgica de Ioan
Lewis.13
Segue-se ento a Concluso, que mais um trilhar sobre algumas pistas histricas e
antropolgicas que possam nos levar a uma compreenso do Sufismo enquanto sistema prtico e
filosfico, tanto do Oriente quanto do Ocidente, do que propriamente uma concluso. Minha
inteno aqui, ao contrrio do que fiz na Etnografia, onde utilizei exaustivamente termos e
referncias prprios da escola Mevlevi, havendo pouco estranhamento, dar uma viso mais
distanciada, procurando estabelecer algumas fronteiras que nos permitam pensar o Sufismo como
um sistema singular de conhecimento, dentro do quadro geral de prticas mstico-filosfcas,
tanto orientais quanto, e principalmente ocidentais, trazendo sua discusso tambm para a
diversidade do contexto mstico-religioso-filosfico brasileiro.
A ltima parte um anexo: As Ordens de Dervixes da Turquia: fragmentos de um
dirio de campo. Tem por finalidade aproximar o leitor do campo vivido por mim na Turquia, de
modo que possa acompanhar a minha busca do objeto. Esse texto est repleto de imponderveis e
no tem compromisso com a chamada objetividade cientfica, embora esta permanea como pano
de fimdo. a revelao da subjetividade da pesquisadora em campo. No h neutralidade aqui.
H uma explcita intersubjetividade que pretende tirar a mscara hipcrita e imprecisa da pureza
cientfica. Nenhum pesquisador neutro no campo. Assim como nenhum campo permanece
inalterado com a presena de um observador. Se no h uma pr-disposio do observador para
criar empatia com as pessoas do contexto analisado, como pode ser possvel aprender o outro?
Como entender o que fazem ou sentem em determinado contexto? sempre necessrio um
mergulho, penso. E tambm uma boa dose de despojamento de idias pr-concebidas sobre o que
seja certo ou errado. (De qualquer maneira, nossos valores bsicos esto sempre presentes! Mas
l, no campo, eles precisam ser deixados um pouco de lado, se quisermos exercitar o
relativismo14 inerente s Cincias ditas Humanas.)
Gostaria de ter dialogado tambm com a Fsica. Sendo o ritual do Sama, dentre tantas
definies, tambm uma representao viva da sntese de contrrios contida em tudo que tem
forma e vida, a possibilidade de dialogar com a fsica contempornea e seu anti-determinismo
seria bastante frtil, ficando aqui em aberto.
13 Ver LEWIS, I. M. xtase Reliaioso Um Estudo Antropolgico da Possesso por Esprito e do Xamanismo. SP: Ed. Perspectiva, 1977.14 Ver DAMATTA, R. Relativizando - Uma introduo Antropologia Social. RJ: Rocco, 1987.
11
ENTRE UM GIRO E OUTRO: UMA INTRODUO
Toscana. Sculo XIII. So Francisco de Assis, enquanto caminha em companhia de seu
discpulo Irmo Maseo, ao chegar numa encruzilhada, percebe que esta se divide em trs
caminhos: um que leva a Florena, outro a Arezzo, e um terceiro a Siena. Maseo pergunta qual
dos trs caminhos devem tomar.
-O que quiser, diz So Francisco.
-E que caminho esse?
-Conhece-lo-emos por meio de um sinal. Ordeno-lhe, visto que voc me prometeu
obedincia, que gire sobre si mesmo, como fazem as crianas, at eu mandar parar.
O pobre Maseo ps-se a girar, at cair no cho de tontura. Depois se levantou e olhou
splice para o santo. Mas como esse no lhe disse nada, lembrando-se do voto de obedincia,
recomeou a girar com toda a fora. Continuou a girar e a cair, at lhe parecer que passara toda a
existncia girando. Ento, finalmente, ouviu as palavras bem vindas:
-Pre!, e diga-me para onde est voltado o seu rosto.
-Para Siena - arquejou Maseo, que sentia a terra rodopiar a sua volta.
-Nesse caso, vamos para Siena - disse So Francisco; e para Siena se dirigiram.15
Comeo com esta desconcertante histria de giros no casualmente, uma vez que So
Francisco de Assis viveu na mesma poca que o persa Jalaluddin Rumi, fundador da Ordem sufi
M evlevi ou Ordem dos Dervixes Danantes, cujo Sama, a dana girante caracterstica dessa
confraria o objeto central desta dissertao.
H uma sincronicidade interessante entre Francisco de Assis (nascido em 1182 e Rumi
(1207 - 1273), criador da Ordem Mevlevi: Francisco de Assis, embora fosse italiano, falava
provenal, a linguagem dos trovadores. Sua poesia se assemelha tanto, em certas partes, aos
poemas do poeta Rumi, que se poderia at pensar que houve algum tipo de vnculo entre os dois.
Em 1224, ou por volta desse ano, So Francisco comps o mais importante e
caracterstico de todos os seus cnticos: o Cntico dei Sol. Um fato curioso que Rumi,
considerado o maior poeta da Prsia, escreveu, tambm inmeros poemas dedicados ao sol, o sol
de Tabriz (cidade do norte da Prsia, onde teria nascido seu mais importante mestre :
Shamsuddin. O prprio nome Shams significa sol), e at chegou a dar a uma coleo de
poemas o ttulo de Coleo do Sol de Tabriz. Em sua poesia a palavra sol usada muitas e
15 Ver IDRIES SHAH. Os Sufis. RJ: Crculo do Livro, 1977: 256
12
muitas vezes. Coincidentemente, o Cntico dei Sol, de So Francisco de Assis, foi composto
depois de sua viagem ao Oriente.
Faltam-te ps para viajar?Viaja dentro de ti mesmo, e reflete, como a mina de rubis, os raios de sol para fora de ti.A viagem te conduzir a teu ser, transmutar teu p em ouro puro.Ainda que a gua salgada faa nascer mil espcies de frutos, abandona todo amargor e acridez e guia-te apenas pela doura.
o Sol de Tabriz que opera todos os milagres: Toda a rvore ganha beleza quando tocada pelo sol.
Rum i16
Mas, voltando ao giro, quem nunca girou? O giro to universal, que est presente em
tdas as culturas. As pessoas giram, consciente ou inconscientemente, numa espcie de imitao
cosmolgica, reproduzindo, assim, semelhanas 17, no jogo de espelhos do universo, onde tudo
gira: estrelas, planetas, sis, luas. A Terra gira ao redor do Sol e ao redor de si mesma; assim
fazem as crianas quando esto contentes.
Numa situao de controle, como o caso das escolas sufis e tambm de certas religies,
que usam o giro como tcnica especfica com determinada funo, o ato de girar parece ativar
faculdades especiais no ser humano. Umbandistas giram, xams em transe giram, e em todas as
formas de dana existem giros, piruetas, voltas. Basta lembrar da valsa.18
16 J. RUMI. Poemas Msticos - Divan de Shams de Tabriz. Seleo, Traduo e Introduo de Jos Jorge de carvalho. SP: Attar Editorial, 1996: 80, 81.17 Ver W. Benjamin. A doutrina das Semelhanas. In: Obras Escolhidas, v. I. SP: Brasiliense, 1985.18 A dana tradicional das bruxas, na Europa medieval, era identificada, ou pelo menos comparada, com duas formas de dana de origem oriental: a dos sarracenos, a valsa (que se supe oriunda da sia atravs dos Balcs, e a dikba, dana de roda do Oriente mdio, conhecida desde o Mediterrneo at o Golfo Prsico.
Convm notar que a palavra "bruxa", (em espanhol, "bruja"), vem da palavra rabe "mabrush", que quer dizer folies, "marcados na pele", embriagados pelo estramnio", cujo radical rabe "brsh". (Cf. IDRIES SHAH. Os Sufis. RJ: Crculo do Livro, 1977: 234-235)
13
No momento do giro, a pessoa que o executa como que desaparece, no sentido que
Nachmanovitch19 usa o termo:
Quando mente e sentidos ficam por um momento inteiramente presos na experincia nada mais existe. Quando desaparecemos dessa maneira, tudo nossa volta se torna uma surpresa nova e fresca. O ser e o ambiente se unem. Ateno e intuio se fundem. Como na brincadeira infantil, onde a criana se absorve inteiramente, e numa tal concentrao, que tanto ela como o mundo se esvanecem, restando apenas a brincadeira.
Quando a nica coisa que importa a dana, e no o danarino, quando nos tomamos
aquilo que estamos fazendo, nossas necessidades fsicas diminuem e o tempo pra. como se
estivssemos manuseando um instrumento; o corpo que dana o prprio instrumento, e a
medida que o afinamos, afinamos tambm o esprito.
um estado que ao mesmo tempo de transe e alerta, quando somos capazes de perceber
nossa prpria voz interior, apurando nossa percepo intuitiva. Segundo Nachmanovitch, nesse
momento que o substantivo ser se toma verbo, e desse fulgor de criao, no momento
presente, que o trabalho e o prazer emergem.
De acordo ainda com este autor, os sufis chamam esse estado de fana, a anulao do ser
individual.
No fana, as caractersticas do pequeno ser se dissolvem para que o grande Ser possa se revelar. Graas a esse poder transpessoal, os artistas, embora usem o idioma de sua terra e de sua poca, so capazes de falar diretamente ao corao de cada um de ns, transcendendo as 7< barreiras do tempo, do espao e da cultura. 20
Uma experincia semelhante o Sama (a dana girante) dos dervixes (sufis) danantes,
que significa danar em xtase. Nesse estado, corpo e mente esto to intensamente ocupados na
atividade, as ondas cerebrais esto to sintonizadas com o ritmo da dana, que o se lf normal se
anula e a mente atinge um estado de ampliao de conscincia.21
Desta forma, os dervixes, atravs dos movimentos giratrios do Sama, buscam entrar em
comunho com o universo manifestado e com a sua origem divina. Nesse sentido, so diferentes
dos yogues da ndia, os quais, por intermdio de posturas corporais mais extticas, onde a
permanncia na posio (sana) mxima e a repetio mnima, e de prticas respiratrias e
19 E. NACHMANOVITCH. Ser Criativo - O Poder da improvisao na Vida e na Arte. Summers ^ Editorial, 1993: 57. ^20 Idem. pp. 58.21 Idem. pp. 58.
14
meditativas, almejam alcanar um nvel de conscincia superior que os harmonize com a energia
vital (prana) em estado no-manifestado.
O Sama na verdade uma forma de meditao dinmica. Com seus rodopios
embriagantes, ele procura colocar o danarino em harmonia com o movimento dos astros e do
cosmos, produzindo nele um a forma de transe ou xtase mstico. Os dervixes acreditam que no
contemplando, mas sim participando do rodopio dos cus que se pode atingir uma completa unio
com a divindade. Encontramos atividades anlogas na tradio afro-brasileira do candombl e da
umbanda, que, assim como os dervixes, tambm giram. Porm h uma diferena substancial entre
as duas tradies: apesar de ambas considerarem o giro, acompanhado de msica e canto, uma
forma eficaz de orao e meditao, somente na umbanda e no candombl h incorporao; no
Sufismo no h.
Sabe-se que Rumi costumava projetar seus mtodos atravs de canais artsticos. A msica,
a dana e a poesia sempre foram cultivadas e usadas nos encontros dos dervixes, de modo que o
Sama foi tambm incorporado a esse conjunto de prticas.
Os movimentos corporais e os exerccios mentais, bem como a respirao ritmada dos
dervixes danantes, associados msica da flauta pastoril na qual so executados, so o produto
de um mtodo especial destinado a colocar o discpulo em afinidade com a corrente mstica.22
Alm desses exerccios, Rumi usava em seu sistema de ensino a explicao, o treinamento mental,
a reflexo, a meditao, o trabalho, o jogo e exerccios de ao e inao, todos destinados a abrir
a mente ao reconhecimento de seu potencial maior.
De acordo com Idries Shah23, mestre sufi e ex-antroplogo, Rumi organizou suas danas
de acordo com o que considerava a melhor maneira de desenvolver nos discpulos as experincias
sufistas:
Isso fo i feito, como revelam antigos documentos, em harmonia com a mentalidade e o temperamento da gente de Konya (Turquia). Imitadores tentaram exportar o sistema para fora
dessa rea cultural, mas disso resultou que eles s ficaram com uma pantomima, e o efeito original dos movimentos desapareceu.
Segundo Idries Shah, aconteceu com Rumi o que acontece com todos os mestres sufis, a
mensagem parcialmente preparada em resposta ao meio em que ele trabalha:
consta que Rumi introduziu danas e movimentos giratrios entre os discpulos em
22 Ver I.SHAH. Os sufis RJ: Crculo do Livro, 1988:144,145.23 Idem. pp. 318.
15
virtude do temperamento jleumtico das pessoas no meio das quais se viu atirado. A chamada variao de doutrina ou de ao prescrita pelos vrios professores sufistas nada mais , na realidade, do que a aplicao dessa regra. 24
So mtodos geradores de xtase - exemplo fenomenal do mtodo dispersivo por meio do
qual se constri uma imagem por impacto mltiplo para infundir na mente uma determinada
mensagem. Outros exemplos dessa tcnica so as piadas, as fbulas e os contos sufis, que por
meio de uma linguagem aparentemente absurda e irreal tentam comunicar rea necessria da
mente o evento superior. Para ilustrar o mtodo, apresento, a seguir uma histria de mestre
Nasrudin (mais lendrio que histrico), que viveu tambm no sculo XIII, e ensinou atravs do
humor:
Nasrudin decidiu que poderia beneficiar-se com o aprendizado de algo novo, e procurou um professor de msica:
- Quanto cobra para ensinar alade?- Trs moedas de prata no primeiro ms, e dai em diante uma moeda de prata por ms.- timo! Comearei pelo segundo ms.>f2s
As histrias de humor, no ensinamento sufi, tem por finalidade quebrar o pensamento
condicionado do discpulo, levando-o a um nvel mais apurado de percepo da realidade.
As histrias-ensinamento, assim como certos movimentos rtmicos e arrtmicos chamados
dana, so usadas em muitas ordens, sempre em resposta s necessidades dos indivduos e do
grupo, com a finalidade de alcanar um estado de conscincia maior.
Tcnicas diversas de dana e meditao foram elaboradas por diferentes culturas para
alcanar esse estado. Umas de carter mais apolneo, como a filosofia Zen-budista (devocionais),
outras de carter mais dionisaco, como o Sufismo (mais prticas): essas tradies e prticas,
assim como o namoro e a brincadeira, so maneiras de esvaziar o self e desaparecer.
Segundo Idries Shah, os movimentos corporais sufistas nunca podero ser estereotipados,
e no constituem o que em qualquer outra parte se chama propriamente de dana, calistenia, etc.
O emprego de movimentos obedece a um modelo baseado em descobrimentos e conhecimentos
que s podem ser aplicados pelo mestre de uma ordem de dervixes.
O movimento giratrio contnuo que caracteriza os rodopios do Sama, conforme j o
concluram diversos autores, no , em sua projeo mental, o estabelecimento de crculos
concntricos. Seu sentido aquele de uma espiral ascendente, que o dervixe percorre em sua
24 Idem. pp. 307.25 Histrias de Nasrudin. Traduo de Henrique Cukierman e Mnica Udler Cromberg. RJ: Edies
16
caminhada para o infinito. A dana vai num crescendo at chegar a um pice em que todos os
dervixes rodopiam freneticamente. Nesse ponto a msica cessa, mas os danarmos, em seu estado
de xtase, continuam voltas silenciosas. a que o som de uma flauta solitria comea a traz-
los pouco a pouco de volta realidade.
Atualmente, um Sama dura em tomo de 50 minutos. Mas, segundo diversas fontes, diz-se
que, no passado, o recolhimento nessa atividade poderia durar vrios dias. Os dervixes voltavam
por eles mesmos ao estado de conscincia normal, aps ter atingido outros nveis mais amplos de
conscincia.
Do ponto de vista sufi, a experincia fsica e a experincia espiritual no so antagnicas:
uma deve ser o reflexo da outra, e ambas devem se sustentar mutuamente. O fato de a dana fazer
parte do imenso acervo de tcnicas meditativas usadas pelos dervixes no casual: atravs da xL
dana que o buscador atinge a percepo superior e a comunho com o esprito divino. pela
dana que ele mergulha no movimento universal, integra-se harmoniosamente nele e alcana a
conscincia desse movimento.
Desta forma, o Sama, bem como outras tcnicas sufs fsicas e mentais, tem por finalidade
despertar no ser humano certas faculdades especiais, com a inteno de chegar a uma
percepo apurada de uma energia que os sufis chamam de baraka (beleza impalpvel, graa):
Na forma ou na aparncia de uma coisa a qualidade do amor comum. Quando este se transforma em amor profundo (especial), transmuta-se para ver a essncia, e no a forma. O efeito do amor mostra-se no contraste entre o amor que embeleza a existncia ( amor comum) e o amor que refina (amor especial) 26
Para falarmos de baraka precisamos relativizar o conceito de energia, uma categoria
que nos tempos atuais, principalmente nos meios altmativos, tomou-se to comum: substrato
material e espiritual da vida; substncia-movimento que produz e modifica, como fonte27autnoma, seres e estados.
28A antroploga Vitria Peres de Oliveira , que estudou um grupo sufi do Brasil, afirma
que no Sufismo o conceito de baraka vai mais alm do que o conceito de energia, conforme o
entendido na Cultura Alternativa, pois a baraka no a energia como um todo, isto , algo
Dervish, 1994: 52.26 Ver IDRIES SHAH. Os Sufis. RJ: Crculo do Livro, 1988: 307.27 Ver L. E. SOARES. Religioso por natureza: cultura alternativa e misticismo ecolgico no Brasil.In: Landim, L. org. - Sinais dos Tempos - Tradies Religiosas no Brasil - RJ: ISER 22,1989:125-131.28 V. P. de OLIVEIRA. O Caminho do silncio - Um estudo de Grupo sufi. Campinas: Unicamp,1991.
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especial, que pode ser descrita como um tipo de energia e que se encontra no em todos ou em
tudo, mas em algumas pessoas, alguns objetos, alguns lugares especiais. Sobre esse conceito na
Cultura Sufi, diz Oliveira:
No Sufismo no se fa la em energia como categoria geral, mas se fa la em tipos de energia, qualidades de energia, em ser capaz de captar tipos sutis e diferentes de energia, em sintonizar com determinado tipo de energia. Segundo se diz o ser humano um captador e emissor de energias. Aqui se entendendo captar e emitir, por exemplo como um rdio o faz,
>'29emitindo ondas eletromagnticas.
Os dervixes danantes, sujeitos histricos desta dissertao, esto vinculados Ordem sufi
M evlevi, escola sufi criada por Rumi, no sculo XIII. Esses dervixes buscam o conhecimento
intuitivo, em parte, por uma forma peculiar de girar sobre si mesmos sob a direo de um mestre.
ao redor deste centro de gravidade que este trabalho pretende se mover.
Danar no flutuar sem esforo como um gro de areia soprado pelo vento.danar elevar-se acima do mundo, despedaar o corao e desistir da prpria alma.Danar partir-se em mil pedaos e abandonar totalmente as paixes mundanas.Verdadeiros homens danam e rodopiam num campo de batalha;danam em seu prprio sangue. /Quando renunciam a si mesmos, eles batem palmas;Quando deixam para trs as imperfeies do ser, eles danam.Seus menestris tocam msica interior;e oceanos de paixo se rompem em espuma na crista das ondas.
1991.29 Idem. pp. 35.30 J. RUMI. in E. NACHMANOVITCH. Ser Criativo - O Poder da Improvisao na Vida e na Arte.Summers Editorial: 1993.
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I. DE UMA CINCIA DA HISTRIA PARA UMA HISTRIA DA CINCIA: OS SUFIS
Os sufis, tambm chamados de dervixes, so membros de uma antiqussima confraria
mstica e intelectual cujas origens nunca foram traadas nem datadas, mas a quem os povos do
Oriente devem suas maiores realizaes no campo da mstica, da filosofia, das cincias e das
artes.'1 '
A literatura sufi encontra-se amplamente dispersa, desde pelo menos o segundo milnio
a.C., mas pode-se identificar historicamente, atravs de vrios registros, o seu impacto sobre a
civilizao a partir do sculo VIII da Era Crist, quando, na antiga Prsia, passou a existir como
escola de dervixes. Esse impacto estendeu-se at o sculo XVIII, embora sua atuao mais
visvel tivesse ocorrido nos sculos XI, XII e XIII da Idade Medieval.
Os primeiros msticos sufis procuraram ensinar, escrevendo contos e versos que pudessem
devolver ao homem o conhecimento esotrico que as religies estabelecidas j no podiam
oferecer.
Sua filosofia e suas tcnicas eram de carter secreto, mas seus grandes feitos imprimiram
marcas profundas na histria da humanidade. Seus pensadores enfrentaram a constante oposio
de figuras do establishment durante suas vidas, bem como da ortodoxia islmica, sofrendo,
assim, grandes perseguies. No entanto, os notveis xitos alcanados pela cincia islmica
foram realizados pelos sufis, e em campos bastante diversos como a Matemtica, a Astronomia, a
Fsica, a Qumica, a Medicina, a Geografia, a Histria e a Lingustica. Os exemplos so inmeros:
Jabir, um dos maiores mestres da alquimia islmica, que viveu no sculo VIII, foi autor de
uma obra imensa, onde descreveu com perfeio as principais operaes qumicas, como
destilao, sublimao e cristalizao. A qumica moderna deve muito aos seus ensinamentos, e
tanto os alquimistas do Oriente quanto os do Ocidente o consideram, ao lado de Hermes
Trimegisto'2 e de Jafar Sadiq, o sufi, um iniciado de sua arte.
31 Ver ALBERT HOURANI. Uma Histria dos Povos rabes. SP, Companhia das Letras, 1994.32 Hermes Trimegisto, conhecido dos rabes como Idries, juntamente com Jabir (Geber), o suposto criador da Alquimia ocidental, cuja tradio estudaram clebres professores: Mary (o hebreu), Demcrito (da Grcia), Morieno (de Roma), Avicena (da Arbia), Alberto, o Grande (da Alemanha), Arnold de Villaneuve (da Frana), Toms de Aquino (da Itlia), Raimundo Llio (da Espanha), Roger Bacon (da Inglaterra), Melquior Cibiense (da Hungria), e Antnio Sarmata (da Polnia).
No entanto, embora seja a tradio que conhecemos, a alquimia j era praticada anteriormente por outros povos. Por exemplo, a China do sculo V a.C. j possuia refinadas idias de alquimia, presentes nos ensinamentos do sbio chins Lao-Ts, fundador do Taosmo, e nascido provavelmente em 604 a.C. A "teoria do elixir", preparao ou mtodo que confere imortalidade, tambm encontrada nos filsofos da china ligados Alquimia, assim como no "Atharva Veda" hindu, cuja data anterior ao ano 1000 a.C.
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Das tradues para o latim, muito se perdeu da assonncia que tinham as obras sufistas,
mas sua interpretao continuou (em proveito dos no-rabes), nos livros escritos em lngua
persa, como A Alquimia da Felicidade, do sculo XI, de Al-Ghazali, o fiandeiro33, que
relacionou os estados de felicidade e realizao a um processo de transmutao alqumica da
mente humana. As idias de Al-Ghazali influenciaram So Toms de Aquino e So Francisco de
Assis. Al-Ghazali dizia que o Deus dos filsofos no era o Deus do Alcoro, falando a cada
homem, julgando-o e amando-o. Em sua opinio, as concluses que o intelecto discursivo podia
alcanar, sem orientao de fora, eram incompatveis com as reveladas humanidade por
intermdio dos profetas.
O matemtico rabe Al-Khwarizmi, do sculo IX (800-847), de cujo nome deriva a
palavra algarismo, foi o introdutor, no pensamento islmico, dos algarismos indianos, que ns
conhecemos erroneamente como arbicos, alm de ter sido autor de vrias tcnicas para
resoluo de equaes algbricas. Com ele as tradies gregas, iranianas e indianas foram
reunidas.
Al-Kindi, tambm do sculo IX (801-866), considerado o pensador com quem
praticamente comea a histria da filosofia islmica, fazendo suas idias chegarem ao pensamento
ocidental. Influenciado pelo filsofo grego Plotino, representante mximo do neo-platonismo, ele
foi o primeiro a defender a propagao retilnea da luz, a extenso infinita do universo e a
estabelecer uma relao entre os efeitos qualitativos dos remdios e sua composio quantitativa.
Al-farabi (872-950), mstico, filsofo, matemtico e mdico, e Averris (1126-1198),
filsofo, foram dois dos maiores comentadores rabes da obra de Aristteles, que exerceram
enorme influncia tanto no Isl como no pensamento cristo medieval, de onde se originaram
muitos dos princpios do pensamento ocidental. Al-Farabi acreditava que o filsofo podia alcanar
a verdade por meio da razo, e viver por ela, mas que nem todos os seres humanos eram filsofos
e capazes de apreender diretamente a verdade. Implcita nessas idias estava a sugesto de que a
filosofia em sua forma pura no era para todos. Averris tratou especificamente do que parecia a
Ghazali ser a contradio entre a revelao por meio dos profetas e as concluses dos filsofos.
Segundo ele, nem todas as palavras do Alcoro deviam ser tomadas ao p da letra Quando o
ano 1000 a.C.33 Al-Ghazali conciliou a sabedoria cornica com a filosofia racionalista, o que lhe valeu o ttulo de "Prova do Islamismo". Os sufis muulmanos tiveram a sorte de proteger-se das acusaes de heresia, vindas, principalmente, dos religiosos islamitas, graas aos esforos de Ghazali, conhecido na Europa por Al-Gazel, que se tomou uma das mais altas autoridades filosficas do mundo muulmano. Ghazali defendeu o emprego especial da msica para elevar as percepes em seu "Ibya", e a msica empregada dessa maneira nas ordens de dervixes Mevlevi e Chisti. A melodia conhecida no ocidente por "Bolero de Ravel" , na verdade, uma adaptao de uma dessas peas especialmente compostas.
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sentido literal dos versculos cornicos parecia contradizer as verdades a que chegavam os
filsofos pelo exerccio da razo, esses versculos precisavam ser interpretados metaforicamente.'4
Na rea da matemtica e da astronomia, no se pode deixar de mencionar Al-Battani (877-
929), que fez correes fundamentais no clebre tratado astronmico Almagesto, do grego
Ptolomeu. Ele tambm lanou as bases da moderna trigonometria, substituindo o sistema grego
de cordas de ngulos pelas noes de seno e co-seno. Nessa mesma rea, pode-se citar ainda AJ-
Sufi, que com base nos estudos gregos de Hiparco e Ptolomeu, elaborou um interessante tratado
sobre as estrelas fixas que serviu de mola para a astronomia posterior.
Na fsica, no campo das teorias clssicas, preciso lembrar da contribuio de lbni al-
Haytham (965-1039), conhecido no Ocidente como Alhazem. Considerado o maior fsico do Isl,
ele deu grande impulso ptica, ao estabelecer o conceito de raio luminoso e negar a propagao
instantnea da luz. Formulou tambm as leis sobre a reflexo e a refrao da luz utilizadas mais
tarde por Ren Descartes e Johannes Kepler.
De todos os pensadores rabes, o mais conhecido, na rea da filosofia, Avicena, ou Ibn
Sina. Ele viveu entre 980 e 1037, e se dedicou a quase todos os ramos do saber, notificando-se
pela vasta enciclopdia de medicina que escreveu - uma obra chamada Canon, que durante seis
sculos foi a bblia dos estudiosos ocidentais. E h dezenas de outros:
Al-Biruni, filsofo, matemtico, astrnomo, fsico, gegrafo, historiador e poeta, que
calculou com incrvel preciso o raio do globo terrestre. Sua famosa obra Tahqiq ma lil-Hind
(Histria da ndia) considerada a tentativa mais sria de um escritor muulmano de ir alm do
mundo islmico. A observou que as crenas dos hindus eram semelhantes s dos gregos: tambm
entre eles a gente comum adorava dolos, nos dias de ignorncia antes do advento do
Cristianismo, mas que os educados tinham opinies semelhantes s dos hindus.
Ibn-Arabi (1165-1240), o filsofo mais profundo do Isl, que antecipou em sete sculos a
teoria dos arqutipos, desenvolvida depois pelo psiclogo suo Cari Gustav Jung, cuja teoria do
inconsciente coletivo teria tambm sua fonte de inspirao na obra do espanhol Ibn Rushd
Averris (1126-1198). Era um rabe de Andaluzia cujo pai era amigo de Averris, tendo vivido
tambm no Magreb, no sultanato seljcida de Anatlia e em Damasco, onde parece ter tido um
encontro com Rumi. Em sua obra al-Futuhat al-makkyya ( As Revelaes de Meca), ele tentou
expressar uma viso do universo como um fluxo interminvel de existncia que sai do Ser Divino
e retorna a ele: um fluxo cujo smbolo primrio era o da Luz. Esse processo podia ser encarado,
num de seus aspectos, como um transbordamento do amor de Deus, o desejo do Ser necessrio
34 Ver ALBERT HOURANI. Uma Histria dos Povos rabes. SP: Companhia das Letras, 1994: 184.
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de conhecer-se vendo Seu Ser refletido em si mesmo. Entre os sufis, sua obra sempre teve um
lugar de destaque, assim como a de Al-Ghazali.
Ibn-Batuta, viajante incansvel, cujos dirios constituem exelente fonte documental, e Ibn-
Khaldun (1332-1406), literato e jurista que definiu a Histria como cincia independente e foi
autor de uma importante Histria Universal. Ibn-Khaldun viveu em Sevilha, Granada, Tnis e
no Cairo, onde morreu. Sob a influncia dos gregos, este filsofo encarava a interpretao de
sonhos como uma das cincias religiosas: quando as percepes sensrias comuns eram afastadas
pelo sono, a alma tinha um vislumbre de sua prpria realidade; libertada do corpo, recebia
percepes de seu prprio mundo, e depois disso retornava ao corpo com elas; passava a
percepo para a imaginao, que formava as imagens apropriadas, que a pessoa adormecida
percebia como atravs dos sentidos.
Isso sem falar do grande mstico e poeta sufi Omar Khayyam'5, que tambm foi
matemtico e astrnomo, famoso por sua obra potica Rubaiyat, e por ter proposto uma
soluo parcial para as equaes de terceiro grau. dele o poema abaixo:
Quer seja na cela,no mosteiro, ou na sinagoga,alguns temem o inferno, outros cobiam o cu.Mas aquele que tem o conhecimento dos segredos de Deus no introduz tais pensamentos em seu corao.>y16
Enfim, so muitos os sufis e as Ordens sufis que atuaram aberta ou ocultamente, em
diversos momentos histricos e contextos religiosos. Sempre adaptada ao tempo, ao lugar e s
pessoas, sua sabedoria assumiu formas muito variadas. E, numa extensa cadeia de mestres, eles,
os sufis, incluem os nomes dos filsofos gregos Pitgoras e Plotino, e do profeta Elias.
Sinais da sabedoria sufi so encontrados em toda parte. O Domo do Rochedo, por
exemplo, obra de arquitetos sufis. Construdo no final do sculo VII, e guardado pelos
cavaleiros templrios (uma das ordens de cruzados), na poca das Cruzadas, ele ainda domina,
com sua cpula dourada, o cenrio da cidade velha de Jerusalm. Importantes tradies religiosas,
como o sacrifcio de Abrao, o templo de Salomo e a ascenso de Maom, esto associadas ao
local onde o Domo foi erguido. E sua planta de base octogonal resulta de numerosas
especulaes msticas sobre os nmeros e as figuras geomtricas. Nada nela fortuito. Os
menores detalhes esto impregnados de valor simblico. Esse mesmo esprito est no s nas
35 O. KHAYYAM. Rubavvat. Buenos Aires: Ed. Dervish International, 1989.36 O KHAYYAM. In: Idries Shah. El camino dei Sufi. Buenos Aires: Ed. Paidos, 1974.
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obras arquitetnicas e artsticas, mas na natureza inteira, concebida pelo sufi como manifestao
visvel de uma realidade transcendente.
Da mesma forma, a expresso de um fato fsico, como as esferas concntricas em tomo da
Terra do modelo ptolomaico eram, para o sbio sufi, a representao grfica de uma verdade
metafsica.
Num corpo nico, coerente e harmonioso, esses sbios de todas as cincias, integraram
toda a sabedoria do Mundo Antigo, acrescentando-lhe contribuies profundamente originais,
numa das mais brilhantes snteses culturais que a histria registra. Interpenetraram e combinaram
elementos msticos e filosficos, cientficos e artsticos, tecnolgicos e artesanais, de todas as
grandes culturas da Antiguidade: egpcia, sria, judaica, mesopotmica, persa, grega, romana,
indiana e at chinesa. Uma sntese to grandiosa s havia sido realizada pela escola grega
neoplatnica, que retomou e reinterpretou toda a filosofia grega e numerosas tradies msticas,
religiosas e cientficas orientais.
Os rabes acabaram herdando esse legado atravs dos sufis, e espalharam-no pelo mundo
ocidental durante a sua expanso no Mediterrneo. No Oriente, repisaram os caminhos trilhados
pelos exrcitos de Alexandre37, o Grande (356-323 a.c.), da Macednia, que j havia inaugurado
a fuso cultural entre persas e gregos, posteriormente conhecida como cultura helenstica.
Foram quase 1000 anos de intensas trocas produzidas num mundo anteriomente dominado pela
cultura grega, ou helnica; um extraordinrio amlgama cultural, trabalhado e retrabalhado por
sucessivas geraes.
Esse precioso legado foi chegando Europa crist atravs de um complexo intercmbio
cultural, que o comrcio, as conquistas, as guerras, as Cruzadas, as encarniadas lutas religiosas
entre cristos e muulmanos pela posse da Terra Santa, favoreceram ao invs de dificultar. Foi
esse legado que revitalizou o pensamento europeu e que, direta ou indiretamente, criou condies
para o fervilhar intelectual daquele intenso sculo XIII, ponto de partida dessa dissertao, -
perodo onde foram plantadas as sementes que germinariam quase quatro sculos mais tarde na
chamada revoluo cientfica - em que brilharam as notveis figuras de Alberto Magno, Toms
de Aquino, Raimundo Llio, Mestre Eckart, Roger Bacon, Roberto Grosseteste e So Francisco
de Assis, contemporneo do persa Rumi, o fundador da Ordem dos Dervixes Danantes, cuja
dana caracterstica o objeto de ateno desta dissertao.
37 Alexandre fundou 33 cidades no antigo Imprio Persa, recebendo a coroa simblica de Imperador. Casou-se com uma princesa da Prsia, e 1000 de seus soldados o imitaram.
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A escola neoplatnica, que via a realidade como um todo unitrio, foi assimilada sem
dificuldades e conflitos pelas trs maiores religies do monotesmo semita (judasmo, cristianismo
e islamismo), devolvendo-lhes, em linguagem filosfica, as pores da verdade que seus prprios
msticos haviam recebido atravs da experincia direta. E no era outra a viso de realidade dos
cabalistas judeus, dos contemplativos cristos e dos sufis muulmanos:
A sntese da especulao neoplatnica com a pulsao viva das religies reveladas influenciou profundamente a filosofia, as cincias e as artes medievais, fazendo-as conceber a natureza inteira como uma teofania ou manifestao de Deus. Para o sbio medieval, integrado no corpo das tradies espirituais, nenhum ente ou evento da natureza tinha existncia puramente factual. Devia, ao contrrio, ser pensado como um smbolo, sinal visvel da
f 38divindade invisvel, que cabia ao homem interpretar.
As evidncias de que houve uma comunicao mtua entre os msticos do Ocidente
Cristo e os sufis, so muitas, e a filosofia iluminista parece ter interessado tanto o Oriente,
quanto as escolas sufistas influenciado o Mundo Ocidental Cristo. Roger Bacon, por exemplo,
afirmava que os ensinamentos secretos dos antigos gregos, persas, egpcios, etc.), foram levados
Europa, dando origem a numerosas sociedades secretas (Rosa-Cruz, Cabala, Maonaria, etc.),
algumas das quais autnticas, outras esprias. Com esse conhecimento, disse Bacon, j estavam
familiarizados No, Abrao e Jesus Cristo, os mestres caldeus e egpcios, Zoroastro, Hermes, e
gregos como Pitgoras, Anaxgoras e Scrates - e os sufis.39
38 Ver texto de JOS TADEU ARANTES, intitulado Amor e Teofania , na Introduo dos Poemas Msticos de Rumi. SP: Attar Editorial, 1996: 47.
Ver I. SHAH. Os Sufis. RJ: Crculo do Livro, 1988: 270, 271, 272.
24
II. ENTRE RUMI (O VISVEL) E SHAMS (O INVISVEL): UM
ENCONTRO DE MESTRES
Na Tradio sufi, enquanto o buscador procura alucinadamente por seu Amado, que pode
ser personificado de diversas formas, muito comum o uso de metforas relacionadas aos
domnios do visvel e do oculto. Nada mais ilustrativo para essa simblica relao do que o
clebre encontro entre Rumi (ou Mevlana), o maior poeta mstico de toda a tradio persa e
rabe, desenhador da Ordem sufi Mevlevi ou Ordem dos Dervixes Danantes ou Giradores,
fundada em Konya (Turquia), no sculo XIII, e um dos mais controvertidos mestres sufis que a
histria j conheceu, Shamsuddin de Tabriz.
Jalaluddin Mohammed ibn Mohammed al-Balkhi Rumi nasceu na pequena aldeia de
Waksh (atualmente no Tajiquisto), em Khulm, sob a jurisdio de Balkh (hoje no Afeganisto),
que ficava no Khorassan40 (na antiga Prsia), no dia 30 de setembro de 1207 (6 de Rabi I, do ano
604 da Hgira41), e morreu em Konya, na Turquia, no dia 17 de dezembro de 1273. Seu pai,
Bahauddin Walad, chamado de sultan ul-ulama (sulto dos sbios), era mestre sufi42 e
encadernador de profisso. Educou Rumi em ambas as coisas desde a infncia, influenciando-o
profundamente. Com o pai, Rumi foi iniciado em teologia e literatura clssica rabe, sendo por ele
logo reconhecido como um mestre precoce, e nomeado, por esta razo, de Mevlana, que
significa nosso mestre ou nosso senhor .
Quando completou quinze anos, Rumi fora enviado por seu pai a Gazorgah, provncia do
Afeganisto, acompanhado de um tio que tambm era encadernador. Havia uma imensa biblioteca
nesse lugar, razo pela qual seu tio havia sido contratado. Rumi viveu ali por nove anos. Depois
foi para Qandahar, com o objetivo de estudar Tafsil (a compreenso do Alcoro), na mesquita
onde est o manto do Profeta.
O Sheik Naqshbandi de toda essa regio era o Sayed Zahir Shah, de quem Rumi tomou-se
discpulo. Esse mestre ordenou que Rumi fizesse uma viagem de sete anos sem lhe dizer aonde
deveria ir. O dia de seu regresso coincidiu com o funeral de seu Sheik, que deixara para o
40 Naquele tempo, a regio do Khorassan se extendia por Herat, Hazarayat, Mashad..., at o Mar Cspio.41 A Hgira a era islmica, iniciada em 622 do nosso calendrio com a fuga de Mohamed (Maom) de Meca para Medina (Yatreb).42 O pai de Rumi era um mestre sufi da Ordem Naqshbandi (naqsh: desenho, e bandi: pessoas que fazem o desenho). tambm conhecida como a Ordem-Me ou a Ordem dos Khwajagan (guardies da Tradio neste planeta.)
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discpulo seu tasbih (rosrio) e seu manto Naqshbandi. Assim. Rumi tornou-se o sucessor de
Zahir Shah, permanecendo em Gazorgah, Herat e Mazar-i-Sharif pelos sete anos seguintes. 4~
Ordenar com preciso os acontecimentos da vida de Rumi tarefa rdua, uma vez que
esta foi repleta de episdios, com perodos de diferentes duraes, tendo, por isso, muitas
verses. Sabe-se, no entanto, que a famlia teve que fugir de Balkh, que era um dos principais
centros culturais do mundo islmico, devido invaso mongol. Por mais de cinco anos
mantiveram uma vida errante, e aps vrias peripcias, que inclui a peregrinao de Rumi a Meca,
seu encontro em Nishapur com o poeta mstico Fariduddin Attar, e o seu casamento, em 1226,
com Gowhar Katun, de Samarcanda, acabaram instalando-se na Anatlia Central, radicando-se
finalmente, em 1228, em Konya 44, a rica capital dos Seljcidas. Quando l chegaram, essa regio
da atual Turquia era conhecida por Rum (da a alcunha de Rumi).
Ao chegarem em Konya, Bahauddin, a convite do soberano seljcida Aladdin Kayqobad,
incentivador das cincias e das artes, fora convidado para assumir a direo de uma escola, onde
ensinou at a sua morte, em 1231 (628 da gira). Rumi tornou-se, ento, discpulo de um antigo
aluno de seu pai, Burhanuddin Muhaqiq Tirmidhi, tambm fugitivo de Balkh devido s invases
de Genghis Khan, com quem Rumi conviveu durante uma dcada. Esse mestre ensinou a Rumi
todos os segredos do chamado conhecimento inspirado, fonte das dimenses mais profundas da
via mstica e transmitiu-lhe, de forma ordenada, a sabedoria espiritual de Bahauddin.
Esse mestre aconselhou-o a ir para Alepo, na Sria, estudar na escola de Halawiya, que
tinha eminentes sbios (hanefites). Permaneceu alguns anos em Damasco, onde travou contato
com o grande mstico e filsofo Ibn A rabi4'.
Rumi foi o legtimo herdeiro espiritual de seu pai, tornando-se tambm um mestre, com
centenas de seguidores. Versado em filosofia, poesia clssica, teologia, jurisprudncia e moral,
Rumi falava cinco lnguas e tinha sido professor em diversas universidades. Mas o sucesso
acadmico foi somente at os seus 37 anos, quando teve o seu decisivo encontro com o mestre
43 Ver O. A. SHAH. Prefcio do Masnavi edio brasileira. RJ: Edies Dervish,1992.44 A histria de Konya comeou h aproximadamente 7000 anos a.C., com os Hititas, quando a regio era denominada "atalhoyuk". Com a chegada dos Frgios, passou a chamar-se "Kawania". Depois vieram os Ldios, os Persas, os Macednicos liderados por Alexandre, os Romanos, os Bizantinos, os rabes (sculos VII e VIII) e finalmente os Turcos, no sculo XI. A tomada de Anatlia (Turquia atual) - cuja capital era Konya -pelos turcos teve trs perodos: "Seljuk" (sculos XI-XIV), liderado por povos turcomenos, "Karamanogullar" (sculos XIV-XV), liderado por alguns povos anatolianos que uniram-se s tribos turcas, e por ltimo, o "Otomano", que possua a mistura dos povos turcos, rabes e persas.45 Ibn Arabi, j citado no captulo 1, foi um importante mestre sufi da Idade Medieval. Sua fonte de inspirao era o devaneio, em que a conscincia continuava ativa: "Pelo exerccio dessa faculdade sufista, ele estabelecia, a partir do mais ntimo da mente, contato com a realidade suprema, a realidade que jaz debaixo das aparncias do mundo familiar." dele a frase: "Os anjos so poderes escondidos nas faculdades e nos rgos dos homens." (Cf. Idries Shah. Os Sufis. RJ: Crculo do Livro, 1988)
26
sufi Shamsuddin de Tabriz, que ficou conhecido na tradio sufi como o encontro de dois
oceanos . O encontro se deu no dia 28 de novembro de 1244 (26 jumada do ano 642 da Hgira) e
foi um acontecimento capital na sua vida, que ele mesmo resume assim:
eu estava cru, fu i cozido, estou queimado.
Existem inmeras verses e relatos da poca que registram esse encontro. Alguns
nitidamente alegricos, outros mais verossmeis. Apresento aqui, quatro destas verses, que
foram cuidadosamente selecionadas por Carvalho46.
Na primeira verso, Rumi, vindo da madrassa (escola religiosa muulmana)
acompanhado de seus discipulos, cavalgava um burrico. Ao passar perto de um caravanarai, um
homem que estava margem do caminho ps-se sua frente e dirigiu-lhe a seguinte pergunta:
Tu, que s o grande conhecedor de Teologia e das escrituras, responde-me: quem maior, o
profeta Mohammed ou Bayazid Bistami? - Rumi respondeu sem hesitar: Mohammed foi sem
dvida o maior de todos os santos e profetas . - Se assim, replicou Shams, como explicas que
Mohammed disse: No te conhecemos, Senhor, como deves ser conhecido, enquanto Bayazid
exclamava: Glria a mim! Imensa minha glria.? Ao ouvir isso, Rumi desmaiou. Quando
despertou, levou Shams para sua casa e l ficaram a ss, em santa comunho, por quarenta dias.
Aflaki, o maior bigrafo de Rumi, assim detalha essa comunho:
"Por trs meses eles ficaram, dia e noite, em retiro, ocupados no jejum do 've sa l' (unio com o objeto amado); no saram uma nica vez e ningum teve a ousadia ou o poder de violar seu isolamento. " 4
Na segunda verso, Rumi ensinava seus discpulos em sua casa e tinha diante de si uma
pilha de livros. Durante a aula um homem entrou e, depois de cumprimentar os presentes, sentou-
se num canto da sala. Apontando para os livros, o visitante perguntou: O que isso? Rumi,
incomodado pela interrupo, respondeu secamente: Tu no sabes o que isso ". Imediatamente
os livros incendiaram-se. Perplexo e assustado, Rumi dirigiu-se ao estranho: O que isso? O
estranho apenas repetiu: Tu no sabes o que isso, e retirou-se tranquilamente da sala. Rumi
abandonou a classe e saiu desesperado em busca do estranho, mas no pde encontr-lo.
46 Ver J. J. DE CARVALHO. Introduo. In: J. Rumi. Poemas Msticos Divan de Shams de Tabriz. SP: Attar Editorial, 1996: 15,16.4' AFLK. In: CARVALHO, J. J. de. Introduo dos Poemas Msticos Divan de Shams de Tabriz. SP: Attar Editorial, 1996: 15.
27
A terceira verso, e uma variao dessa histria, narrada por Jami. um grande poeta persa
do sculo XV:
Enquanto falava a seus discpulos, Rumi empilhara seus livros borda de um tanque. Shams apareceu e perguntou o que continham aqueles livros. Rumi respondeu: 'Aqui s h palavras, em que te podem interessar? Shamsuddin apanhou os livros e jogou-os dentro d'gua. Rumi ebravejou, furioso: 'O que fizeste, denixe? Alguns desses livros continham manuscritos importantes de meu pai que no se encontram em nenhum outro lu g a rE n t o , para espanto de Rumi e dos discpulos, Shams enfiou a mo no fundo do tanque e retirou intactos, um a um, todos os livros. Mevlana lhe perguntou: 'Qual o segredo? ' Shamsudin respondeu: 'Isso o que se chama prazer ou desejo de Deus (dhcrwq), e xtase ou estado espiritual (hal); tu no sabes o que isso '.
A quarta verso uma outra variante dessa mesma histria, segundo a qual Shams teria
jogado os manuscritos do pai de Rumi no fundo do tanque, retirando-os depois com todas as
pginas secas e intactas, porm em branco: a gua havia apagado as palavras de Bahauddin, como
um sinal para que Mevlana pudesse ento imprimir as suas prprias.
A histria de Shams comea na cidade de Tabriz (na antiga Prsia, atual Ir), onde j
havia adquirido estatuto de santidade muito antes de seu encontro com Rumi. Seu verdadeiro
nome era Sayed Shamsuddin Shah, e era filho do Sayed Zahir Shah. Foi discpulo do Sheik Abu
Bakr, cesteiro de profisso e respeitadssimo em Tabriz, conhecido como O Trilhador . Embora
Shams seja descrito por muitos como um dervixe errante, solitrio e anti-convencional, como uma
figura estranha, envolta num manto escuro de feltro ordinrio (seu disfarce favorito era o de
simples mercador), com um carter excessivamente altaneiro, agressivo, dominador e impulsivo,
seus simpatizantes o descrevem como algum to discreto que seria capaz de viver numa cidade
por anos como um desconhecido.
Devido ao seu temperamento irrequieto, caracterstico daqueles que buscam o
conhecimento incansavelmente, Shams foi apelidado de parinda (o pssaro, ou o voador).
Muitos autores descrevem-no como uma personalidade avassaladora, algum que
desafiava os mais respeitados argumentos dos mestres da poca, derrubando-os com seu
durssimo arsenal crtico.
28
Viajava constantemente, buscando por toda a parte a "meia ansiada e ama-da 4N
Finalmente, quando o desenvolvimento de sua instruo mstica e seus xtases ultrapassaram
todos os limites, partiu em busca do mais perfeito e excelente de todos os mestres. Visitou
ermidas e retiros, tanto a sbios ocultos como conhecidos mestres da idia e da forma. E fez dos
mestres espirituais seus servos e discpulos. Ia com frequncia Siria e ao Iraque, entrevistando-
se com os mestres espirituais da poca, tendo inclusive, se encontrado com Ibn Arabi, um dos
pilares de toda a tradio sufi, a quem teve a ousadia de julgar imaturo e arrogante.
Shams de Tabriz estava em busca de um homem com quem pudesse compartilhar seus assuntos espirituais e que fosse capaz de suportar o impacto de sua personalidade dinmica, que pudesse receber e embeber-se de sua experincia; algum que ele pudesse sacudir, destruir, construir, regenerar e elevar. Era a busca desse homem que o levava a voar como um pssaro de um lugar a outro. Seu mestre, Ruknuddin Sanjabi, finalmente colocou-o no rumo certo, encaminhando-o a konya. L chegando, alojou-se no Caravaarai dos vendedores de acar. Foi ento que se deu o notvel encontro com Rumi .49
O prprio Shams conta, no Maqalat Shams-i Tabrizi (Discursos de Shams de Tabriz),
obra em que foram compiladas suas reflexes e ensinamentos, o que significou seu encontro com
Rumi:
Eu tinha em Tabriz um mestre espiritual, Abu-Bakr, e fo i dele que obtive todas as santidades. No entanto, havia em mim algo que meu mestre no pde ver; de fato, ningum era capaz de v-lo. M as meu senhor Mevlana o viu.
Eu era gua estagnada, fervendo e entornando-me sobre mim mesmo e j comeando a cheirar mal, at que a existncia de Mevlana me encontrou; ento aquela gua comeou a correr e continua correndo doce, fresca, saborosa. "'
O encontro entre os dois mestres foi to forte e profundo que permaneceram quarenta dias
no jejum do Vesal (unio mstica com o amado). Shams passou a viver na casa de Rumi, que,
ocupando-se inteiramente do dervixe, abandonou as aulas e conversas com seus discpulos, nada
mais fazendo, a no ser dialogar com Shams. Assim Carvalho sintetiza esse encontro:
48 Ver AFLK. Os Sufis Voadores. Trechos extrados de "Biografias dos Msticos" (Manqib ul-'rifn), traduzido do persa ao francs por Clment Houart, sob o ttulo de "Les Saints des Derviches Tourneurs". RJ: Editorial Kashkul, 1995.49 Descrio feita pelo historiador iraniano Sadiq Guharin, com base em texto extrado provavelmente de DAULAT SHAH, autor do sculo XIII. in CARVALHO, J. J. de. Introduo do Poemas Msticos de Rumi. SP: Attar Editorial, 1996.30 Maqalat, 245-246. in CARVALHO, J. J. de. Introduo do Poemas Msticos de Rumi. SP: Attar Editorial, 1996: 18.
29
Esse longo encontro fundiu dois homens espiritualmente realizados, duas almas em idntica condio de despertar, dois espritos igualmente sedentos de um confidente com quem pudessem trocar, como jamais o haviam feito, seus estados mais sutis de entendimento e experincia mstica.
Embora Rumi considerasse Shams como sendo seu mestre, a relao entre os dois ia
muito alm do modelo mestre-discpulo, ficando praticamente impossvel definir quem foi o
mestre de quem. Ambos eram submissos um ao ensinamento do outro, tratando-se mutuamente
como mestres. Mas, do ponto de vista histrico, Shams entendido como o verdadeiro mestre de
Rumi, at por uma questo hierrquico-cronolgica: Shams era mais velho que Rumi, o que o
coloca, mais obviamente, numa posio de superioridade com relao a Rumi, o que, no caso
muito especfico dessa histria, s importante para efeitos de referncia. Sobre essa amistosa e
delicada relao, descreve o prprio Shams:
Oitando cheguei at Mevlana, a primeira condio fo i de cpie no chegasse como Sheik. Deus ainda no criou o homem que possa agir como Sheik para Mevlana. Tambm no estou mais em condies de ser discpulo de ningum, j estou muito alm dessa etapa. 51
Talvez se possa comparar esse encontro com o do escritor Carlos Castaneda e o xam
Don Juan Matus, ou, traando um paralelo ocidental mais consoante com esta identificao,
relao entre San Juan de la Cruz e Santa Tereza dvila. A vida do jovem Rumi foi abalada a
partir da. Logo abandonou a academia e lanou-se no caminho mstico. Durante trs anos foi
discpulo fervoroso de Shamsuddin, o que trouxe-lhe consequncias bastante nefastas. Alguns
discpulos de Rumi passaram a ver Shamsuddin com preconceito e inveja, pois esse estranho e
misterioso homem fizera o seu mestre deixar de ensinar, passando condio submissa e humilde
de um aprendiz. Outros incomodavam-se com o desdm que Rumi passara a expressar para com a
ortodoxia religiosa: agora ele ouvia a msica em xtase, por horas seguidas, e danava. Os
discpulos mais ciumentos dessa relao que os exclua, passaram a responsabilizar a mudana
radical de comportamento de Rumi influncia nefasta exercida pelo inslito personagem, Shams.
Dezesseis meses aps sua chegada em Konya, mais precisamente no ms Shawwal 21, ano
643 da Hgira (1246 d.C.), Shamsuddin, no suportando mais o despeito e o ressentimento que
passaram a rond-lo, decide partir de Konya, retomando sua sina de andarilho. Rumi,
51 Maqalat, 33. in CARVALHO, J. J. de. Introduo do Poemas Msticos de Rumi. SP: Attar Editorial, 1996: 20.
30
desesperado, e com um profundo sentimento de paixo e perda, escreveu os sublimes versos que
o imortalizaram.
Depois de muito procur-lo, Rumi, atravs de um sonho, consegue localizar Shams em
Damasco, enviando seu filho, Sultan Walad, para traz-lo de volta. Nesse ponto da histria, os
discpulos de Rumi j haviam pedido perdo a Mevlana por sua incompreenso, admitindo que
Shams devesse regressar para consolar o corao do mestre. Desta maneira, quase um ano aps a
sua partida, o bizarro mestre errante, Shamsuddin de Tabriz, retorna Konya.
Entretanto, o perodo de trgua durou pouco, pois logo os discpulos comearam a
conspirar novamente contra a singular figura de Shams, movidos pelos mesmos sentimentos
mesquinhos de antes. A conspirao parece ter-se iniciado dentro do prprio crculo familiar de
Rumi, o que levou Shams, finalmente, a um misterioso e definitivo desaparecimento.
Sobre esse desaparecimento, apresento aqui, uma vez mais, verses escolhidas por
Carvalho 32
Uma verso diz que um dos filhos de Mevlana, Aladin Mohammed, teria liderado um
segundo movimento conspiratrio contra Shams. J havia, para isso, uma situao propcia:
Shams casou-se com Kimiya, uma jovem enteada de Rumi e de sua segunda esposa, e o casal
passou a viver em um pequeno quarto na casa de Rumi. Apesar de Shams gostar muito da esposa,
isso no impediu que se acirrassem as animosidades entre o casal e Aladin, filho de Rumi. Kimiya
faleceu no final do outono de 1248. Poucos meses aps sua morte, Shams desaparece.
Na verso de Jami, um extraordinrio mestre da poca, certa noite, Sheik Shamsuddin e
Mevlana Rumi conversavam a ss quando algum de fora da casa solicitou a presena imediata do
Sheik. Ele se levantou, dizendo a Mevlana: Sou chamado para a minha morte. Sete
conspiradores aguardavam-no em uma emboscada e avanaram sobre ele com seus punhais; mas
o Sheik emitiu um grito to terrvel que ficaram todos paralizados. Um deles era Aladin
Mohammed, filho de Mevlana, que durante o atentado recitava a frase do Alcoro: Ele no do
teu povo Quando recobraram os sentidos, nada viram alm de algumas gotas de sangue.
Baseada na verso de Jami e na descoberta de Mehmet Onder, ex-diretor do Museu
Mevlana em Konya, Annemarie Schimmel, em The Triumphal Sun assim reconstruiu o ocorrido
na noite de 5 de dezembro de 1248:
52 Ver J. J. de CARVALHO. Introduo, in J. RUMI. Poemas Msticos Divan de Shams de Tabriz. SP: Attar Editorial, 1996: 24, 25.
31
Rumi e Shams conversavam a altas horas quando algum bateu a porta e solicitou a presena de Shams. Este saiu, fo i apunhalado e jogado dentro do poo situado nos fundos da casa, um poo que at hoje existe. Informado sobre o sucedido, Sultan Walad correu a retirar o corpo do fundo do poo e sepultou-o s pressas ali perto, numa tumba feita de reboco, cobrindo-a depois com terra. Seria este o local em que mais tarde se ergueu o maqam ", o memorial de Shams. Escavaes recentes no maqam , por ocasio de algumas restauraes, provaram de fa to a existncia de uma tumba gi-ande coberta de reboco datada da era Seljcida.
Essa ltima verso corrobora a narrativa da poca de Aflki3' , fundamentada, segundo
ele, na mais clara de todas as histrias, a que conta o Sulto Walad, que v o ltimo
desaparecimento de Shams como tendo sido causado pelo repdio dos discpulos de Rumi contra
Nos primeiros dias, Shamsuddin havia suplicado constantemente ao Senhor, com toda a sorte de oraes e de austeridades, que lhe revelasse alguns dos seres velados pelo seu zelo. Por fim , disse-lhe uma voz:
Posto que sois srio e insistente, e de paixo violenta, que oferta fareis pelo que pedis? 'E ele respondeu:'Minha cabea. '
Agora, ao fin a l de sua vida e havendo conseguido este favor de divina beleza, e obtendo a felicidade de desfrutar da companhia que buscava, servia certa noite a Nosso Mestre em seu retiro. Do lado de fora, algum o chamou. Levantou-se imediatamente e disse a Nosso Mestre:
Sou chamado tortura. Tendo esperado um longo momento, Jalaluddin disse:Acaso no pertencem a Ele a criao e o direito de mandar? Isto produtivo. 'Contam que sete desgraados haviam conspirado uma emboscada maneira Ismaelita.
Quando viram sua oportunidade, o apunhalaram com suas adagas. Shamsuddin lanou tal grito que os conspiradores perderam os sentidos. Ouando voltaram a si, no viram nada, salvo umas tantas gotas de sangue. Desde esse momento em diante no se tornou a ver vestgio algum deste homem de sabedoria.
Deus trabalha como quer , exclamou Rumi. Ele ju lga conforme seu gosto. Por que temos de horrorizar-nos? Ele havia fe ito seu voto e havia se dedicado para este momento. Empenhou sua cabea por nosso mistrio. Inexoravelmente o destino divino tomou ao homem que assim havia disposto de si mesmo. A caneta que traa o destino no erra. E assim foi escrito.'
O martrio de Shamsuddin ocorreu numa tera-feira de maio de 1247. Em sua amarga pena, Rumi se afastou, solitrio, para o jardim e no assistiu aos funerais.
Durante um ms procurou-se o corpo sem encontrar o menor vestgio. No quadragsimo dia, Rumi deu ordem para que todos vestissem roupas de luto, de pano rabe listrado e um gorro da cor de mel, em lugar do turbante branco. E ele vestiu uma camisa aberta no peito e calou sandlias giosseiras chamadas maulevi.
Depois fez uma guitarra hexagonal, dizendo:Os seis ngulos desta guitarra explicam os mistrios dos seis cantos do mundo: suas
cordas explicam a hierarquia dos espritos at Allah .
53 AFLK. Os Sufis Voadores. Trechos extrados de "Biografias dos Msticos" (Manqib ul-'rifn). Traduzido do persa ao francs por Clment Houart. RJ: Editorial Kashkul, 1995.
32
E fo i ento que estabeleceu o concerto e a dana giratria.(...)
Unicamente aqui e acol os ciumentos comearam a murmurar:Boa coisa! uma grande lstima que este homem to maravilhoso tenha ficado louco
de repente! A msica e o jejum desequilibraram sua mente. Isso e a m sorte que lhe trouxe Shamsuddin de Tabriz.
Segundo dizem, por muito tempo Rumi no teve acesso ao que se passou naquela noite.
Informaram-lhe que Shams partira novamente para a Sria, o que fez com que Rumi viajasse uma
vez mais para procur-lo. Durante dois anos ele persistiu na busca, seguindo todas as pistas que
surgiam, at que rendeu-se fatalidade do seu desaparecimento.
Embora as verses apontadas aqui sejam bastante aceitas, existem registros indicando que
a morte de Shams ocorreu em Bagd, onde est sepultado. Sua tumba est esquerda da de Al-
Ghazzali, no mausoulu de Al-Ghazzali, e, embora a inscrio esteja ilegvel, ainda pode ser
identificada pelo nmero 613, que no sistema abjad54 equivale alfabeticamente a Shams.55
Rumi ficou inconsolvel por muito tempo e dedicou memria do amigo e mestre
desaparecido um poema de rara beleza lrica, o Masnavi 56 A vida e o trabalho de Rumi nunca
mais foram os mesmos, depois de sua intensa relao com Shamsuddin. Rumi libertara-se das
amarras do caminho espiritual quase totalmente mstico e intelectual que seguira at ento, para,
sem prescindi-lo, desenvolver e propor um caminho que valorizasse tambm as percepes
alcanadas pela via dos sentidos, da atividade corporal, e pela contemplao e produo da obra
artstica.
Foi nesse contexto que instituiu o Sama, a tcnica dervixe do xtase mstico atravs da
dana, oratrio espiritual que acompanha a clebre dana giratria caracterstica de sua confraria.
Com o Sama, a Ordem Mevlevi (de Mevlana), definitivamente tomou forma e estrutura.
O Sama a paz para a alma dos vivos, aquele que o sabe possui a paz na alma.Aquele que deseja que o despertem,E o que dormia no seio do jardim.Mas para aquele que dorme na priso,Ser despertado somente um pesar.Assiste ao Sama quando se celebra um banquete, no no momento de um luto, num lugar de lamentao.Aquele que no conhece sua prpria essncia,Aquele aos olhos de quem est escondida essa beleza
54 ABJAD: sistema alfanumrico da lngua rabe, equivalente Cabala hebraica.55 VerO. A. SHAH. Prefcio, in J. RUMI. Masnavi. RJ: Ed. Dervish, 1992: 11.56 J. RUMI. Masnavi. RJ: Edies Dervish, 1992.
33
semelhante lua,Uma tal pessoa, que deve fazer do Sarna e do pandeiro?O Sama feito para a unio com o Bem-Amado.
Odes Msticas57
A criao do Sama ou dana girante, juntamente com o seu poema pico Masnavi e 58os complementos de seu significado em Fihi-ma-Fihi , bem como a sua msica, fazem de
Rumi um dos mais importantes mestres sufis de todos os tempos.
Divulgador de idias que s se tomaram correntes sculos mais tarde, Rumi, j no sculo
XIII, falava na evoluo do homem, que a terra girava ao redor do sol, que existiam nove
planetas, e que a estrutura interna do tomo assemelhava-se a um sistema solar em miniatura.
O Masnavi - ou dsticos espirituais uma antologia de seis volumes publicados depois da
morte de Rumi, a sua obra prima, sendo considerado o Alcoro59 em persa. Essa obra
exerceu enorme influncia sobre toda a poesia do Oriente Prximo e Mdio. Foi ditado por
Rumi, durante doze anos, a Hussan Celebi, seu discpulo, que assim descreveu este processo:
Ele nunca pegou uma pena enquanto compunha o Masnavi. Recitava onde quer que estivesse, na madrassa (escola dervixe), nas fontes quentes de Hgin, nos banhos turcos de Konya, nas vinhas. Quando comeava, eu escrevia e frequentemente achava difcil acompanh- lo. Algumas vezes ele recitava dia e noite por vrios dias. Outras vezes no compunha por meses. Uma vez, num perodo de dois anos, ele no disse poesia alguma. Quando um volume estava completo, eu o lia para que ele pudesse revisar. 60
Tu s o microcosmo na aparncia, porque na realidade s o macrocosmo.Do ponto de vista da aparncia, o ramo a origem do fruto; mas na realidade o ramo chegou a existir por causa do fruto.Se no tivesse havido um desejo e uma esperana pelo fruto, como o jardineiro teria plantado a raiz da rvore ?
Masnavi, de Rumi61
57Divan e Shams de Tabriz. Edio Fornzafar, Teer, 1958-1962: 339. in E. de Vitray-Meyerovitch. Rumi e o Sufismo. SP: ECE. 1990: 43-44.CB "'Fihi-ma-fihi, ou O Livro do Interior, significa literalmente "pode-se encontrar neste livro o que est contido naquele livro", ou "Nisso est o que aqui est", ou "Isso encerra o que isso encerra", ou "Isso contm o que isso contm", ou ainda "Tudo est nisso". uma coletnea em prosa de conversas de Rumi com os seus discpulos e com diferentes personagens da poca, entre os quais o mais frequente o poderoso emir Pervana (Ver J. Rumi. Fihi-ma-Fihi. RJ: Ed. dervish, 1993)59 De fato h uma semelhana entre o Alcoro e o Masnavi, tanto na forma como foram feitos, quanto por seus contedos: ambos foram recitados por inspirao divina, e ambos possuem uma linguagem que no apenas um veculo da mensagem divina, mas um objeto sagrado. Tanto o Alcoro quanto o Masnavi no falam sobre Deus, cantam Deus ele mesmo. (Cf. C. GEERTZ. Local Knowtedqe Further Essavs in Interpretative Anthropoloqy. NY: Basic Books, Inc. Publishers. Captulo III, pgs. 110-111.)
J. Rumi. Masnavi. RJ: Edies Dervish, 1992: contracapa.61 J. RUMI. Mathnavi. Edio e traduo inglesa, por R. A. Nicholson, 8 volumes, Leyde, 1925. in E. de Vitray-Meyerovitch. Rumi e o Sufismo. SP: ECE, 1990.
34
Rumi considerado por muitos o maior poeta mstico da historia da humanidade,
pertencente ao seleto grupo daqueles que foram capazes de amalgamar a mstica e a potica: San
Juan de la Cruz, Santa Tereza d Avila, Kabir, Al-Hallaj, Omar Khayyam. entre outros.
Quando Rumi morreu, no dia 12 de dezembro de 1273, todos os habitantes de Konya, sem
distino de crenas, acompanharam seu funeral.
O rudo dos timbaleiros, o som dos obos e dci trombeta anunciavam a boa notcia. Os almuadens (anunciadores), com sua voz agradvel, convidavam orao da ressurreio, vinte grupos de excelentes cantores recitavam cantos fnebres que o prprio Rumi havia composto 62:
O rei do pensamento sem inquietude Danando fo i embora Paru outra regio,A regio da luz-
Rumi est sepultado no lugar que ele mesmo indicou em Konya. Ali existem quatro
criptas, e sua cripta est alguns metros abaixo da superfcie.
6i Um discpulo de Rumi. in J. RUMI. Fihi-ma-Fihi. RJ: Edies Dervish, 1993: 16-17.
37
Figura 3. Aps recitarem o Alcoro e o Masnavi de Rumi, os dervixes giram com acompanhamento musical (The Morgan Library, New York, Nmero 466)
39
Figura 5. Tumba de Shams em Konya. (Foto da autora, 1996)
40
Figura 6. Museu Mevlana, onde se encontra a tumba de Rumi, em Konva. (Foto da autora. 1996)
41
III. ENTRE AS CINCIAS HUMANAS E AS ARTES: EM BUSCA DE UMA TEORIA DO SAMA
63Sama a clebre dana giratria dos dervixes da Ordem Mevlevi , criada por Rumi.
Significa propriamente audio e designa um dos nomes ou atributos de Deus revelados no
Alcoro (Ya-Sami, aquele que tudo ouve). A dana descrita como resposta do dervixe ao
chamado divino.
Sama a inspirao de Mevlana Jalaluddin Rumi (1207-1273), bem como parte do
costume, histria e cultura turcos.
Possivelmente, a origem da inspirao de Rumi para a criao do Sama, est tambm no
seu encontro-separao com o mestre Shams de Tabriz. Conforme Carvalho64, a famlia de Shams
era ismaelita e seguia uma linha de dissidentes do islamismo sunita que tinham entre os seus
postulados de vida, a prtica de se fazerem passar por loucos ou tolos. Vinha da tribo dos
Hashishins, da Sria, liderada pelo legendrio Aladin, conhecido como O Velho da montanha,
cujas prticas rituais admitiam vrias formas de estados alterados de conscincia, como o xtase
mstico atravs da dana. Marco Polo conheceu seus integrantes e, nos captulos 23 a 25 das
Viagens, relata inclusive o uso de drogas para intensificar estados de conscincia, nos quais se
vislumbrava um maravilhoso jardim onde corriam arroios de vinho, leite, gua e mel, habitado por
belas mulheres dispostas satisfao de todos os deleites, imagem bem prxima do Paraso
cornico. Carvalho sugere que Rumi possa ter aprendido com Shams a busca do xtase mstico
atravs da dana, e que o Sama poderia ser, como j sugeriram outros autores, uma adaptao
das tcnicas de exaltao religiosa que Shams praticava.
Assim descreve-nos Carvalho, a inspirao de Mevlana: Rumi, ardendo na separao
lancinante de seu insubstituvel amado, desenvolveu o Sama, uma dana exttica em que os
dervixes giram em torno de si e ao mesmo tempo de um eixo projetado do centro, imitando os
movimentos dos planetas em tomo do Sol. Assim, nas palavras de Rumi, do mesmo modo que o
Universo se move na busca amorosa de Deus - o amado por excelncia - os buscadores
perseguem em sua dana a personificao do amado, no caso de Mevlana, Shamsuddin.63
63 Embora a criao da Ordem Mevlevi esteja diretamente associada a Rumi, quem verdadeiramente a fundou, organizando-a, foi o Sulto Walad, o primeiro intrprete e exegeta da obra de Rumi, seu filho dileto, bigrafo e sucessor.64 J. J. CARVALHO, in J. Rumi. Poemas Msticos divan de Shams de Tabriz. SP: Attar Editorial, 1996: 19.b5 Idem. pp. 29.
42
Desta forma, inspirado na ausncia-presena de Shamsuddin de Tabriz, Rumi girava ao
som da msica, em transe mstico, compondo odes e quadras. Assim que, a maioria dos poemas
concebidos em transe eram transcritos quase que instantaneamente por seus discpulos, ou ditados
deliberadamente a outrem. Eis como o filho de Rumi, o Sulto Walad, descreveu a vida de seu pai
durante aqueles tempos de dor e revelao potica:
Noite e dia, em xtase ele danava, na terra girava como giram os cus.Rumo s estrelas lanava seus gritos e no havia quem no os escutasse.Aos msicos provia ouro e prata, e tudo mais de seu entregava.Nem por um instante ficava sem msica e sem transe, nem por um momento descansava.Houve protestos, no mundo inteiro ressoava o tumulto.A todos surpreendia que o grande sacerdote do Isl, tornado senhor dos dois universos, vivesse agora delirando como um louco, dentro e fora de casa.Por sua causa, da religio e da f o povo se afastara; e ele, enlouquecido de amor.Os que antes recitavam a palavra de Deusagora cantavam versos e partiam com os msicos. 66
Conta-se que certo dia, aps o desaparecimento de Shams, Rumi, caminhando pelo
quarteiro dos ourives em Konya, ao ouvir o som dos martelos das oficinas, entrou em xtase e
ps-se a danar o Sama em plena rua. Isso teria acontecido bem em frente loja de Salahuddin
Zarkub, um velho amigo de Rumi, um homem simples e sem formao oficial, mas que havia
estado presente em muitos encontros entre Mevlana e Shams. Ao ver o mestre em xtase, Zarkub
atirou-se a seus ps.
Se foi exatamente assim que Rumi concebeu o Sama, no se pode precisar. Sabe-se,
entretanto, que a msica, a dana e a poesia da Tarika (escola) Mevlevi adquiriram uma grande
importncia em todo o Imprio Otomano e no resto do mundo islmico, tanto pelo nmero de
seus seguidores quanto por sua propagao. Os principais centros de fora mevlevi que brotaram
durante a expanso do Imprio Otomano foram criados em Istambul (Turquia), Nicsia (Chipre),
Jerusalm (Israel), Cairo (Egito), Atenas (Grcia), e Trpoli (Lbano). Depois espalharam-se pela
66 Poema citado em J. J. CARVALHO, in J. RUMI. Poemas Msticos Divan de Shams de Tabriz. SP: Attar Editorial, 1996: 30.
43
Europa Mediterrnea e sia Menor, alcanando o nmero de 365 escolas: foi como se a cabea
de Shamsuddin tivesse se multiplicado mil vezes, dizem.
Para Rumi, a dana Mevlevi era uma criao estratgica: Entre Europa e Turquia havia
uma necessidade de ajustamento, alinhamento e controle. A dana Mevlevi, o Sama, era este
controle.67
Nos tempos modernos, aps a fundao da Repblica na Turquia, mais precisamente no
dia 2 de setembro de 1925, sob o mandato secular e populista de Attaturk, uma ditadura foi
instituda visando banir antigas fraternidades da vida turca. Com isto, muitas escolas passaram a
funcionar secretamente, mas na verdade nunca deixaram de existir. Mesmo hoje, quase um sculo
depois deste acontecimento, apesar das profundas transformaes da sociedade turca ao longo
dos anos, a confraria Mevlevi tem garantido a continuidade e a permanncia da tradio. Os
Dervixes Danantes continuam girando, o que mostra, no mnimo, a resistncia cultural diante da
poltica turca deste sculo, que quase apagou as tradies sufistas.
A dana girante, hoje, faz parte do conjunto de tcnicas utilizadas pela Ordem Mevlevi,
mas a evoluo do rito mevlevi, que culminou no Ayin ou Mukabele, nomes que designam a
cerimnia do Sama, ainda imprecisa.
Sabe-se, no entanto, que a partir do sculo XVI, o rito se tomou mais detalhado e
elaborado, at assumir a forma atual. Hoje, divide-se em oito partes, que podem ser classificadas
em trs estgios distintos:
Primeiro - uma espcie de preparao para o SAMA e pode ser subdividido em trs
etapas, chamadas:
1.NAT-I SHERIF (Um poema em louvor a Mevlana);
2. TAKSIM (Improvisao de flauta ney); e
3. DEVRI VELEDI (O Ciclo do Sulto Veled).
Segundo - o SAMA propriamente dito, com quatro selam ou saudaes,
denominados:
67 Ver O. A. SHAH. Prefcio, in J. RUMI. Masnavi. RJ: Edies Dervish, 1992: 12.
44
4. HAKKA YURUYUSH ou ILALLAH (indo para Deus),
5 HAKKA YAKLASHMA ou MAALLAH (com Deus );
6 HAKKA VARISH ou FILLAH (em Deus); e
7 HAKDAN DONUSH ou MINALLAH (vindo de Deus).
Terceiro - a finalizao do SAMA, com uma improvisao de msica instrumental,
seguido de uma recitao do Alcoro e orao, denominado:
8. K U RAN-1 KERIM (recitando o Alcoro).
Poderamos, ainda, classificar o Sama segundo as partes da msica. Teramos, assim,
quatro momentos distintos:
1. NAT-I SHERIF (Honorvel Poema)
2. TAKSIM (Improvisao de flauta ney)
3. PESHREV (Preldio)
4. AYIN (Dividido em seis partes (quatro saudaes, um ltimo preldio e uma volta
terceira saudao), com diferentes compassos, que acompanham os giros dos dervixes)
Para que seja possvel uma anlise mais consistente do Sama, adotarei quatro
referenciais tericos distintos: um primeiro englobando a discusso geral entre Arte e
Pensamento, um segundo oscilando entre a Antropologia e a Histria, um terceiro, apoiado na
Etnologia Ritual, e um quarto entre a Etnomusicologia e a Musicologia Histrica. Esses
referenciais esto nos quatro subcaptulos a seguir.
45
1. ENTRE A ARTE E O PENSAMENTO: UM REFERENCIAL
POTICO- TERICO
A separao entre a cincia e a tcnica, de um lado, e a poesia e a filosofia de outro, que
espelha, dentre outras cises, a separao entre as Artes e as Cincias ditas Humanas (Histria,
Antropologia, Psicologia, etc.) como um todo, est resu
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