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Governador do Estado do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Vice-Governador do Estado do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão Secretário de Estado de Planejamento e Gestão Sérgio Ruy Barbosa Guerra Martins Presidente da Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro Claudio Mendonça Diretor do Instituto Superior de Administração Pública – ISAPE/CEPERJ Lucindo Ferreira da Silva Filho Responsável pela Transcrição: Carolina Graciosa Palestrantes Ana Canen Ana Gabriela Pessoa Cláudio Mendonça Guiomar Namo de Mello Lina Kátia Lucindo Ferreira da Silva Filho Nigel Brooke Capa Roberta Costa Agradecimentos Vanessa Pires Vera Lúcia Figueiredo de Mello
“Precisamos contribuir para criar a escola que é aventura, que marcha, que não tem medo do risco, por isso que recusa o imobilismo”. A escola em que se pensa, em que se atua, em que se cria, em que se fala, em que se ama, se adivinha, a escola que apaixonadamente diz sim a vida”... Paulo Freire
Dados técnicos “Seminário Política Educacional para uma Escola Eficaz” Realizado nos dias 23 e 24 de março de 2009, no auditório da Fundação Escola de Serviço Público do Governo do Estado do Rio de Janeiro Palestrantes:
Ana Canen - PhD em Educação pela Universidade de Glasgow e mestre em Educação pela PUC-Rio;
Ana Gabriela Pessoa - bacharel em Política, Filosofia e Economia e mestre em Educação;
Claudio Mendonça – presidente da Fundação Escola de Serviço Público do Estado do
Rio de Janeiro - foi Secretário de Estado e Presidente do Conselho Estadual de
Educação (1994) e Secretário de Estado de Educação (2004-2006);
Guiomar Namo de Mello - Diretora da EBRAPA (Escola Brasileira de Professores)
Doutora em Educação pela PUC/SP, com Pós Doutorado em Educação Comparada
pelo Instituto de Educação da Universidade de Londres, Inglaterra;
Lina Kátia - especializada em Educação para a Matemática e mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente é Coordenadora da Unidade de Avaliação da Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino e Extensão; Lucindo Ferreira da Silva Filho – pedagogo, especialista em gestão escolar, especialista em educação especial e Mestre em Educação (UNESA); foi Diretor Técnico do Instituto Benjamin Constant. Atualmente é Diretor do Instituto Superior de Administração Pública da FESP Nigel Brooke - professor convidado da Universidade Federal de Minas Gerais e consultor do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da Faculdade de Educação. PhD em Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Sussex, Inglaterra.
SUMÁRIO
APRESENTACÃO..................................................................................................................04 PRIMEIRO DIA CLAUDIO MENDONÇA.......................................................................................................07 ANA GABRIELLA PESSOA....................................................................................................................................32 NIGEL BROOKE....................................................................................................................45 SEGUNDO DIA LINA KÁTIA.............................................................................................................................73 ANA CANEN.............................................................................................................................89 LUCINDO FILHO...................................................................................................................107 GUIOMAR NAMO DE MELLO......................................................................................................................................116
APRESENTAÇÃO
“Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação de forma histórico-social de estar sendo. Faz parte da natureza humana, que dentro da história se acha em permanente processo de torna-se”
Paulo Freire
Vivemos uma conjuntura marcada por profundas e rápidas transformações
na vida social, política e econômica. A velocidade das mudanças é de tal ordem
que um famoso jornal da mídia televisiva brasileira tem como bordão “tudo muda
em 20 minutos”.
É impressionante o avanço da ciência, do conhecimento das forças
produtivas que a cada minuto alargam as fronteiras do possível, caindo uma a uma
as certezas, as verdades, abrindo-se a cada momento um mundo de possibilidades.
Isto se dá de tal forma, em meio a contradições e paradoxos, que enquanto se
encontram inúmeras soluções que prolongam e melhoram a vida humana, metade
da população do planeta ainda não tem acesso a direitos básicos, como saúde,
educação e trabalho ou este acesso se dá de maneira precária.
Mas apesar de tudo, como diria o nosso poeta Chico...”Apesar de você” a
Educação continua sendo vista como possibilidade de transformação, de
superação, de mudança, pois a Escola pelos seus processos e dinâmicas é
semelhante a um organismo vivo.
Vivemos em um mundo global, por isso mesmo padoxalmente cada vez mais
plural. Tudo isto se traduz e espelha na escola e nas nossas visões dos processos
educativos, da educação escolar, do papel de gestores e professores. A
complexidade da educação escolar, face às inúmeras contradições sociais, nos
leva a considerar e valorizar as tensões e conflitos e a não linearidade da
realidade.
Assim as idéias que foram apresentadas no “Seminário Política Educacional
para uma Escola Eficaz”, promovido pela CEPERJ (ex-FESP), e que aqui
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transcritas representam este sentido de pluralidade, de valorização de tensões e
vivências, não se fechando em verdades, mas em um profundo movimento de
leituras e reflexões sobre os caminhos e descaminhos da nossa escola, não àquela
reflexão imobilizadora, mas a que desafia e que leva a avançar, a propor, a
vislumbrar possibilidades.
No primeiro dia o Dr. Cláudio Mendonça analisando a educação e a escola
em diferentes contextos falou da principal missão da escola – a redução das
desigualdades – ou seja, a escola eficaz aquela que leva a expressiva maioria dos
alunos ao sucesso, à aprendizagem, ao máximo desenvolvimento de suas
potencialidades, respeitadas as diferenças, o que nos leva a tentar compreender
nessas experiências bem sucedidas em outras regiões do mundo os diferentes
conhecimentos que articulados possam vir a contribuir para que o Brasil alcance
suas próprias soluções para a construção de uma maior igualdade na Escola. Em
seguida a Prof. Ana Gabriela retoma a questão da desigualdade por meio de um
projeto que enseja a participação comunitária na escola Teach for América onde
a preocupação é justamente o resgate da dignidade de crianças oriundas de
famílias de baixa renda por meio da inserção do jovem universitário na
responsabilização do ensino destas crianças.
Ainda no primeiro dia tivemos as apresentações do Prof. Nigel Brooke que
tratando do primeiro tema abordou a história ou estado da arte no que diz respeito
às pesquisas sobre eficácia escolar, bem como o esforço de melhoria das escolas
com base nos resultados destas pesquisas. No segundo tema abordou a pesquisa
Geração Escolar 2005 – GERES - uma pesquisa longitudinal que acompanha o
desenvolvimento e trajetória de 20 mil alunos no Ensino Fundamental.
O segundo dia começou com a apresentação da Profa Lina Kátia que
abordou a importância dos indicadores escolares e de que forma o conhecimento
destes indicadores responsabiliza os diferentes segmentos para a melhoria da
qualidade da educação. Em seguida tivemos a apresentação da profa Ana Canen
que procurou discutir a importância do currículo e da avaliação da educação na
formação continuada dos professores para uma escola eficaz, o que incluiu
também a abordagem do eixo multicultural e a avaliação nesta perspectiva como
estruturadores de uma proposta curricular de educação e de formação continuada
transformadora.
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Em prosseguimento a programação do Seminário tivemos a exposição que
fiz das ações do Projeto Escola do Professor desenvolvido pela FESP em parceria
com a Prefeitura da Cidade de Itaperuna e que objetivou a formação continuada
do professor na elaboração de seqüências didáticas, a importância desta vivência
se dá em especial pela valorização do saber docente e da oportunização de espaço
de reflexão, tão importante como aponta a educadora portuguesa Isabel Alarcão
sobre a prática docente, no sentido da melhoria dos processos de aprendizagem.
Finalizando a programação fomos brindados com a apresentação da Profa.
Guiomar Namo de Melo que abordou a formação inicial e continuada do professor
com especial foco para a questão do professor iniciante na escola pública,
destacando que o investimento no professor é o mais sustentável e de melhor custo
benefício que tem na educação, em especial o professor que recentemente
concluiu a sua formação inicial, o que está iniciando suas atividades na sala de
aula.
Como podemos ver todas as apresentações tiveram preocupação com a
aprendizagem, com o fato da escola melhor cumprir o seu papel, ou seja, um
espaço onde o professor ensine, seja um facilitador da construção do
conhecimento e efetivamente o aluno aprenda. Não podemos em nome posições
ao redor ora de uma visão civil cidadã, ora posicionados em uma visão
produtivista de educação desconsiderar essa questão, porque está baseada na
realidade e demanda social por uma escola melhor.
Entretanto temos o dever de pensar quando nos deparamos com a
responsabilidade de ensinar, parafraseando Edgar Morin, com a questão da
fragmentação do conhecimento o que muitas vezes torna inútil ou sem sentido
para o aluno o saber que lhe é apresentado, o que torna importante a frase de T.
Eliot “Onde está o conhecimento que perdemos na informação?” Queremos alunos
com excelentes resultados, mas que saibam o que fazer com o conhecimento e
assim enfrentar os grandes desafios do cotidiano e de suas vidas?
Lucindo Filho
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Primeiro Dia
Claudio Mendonça
Presidente da Fundação Escola de Serviço Público do Estado do Rio de
Janeiro - foi Secretário de Estado e Presidente do Conselho Estadual
de Educação (1994) e Secretário de Estado de Educação (2004-2006).
Introdução
Falarei inicialmente, um pouco sobre o evento. A FESP recebeu 246 inscrições e tivemos que
fazer um processo seletivo para preencher as 160 vagas. Entre os selecionados temos 15
doutores, 19 mestres, 59 pós-graduados, 46 com nível superior e 11 com formação no Ensino
Médio e 6 Secretarias Municipais de Educação que mandaram representantes ou confirmaram
representação com secretários ou subsecretários.
Esse seminário tem por objetivo debater a eficácia do sistema educacional, mas também tem
um objetivo institucional para a Fundação. A FESP, como vocês sabem, é a Escola de Governo
do Estado do Rio, um órgão da Secretaria de Planejamento e Gestão que desenvolve
programas e projetos nas diversas áreas, inclusive na área de Educação, para órgãos
municipais, o governo do Estado e alguns órgãos do governo federal.
Dentre os serviços que a FESP presta, temos o concurso público, que é a principal fonte de
arrecadação da Instituição. E é da verba do concurso público, que parte é destinada para
outras ações de capacitação do servidor público, elaboração de publicações, desenvolvimento
de pesquisas, e também para a realização de eventos como este.
Sendo assim, foi o Governo do Estado do Rio de Janeiro, e várias cidades do nosso Estado, que
contrataram a FESP para realização de concurso de magistério ou de apoio administrativo, que
estão possibilitando eventos como este, pois como vocês sabem a FESP não tem nenhuma
finalidade lucrativa, portanto, estamos revertendo uma parte do saldo do concurso público
para a realização de uma atividade de pesquisa como essa e de difusão de informação
relevante sobre a área educacional, que é o que estamos fazendo aqui neste evento.
O seminário gerará um produto, que será a transcrição, a compilação e a sistematização de
todas as informações que forem colocadas aqui pelos palestrantes e que resultará em uma
publicação - isso normalmente demora uns dois meses para ficar pronto - e essa publicação
será distribuída para diretores de escola, para Comissões de Educação da Câmara Municipal,
para os ‘pauteiros’, para os jornalistas dos principais veículos de comunicação do Brasil,
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especialistas em Educação...
A maioria dos jornais não tem a figura do especialista em Educação. Infelizmente, hoje, a
situação financeira não permite que os jornais tenham o seu jornalista especialista em
Educação. Temos para esporte, para segurança, mas a Educação ainda não tem esse status.
Mas já teve. Hoje em dia isso não é possível, somente os grandes jornais como A Folha de São
Paulo, o Estado de São Paulo, O Globo, por exemplo, ainda possuem alguns jornalistas que se
especializaram nessa área, portanto, muitos desses editores e jornalistas irão receber essa
publicação.
Além deles, receberão também as Comissões de Educação da Assembléia Legislativa, do
Parlamento Federal - Senado e Câmara -, prefeitos municipais, enfim, pessoas que formam a
opinião e que são, muitos deles, tomadores de decisão no que diz respeito ao sistema
educacional. O nosso objetivo aqui é discutir a Reforma Educacional e a Escola Eficaz sob os
seus mais diversos aspectos. Vou fazer aqui uma panorâmica sobre a questão do seminário -
com o objetivo essencial de trazer aliados para esse tema tão importante, ou seja, dar aos
formadores de opinião e tomadores de decisão uma consciência maior sobre o que faz uma
escola ser eficaz e como é possível realizar uma Reforma Educacional no nosso país.
Além desta introdução falarei sobre a Reforma Educacional em alguns países do mundo. Tive a
oportunidade de nos últimos dez anos visitar diferentes países onde a Reforma Educacional
aconteceu com maior ou menor intensidade. Nem todos os países que tive oportunidade de
visitar, eu tive o tempo e a competência de colher subsídios suficientes para fazer uma
exposição sobre esse assunto, por isso eu vou falar essencialmente sobre os países em que tive
mais tempo e aonde fui em missão específica para conhecer as iniciativas de Reforma
Educacional.
Vou falar sobre a Colômbia, uma experiência específica que apresentou bons resultados. Vou
falar sobre o Chile, onde tive a oportunidades de visitar em 1998, 2006 e 2008, em três
momentos diferentes do país da América do Sul onde a Reforma Educacional está mais
avançada e talvez, o país do mundo onde a Reforma Educacional acontece com maior
intensidade e menor tempo. A maioria dos países que fizeram a Reforma Educacional levou
muitos anos no processo. O Chile está fazendo várias ações em um período curto de apenas 13
anos.
Também vamos falar um pouco sobre a Irlanda e a Finlândia, que são países muito bem
sucedidos na área de educação. A Irlanda com uma Reforma Educacional mais recente, a
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Finlândia com uma história mais longa de reforma, e também sobre a Coréia que é um país
também emblemático nessa área.
Depois da minha apresentação vamos ouvir a Professora Ana Gabriela Pessoa que fez
mestrado em Harvard e me foi apresentada pelo Professor Rafael Martinez, ex-subsecretário
de Educação do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Ela integrou uma das visitas que fizemos
aos Estados Unidos e demonstrou um entusiasmo muito grande com um programa chamado
‘TEACH FOR AMERICA’ que vai ser apresentado aqui. É um programa muito interessante que
envolve a questão da mobilização, enfim, envolve uma parcela importante da sociedade que é
o jovem na sua atividade de formação em nível universitário e que acaba sendo seduzido a
ingressar em uma escola pública e dedicar um ou dois anos da sua vida, ou até mais, para
lecionar para esses alunos. Então tem todo um processo aí de envolvimento da sociedade com
o processo educacional que é extremamente relevante. Essa iniciativa tem chance de se
espalhar por outros países do mundo, por isso a Professora Ana Gabriela vai apresentar o
programa, entre outros objetivos, para seduzir os tomadores de decisão e a sociedade
brasileira quanto à hipótese de se desenvolver uma ação semelhante a essa aqui no país.
O Professor Nigel Brooke, um de nossos palestrantes, eu já conhecia da leitura de artigos e de
alguns livros interessantes - um deles é um livro que eu já li uma porção de vezes, apesar de
ser imenso, chamado Pesquisa em eficácia escolar- origem e trajetória. Ele relaciona os
principais textos sobre o que faz uma escola ser eficaz ou não, o que faz com que uma escola
com igualdade de condições com outra tenha um alto desempenho em relação à anterior.
Quer dizer, o que faz com que alunos tenham alta taxa de aprendizagem, alta taxa de
aprovação e em igualdade de condições em relação à outra escola. Ele analisa documentos
extremamente importantes de pesquisa e depois relaciona, a partir da página 350 em diante,
os itens mais importantes de eficácia no sistema educacional e comenta cada um deles com
base na compilação de vários outros documentos. Além disso, o Professor Nigel é o
responsável pela pesquisa GERES, que pode ser facilmente encontrada na Internet. A GERES é
a única pesquisa longitudinal do processo de alfabetização do nosso país, portanto é um tema
extremamente importante, em especial para os gestores do sistema educacional dos
municípios.
Amanhã, às 9h da manhã, vamos ter a palestra da professora Lina Kátia, atual presidente da
Associação Brasileira das Instituições de Avaliação que, além disso, coordena o CAED da
Universidade Federal de Juiz de Fora, que é uma das instituições que formula, organiza e aplica
o Prova Brasil. Ela vai falar sobre os indicadores educacionais - é inconcebível fazer a política
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social sem indicadores da política educacional, então mais absurdo ainda porque a área de
Educação tem indicadores muito claros, clássicos e universais que podem e devem ser
utilizados -, ela vai falar essencialmente sobre essa questão dos indicadores e sobre a questão
da avaliação externa.
Depois, a segunda palestra que vamos ter no dia 24, é da Professora Ana Canen, que é PhD
pela Universidade de Glasgow. Ela foi a responsável pela elaboração do currículo do Estado do
Rio de Janeiro, que levou dois anos para ser construído, em 2004 e 2005. Ela fez um estudo
comparativo com o currículo do Estado de São Paulo, que acabou de ficar pronto. Esse é um
tema importantíssimo, tem pouca discussão no nosso país. É interessante verificar como
existem algumas coisas que o nosso país ainda não discutiu. A questão do currículo e a questão
da equidade. Raríssimas pessoas discutem sobre isso, pouquíssimas publicações, e nos jornais
são pouquíssimos os artigos que tratam sobre equidade no sistema educacional ou que tratam
sobre currículo. E currículo é tudo. Currículo é o alicerce da sociedade. Se você puder indicar
apenas um alicerce para a sociedade, um único, na minha opinião, não é da Educação, na
minha opinião o alicerce da sociedade é o currículo. O currículo educacional, que efetivamente
deveria congregar os principais valores científicos, humanos e morais. São os valores da
sociedade.
O currículo deveria representar a síntese valorativa da nossa sociedade. Vou falar um pouco
sobre isso porque, na Reforma Educacional, isso é uma coisa muito clara. Os irlandeses têm a
sua identidade pelo processo educacional e a identidade deles se forjou através do currículo. E
o currículo é a única coisa, foi a única trincheira que fez com que eles sobrevivessem 800 anos
de dominação, assim como os finlandeses sobrevivessem à dominação russa e sueca. É o
currículo que faz com que um povo não se transforme em outro. Os egípcios, por exemplo. Se
você for ao Egito, você não vai encontrar egípcio. Não sobreviveram, não existe nenhum
egípcio no sentido cultural da palavra. Uma das civilizações mais antigas do mundo, com 5 mil
anos, foi totalmente exterminada. Não existe mais nenhum que tenha identidade. Existe gente
que nasce no Egito, lógico, claro que tem, mas eles não têm mais nada da sua raiz.
Amanhã, na parte da tarde, vamos ter o Professor Lucindo Ferreira que irá falar sobre uma
experiência que desenvolvemos no município de Itaperuna sobre a elaboração de roteiros
pedagógicos, com a utilização da própria rede pública do município para a elaboração de
roteiros pedagógicos e difusão desses roteiros para os outros profissionais da rede, ou seja,
utilizar a própria rede pública para a melhoria da sua qualidade.
No final do nosso evento a palestra da Professora Guiomar Namo de Mello, que dispensa
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apresentações. Uma dos grandes nomes da educação brasileira dentre todos os demais
palestrantes. A Professora Guiomar tem uma longa trajetória na área de Educação, um
número enorme de livros publicados, e irá debater o que acho que é o tema mais grave da
educação dos países em desenvolvimento, que é a formação do professor. Essa questão, no
meu ponto de vista, talvez seja o ponto principal. A questão é, se a gente tiver que escolher a
prioridade número um do mal estar da educação dos países de Terceiro Mundo e do Brasil,
sem dúvida, a formação do profissional da Educação é a questão mais importante. A não ser
que a gente ache que o problema está no aluno. Se a gente tiver alunos melhores, nós vamos
ter educação melhor. Mas como isso não é possível, até porque a Educação é para fazer com
que os alunos sejam melhores, então a alternativa que nós temos é ter profissionais com uma
qualificação bem mais elevada. E aí tem a questão salarial, motivação... Existem várias outras
questões. Vou falar um pouco sobre isso, até comparando países no seu processo de Reforma
Educacional.
A Reforma Educacional em Vários Países do Mundo
O primeiro país que eu vou fazer referência é a Colômbia.
Aliás, antes disso, eu queria fazer uma pequena observação para vocês, uma pequena
reflexão. No ano de 2006, o jornal The New York Times fez uma série de reportagens, um
especial, sobre a Reforma Educacional ou a proposta de política educacional do No Child Left
Behind, do ex-presidente George Bush. Que pese as enormes críticas que o mundo inteiro, que
a sociedade inteira faz à gestão do ex-presidente Bush, esse programa significou, ao menos,
um aporte substancial de recursos ao sistema educacional americano. Ele investiu bilhões de
dólares em tecnologia educacional e levantou um debate extremamente importante que é a
questão da equidade.
Essa questão da equidade, como diz o livro do professor Nigel Brooke, não é uma questão
recente nos Estados Unidos. Desde 1965, quando já se debatia a questão dos direitos humanos
nos Estados Unidos e a questão das diferenças socioculturais entre negros e brancos – esse
debate era essencialmente em cima dos direitos civis americanos – se discutia se a escola seria
capaz de reduzir as diferenças sociais entre mais pobres e menos pobres, e nos Estados Unidos
isso tem uma conotação étnica muito grande, e a partir daí esse debate cresceu nos Estados
Unidos. E, como vocês sabem, o sistema educacional americano tem indicadores de altíssimo
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desempenho em alguns estados comparáveis com os melhores países, com os mais adiantados
países europeus, mas também têm estados com indicadores de desempenho muito baixo. E o
objetivo, talvez um dos objetivos da política educacional americana é tentar reduzir essas
diferenças entre escolas do mesmo estado e entre sistemas educacionais de diferentes
estados do modelo americano. E dentro dessa ótica, várias ações de redução das diferenças
entre as crianças já aconteceram, mas o No Child Left Behind, pelo próprio nome e pelo
emblema do projeto, ou seja, pelo foco do projeto, ele se fixou na questão da equidade onde
países têm melhor sucesso do que outros como me referi anteriormente. O símbolo mundial
da equidade educacional é a Coréia, aonde a diferença entre as crianças no sistema de
avaliação externa chega apenas a 7%, uma diferença pequena. No nosso país é 54% a
diferença entre os primeiros colocados e os últimos colocados no exame de avaliação externa.
A Finlândia está em torno de 14%, 15%, então a Coréia é o país aonde as crianças chegam
diferentes na escola, claro, o background familiar é diferente entre as crianças, mas ao longo
da trajetória educacional, faz com que aos 15 anos, quando fazem o exame, eles estejam
muito próximos uns dos outros e quase todos no indicador satisfatório. Essa talvez seja a
missão mais importante da escola. Quando a gente fala em mobilidade social que a escola
pode trazer, e a escola é o único instrumento de mobilidade social presente existente na nossa
civilização, aliás, é o único instrumento de mobilidade social lícito na nossa civilização, a não
ser as situações que envolvam as artes e o talento. A civilização mundial trata muito bem os
seus artistas, trata muito bem aquelas pessoas que os entretém. Nós pagamos altíssimos
salários a quem nos faz rir e, às vezes, nem tanto altíssimos salários a quem descobre alguma
coisa importantíssima para a ciência ou dá algum passo importante para o desenvolvimento da
civilização. Muitas vezes aquele reconhecimento nem acontece quando a pessoa está viva,
mas aquele que nos faz rir ganha uma fortuna, aquele que nos faz chorar é muito bem tratado
e a gente fica feliz quando compra aquelas revistas e vê como aquele cara que joga futebol
está sendo tão bem tratado pela sociedade, como ele é bem sucedido, como ele tem carros
legais, anda com mulheres bonitas, como tem uma vida tão legal. Isso não nos incomoda. Pelo
menos a maioria das pessoas não se sente incomodada quando vê muita gente que não
estudou, tendo um resultado social tão grande. Mas essas são as exceções. O instrumento de
mobilidade social que existe no nosso planeta é a educação e essa mobilidade social só vai
acontecer se reduzirmos as diferenças que as crianças naturalmente trazem em função da sua
história de vida, da sua situação sociocultural e por várias outras razões. E aí voltando ao
estudo do No children left behind, esse especial do New York Times começa com uma
pergunta, com uma série de perguntas, que parecem perguntas óbvias, mas são, pelo menos a
mim, muito inquietantes. O que faz uma criança ser mais bem sucedida do que outra, uma
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escola ser melhor sucedida do que outra escola? O que faz uma criança passar de ano e
aprender com maior desenvoltura do que outra em uma sala de aula? E dentro da mesma sala
de aula, ou dentro do mesmo bairro, ou até duas crianças gêmeas, que são criadas em
situações muito semelhantes e têm genes muito parecidos e desempenhos completamente
diferentes no processo de ensino-aprendizagem. O que seria isso? São os genes. O que faz
efetivamente as crianças mais pobres terem um desempenho pior do que as crianças mais
ricas, porque essa talvez seja a única coisa, o único indicador universal que nós temos em
educação. É que as crianças de origem social mais pobre têm uma tendência ao fracasso
escolar maior do que as crianças sociais menos pobres. Esse é o único indicador de todos os
países que nós temos, e esse é o esforço que todos os governos fazem para - ou pelo menos
deveriam fazer - para reverter esse processo socioeconômico. Por que é que as crianças
brasileiras que são pobres, já quando nascem, têm um destino que já está escrito para elas? E
que a escola que é capaz de mudar esse destino, que está escrito com o nascimento dela, é no
meu ponto de vista a escola eficaz. Porque o destino que está escrito para essa criança é um
destino de fracasso escolar, de baixa autoestima, de repetências sucessivas.
Eu li recentemente um livro da Maria Helena Pato, que fala que a repetência tem sujeito
indefinido. Você repetiu, não tem alguém que te repetiu. Você foi reprovado, mas não tem
assim, fulano te reprovou. Ou você se reprovou ou você foi reprovado por alguém que
ninguém sabe quem foi. É uma entidade que reprova, é um ser externo. E quando chega o final
do ano, aquele ente produz aquela mágica do mal, que é a reprovação. Então porque que
crianças ricas e pobres têm essa diferença tão grande? É porque os pais das crianças pobres
não ligam para a educação, os das crianças ricas se importam muito com a educação, essa é
que é a grande diferença? Ou as famílias das crianças pobres são desestruturadas e as das
crianças ricas os pais não se divorciam? São totalmente estruturados ou os genes dos ricos são
melhores que os genes dos pobres, será que é isso? Ou as crianças pobres veem mais televisão
do que as crianças ricas, as crianças ricas leem livros. As crianças pobres veem televisão, então
com isso elas não aprendem, são mal sucedidos. O que é que faz uma criança rica ter melhor
desempenho do que a criança pobre?
Bem, na Universidade de Kansas, dois especialistas chamados Hard e Resly selecionaram 42
famílias e fizeram um estudo vendo e gravando, uma vez por semana, essas 42 famílias, tudo o
que as crianças desde recém-nascidas, ouviram até os 3 anos de idade, ou seja, o pré-escolar.
Gravaram e constituíram uma equipe multidisciplinar que foram ouvir o que é que acontecia
na relação entre pais ou, normalmente, a mãe e a criança até os 3 anos de idade. Bem, eles
constataram e, depois fizeram testes com essas crianças, e constataram que, aos 3 anos de
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idade - fizeram teste de QI, ainda que esteja fora de moda, na época ainda se utilizava muito -
chegando à conclusão que o QI das crianças mais pobres era de 79, o das crianças mais ricas
era de 117. As famílias mais ricas não são ricas, eles chamam de famílias de classe profissional,
de famílias de classe trabalhadora, ou seja, profissional porque que tem carteira assinada, uma
carreira, não são exatamente ricos. E a classe trabalhadora é a mão de obra, assim, mais
braçal, menos qualificada. Essa é a diferença. Vou chamar aqui de mais pobres e menos pobres
para ficar mais clara a definição. Eles constataram que as crianças menos pobres tinham um
vocabulário de 525 palavras e, as crianças menos ricas, tinham um vocabulário pela metade.
As crianças mais pobres tinham menos palavras. Com isso tiveram a constatação do óbvio. Por
que é que elas tinham menos palavras? Porque as crianças que tinham menos palavras ouviam
menos palavras. A elas eram ofertadas menos palavras. E essas palavras não são diálogos, não
é? Nenhuma mãe senta na frente de uma criança de 2 anos e fica dialogando durante uma
hora e meia, não é uma conversa. Isso são expressões, a mãe conversa com a criança como se
ela estivesse entendendo, ela fala às vezes quando o pai está presente que o papai já está
chegando, que está vindo, que hoje ele está nervoso ou não está, enfim, o diálogo acontece.
Ainda que a criança não tenha a capacidade de entender, ela recebe uma quantidade de
palavras e expressões que a mãe traduz para o filho. E, muitas vezes, é a conversa mesmo. A
criança vai começar a andar, a criança vai mamar, a criança vai fazer determinadas atividades,
vai brincar com os primeiros objetos e aí deixa cair, vai pegar a colher, coloca na boca, enfim...
Está trocando a fralda, está conversando... E as crianças de camada mais favorecida, segundo
eles, tiveram 580 mil palavras durante os 3 anos. As crianças de camadas menos favorecida
tiveram 275 mil palavras durante esse período, então oferecer mais palavras produz um ser
humano com vocabulário maior. Eles classificaram essas palavras e constataram que, das 580
mil palavras, 500 mil foram de encorajamento e 80 mil foram de desencorajamento nas
crianças mais favorecidas. E nas crianças menos favorecidas, das 275 mil palavras, 200 mil
foram de desencorajamento e 75 mil apenas foram de encorajamento. Ou seja, as crianças de
0 a 3 anos, segundo o Hard e o Resly da Universidade de Kansas, as crianças mais pobres
ouvem muito mais "Cala a boca", "Para com isso", "Para de mexer", "Tira a mão daí", e as
crianças de camadas mais favorecidas ouvem muito mais "Caiu, não faz mal. Levanta de novo",
"Pode mexer", "Ai, que gracinha! Olha só, está comendo", "Olha, está todo lambuzado. Olha,
que gracinha"! O outro fala "Ai, meu Deus, já está todo lambuzado. Acabei de colocar a
roupa”.
Isso não tem nenhuma relação com amar mais ou amar menos. Isso, provavelmente, tem todo
um contexto social e socioeconômico a que essas mães estão expostas que acabam traduzindo
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ou trazendo essa situação de dificuldade socioeconômica para o dia-a-dia dessas crianças.
Claro, o nível de estresse é muito maior, o nível de tensão, o nível de pressão, o nível de
tensão emocional é muito maior. Isso acaba sendo transmitido para as crianças. Isso com três
anos. As nossas crianças brasileiras entram na escola aos seis. Tem três anos depois, antes de
chegar na escola. Você imagina o desnível que nós temos entre mais pobres e menos pobres
nas escolas do nosso país.
Fui visitar a Colômbia para conhecer uma experiência chamada Escuela Nueva que está no
Brasil também, em alguns estados do Nordeste. É um projeto que tem financiamento do Banco
Mundial e parece que por questão política, em alguns lugares onde o projeto está
acontecendo não estão muito favoráveis ao projeto hoje em dia porque estão com algumas
dificuldades de sustentabilidade do projeto aqui no nosso país. E, todavia, na Colômbia, esse
projeto tem 30 anos. Inimaginável ter qualquer coisa no Brasil durante 30 anos. Durar 30 anos
é coisa para o Exército, para a Igreja Católica ou, enfim, para instituições seculares. A gente
não tem programa social no Brasil que dure 30 anos. Ou que dure três... Mas, enfim, a Escuela
Nueva existe há 30 anos na Colômbia e é um programa que foi desenvolvido essencialmente
para as escolas da comunidade rural. O projeto essencialmente acontece na região das
províncias de cafeicultores, os “cafeteros”. Vocês sabem que a Colômbia é o segundo maior
exportador mundial de café, eles exportam essencialmente café para os Estados Unidos. E
aquele café ralinho que vem naquela ‘xicrona’ que a gente vê em filme nos Estados Unidos. É
um café que tem que ser sempre igual, eles trabalham com a seleção de grãos para garantir
que o café, em qualquer embalagem, qualquer momento, seja igual. Isso para um produto
agrícola é dificílimo. Você ter o mesmo produto de natureza agrícola todas às vezes, exige um
esforço muito grande porque a natureza não é igual. Então os ”cafeteros” de lá, resolveram
investir na formação profissional para ter um profissional melhor, para fazer um processo,
para dar uma contribuição profissional e garantir esse indicador de qualidade no café de lá.
Eles têm um gasto por aluno muito menor do que o nosso. A Colômbia tem um indicador de
repetência muito alto. Esse indicador de 9% é, inclusive, um indicador artificial. Coisa muito
comum no nosso continente, na América do Sul, e até no México também. Muito comum nos
países africanos e do Oriente Médio quando não consegue melhorar o indicador, resolvem o
problema mudando o indicador. Quando lutam muito contra a repetência e não conseguem
resolver o problema da repetência, o que é que fazem? Ou passam todo mundo de ano de
qualquer maneira ou então mudam o indicador da repetência, ou passam a buscar a
informação de outro jeito. Isso é muito comum. O colombiano fez isso para reduzir o indicador
de repetência. Vários países africanos reduziram seu indicador de AIDS dizendo que o doente
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não era doente daquilo. Então, com isso muda, melhora o indicador. Aí o ministro fica bem
sucedido. Mas logo essa farsa acaba vindo à tona. Mas enfim, eles têm indicador de
repetência relativamente alto como nós. O Ensino Médio deles só dura dois anos estão
tentando implementar no Ensino Médio o terceiro ano.
Mas o que é que tem de positivo nessa experiência da Escuela Nueva? O que tem de positivo é
que eles conseguiram utilizar a fraqueza que têm a favor deles. Isso não aconteceu de maneira
racional. Isso aconteceu em um sistema de sobrevivência, isso aconteceu por razões de
sobrevivência. A maioria das escolas da área rural do nosso país e da Colômbia também têm
um sistema multiseriado. É Multiseriado porque não tem alternativa, a escola é pequenininha,
as crianças são de idades diferentes, cada uma tem uma série diferente, não tem professor,
nem teria justificativa para a despesa que teriam para montar uma escola não multiseriada,
com tão poucos alunos por turma. E o fato é que a estruturação das escolas rurais brasileiras,
como as colombianas, é multiseriada. Lá a escola multiseriada tem alto desempenho, aliás,
aqui no Brasil também. Uma das coisas que muito me incomodou durante os seis anos que
analisei os relatórios do Programa Nova Escola aqui no Estado do Rio de Janeiro, eu ficava
sempre intrigado: “Mas por que é que essas multiseriadas conseguem ter resultados tão altos?
Deve haver alguma coisa errada. Deve ser porque são poucos alunos". A gente pensava mil
coisas “Será que é porque o professor ajuda na hora da prova? Só tem três alunos. Não é
possível". E as multiseriadas, muitas ficavam no nível quatro. Mas não ficavam no nível quatro
por causa dos indicadores de gestão, porque é mais fácil administrar uma escolinha pequena
que uma grande. Ficavam no nível quatro porque os alunos tinham alto desempenho na prova.
Eu não posso dizer exatamente porque isso acontece. Creio que isso acontece, e eu vi lá em
Manizales isso acontecer, porque a sala de aula multiseriada impede de se fazer o que eu
estou fazendo aqui agora, que é a pior coisa do mundo em matéria educacional. Palestra.
Ninguém aguenta palestra. Se eu não contar piada, se eu não ficar andando de lá pra cá, se eu
não falar coisas que atinjam o coração de vocês, ninguém aguenta. Vocês já experimentaram
pegar uma criança de sete anos de idade e ir jantar fora? É uma crueldade. Senta à mesa e fica
que nem a gente. Duas horas conversando. Três horas. Já comeu, já tomou café, continua
contando coisa... E todo mundo ali sentado. Isso é totalmente absurdo para uma criança de
sete anos de idade. A aula palestra é uma das coisas mais cruéis que podemos fazer com as
nossas crianças. Você achar que pode pegar um ser humano de nove, dez anos de idade e
colocá-la em uma cadeira desconfortável - essa cadeira é uma poltrona - aquela cadeira de
pau, e deixar essa pessoa 800 horas por ano sentada, assistindo uma palestra de um assunto
que ela não está entendendo, é totalmente absurdo. E muitas vezes com vocabulário que ela
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não domina. Então é como se eu estivesse aqui falando russo, explicando um problema
matemático. Você em uma cadeira dura, sem ar condicionado e não pode olhar pra nada e
tem que olhar pra mim. E não pode conversar e, se ficar se mexendo tem alguma coisa errada
com você. Isso se você tomar 10 Red Bulls porque a criança de 10 anos de idade já tem 10 Red
Bulls quando ela acorda. Só quem nunca teve filho ou não teve contato com criança pode
achar que esse projeto vai dar certo. Não vai! Esse sistema de palestras que fazemos é um
sistema que já nasceu para dar errado. E lá, acabou dando certo pela seguinte razão: não tem
professor pra todo mundo. Então como não tem professor para a primeira, para a segunda,
para a terceira e para a quarta, tem que juntar todo mundo na mesma sala. Se eu juntar todo
mundo na mesma sala, eu não consigo falar pra todo mundo a mesma linguagem. Você tem
uma criança com 10, outra com seis, não adianta. Eles se conscientizaram que não adiantaria,
porque senão você iria fazer uma palestra muito simplesinha para o de seis ou muito complexa
para o de 10. Então, nesse caso, só tinham duas professoras para as duas salas de aula: uma
turma com a primeira e segunda série e outra para a terceira e quarta. Sabem o que
aconteceu? Uma entrou em licença. Só sobrou uma. Eu fui ver e pensei “Essa senhora, coitada,
deve estar tomando alguma droga pesada”. Eu chego à escola e ela está em duas salas de aula.
Ela vai de uma sala para a outra. Eles desenvolveram o material didático, que lá dura 10 anos,
eles não têm grana, então o livro tem que durar 10 anos. Eles qualificaram os professores para
dar aulas pelo sistema de mediação. O que eles sabem fazer é isso. Então, na verdade, ela não
dá aula no sentido tradicional. Ela estimula um aluno a ensinar ao outro. E o que é que ela fez
para que os alunos conseguissem permanecer pelo menos na sala de aula? Porque senão eles
não ficariam dentro da sala de aula, eles sairiam. Para eles ficarem dentro da sala de aula, ela
“empoderou” – deu poder a todos os alunos. Todo mundo tem cargo. Parece o parlamento
brasileiro. Todo mundo é cacique. Então você chama e todo mundo se apresenta. O menino
levanta e ela fala:
- O que é que você faz?
- Eu sou o presidente dos estudos de Matemática.
- E você?
- Eu sou o vice-presidente dos estudos de Matemática.
- E o outro?
- Eu sou presidente do recreio.
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- O que é que você faz no recreio?
- Eu garanto que todos brinquem de maneira integrada, que ninguém se machuque, que
meninos e meninas consigam conviver – porque, sei lá, tem realidades totalmente
diferentes, enfim, todo mundo – e tem o vice, em todas as disciplinas, todo mundo tem
um determinado cargo, uma responsabilidade, e não têm altíssimos indicadores, mas
são as escolas rurais da América do Norte, do Sul e Central, exceto em Cuba, que
apresentam os melhores indicadores de escola rural que nós temos em todos esses
países. Ela faz a mediação com material didático, todo mundo faz trabalhos o tempo
inteiro. Claro que seria muito mais interessante se nós agora fossemos ver como está a
educação na Colômbia. Esse grupo aqui vai montar um projeto sobre a Colômbia, estão
aqui os livros, aí apresenta para o outro. Tem revista usada, tem jornal, vamos recortar,
vamos fazer uma dramatização. Como seria esse processo.
Para não fazer uma história linear desses países todos, até porque isso vai durar muito
tempo, eu vou trazer alguns paralelos.
Há uma pessoa chamada Robert Slavey, que tem uma organização denominada Sucess
for All (Sucesso para todos). Ele é integrante da John Hopkins University, e lá montou
um sistema chamado Cooperative Learning (Educação Cooperativa). Recentemente a
revista, acho que a Nova Escola deste mês, eu não li, mas vi que o título é sobre trabalho
em grupo. E a essência do trabalho desse cara é o trabalho em grupo. Onde o trabalho
dele está indo bem é na Pensilvânia, onde o governo realmente está investindo pesado -
ainda não tem os resultados avaliados de forma externa - mas o fato é que ele
desenvolveu uma teoria que é interessantíssima e óbvia. Ele parte do princípio de que as
crianças não querem, efetivamente, não serem crianças. Então quando elas são crianças
dentro do processo educacional, elas aprendem muito mais. Por isso, ele parte do
princípio de que o trabalho em grupo é a melhor alternativa para o desenvolvimento do
processo de ensino/aprendizagem. Aquele conhecido trabalho em grupo, que todos nós
achamos que é coisa de professor que não sabe nada, ou que não quer ensinar, ou que
quer fazer todo mundo passar de ano. Não são as três hipóteses? A criança chega para o
pai que fala: - O que é que teve?- Trabalho em grupo. - Ah, pronto. É para arrumar os
dois pontinhos que estão faltando. Ou é para ficar todo mundo de farra. Ou é o
professor que não sabe nada e bota a criançada fazendo isso para ele ficar descansando.
E, na verdade, é possível o professor ensinar Ciências sem ter formação em Ciências, até
porque não vai ter formação em todas as áreas, se ele fizer através da aprendizagem
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cooperativa. Se ele tiver que fazer palestra, ele não aguenta fazer. Você não consegue
fazer palestra sobre um assunto que você não sabe, mas você consegue ensinar sobre
um assunto que você não domina, desde que você estimule as pessoas a buscarem a
aprendizagem. Que você tenha o senso crítico de saber se aquelas informações são
valiosas ou não. Isso é possível. A teoria dele é imensa e eu nem conheço a teoria toda.
Eu li um livro dele, mas o que estabelece é mais ou menos o seguinte: o trabalho em
grupo é bem sucedido se, além da missão do grupo, tiver a missão de todo mundo
aprender. E se todo mundo for avaliado coletivamente, ou seja, se a missão, em vez de
se estudar o Escuela Nueva da Colômbia e apresentar o projeto do Escuela Nueva da
Colômbia, se esse for um pedaço da missão, mas a missão mais importante for todo
mundo saber da Escuela Nueva da Colômbia, a ótica do trabalho em grupo muda
completamente porque aí não fica um "Olha, você recorta, você escreve. Eu não faço
nada. Você compra a cartolina e eu ofereço a casa e os biscoitos". Nessa tarefa quem
oferece a casa e os biscoitos só entrou com a casa e os biscoitos. E aí tem um que vai
fazer o trabalho mesmo e o outro só vai recortar não sabe o quê. "Olha, recorta uma
pessoa aí". Então não existe o senso de todo mundo ter de aprender. Então, depois, se
você reunir o grupo e fizer perguntas para todos do grupo e se chamar um grupo para
perguntar ao outro e o outro para perguntar ao um, todo mundo tem que aprender. E se
a minha nota for dividida com a sua nota? Se a nossa nota resultou das suas respostas
mais as minhas, divididas por dois, eu tenho que te fazer aprender senão eu estou frito.
Muitos pais não gostam disso porque os alunos de alto desempenho acabam sendo
prejudicados, e ele não acha que isso tenha que ser 100% do caminho. Tem formas de
você pesar a avaliação, de fazer perguntas mais fáceis para grupos com maior
dificuldade de aprendizagem para tornar a disputa razoável. E o prêmio não precisa dar
dinheiro a ninguém. Nós vamos criar, talvez aqui no nosso país, um histórico de dar
dinheiro as pessoas para aprender. Ele fala que no futebol, por exemplo, no Brasil, as
crianças treinam e jogam muito para ganhar um pedacinho de metal, uma fitinha, um
aplauso, algum tipo de reconhecimento. Então necessariamente a aprendizagem
cooperativa e a recompensa da aprendizagem cooperativa não precisa se sustentar em
algum tipo de premiação financeira, mas o simples reconhecimento já é suficiente.
Agora vou falar sobre o Sistema Educacional no Chile. O Chile tem, como falei
anteriormente, três etapas de Reforma Educacional. A reforma começou em 1996 e tive
a oportunidade de ir ao Chile em 98. E o que caracteriza as três etapas da Reforma
Educacional do Chile? Primeiro, eles entenderam que existiam escolas de baixo
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indicador educacional e outras de alto indicador educacional, numa rede extremamente
heterogênea. A rede do Chile é parecida com a rede do Estado do Rio de Janeiro, em
tamanho e também em heterogeneidade. Nós temos escolas com alto desempenho e
escolas com baixo desempenho também. Temos que tomar cuidado porque, às vezes, as
escolas com alto desempenho têm um exame de ingresso que aí o alto desempenho é
darwinista. Não é um alto desempenho porque a escola é uma ótima escola, mas é um
alto desempenho porque os sobreviventes acabam tendo um alto desempenho. Apesar
disso, nós temos escolas que aceitam matrículas de forma generalizada e, mesmo assim,
conseguem obter alto desempenho, apesar dos indicadores socioeconômicos que essas
unidades têm. No Chile, eles constataram isso e iniciaram um programa chamado P900,
onde selecionaram as 900 escolas com pior desempenho e fizeram investimentos
educacionais na razão inversa dos indicadores das unidades escolares.
Resumindo, o que aconteceu na primeira etapa da Reforma Educacional do Chile de
1996 até 2004 foi que eles fizeram tudo que todo mundo acha que dá resultado em
Educação. Pelo menos o senso comum é esse. Eu tenho certeza absoluta que se você
entrar em um supermercado e chamar as pessoas que estão fazendo suas compras e
perguntar o que é que eles acham que deve ser feito na Educação Brasileira, eu tenho
certeza absoluta que ou não respondem nada ou dizem coisas assim, meio
fragmentadas assim como, “pagar melhor aos professores”. Mas a única política
educacional que vai aparecer vai ser “escola em horário integral”. E quando a primeira
pessoa falar isso, todo mundo vai repetir a mesma coisa como se fosse um mantra, e a
solução do problema educacional do nosso país. Vide as pesquisas qualitativas das
campanhas políticas. Eu assisti várias. Fica todo mundo perdido quando se fala em
Educação. Alguns falam do professor, assim, espontaneamente. Tem que valorizar e
pagar melhor! Até que alguém fala em horário integral. Até prepara um discurso... Um
pai, uma mãe, e faz um discurso bacana sobre isso. Na hora cola em todo mundo e não
sai daquilo. Por isso é que os nossos políticos costumam falar sobre esse tema. Porque o
eleitor fala sobre isso. No Chile, todas as escolas têm horário integral. Todas as escolas
têm Internet em banda larga. Aumentou em 150% o salário dos professores.
Infraestrutura completa. Uniforme para todo mundo. Transporte. Quase teve morte por
causa do transporte. Os temas de infraestrutura foram extremamente abordados bem
como o investimento que o Chile fez em educação. O Chile teve um ciclo virtuoso de
exportações por causa da alta do cobre no mercado internacional e enterrou o dinheiro
nisso. O governo chegou a aumentar o seu investimento em educação, percentual ao
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PIB, de 4,5% para 7%. Os grandes gastadores, Japão, Canadá, Estados Unidos, esses são
os que gastam muito em educação. A Finlândia gasta o mesmo que o Brasil, 4,5% do PIB.
Claro que o PIB per capita deles é maior. Mas o que acontece? Eles fizeram isso tudo e
no PISA de 2001, por exemplo, o indicador foi muito abaixo das expectativas da
sociedade. Não quer dizer que isso esteja errado. Citando o livro do Professor Nigel, se
você lê a primeira metade do livro, vai dizer “Bom, não adianta fazer mais nada. Vamos
desistir”. Porque as questões de infraestrutura favorecem, mas não trazem resultados
nos indicadores educacionais. O Chile fez um investimento enorme, isso a um custo da
sociedade, um custo altíssimo, que, para se colocar mais dinheiro em educação, sem
tirar dinheiro de algum outro lugar, exige um aumento da carga tributária da população.
E a população aceita isso pela causa da educação até mais do que aceita por outras
causas. Eu fiz uma pesquisa com o IBOPE sobre esse assunto e a população acha
razoável até ter um imposto extra para a educação. Mas tem que ter resultado, esse
resultado tem que aparecer. Quando não apareceu, houve uma grande decepção da
população chilena e eles iniciaram uma segunda etapa do processo de Reforma
Educacional já em 2008, buscando o início da responsabilização. Essa reforma está
caminhando até hoje e, até o ano passado quando eu estive lá, eles tinham
efetivamente estruturado um sistema de responsabilização mais alta. Como eles acham
que estão dando condições quase ideais para a rede pública chilena, coisa que nós não
temos no Brasil, há um preço muito alto do sistema educacional como um todo, eles
acham que existe um problema muito grave na questão da formação do profissional da
educação e estão estabelecendo um sistema de responsabilização do sistema
educacional.
O programa chileno chama-se Docente Más, cujo material está todo na Internet.
Levaram 11 anos negociando com o sindicato para que o programa fosse aprovado e,
em rápidas palavras, funciona assim: Eles contrataram a Pontifícia Universidade Católica
do Chile e reuniram 400 especialistas, qualificaram e nivelaram esses 400 especialistas
para fazer a análise de uma aula e análise de um professor. Estabeleceram uma relação,
um sistema de carreira, não é um sistema de gratificação, é um sistema de carreira em
que o salário pode ser aumentado de 5% a 25% de acordo com o desempenho do
professor nessa carreira. Como é que ele tem o aumento salarial? Ele primeiro se
inscreve, faz sua inscrição para uma primeira avaliação por esses 400 especialistas. Com
essa avaliação, ele monta um portfólio. O portfólio, ele constrói da seguinte maneira: é
fornecida ao professor uma lista de telefones de filmadores, na cidade ou no próprio
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bairro dele. Ele liga para essa pessoa e fala:
- Você é um dos credenciado do Ministério da Educação?
- Sou.
- Quando é que você pode vir aqui gravar minha aula?
- Quando é que o senhor dá aula?
- Eu dou aula terças e quintas, ou segunda à quarta, ou terça e quinta, em tal horário.
- Está bem, em um desses dias, eu vou aí.
O filmador se organiza, aparece na escola e filma uma aula do professor. Eu assisti
algumas. No início, é um ator. Depois vira um ser humano normal. Ninguém consegue
sustentar 50 minutos sendo o que não é. Não dá. No início, a gente vê que a pessoa está
nervosa, está com o vocabulário um pouco mais elaborado, está preocupada com a aula.
Depois, é a aula da pessoa. A essa aula filmada se junta o material que o professor
xerocopia dos cadernos dos alunos. Ele recebe 100 dólares de bônus para se inscrever
no sistema. Para ter esse trabalhão todo, ganha 100 dólares e, com isso, ele custeia
algumas despesas. Claro que a xerox ele utiliza a da escola mesmo, ele tira xerox do
caderno dos alunos, de alguns trabalhos, além dos trabalhos de caderno, alguns
materiais que ele acha relevante, uma prova que ele fez que achou que foi bem feita,
um trabalho em grupo que achou interessante... Ele reúne uma quantidade de material
e junta com o DVD, que ele depois verifica se foi bem gravado, se a luminosidade está
correta, se o áudio está bom. Além disso, ele procura um avaliador par, que é um
avaliador que tem uma formação acadêmica semelhante à dele, na mesma área do
conhecimento, para fazer uma avaliação do trabalho que ele faz. Pode ser um
conhecido, pode ser da mesma escola ou não. Além disso, ele pega o testemunho do
orientador pedagógico, um texto, uma análise técnica do trabalho dele. Pode ser o
diretor da escola ou o orientador pedagógico, se o diretor da escola tiver formação em
Pedagogia, ele faz uma análise desse profissional. Ele junta isso tudo e manda para a
PUC. A PUC recebe esse material e classifica esse trabalho pelo conteúdo, pela didática,
pela abordagem, interdisciplinaridade, isso tudo, em quatro níveis: destacado, que é o
top, competente, básico e insuficiente. São quatro níveis distintos. No nível básico, ele é
um profissional bom, mas com alguns momentos ruins. Ou seja, ele é irregular na sua
capacidade profissional. Então, com base nisso, ele entra direto no programa de
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capacitação. Se for considerado insuficiente, ele sai de sala de aula porque se ele está
fazendo um trabalho tão desastroso assim, é melhor parar de ensinar e a gente começar
um programa de capacitação do início. Se ele ficar três anos como insuficiente, ele sai do
sistema. Só 4% saíram até agora. É demitido. Se ele for classificado nesse penúltimo
nível, básico, ele entra no sistema de capacitação continuando a dar aulas e tem chance
de progredir. Se ele não progredir, vai permanecer ali, naquele estágio. E se ele for
classificado como competente ou destacado? Ele faz uma prova. E se ele ficar
competente e competente, ele vai ter 15% de aumento. Se ele for classificado como
destacado e destacado, ele vai ter 25% de aumento. E assim sucessivamente. Todo
mundo é obrigado a fazer, mas, como a fila é grande, demora. E a ministra da Educação,
a Professora Gimenez, prometeu que vai punir quem não aparecer um dia para fazer a
sua avaliação. Ninguém sabe se vai fazer mesmo, porque existe toda uma questão
política, etc. A autoavaliação tem 10% do peso e a entrevista com o professor par tem
20% do peso. Esse é o timeline do programa de melhoramento, no início do projeto,
elaboraram material didático específico... A segunda parte em 2006... Acho que é
basicamente o que eu falei. Os valores salariais são altos.
Irlanda.
A Irlanda é um país que paga muito bem os professores. Quando tenho oportunidade de
visitar um país desses ou uma escola em outro país, a primeira coisa que faço é ir ao
estacionamento da escola para ver os carros. Porque se você perguntar ao professor se
ganha bem, todo mundo vai dizer que ganha mal, então a verdade está no
estacionamento. Vendo o carro das pessoas. E na Irlanda os carros no estacionamento
são excelentes. Eu andei no carro do diretor de escola, um carro alemão. A Irlanda
esteve 800 anos sob dominação inglesa, as escolas são essencialmente administradas
pela Igreja Católica. Ser católico na Irlanda não é uma opção religiosa no meu ponto de
vista. Ser católico na Irlanda é ser irlandês. Ser protestante é ser contra o seu país. Não é
uma questão de crença. Porque o invasor era protestante, então ser católico é ser
contra o invasor. É a mesma coisa que se a Argentina invadisse o Brasil durante 600
anos, levasse as nossas reservas, desse os melhores postos nos governos, os melhores
postos nas indústrias aos argentinos durante séculos e a gente aprendesse espanhol.
Voluntariamente não acontece isso. Os países que lutaram contra os invasores,
simplesmente, lutam contra tudo o que pode vir daquela cultura. E a questão religiosa
foi muito importante para a resistência do povo irlandês, para que eles mantivessem a
língua. Inclusive, eles ensinam na escola o irlandês, que é dificílimo, mas mantém a
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identidade cultural. E mantiveram a identidade cultural com o maior tempo de
dominação da História da humanidade até hoje, 800 anos. E a escola é administrada
pela Igreja Católica. Existem várias razões para o sucesso da Irlanda, mas o fato é que
eles são grandes detentores de marcas e patentes e fazem um investimento muito
grande na área da formação científica, mas há um fato que eu quero destacar na
educação irlandesa. O número de imigrantes é muito grande hoje na Irlanda e os
salários são muito altos. Por isso tem muita gente, muitos estrangeiros indo para a
Irlanda. Eu conversei com pessoas do Conselho Nacional de Educação para tentar
entender como acontecia o processo dos imigrantes. O que acontece lá é que quando
chega uma pessoa de outro país, ele não entra direto em sala de aula. Ele vai para a sala
de aula, mas antes passa a ter uma quantidade enorme de classes de reforço no idioma.
O idioma é a única forma de aprender. Aquela história que eu falei de ensinar
Matemática em russo, ainda que Matemática seja uma linguagem universal, não dá para
aprender. Você imagina um brasileiro ir para a Irlanda sem falar inglês para assistir uma
aula? Não vai aprender absolutamente nada. E o que acontece na Europa com muita
intensidade, e na Irlanda com enorme intensidade. E qual é a grande preocupação dos
irlandeses? É que um asiático ou um latino americano, ou um africano vá para a Irlanda
em busca de uma oportunidade. Chegando lá, ele não possui uma formação alta, mas
ele sabe ser bombeiro e consegue ganhar bom salário porque o irlandês não quer
trabalhar consertando cano. Qual é a primeira coisa que ele faz? Traz a família. E eles
vão morar onde? Em uma rua aonde já mora alguém do mesmo país dele. Ele vai ser
vizinho de um filipino, que já foi há mais tempo, que, aliás, foi quem deu a dica que na
Irlanda há mercado de trabalho para bombeiro. Aí ficam as duas casas de filipinos, um
do lado do outro. As mulheres, claro que são países de Terceiro Mundo, são impedidas
de trabalhar. E também têm certos receios, querem cuidar da família, e acabam tendo
uma vida de dona de casa, o que é possível em um país como esse. Aí o que acontece? A
filipina com a filipina fala o quê? Tagalo. Claro! Os dois vão falar tagalo. Ou sebuano,
dependendo da região de onde eles vêm. Os filhos vão falar o quê? Inglês, irlandês? Vão
falar tagalo. E o pai? O pai fala tagalo o tempo todo com os amigos e um pouquinho de
inglês, só o necessário para cobrar conta, dizer qual é o serviço que será feito. O mínimo.
E ali vai começar a se formar um grupo de filipinos, daqui a pouco um bairro de filipinos.
E esses filipinos vão acabar desenvolvendo valores sociais das Filipinas. E vão se sentir
na Irlanda de passagem. O dinheiro que eles ganham, eles mandam para a Filipina. E o
sonho deles é voltar com grana para as Filipinas, ou seja, aquilo ali é um país de aluguel.
Então cometer um crime, pagar impostos, contribuir para a sociedade, se relacionar com
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o sistema social, não é comum. Vocês acham que isso é um problema europeu? Esse
problema tem enorme semelhança com o que acontece no nosso país. O Brasil tem essa
situação também. A barreira do idioma acontece entre as camadas extremamente
desfavorecidas e a categoria do magistério. Porque a categoria do magistério tem
habilidades de leitura e compreensão de texto razoáveis. Não são maravilhosas,
infelizmente, mas são de razoáveis para cima. O professor fala a linguagem culta. A
criança das camadas extremamente desfavorecidas do nosso país fala uma linguagem
própria. Não sei se alguns de vocês já tiveram contato, eu já tive várias vezes, é um
idioma muito diferente. O ‘já é”, a rapidez e a pobreza de vocabulário é imensa. Talvez
nós tenhamos uma parcela de crianças nas nossas salas de aula que não entendem o
português que o professor está falando. Peguem o filme em DVD “Pro dia nascer feliz”.
Vejam como os estudantes falam entre si. Tem um pedaço de uma aula em que o
professor fala sobre a Revolução de 30, a oligarquia rural dissidente. O que é isso? O
tenentismo. O tenentismo é uma coisa de tenente. PM talvez. Oligarquia rural e
dissidente. Oligarquia. E a política do café com leite. E falar de Getúlio Vargas! A
professora ainda fala "Porque Getúlio Dorneles Vargas".
A maneira, a abordagem e o idioma, eu acredito que pode estar na base de muitas
situações, não digo que sejam todas, ou problemas da Educação brasileira, mas, talvez,
estejam na base de muitos fracassos escolares. Isso é enfrentado na Irlanda da seguinte
maneira: eles investem no idioma e dão classes especiais do idioma e colocam dois
alunos ou três, que não falam aquele idioma, aprendendo, aprendendo, aprendendo
porque é no idioma que está a raiz da integração social. E a desintegração social que nós
temos no nosso país pode estar aí, pode ter como uma das causas as diferenças
idiomáticas que nós achamos que não temos. Mas creio que temos. E se você vê essa
criança conversando com os amigos dele durante 8 horas por dia, falando com a mãe
dele durante 3 ou 4 horas por dia, com o pai dele, quando tem contato com o pai, 1 ou 2
horas por dia, e quando ele chega na escola, o idioma que ele recebe é quase outro.
Existem diferenças graves em quantidade de vocabulário, em estrutura fonética que ele
tem que passar pelo menos 800 horas por ano, ouvindo outro idioma.
Finlândia.
É lá que estão os melhores indicadores educacionais do planeta. Melhores até que dos
da Coréia. Eles entram na escola aos sete anos e não aos seis. Eles chegam a ter dois
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anos acima da média européia. Eles têm, pelo menos, quatro anos de escolarização
acima do Brasil, ou seja, uma criança com 14 anos na Finlândia tem um indicador de
solução de problemas de Matemática ou de linguagem e interpretação de texto melhor
do que uma criança brasileira com 14 anos, que tem o indicador pior do que uma de 10
anos na Finlândia. Não vai dar tempo de mostrar, mas vai estar na Internet para vocês,
mostrando entre os municípios do Rio de Janeiro, crianças com 10 anos, crianças com 14
anos de idade com indicador de Língua Portuguesa e de leitura inferior a uma criança de
10 anos. No Estado do Rio, em redes públicas diferentes. E o indicador de gasto por
aluno, vocês vão ver que o gasto por aluno não tem uma relação direta com o
desempenho dessas crianças.
Na Finlândia, eles trabalham muito a questão da equidade, não tanto quanto os outros
países, como faz a Coréia. Na Finlândia, eles trabalham com um professor a mais em sala
de aula para fazer o acompanhamento das crianças que têm determinadas dificuldades,
que podem ser dificuldades de natureza neurológica, cognitiva ou emocional, ou pela
questão socioeconômica, dão aulas de reforço e, efetivamente, um esforço coletivo e
uma visão da sociedade contra essas dominações de que falei anteriormente. A
Finlândia tem altos indicadores educacionais, porém a única coisa que eu vi
efetivamente boa é uma grande autonomia dos diretores de escola. Podem contratar e
demitir os professores diretamente. Eles é que fazem a folha de pagamento. Isso é uma
diferença administrativa enorme entre a escola pública desse país e de vários países do
mundo. Eles têm a questão do amparo ao aluno com dificuldade de aprendizagem, por
isso é muito comum ter um biombo na sala de aula. O professor auxiliar chamam 2, 3 ou
4 alunos que ele está vendo que não estão acompanhando, chama-os no meio da aula
para trás do biombo e dá uma aula paralela àquela que está acontecendo para fazer a
recuperação simultânea. Não é recuperação paralela. É recuperação em tempo real.
Porque, às vezes, o aluno não tem a base. Está faltando um pouco mais da
aprendizagem daquele assunto para fazer o click. Se conseguir, muito bem. Se não, vai
para a aula de reforço. E não tumultua a aula, eu achei que isso era absolutamente
impossível. Falei “Bom, não vai conseguir”, mas são cochichos. E, às vezes, o professor
auxiliar senta do lado do aluno. Eu pensei que esse aluno iria ser ridicularizado, falando
"Olha aí, o cara do lado dele. Olha lá o burro". Eu não vi isso. Porque criança é cruel
mesmo, não é? Isso faz parte, isso tem que ser trabalhado no sistema educacional.
Muitas escolas conseguem fazer isso e eles, de certa forma, conseguiram.
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Nova York
Eles fizeram uma Reforma Educacional na cidade de Nova York bastante ampla. Vou
falar de alguns fundamentos mais importantes. Eles dividiram as escolas em, no
máximo, 300 alunos. Aliás, isso é presente em todos os países que eu visitei até hoje, e
que tiveram sucesso nos sistema educacional. Escola com mais de 300 alunos é tido
como escola que não funciona. As escolas de 1000 alunos, 1500 alunos nos Estados
Unidos foram fracionadas em 3. Tinham 3 andares, tem uma escola em cada andar. Aí
não tem banheiro de professor naquele andar, não tem sala de professor naquele andar.
É assim que está rolando. A explicação que o diretor da Secretaria de Educação deu é
que, se você acha que não pode ter mais de 40 alunos na sala de aula, o diretor não
pode ter mais de 40 professores porque, se ele é um professor dos professores, se ele
tiver 150 professores ou 150 alunos, ele não consegue administrar o processo de
ensino/aprendizagem, não consegue participar do processo de ensino/aprendizagem
com 150 funcionários. No encerramento vou falar mais um pouco sobre isso.
Eles fizeram um investimento enorme na qualificação de diretores, criaram uma
academia New York City Leadership Academy ou New Leaders for New Schools. São
duas academias, uma é não governamental, pequenininha, mas de excelência. A outra é
grandona, do governo, porém não tão boa. Mas estão qualificando diretores de escola,
não é qualificar diretor de escola contando história e fazendo palestra mais uma vez.
Eles fazem estudo de caso o tempo inteiro. Eles chamam pais que, na verdade, são os
funcionários da instituição que se fingem de pais de alunos e testam como é que o
diretor se sairia em uma discussão. Eles falam assim “Ah, porque estão brincando com o
nome do meu filho. O nome dele é...” - e é um nome engraçado mesmo. Tem diretor
que ri. Aí o cara fala “Isso é um absurdo. Minha família é tradicional, não sei quantos
anos"... Começa a gritar e vê como é que o diretor se sai. Eles filmam o diretor e
mostram a ele. Como é que ele estava agindo diante dessa circunstância. “Está
acontecendo preconceito com o meu filho”, enfim, pessoas que demonstram um
enorme nervosismo e vê como o diretor se sai.
Um desses diretores é o psicólogo Ky Adderley, que tem toda uma característica
especial. Ele mudou o gabinete dele para o corredor da escola, botou a mesa e o
computador no corredor da escola para ver os alunos o tempo inteiro. Quem chega
depois do horário. A aula começa às 7h, quem chega às 7:05h. Se não chegar às 7:05h,
ele liga para os pais. Celular ou para a casa. Se o aluno chega 3 vezes atrasado, ele vai na
27
casa. Bate, sem avisar. E chega para tomar um café. Ele quer mostrar que se importa
tanto ou mais com a educação dos filhos deles do que os próprios pais. E a visita do
diretor da escola nessas famílias é uma autoridade que está chegando.
Esse professor pegou uma escola com 20% de graduação no Ensino Médio. Eles têm um
indicador de graduação, eles pegam o orçamento da escola e dividem pelo número de
graduados. E a escola é boa, quanto mais graduados possuir na escola, quanto mais
alunos chegarem ao Ensino Médio. No Brasil, a escola tem seis turmas de primeira série,
três de segunda e uma de terceira com 18 alunos. Lá eles têm três turmas de primeira,
três de segunda e, estranhamente, três de terceira. A taxa de graduação que esse
diretor conseguiu passou de 20% para quase 100%. Estão com 97%, 98%. Por ter
conseguido essa proeza, ele é uma pessoa até festejada nos Estados Unidos. Mas o que
é que esse diretor fez de diferente? A diferença foi por ele e a equipe dele terem
algumas crenças. É basicamente ideológico o trabalho que essas pessoas fazem. Eles
acreditam que o aluno precisa aprender para realizar a sua mobilidade social, que todo
mundo é capaz de aprender, que a tarefa de educar não é responsabilidade solitária do
professor e sim coletiva, que os indicadores educacionais refletem o nível de proficiência
dos alunos - as pessoas têm que acreditar nisso, que os indicadores favorecem a
construção de uma estratégia eficaz, ou seja, é possível desenvolver projetos
educacionais e que os professores são capazes de elaborar e executar esses projetos.
Eles falam de forma coletiva o tempo inteiro. Eles colocam fotos por todos os corredores
dizendo que todos vão aprender. O que é algo que não é comum no ambiente escolar
do Brasil. Eu vi o diretor de uma escola conceituadíssima, quase número um no ENEM,
particular, levantar em uma reunião de professores e falar “Recuperação onde todo
mundo passa, tem alguma coisa errada aí". Ah tem alguma coisa errada. Como é que
todo mundo passou? Ou seja, para nós, todo mundo passar de ano é porque o professor
é frouxo. Ele nem é respeitado pelos seus colegas, pelos alunos, pelos pais. O professor
que tem 100% de aprovação tem perda de status. O status está na repetência. O status
profissional, ele é conquistado na base do alto indicador de repetência, dos nove zeros
no primeiro bimestre que ele distribui pela turma. Eu vi outro professor que faz uma
curva - é um professor de Matemática -, faz uma parábola: “Todo ano eu faço a mesma
coisa, eu pego as provas e tem um percentil que vai repetir, tem o percentil que vai ter
tal nota, tem o percentil que vai estar aqui e tem o percentil que vai ficar em
recuperação, não tem jeito. Seja lá quem forem as pessoas, o meu jeito é esse”. O
resultado vai ser o mesmo, ele é estável na repetência anual.
28
Finalmente, a Coréia.
A Coréia é um modelo de igualdade e oportunidades. É um país que pode ser
questionado no seu modelo educacional porque existe uma verdadeira histeria pela
educação na Coréia. O Congresso de Educação, inclusive, teve várias críticas e uma das
críticas muito sólidas no meu ponto de vista, é que o aluno, a criança, o jovem da Coréia
estuda 16 horas por dia e tem um indicador não tão melhor que uma criança da
Finlândia, que estuda 6 horas por dia. Então se você pegar o PISA (Programa
Internacional de Avaliação Comparada – cuja principal finalidade é produzir indicadores
sobre a efetividade do sistema educacional avaliando o desempenho de alunos na faixa
dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na
maioria dos países) e comparar com o número de horas, você vai ver que, na verdade, o
indicador da Coréia não é tão alto assim. Porque o esforço social, o esforço coletivo, o
esforço das famílias nesse processo é um esforço extraordinário. E a educação na Coréia
tem todo um sistema educacional, mas existe uma enorme competitividade pelas
universidades de excelência, como o Brasil já teve no tempo do vestibular unificado. A
classe média tinha uma verdadeira histeria com relação ao vestibular - hoje ainda tem
um pouco - uma verdadeira histeria pelos postos nas melhores universidades porque
aquilo garantia o futuro daquele jovem. Hoje em dia não garante tanto. Aquele que
passava para Medicina na UFRJ, a mãe dizia "Bom, minha missão acabou. Agora é só ter
a glória de um filho médico formado pela UFRJ, que vai ter um salário maravilhoso e
pronto". Hoje existe de maneira menor, mas na Coréia é exatamente isso. O nirvana está
em determinadas universidades, as famílias investem pesado e, inclusive a comunidade
participa da seguinte forma: Se uma criança de baixa origem social, em uma
determinada comunidade, consegue ter altos indicadores educacionais, a comunidade
se reúne em torno desse jovem, ou quando um determinado jovem de uma família está
no ano do vestibular, todos os irmãos sabem que a atenção vai ser para ele. O melhor
lugar, o que tiver, vai ser para ele. Eles passam a ser cidadãos de segunda classe na
própria família e são diferenciados dentro desse processo. A família coreana gasta, em
média, 22% do seu orçamento com escola, com reforço escolar que, às vezes, é dado na
própria escola e às vezes, é dado em casa. 22% do orçamento. Imagina se isso
acontecesse no Brasil. A Reforma Educacional aconteceria assim, na hora. Sabem por
quê? Porque se você for falar com uma mulher da classe trabalhadora, que acredita que
a educação é o caminho para a mobilidade social dos seus filhos, e não quer que eles
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repitam o ano, existem várias. Ela contrata uma explicadora por R$10,00. E o que é que
ela faz? Vê a hora em que a explicadora chega e vê a hora que a explicadora sai. Ela vê
se está tendo brincadeira ou se está estudando, ou se a criança está prestando atenção,
se a professora está efetivamente passando exercícios. Ela pergunta ao filho se ele está
indo bem, se ele está aprendendo, se está gostando. E o que é que ela quer? Saber se no
final do bimestre a nota aumentou. Não é assim? Isso é só da camada popular? Não, na
classe média é a mesma coisa. As mães de classe média contratam professor particular e
têm uma postura extremamente vigilante com o horário de entrada e de saída, com a
aprendizagem que está acontecendo, se a nota está acontecendo... Se a nota não está
acontecendo, ela está deixando de comprar alguma coisa para ela e está botando
dinheiro naquilo ali. Mas a escola também não é assim? Ou só cobramos do professor
particular que a gente paga? A postura pró-ativa das famílias brasileiras com os seus
professores explicadores, professores particulares, é uma postura extremamente
consciente, participativa, às vezes até agressiva. Não é a mesma postura em relação à
escola.
Essa mobilização que acontece em algumas escolas desse modelo de Reforma
Educacional, nesses países, é o que faz diferença no processo de Reforma Educacional.
Essas famílias, professores, diretores e orientadores educacionais, alguns ganham
salários enormes, outros ganham salários muito baixos, uns têm realidades excelentes,
outros têm realidades terríveis. O que eles têm em comum não é infraestrutura, não é o
salário e nem é a formação, que é importantíssima. É efetivamente a geração de altas
expectativas nas crianças e jovens. Eles trazem um profissional formado, um dentista e
falam “Nessa cadeira aí onde você está sentado, esse cara aqui sentava aí. E tinha aula
com essa professora aqui. E o quadro negro era esse aqui. O banheiro era o mesmo e o
pátio também. Olha aonde esse cara chegou. Você também é capaz”. Primeiro: são
capazes então de gerar altas expectativas no jovem. Ele não precisa estudar o
Absolutismo para ser caixa. Não precisa saber o que é mitocôndria para ser caixa. Se nós
não gerarmos altas expectativas, eles não vão enfrentar o desafio da complexidade
curricular do Ensino Médio. Segundo: apesar das suas dificuldades, apesar do seu
desamparo, eles tentam criar uma rede de relacionamento positiva na escola. Se entrar
uma pessoa na sala de aula e destilar todas as suas frustrações, amarguras, todas as
suas tristezas que teve ao longo do dia, ao longo da semana, ao longo da vida, aquilo se
espalha pela escola em uma rede de relacionamentos e contamina as outras salas,
contamina todas as áreas da escola. Aquilo é expelido e absorvido por quem sabe
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absorver, que são as crianças, que vão expelir para os seus colegas, que vão transmitir
para as suas famílias, e aquele sentimento de frustração e derrota se autoalimenta. Em
terceiro lugar: os diretores dessas escolas não acham que são diretores de centros
sociais. Eles acham que são diretores de escolas e que o ramo é aprendizagem. Porque a
escola, ela é um centro social, aliás, ela é um centro social que, às vezes, ensina. E não é
uma escola que, às vezes, funciona como centro social. Não é um lugar onde se aprende
que, às vezes, tem uma festinha. É, muitas vezes, um centro social onde eventualmente
se aprende. Se você pegar um cronômetro e andar com uma criança em muitas escolas
durante uma semana e bater no cronômetro o tempo de aprendizagem efetiva, de
atividade cognitiva real, você vai se surpreender como pouco isso acontece. Porque a
demanda do centro social, ela é presente, a demanda educacional é invisível. Aliás, a
demanda educacional, muitas vezes, não acontece. A demanda do centro social é real.
São 150 funcionários, um entra de licença, o outro fica doente, o outro não veio, o outro
chega atrasado, o outro é maluco, o outro é chato, o outro é revoltado. Tem que
administrar esse mundo de gente. Os pais não vão à escola para reclamar que as
crianças não estão aprendendo porque isso aí é normal. Vêm reclamar porque faltou
merenda, porque um brigou com o outro, porque estão achincalhando com o filho...
Vem reclamar disso. Nervosíssimos, tensos. Aí, a escola tem um restaurante que serve
600 refeições por dia. Sabe o que é servir 600 refeições por dia? Tem muito restaurante
que não serve 600 refeições por dia. Então tem a compra de alimento, tem controle de
estoque, tem que controlar a limpeza, tem que controlar os vetores. Se tiver alguma
coisa estragada ali dentro, você vai preso. Se alguém ficar doente, uma criança dessas
pode morrer. Muitas escolas possuem cozinha que é como se fosse um restaurante de
600 refeições por dia, que está te demandando o tempo todo. Faltou panela, quebrou
não sei o quê, faltou gás, estourou o cano d'água, está voltando esgoto para dentro da
cozinha. Se faltar merenda, é passeata batendo panela. Se todo mundo for reprovado, é
tranquilo, são preguiçosos mesmo. Esse é o processo, então é natural que aquela equipe
gestora administrativa vá atender o aluno que está gritando pelo histórico escolar ali
fora. O debate educacional acaba não acontecendo. Porque é dificílimo ensinar
Matemática. Exige muito, exige demais! Do professor, do aluno, do pai, da mãe, de todo
mundo. E ninguém sente dor quando não aprende. Não dói. Se você vai ao hospital e
não é tratado e não toma o remédio, o que é que acontece? Dói. Quando dói, a mãe fica
louca, quebra o hospital. A família vai reclamar do médico. O médico ficou de chegar às
6h, não chegou. São 6:30h. O médico ficou de chegar às 8h e não chegou. Cadê a
enfermeira? Cadê o médico? Está doendo. A ignorância não dói na hora, só dói depois.
31
Então, se você receber uma criança na sua escola, e fizer muitas coisas importantíssimas
de verdade, como escovar o dente, ensinar a tocar violão, colocar em um grupo de
teatro. Depois ele almoça e aprende hábitos de higiene, aí vai ao dentista para ver se o
dente dele está legal, faz exame de vista para ver se ele está enxergando bem, vai no
médico para saber se o peso dele está legal, enfim, ele pode ter uma agenda intensa
durante a semana inteira de coisas relevantes e importantes... Uma palestra sobre DST,
sobre drogas, jogar bola... Coisas relevantes. O esporte é fundamental, a saúde também,
lógico. Ele pode ter uma agenda intensa, chegar em casa e contar um monte de coisa
que ele fez. Ele só não sabe multiplicar. E ele aprende cidadania, que é uma coisa
importante, a visão crítica do mundo, a História do Brasil, os problemas brasileiros, mas
não sabe ler jornal porque ele não sabe ler. E ele não sabe nem quando é uma opinião
do dono do jornal ou quando é uma notícia que está sendo narrada, então ele não tem
cidadania porque, na verdade, ele não sabe identificar as opiniões que estão ali sendo
colocadas. Ele não pode criticar aquilo que ele está recebendo. É uma cidadania oca, de
mentira. Então, a diferença que esses diretores de escola fazem é que eles se debruçam
sobre uma coisa que pouca gente se debruça: o processo de ensino e aprendizagem e
veem quem é que está aprendendo, quem é que está ensinando e buscam os alunos que
têm dificuldade de aprendizagem e trabalham com eles de forma individual, igual a
quando você vai a uma academia de ginástica. O que é que a pessoa faz quando vai à
academia de ginástica? “Qual é a sua expectativa? Quer diminuir a barriga? Quer
aumentar a perna? Quer ficar mais forte, mais magro? O que é que você quer? Qual é a
sua expectativa? É alta ou baixa”? Não é assim na academia? Aí, de acordo com a sua
expectativa, ele vai ver a sua potencialidade. Você vai fazer os seus testes, vai levantar
um peso, está aguentando, não está, está aguentando? Com base na sua expectativa, na
sua potencialidade, ele faz o quê? Uma ficha, que é o seu plano individual de ginástica. A
pessoa tem que ter o seu plano individual de estudo, feito de acordo com a sua
expectativa e com a sua capacidade. Do jeito que você está. Funciona na academia de
ginástica e deveria funcionar no processo educacional.
Ana Gabriela Pessoa
Bacharel em Política, Filosofia e Economia e mestre em Educação.
32
Teach for America
Primeiro eu queria agradecer essa oportunidade. Agradecer ao Claudio e à FESP por terem me
convidado para falar sobre o Teach for America que eu conheci quando estava fazendo
mestrado em Políticas Educacionais nos Estados Unidos e, realmente fiquei fascinada por esse
programa. E mais que tudo, o que eu quero fazer uma apresentação breve do Teach for
America, pois tenho muito mais interesse em saber o que vocês acham e se tiverem alguma
pergunta específica, porque acho que é um modelo que pode ser adaptado no Brasil, mas,
claro, tem uma série de barreiras aí que terão que ser enfrentadas.
Antes de falar especificamente sobre o Teach for America, tem dois slides que eu queria
mostrar que eu acho que tem tudo a ver com a palestra que o Claudio acabou de dar. Primeiro
é esse gráfico que vocês já devem ter visto ou já devem ter ouvido falar em algumas pesquisas
que fazem aqui no Brasil. É um gráfico do PISA que é uma avaliação do OECD, Organização dos
Estados Europeus que fez uma pesquisa no mundo inteiro, com diversos países, sobre a
situação do desempenho acadêmico dos alunos. O Claudio falou bastante sobre a Coréia,
Finlândia, Irlanda e os países aqui da OECD. Estados Unidos também. Mas o que é que ele
mostra? Que por exemplo, na Finlândia, a maioria dos alunos está muito acima da média. Eles
atingem alto nível de proficiência. Aqui, no caso, é leitura nível cinco. Eles são muito bons
alunos. Vocês podem ver que, por exemplo, Uruguai, Brasil e México estão bem atrás. Muitos
estão abaixo do nível 1 e até abaixo do nível zero. Mas não é só isso, poucos alunos atingem o
nível cinco. Esse estudo aqui inclui alunos com 15 anos de idade. Esse teste foi feito com
alunos de 15 anos de idade. Então verificamos que a gente está muito mal. Quer dizer, os
nossos melhores alunos não chegam nem à metade do que a Finlândia é. A Coréia é. Por isso
achei importante falar sobre isso depois da apresentação do Claudio para mostrar como é que
a gente está em relação ao mundo. Esse outro gráfico mostra o gasto por aluno, relativo ao
desempenho acadêmico. Também da pesquisa do PISA – verifica-se o seguinte, países como a
Finlândia, gastam bastante com os alunos, mas têm um desempenho acadêmico muito alto.
Agora vamos ver os Estados Unidos. Ele gasta muito por aluno e não tem um desempenho tão
bom. Outro exemplo, o México. O Brasil é comparável ao México. O México gasta muito
pouco e o desempenho é muito ruim. Aqui demonstra que tem certa correlação entre gasto e
desempenho, mas que países que não gastam tanto, têm um melhor desempenho acadêmico.
E aí entra todas as discussões que o Claudio já levantou, que são as políticas educacionais, por
exemplo, por que é que a Finlândia, Japão, Suécia e outros gastam menos que os Estados
Unidos e têm melhor desempenho acadêmico? Então enfim, são duas questões que eu coloco.
Primeiro que o Brasil está muito mal em relação ao resto do mundo e, segundo, essa questão
33
do gasto por aluno.
Agora vou falar do Programa Teach for America.
O problema aqui é o seguinte: na maioria dos casos, a origem da criança determina o
desempenho acadêmico. Esse é o problema que o Teach for America quer enfrentar. Então o
que é o Teach for America? É uma organização sem fins lucrativos, uma ONG, que foi fundada
em 1989, nos Estados Unidos, com a missão de acabar com a desigualdade de acesso ao
ensino de qualidade, a desigualdade acadêmica nos Estados Unidos. Ela foi fundada por uma
jovem, na época, ela tinha 23 anos, uma moça que se formou da Universidade de Princeton e
não queria trabalhar em banco, nem em consultoria, nem nos empregos mais valorizados. Ela
quis começar outro tipo de movimento onde recrutava os jovens, começando pelos amigos
dela, para fazerem uma coisa totalmente diferente que era darem aula em uma escola pública.
Ela entendeu que o maior problema da sociedade, em 1989, quando ela começou esse
programa, era a desigualdade acadêmica. Então, como é que esse objetivo é alcançado?
Exatamente isso, ela recruta e treina esses jovens, ela recruta jovens das melhores faculdades
americanas, como Harvard, Yale, Princeton, Pen, Standford. Só recrutava das melhores, para
serem professores em escola pública durante dois anos. Importante dizer que eles não eram
formados em Pedagogia. São formados em qualquer matéria. Pode ser Economia, Biologia, etc.
A ideia é a seguinte: se você é um bom aluno em uma excelente universidade americana, você
é capaz de dar aula sobre aquele conteúdo para o Ensino Médio e o Ensino Fundamental. Essa
é a teoria que ela propôs. Então esses jovens saem da universidade e vão dar aula em uma
escola pública, em comunidades de baixa renda, durante dois anos, no mínimo. E qual é o
impacto desse programa até hoje? Mais de 17 mil pessoas fizeram parte desse programa de
treinamento. Fizeram o Teach for America desde 1990, com mais de mil escolas e mais de três
milhões de alunos atingidos. Esse é o mapa dos Estados Unidos e as cidades onde o Teach for
America está presente. No ano escolar de 2007 para 2008, mais de cinco mil co-members e
eu deixei mesmo em inglês porque é como eles são chamados. São membros desse corpo. A
tradução seria isso: membros desse corpo - trabalham em 26 regiões urbanas e rurais dos
Estados Unidos. Agora, por que é que eles não estão em todas as cidades se é um programa
tão bom? Os Estados Unidos é dividido diferente do Brasil em termos de política. Ele é
descentralizado. Cada estado tem que aprovar se quer implantar ou não o Teach for America e
é por isso que ele não está presente em todos os estados.
O que é essa teoria de mudança? Eles propuseram que o desempenho escolar é resultado de
vários fatores. O primeiro fator é a questão socioeconômica. A pobreza, a discriminação, a
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falta de possibilidade de mobilidade social causam esses desafios. Então, voltamos à primeira
premissa de que a origem da criança é parte do problema, quer dizer, já determina se essa
criança vai ter sucesso acadêmico ou não.
O segundo ponto é a questão do sistema escolar. Nos Estados Unidos as escolas não tinham
estrutura suficiente para atingir a todos os alunos, alunos que têm mais dificuldade ou alunos
que demandam mais atenção, com isso, nem todas elas atingem o seu potencial. E,
finalmente, o terceiro fator são algumas ideologias já ultrapassadas, principalmente, em
política pública. Havia muita resistência das pessoas que já estavam no sistema.
Para o pessoal do Teach for America, estes são os três fatores: socioeconômico, sistema
escolar e a ideologia. Eles diziam - “Bom, esses são os nossos problemas, então esses são os
problemas que vamos atacar e enfrentar com o Teach for America”. E qual era a solução?
Como é que se resolve esse problema? Eles criaram esse movimento e, hoje em dia, o Teach
for America é um dos 15 lugares mais procurados para se trabalhar nos Estados Unidos, dentre
todas as empresas, incluindo todos os bancos, Google, enfim, todas as grandes empresas. Eles
têm uma percepção muito grande de qualidade. As pessoas querem fazer parte do Teach for
America.
Quais são os objetivos do Teach for America? Em curto prazo, eles querem recrutar os jovens
que nunca pensaram em entrar em uma realidade de educação pública para serem
professores nas escolas mais difíceis, onde existem maior número de problemas, ou seja,
trazer os melhores para atender os piores alunos. E eles ficam no programa durante dois anos,
no mínimo. Os “co-members” são responsáveis por demonstrar desempenho acadêmico dos
alunos, e são muito cobrados por isso. Ao final do primeiro ano de programa, eles têm que
fazer a certificação para serem professores da rede. O segundo passo é o seguinte: quando
esses jovens saem desse programa ou, enquanto estão fazendo parte desse programa, eles
estão completamente transformados porque, muitos deles, nunca viram essa realidade e não
conhecem de perto uma situação que é muito precária, uma série de problemas. E como são
os agentes de mudança, eles é que têm que mudar, eles é que terão que fazer o sistema
funcionar e são cobrados por isso. Então é claro que isso afeta a cabeça das pessoas, como
eles se relacionam com educação no futuro, nas profissões que eles vão seguir após terminar o
programa. E, a longo prazo, esses jovens seguem e alguns escolhem carreiras fora de
Educação, mas seguem com essa paixão por melhorar a educação. Isso permanece para
sempre. Muitos vão abrir escolas, vão fazer coisas ligadas à política educacional, etc. O bom é
que isso tudo leva a excelência educacional.
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Como é que acontece o programa Teach for America?
A seleção é rigorosa. Mais ou menos vinte mil pessoas participam dessa seleção, por ano, para
no final serem selecionados apenas cerca de cinco mil pessoas. Eles passam por um
treinamento de cinco semanas intensivas durante o verão. Lá o ano escolar começa em agosto,
que corresponde ao verão americano. Eles simulam situações reais do que pode acontecer
dentro de uma escola. Como eles não possuem formação em Pedagogia têm que aprender em
cinco semanas o que uma pessoa aprende em anos, estudando em uma faculdade.
O primeiro ponto desse treinamento e a questão de dar aulas. O primeiro passo é o seguinte:
eles ensinam alunos, sob a supervisão de outros professores. O segundo passo é a questão de
observação e feedback, quer dizer, os instrutores do Teach for America estão lá o tempo todo
monitorando o progresso desse pessoal. Eles oferecem feedback e comentários ao longo do
programa. Sempre que alguém está dando aula, o professor está lá, analisando e orientando:
“faz assim, não faz assado, é melhor assim, a prática diz isso, a teoria fala aquilo". O
treinamento é calcado na prática. Depois, passam para uma sessão de reflexão, onde analisam
os dados de desempenho acadêmico dos alunos e o que efetivamente podem fazer para
melhorar esse desempenho. Por exemplo: O aluno está mal em Matemática. Quais serão as
estratégias a serem usadas? Concretamente, o que é que a gente vai fazer? E aí, põe em
prática. Depois eles ensaiam em pequenos grupos, que é o que o Claudio estava falando, não
é? Por exemplo, vem um pai, reclama do sistema. E aí, o que é que eu faço? Isso tudo é
documentado, é gravado, é monitorado. Tem um forte componente aí de avaliação. E,
finalmente, eles têm essa questão do planejamento em sala de aula, que é um termo muito
usado nos Estados Unidos - classroom manegement - que é a gestão de sala de aula e isso é
uma arte. Vocês que dão aula sabem que gerir uma sala de aula é difícil e que já existem
muitos estudos sobre isso e eles põem em prática o que já está comprovado na teoria e,
enfim, levam isso para a sala de aula.
Tem outra parte aqui que é a questão mais específica de conteúdo. Então, por exemplo, se
uma pessoa se forma em Economia na faculdade, ela vai dar aula, vamos supor, de
Matemática, mas ela tem que saber qual é o conteúdo de Matemática que tem que ser dado
naquele ano para aquele nível. E, lógico, que ela formada em Economia, não necessariamente
vai saber isso, então ela tem que ser treinada nisso. Então eles passam por todo um
treinamento específico do conteúdo que eles vão ensinar durante aquele ano. Esse é o
treinamento durante essas 5 semanas anteriores à entrada na sala de aula. Ao longo do ano,
tem treinamento freqüente. Com professores, com pessoas que já fizeram o Teach for America
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e voltam para ajudar, enfim, a rede de relacionamento é bastante forte.
Um resumo do impacto do Teach for America: Em 2008/2009, nesse ano cerca de 6.200
pessoas foram selecionadas. Acho que foram mais de 20 mil pessoas que tentaram se
inscrever no programa. Vinte e nove regiões atingidas, mais de 1600 escolas. Só nesse ano, 400
mil alunos atingidos. E, desde 1990 foram três milhões de alunos. Esse é o número de pessoas
que já fizeram o Teach for America: 14.400. E aqui, 93% das pessoas que fizeram o Teach for
America continuam envolvidas de alguma forma, seja por filantropia, trabalho voluntariado,
treinando, enfim, permanecem com o programa. Aqui é o resultado do desempenho
acadêmico porque aí, claro, surgem as perguntas "Mas será que funciona"? Bom, algumas
pesquisas mostram que sim. Em 2008, essa pesquisa do Urban Institute mostrou que um
professor do Teach for America é três vezes mais eficiente do que um professor com 3 anos ou
mais de experiência. Então o resultado, o impacto do desempenho acadêmico escolar - aqui a
gente está falando do desempenho escolar do aluno -, com o professor do Teach for America,
é três vezes superior. Em 2004, esse outro instituto, Matematica Policy Research, mostrou
que, em um ano, os professores do Teach for America conseguiram dar um salto de 10% no
resultado de Matemática dos alunos. E aqui, em 2004, uma outra pesquisa, feita por um
instituto independente, mostrou que 94% dos diretores das escolas acham que os professores
do Teach for America têm um impacto positivo no desempenho acadêmico e na escola. Então,
o que quer dizer? Os diretores estão felizes, eles querem contratar mais gente do Teach for
America. Esses são os dados.
Bom, e aí o que é que acontece com esse pessoal depois desses dois anos. O que é que eles
fazem? Esse gráfico aqui mostra o seguinte: 67% ficam em Educação, 8% vão para Direito, 5%
Medicina, 4% Administração, 4% Política Pública, e aí os menores, ONG’s, Ciências da
Tecnologia, Humanas. Mas o importante a dizer é o seguinte: depois desses dois anos, pessoas
que nunca pensaram em entrar nesse setor de Educação, no amplo sentido da palavra, ficam
em Educação, quer dizer, alguma coisa acontece porque eles gostam, não é? E aqui, desses
que ficam em Educação, 50% permanecem como professores, o que é muito curioso. Então,
quer dizer, eles ficam na sala de aula, querem ficar como professores na sala de aula. E 16%
vão ocupar outros cargos dentro das escolas, 9% vão para ONG’s e outras áreas de Educação,
6% viram diretores de escola, 6% vão para o ensino superior, 2% vai para a Secretaria de
Educação e 1% fazer mestrado, doutorado em Educação. Mas esse dado é muito importante.
São pessoas que nunca pensaram em trabalhar em Educação. Nosso problema é que a gente
está dizendo “Bom, como é que a gente atrai as melhores pessoas para pensar em Educação,
para melhorar a Educação”? Isso pode ser uma solução.
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Bom, e aí é o seguinte, o Teach for America, em 2007, começou a receber muita demanda do
mundo inteiro, pessoas que queriam levar esse modelo, que já estava funcionando nos
Estados Unidos, para outros países. Eles montaram essa rede chamada Teach for all, que é
exatamente isso, para replicar o modelo do Teach for America em outros países. Esse é o
primeiro ano do Teach for all nesses países. Isso aqui é uma matéria só do Enseña Chile, que é
o nome do programa, como eles colocaram no Chile, que vai começar agora. Eles já fizeram
uma seleção, estão com 50 pessoas para começar agora, quer dizer, já começaram em março.
Cinquenta jovens das melhores faculdades para dar aula nas escolas mais carentes. Então aqui
“A revolução das salas de aula”. Então falam que o programa que veio dos Estados Unidos está
sendo replicado agora no Chile. Outro é o Teach for India que está também começando na
Índia. Eu queria trazer isso porque são alguns dos cartazes que eles estão usando para
propaganda, para recrutar essas pessoas. Esse aqui diz o seguinte: "1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8,9, 10!
Somente 40 de cada 100 crianças nesse país podem contar até 10" na Índia. Aqui diz:
“Quarenta por cento das crianças na Índia não sabem escrever o seu nome”. É uma campanha
que fala sobre liderança, que é um chamado, que você tem que melhorar sua nação
recrutando para o Teach for India. Enfim, a Índia é diferente do Brasil, mas também nem tanto.
Acho que a gente tem coisas similares aí. Essa é a frase - eu deixei em inglês -, essa, na
verdade, é a visão da Wendy quando ela começou o Teach for America e o livro que ela
escreveu sobre a história dela com o Teach for America. Esse é o nome do livro: “Um dia todas
as crianças terão a oportunidade de atingir uma educação de excelência”. E é isso.
Se alguém tiver alguma pergunta, alguma dúvida...
Espectador 1:
Os co-members são remunerados pelo Teach for America? E outra coisa que eu queria saber
também... Provavelmente, é muito diferente daqui para eles conseguirem entrar nas escolas
públicas porque eu acho que, até o Claudio já tinha dito que lá eles têm autonomia para
contratar de fora os professores, não é?
Ana Gabriela:
Ótima pergunta! É importante dizer o seguinte: nem todas as escolas têm autonomia para
contratar e demitir professor. No Estados Unidos tem um negócio chamado Charter School e
as Charter Schools são escolas públicas administradas de maneira privada. O que é que isso
quer dizer? "Ah, eu sou uma associação de pais e eu quero fazer uma escola aqui que vai ser a
melhor escola dos Estados Unidos de Matemática". Aí você tem que fazer um projeto, uma
38
apresentação para a Secretaria de Estado local e você é cobrado praticamente diariamente no
resultado. Então essas são as Charter Schools. Essas sim têm autonomia para fazer o que
quiserem: currículo, administrativo, enfim... Eles recebem o mesmo dinheiro por aluno do
governo. Exatamente a mesma coisa é transferida. Agora, no momento em que a escola não
está dando resultado, tchau, acabou, fecha as portas. Essa é uma maneira bastante criativa
que os Estados Unidos encontrou. Começou mais ou menos nessa época, 15 anos atrás. Todo
esse movimento de Reforma Educacional nos Estados Unidos começou há 15 anos atrás. Uma
maneira criativa dar mais autonomia a empreendedores de Educação e têm escolas excelentes
que são Charter Schools. Agora, só representam 3% das escolas nos Estados Unidos, que é uma
parcela bem pequena, bem pequena ainda. A grande maioria está na rede que não tem
autonomia, como é aqui. Então esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é sobre o
pagamento dos professores do Teach for America. O Teach for America recebe exatamente o
mesmo valor que recebe um outro professor. Exatamente. Então se o professor recebe X por
ano, o Teach for America vai receber exatamente igual, não há diferença no salário. Agora, eles
têm incentivos, é claro. Porque como é que você pega uma pessoa que se formou de uma
super universidade, que larga um emprego em que iria ganhar uma fortuna, para dar aula em
uma escola pública? Aí quais são os incentivos? O governo consegue dar uma bolsa de estudos
para depois eles fazerem um mestrado. E o Teach for America, como organização, tem contato
com as melhores faculdades americanas, então, as pessoas que depois querem fazer mestrado
têm uma carta de recomendação, entendeu? Eles têm toda uma entrada para depois fazer
esse mestrado. Essa é a primeira coisa: a bolsa. A segunda coisa é que, como o Teach for
America é uma ONG, ela é independente, ela pode arrecadar fundos também, então eles
fazem isso, fazem uma campanha agressiva com as empresas. Hoje eles não têm problema de
dinheiro, mas, no início, era muito difícil arrecadar fundos porque ninguém acreditava nessa
idéia. Quando a Wendy começou falaram que ela era uma maluca, nunca ia conseguir fazer
nada. Mas então ela começou a arrecadar dinheiro, então eles recebem, no máximo, 1500
dólares a mais. E esse é o gasto em treinamento, passagens aéreas, enfim, coisas práticas para
a realidade de lá que eles precisam. Mas o ponto é: não é diferente do que ganha um
professor regular em uma escola pública.
É, outro ponto importante é que, como esse programa ficou tão prestigiado, muitas dessas
grandes empresas, recrutam esses jovens talentos, os recém-formados das faculdades, mas se
eles passarem no processo seletivo da própria empresa e do Teach for America, eles são
liberados para dar os dois anos de aula no Teach for America, depois são recrutados de novo
para essa empresa, no terceiro ano, com bônus extra. Então dizem assim “Olha, vá fazer esse
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programa que é bom para você e para a sociedade, que depois você vai ter o emprego
garantido e vai ganhar mais por isso”, não é? Alguns bancos estão fazendo isso, a Google
também, a GE... Algumas grandes empresas já estão envolvidas nesse projeto.
Espectador 2:
Essa adesão dos países, eu achei muito pequena. Diante de tudo que eles podem apresentar.
Então eu gostaria de saber se eles ofereceram a todos os países informações ou se os países
que procuraram informação com eles e como fica o nosso país nessa situação.
AG: A seleção de países é exatamente como você descreveu aí na segunda opção. São os
países que têm que procurá-los. Eles têm problemas suficientes para resolver nos Estados
Unidos. Como a gente viu, os Estados Unidos gastam muito e a Educação não tem tanto
resultado, então eles estão enfrentando um monte de problemas. Agora, o que é que
acontece? O mundo inteiro está vivendo uma crise educacional, então os países que
demonstrarem interesse, eles dão apoio. Eles também tem que passar por um processo de
seleção. Não pode chegar qualquer um "Ah, vou fazer aqui". Não. É um negócio super
estruturado, organizado, mas enfim, esses foram os primeiros países que quiseram fazer o
Teach for America. E, normalmente, como acontece? Alguém que está estudando,
provavelmente nos Estados Unidos, fazendo algum tipo de pós-graduação, vê o modelo, acha
interessante, fala “Caramba, quero levar isso para o meu país”. E aconteceu em todos esses
casos, foi exatamente assim. Também no Brasil, a gente tem que saber como é que vai fazer,
se é possível fazer e aí alguém tem que levantar a bandeira e fazer, não é?
Espectador 3:
Se eu entendi bem, não tem custo para a escola. A escola não precisa dispensar professor para
poder contratar o voluntário do Teach for America? Quem arca de fato com os custos, quem
paga o salário é a ONG que faz a seleção e a contratação dos professores selecionados? Estou
certo nessa premissa? A minha pergunta virá depois de confirmado.
AG: O salário é pago pelo governo. O salário do professor é pago pelo governo. Inteiramente
pago pelo governo.
Espectador 3:
Mas não o governo no sentido de autoridade educacional local.
40
AG: Sim, autoridade educacional local.
Espectador 3:
Então há um custo para o governo local, mas não para a escola especificamente?
AG: Isso é o que o Teach for America é capaz de fazer. Os custos de seleção, recrutamento e
treinamento, o Teach for America faz. Ele capta recursos e faz. Agora, no momento em que
essa pessoa está inserida na realidade da sala de aula, é por conta do governo. Ele vira um
funcionário do governo, tanto é que para ele permanecer o segundo ano, tem que fazer a
certificação.
Espectador 3:
Mas esse recurso não sai do orçamento da escola, é do governo local. Entendi.
AG: Não sai do orçamento na escola. Custos de recrutamento, seleção, treinamento, sai do
orçamento do Teach for America. Ele tem um orçamento, ele sai de lá. A única coisa que sai do
orçamento do governo é o pagamento do salário dos professores. Só isso. Não sai nada da
escola. Exatamente. Eles têm problema como a gente tem de falta de professor. Em muitas
áreas, não tem gente para dar aula, então o pessoal vai lá dar aula. Como a gente tem.
Matemática, Ciências...
Espectador 3:
Essa engenharia financeira com a distribuição dessas responsabilidades, distribuição desses
recursos é, vamos dizer, é uma peça fundamental para entender o funcionamento do
programa. A questão que se levanta nesses outros países onde estão implementando esse
mesmo programa, a questão que surge... Será que eles conseguem imitar essa mesma
engenharia? Eles conseguem recursos públicos suficientes para fazer a contratação desses
professores ou se há, em determinado momento, necessidade de aportes de outras fontes que
possam, em determinado momento, substituir essa engenharia?
AG: É um dos pré-requisitos do Teach for all. Quer dizer, se você quiser fazer em outro país, é
seguir o modelo deles. Então na Índia eles estão fazendo a mesma coisa e no Chile eles estão
fazendo a mesma coisa. Com os mesmos problemas de professores que a gente tem. Os
problemas são similares no mundo inteiro, não é? As dificuldades de se entrar em uma escola,
quer dizer, se você não faz parte do sistema, é parecida no mundo inteiro. Mas é um dos pré-
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requisitos do Teach for all. “Bom, o nosso modelo é esse e vocês têm que seguir o mesmo
modelo”. Agora eles têm todo um apoio, uma rede de apoio, grandes consultorias que ajudam.
Eles conseguem movimentar muita gente para ajudar quem quer fazer. Eles dão essa
assistência.
Espectador 4:
Me pareceu que esse é um processo de intervenção na escola, não é? Se a escola está com
problemas, vem esse grupo e intervém na problemática da escola, seja sala sem professor, etc.
E parece que é no período de dois anos, se entendi bem. E exatamente a minha dúvida é como
interage a própria escola com esse grupo que vem de fora, quer dizer, é a escola que solicita a
intervenção? A intervenção é do estado? E como... Se dura dois anos, o que acontece quando
esse grupo sai?
AG: É importante dizer o seguinte, que são poucos co-members por escola. Não é assim um
grupo que chega com 30 pessoas e vamos mudar a escola toda. Tudo bem, então são um ou
dois, no máximo, por escola. É a escola que pede. A escola sente necessidade e pede. Lógico
que eles fazem um levantamento e eles identificam as áreas que têm mais necessidade, eles
também podem propor “Olha, eu acho que na sua escola, você poderia ter alguém do Teach
for America. Você quer”? Mas eles só entram se tiver autorização da escola, se estiver tudo de
acordo. Essa questão de bolsa para os professores depois, isso não existe porque isso é um
programa separado da carreira normal de professor. Agora, eu não tenho os estudos aqui, mas
enfim, existe muita interação com o pessoal Teach for America com os professores que já
estão na escola. Porque, normalmente, esse pessoal sai com muito gás para transformar o
mundo, então eles mesmos estão dispostos a dar treinamento, tudo o que eles recebem de
treinamento nos institutos, na formação deles, eles ficam além do tempo sempre nas escolas,
treinam, ajudam... Isso por experiência, que eu vi funcionando nos Estados Unidos, então,
realmente, não existe os mesmos incentivos para os professores que já estão na rede, é um
programa paralelo. Agora, que existe essa integração, existe. E muitos professores que já estão
lá pedem para virem mais professores do Teach for America porque muda a escola. A escola
fica mais alegre, mais dinâmica. Isso são relatos que eu li e vi pessoalmente lá.
Claudio Mendonça:
Deixa eu fazer uma observação rápida. A gente tem que pensar que isso não é bom só para a
escola. As empresas não estão fazendo isso porque elas querem ajudar a Educação
exclusivamente. As empresas estão pensando que ter um profissional recém-formado. Só
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recém-formado é uma coisa, mas ter um profissional recém-formado, mas que vai lecionar em
uma escola pública durante dois anos, ele recebe uma pessoa com uma visão social muito
maior. Com um compromisso ambiental muito maior, com a capacidade formativa e de
difusão dentro da empresa muito maior. Com uma capacidade verbal também maior, ou seja,
ela recebe um profissional melhor depois. Quer dizer, é um investimento que a escola ganha,
mas o profissional também ganha. Essa coordenadora do Teach for America, ela contou, por
exemplo, o caso de uma recém-formada que mora em um bairro chamado Beverly Hills, não
sei quem já ouviu falar, acho que é o bairro mais caro do planeta, não é? Em Los Angeles onde
moram os artistas aí de Hollywood. E ela estava há mais de dois anos - você pode ficar um
pouco mais de tempo se quiser. Ela estava há mais de dois anos dando aula em uma escola
indígena em South Dakota. Ela nunca saiu de Beverly Hills, vivia uma vida extremamente rica e
isso trouxe um choque de realidade tão grande que ela se apaixonou. Então muitos gestores
acabam ficando na escola e ajudando no aspecto não só educacional, mas administrativo. E
tem outra questão também que é interessante. Lá nos Estados Unidos, como no Brasil, tem
carência de professor de Física, de Química, de Biologia, de Geografia... Existe essa carência,
então, às vezes, o profissional ele pode ajudar. Muitas vezes... Eu imagino que aqui no Brasil
tenha toda uma legislação sobre esse assunto e essa questão já foi discutida pelo Conselho
Nacional de Educação, enfim esse tema tem um aspecto legal muito importante, mas ele tem
um outro aspecto que é o aspecto, não é o de não ter o professor de Física ou de tirar o
professor de Física que está lá dando a sua aula maravilhosamente bem e botar um
engenheiro no lugar. É colocar quando não tem, mas, talvez, ter também o profissional
apoiando porque ele pode contextualizar muito determinados conhecimentos, não é? Eu
imagino que um jovem do Ensino Médio teria grande entusiasmo em discutir determinados
temas da termodinâmica com um engenheiro, ou da cinética, não é? Enfim... Com um
engenheiro contando alguns casos do cotidiano profissional dele ou falar um pouco de
programa de saúde com um médico contando situações que ele vivenciou, enfim, desafios que
ele enfrentou. Acho que isso traz um entusiasmo, um interesse, uma abordagem maior, uma
contextualização bastante interessante que pode trazer algum benefício para o dia a dia da
escola, quer dizer, na verdade, nós estamos aqui trazendo uma experiência que pode ser
trazida para o Brasil, mas algumas ideias que podem ser discutidas com vocês que são
formadores de opinião e são do meio acadêmico, sobre o aspecto legal, mas também sobre
como trazer profissionais para o ambiente escolar, não para fazer palestra vocacional
exclusivamente, mas para discutir temas efetivos do currículo. Isso, talvez, seja algo
extremamente interessante para a segunda fase do Ensino Fundamental e para o Ensino
Médio também.
43
Espectador 5:
Bom, eu queria cumprimentar a palestrante pelo tema. Aproveitar, pegar dois pontos que você
falou e que eu achei muito importante. Quando você fala que os graduandos saem da
universidade ou estão na universidade com muito gás, não é? Eu achei o termo interessante,
que a gente, colegas de trabalho, sabem que a motivação é um fator essencial na
aprendizagem. Portanto, se os jovens estão nas universidades com muito gás, isso já tem uma
possibilidade enorme de a gente promover um processo de aprendizagem, não é? Outro ponto
importante que você fala é sobre esse modelo das ONG’s em que trabalham com profissionais
de diferentes áreas de conhecimento e, de fato, não trabalham com o especialista em si.
Então, veja bem, você reúne uma multidisciplinar, com vários conhecimentos e dali surge - a
gente não ficou por causa do tempo também claro -, mas dali surge, como produto, uma
metodologia multidisciplinar. Que a gente sabe que processo de aprendizagem, quando você
lida com o menino lá, é preciso ter toda uma metodologia para que isso seja construído e o
terceiro setor tem muito esse perfil, não é? De não trabalhar com os especialistas, mas sim
trabalhar com uma equipe multidisciplinar com várias aprendizagens. Como a colega ali falou
da área da escola, existe também no Brasil essa interface do terceiro setor, com projetos de
ações complementares de fortalecimento à educação pública, no viés de fazer uma educação
integral. Uma educação com atividades complementares. Esse é um dos pontos que a gente
coloca. E puxando um pouco para o contexto, para a nossa prática do dia a dia, no Brasil,
especificamente no Rio de Janeiro, existem projetos pelo Brasil afora que já trabalham com
essa interface, não é? Muito próximo a nós, na Baixada Fluminense, está surgindo um projeto
chamado Bairro Escola e que trabalha com as células de saberes e que está chamando os
universitários e graduandos da UFRJ, da UERJ, para que eles participem das ações da escola.
De fato, o que a gente como professor e como pesquisador que precisamos ser, eu acho
interessante no seu gráfico colocar que a maioria desses profissionais ficaram só na prática da
Educação e a gente aqui sabe o quanto é importante a pesquisa também para a nossa
formação. Então, quer dizer, esse projeto tem essa interface de trabalhar com a escola pública
e em uma educação integral no processo de participação coletiva. Eu acredito que pelo Brasil
afora - tenho referências na Bahia, em Recife e no Rio de Janeiro - que tem uma enorme
possibilidade de funcionar isso. Agora fiquei bastante curiosa como educadora - eu sou
pedagoga - qual é a metodologia, qual o produto que é criado daí para que de fato isso tenha
impacto que tenha que você apresentou e apresente resultados. A gente vê que é uma coisa
de longo prazo e construído nessa relação coletiva de saberes, não é? É preciso para uma
instituição assim estar aí até hoje, em outros países, construir uma metodologia muito efetiva,
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não é? Porque a gente que está na sala de aula sabe que é... Quer dizer, primeiro você falou na
vocação, na motivação de ensinar. E segundo que tem de fato uma metodologia muito
peculiar para que a gente possa aprender qualquer coisa.
AG: Não, e tem, você está certíssima. Há uma metodologia e ela é muito rigorosa. Lógico que
eu não pude trazer aqui nem apresentar detalhadamente. São livros e livros. Mas é
basicamente transmitida durante aquelas cinco semanas, durante a escola de verão e depois,
ao longo do ano, ela é reforçada. Mas aquelas cinco semanas são super intensas, as pessoas
realmente absorvem aquilo e vão para a sala de aula, quer dizer, eles têm um treinamento em
serviço muito desenvolvido também. Porque não dá para ensinar tudo em cinco semanas, não
é? Então, em serviço, eles continuam. Obrigada!
Nigel Brooke
Professor convidado da Universidade Federal de Minas Gerais e consultor do Grupo de
Avaliação e Medidas Educacionais da Faculdade de Educação. PhD em Estudos de
Desenvolvimento da Universidade de Sussex, Inglaterra.
As origens da pesquisa em eficácia escolar e as tentativas de estabelecer processos de
melhoria com base nos seus achados.
Boa tarde a todos! O professor Claudio fez uma propaganda tão elogiosa do meu livro que eu
preciso esclarecer uma coisa. Primeiro, eu fiz o livro junto com outro colega da UFMG, o
professor Francisco Soares e, segundo, a bem da verdade, o livro nem é nosso. O livro conta
uma história sobre a evolução da pesquisa nesta área chamada de eficácia escolar, mas
através dos artigos, capítulos e outras coisas escritas por outros pesquisadores ao longo desse
tempo. Em vez de tentar descrever esse volume imenso de trabalho acadêmico nas nossas
próprias palavras, escolhemos fazer esse trabalho através da escolha criteriosa de documentos
históricos que pudessem contar, relatar essa história da maneira mais clara possível. Então o
livro é isso. Mas é um livro que tenta aprofundar a discussão desse tema: Eficácia escolar.
Escola eficaz. Que é um tema que está surgindo e eu vejo o uso desse termo de forma cada vez
mais frequente e acho que é necessário parar para determinar o que é que nós estamos
falando, de onde é que veio esse termo, qual é a sua utilidade para nós. Eu falo nós,
responsáveis pela discussão da política educacional e, em determinado momento, de tentar
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levar à prática alguns dos resultados desse campo de pesquisa que veio evoluindo ao longo
dos últimos 50 anos.
Então primeiro passo vamos apresentar algumas definições. Eficácia escolar - “Uma escola
eficaz é aquela em que os alunos progridem mais do que se poderia imaginar, levando em
consideração as características dos alunos”. Isso é uma definição operacional, vamos dizer
assim, não é tanto uma definição filosófica sobre o que é que se espera da escola. Nós vamos
chegar nesse ponto. Essa é uma definição operacional, a escola só é eficaz se ela consegue
fazer mais do que você esperaria dessa escola, levando em consideração os antecedentes dos
seus alunos. Quais são esses antecedentes? Bom, hoje de manhã tivemos sorte de entrar
nessa discussão sobre o impacto do nível ou as origens socioeconômicas dos alunos. Nós
sabemos que essa origem vai, em grande medida, determinar a probabilidade de sucesso
escolar do aluno. Se a escola só recebe alunos de nível socioeconômico mais alto, nós
podemos esperar resultados melhores dessa escola. E o inverso também é verdadeiro. Se a
escola só recebe alunos de nível socioeconômico mais baixo, de origens mais humildes, de
classes subalternas, do jeito que você quiser nomear esse grupo de alunos cujos pais são mais
pobres, obviamente o que se esperaria desse aluno é um resultado pior. Talvez não do aluno
no singular, mas dos alunos de modo geral, falando da probabilidade de um grupo
socioeconômico mais baixo ter resultados escolares piores. Não sou eu que estou dizendo isto
por convicção pessoal, é a Sociologia que, através de muitos anos de pesquisa desse
fenômeno, pode nos atestar a natureza dessa relação entre nível socioeconômico e
desempenho. E vocês, com experiência em magistério, vocês que lidam no dia a dia com o
ensino sabem o que eu estou falando. Mas também a origem do aluno não é só origem sócio
econômica. É aquilo que ele já aprendeu na hora de entrar para a nossa escola. Por exemplo,
se eu sou responsável por uma escola de Ensino Médio, eu sei muito bem a diferença que faz o
aluno vir de uma escola versus outra, o aluno vir de uma escola de Ensino Fundamental onde o
nível é melhor e um aluno que vem de um Ensino Fundamental onde o nível é pior. Para eu
saber se essa escola de Ensino Médio está sendo eficaz ou não, eu também preciso saber qual
é o nível de aprendizagem dos alunos quando eles entraram para aquela escola. Para eu saber
o que é que eu esperaria desses alunos em termos de desempenho. Quando os alunos
ultrapassam aquilo que eu esperaria - e aqui eu estou falando em termos de probabilidade, eu
estou falando em termos de uma realidade estatística de uma população em geral -, para
poder saber se a escola está ultrapassando os seus limites ou aquilo que se colocaria como
normal na rede como um todo, eu preciso saber quem são esses alunos, de onde vêm e o que
eles sabiam quando entraram para a escola.
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E mais para o final eu quero abordar a questão que eu não sei se, em realidade, podemos
chamar de melhoramento escolar ou se deveria chamar de melhoria escolar. A definição é “um
processo coletivo de revisão e reforma dos procedimentos organizacionais e curriculares da
escola, muitas vezes liderados por agentes externos, voltado para a melhoria nos padrões de
qualidade e nos resultados dos alunos". Estou falando de um processo instalado na escola,
onde há uma tomada de consciência a respeito das dificuldades, dos problemas e, de alguma
maneira, um trabalho coordenado e colaborativo para superar essas dificuldades e levar a
escola a outro patamar. Depois nós vamos discutir se esse tipo de movimento, de fato, existe
no Brasil. Se temos essa cultura de trabalhar as questões de melhoria na escola ou ainda
estamos presos a um sistema muito centralizado de discussão de política educacional que
inibe, de fato, essa tomada de decisão, essa iniciativa em nível educacional.
Isso, como o professor Claudio falou de manhã, tem um ponto de partida. A pesquisa realizada
nos anos 60, nos Estados Unidos, cujo relatório tem o nome do relatório Coleman (Coleman
Report). Coleman, um pesquisador que trabalhou com um grupo que foi contratado pelo
Congresso dos Estados Unidos para fazer um grande estudo da situação educacional do país.
Isso quando do lançamento da nova lei de direitos civis nos Estados Unidos, no ano de 64. Um
momento de muita turbulência - vocês devem lembrar - a história da luta para os direitos civis,
a história de criar pela primeira vez na legislação americana, a igualdade para os diferentes
grupos raciais nos Estados Unidos. E a briga que foi... E a determinação, uma vez estipulada e
estabelecida essa lei no Congresso, a determinação de eliminar as fontes não legais das
desigualdades raciais e sociais da sociedade americana. E havia convicção naquela época que
uma grande parte dessas desigualdades era um produto das desigualdades dentro do sistema
educacional dos Estados Unidos. Desigualdades em termos de distribuição de recursos,
desigualdades em termos da probabilidade de acesso às escolas de diferentes grupos, negros e
brancos, e diferenças na qualidade da educação. Então o Coleman e colegas receberam essa
encomenda de sair por aí e fazer uma grande pesquisa da situação educacional nos Estados
Unidos para colocar o dedo em cima dessas desigualdades e, a partir daí, naturalmente, a
política educacional fluiria no sentido de corrigir essas desigualdades e produzir resultados
mais iguais no sistema educacional.
Quando foi publicado o relatório Espectador, depois dessa imensa pesquisa social em grande
escala, com base no instrumental tipicamente questionário aplicado a um grande número de
pessoas. Nós usamos essa palavra em português, mesmo sendo uma palavra da Sociologia,
palavra em inglês. Esse foi feito com 645 mil alunos, 60 mil professores, quatro mil escolas.
Nunca na história da Sociologia da Educação, tinha sido feito uma coisa tão grandiosa.
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Estabeleceu novas metodologias, novos processos. A Sociologia da Educação, antes e depois
do Coleman, são coisas inteiramente diferentes. Mas o que é que o Coleman descobriu? Que
aquilo que tinha provocado essa pesquisa não se constatou. Que, no fundo, as escolas não
variavam tanto quando se imaginava. Não havia aquelas diferenças imensas que se
imaginavam que existiam entre as escolas do Sul e as escolas do Norte, entre as escolas do
negro e as escolas do branco. O que o Coleman descobriu foi de que as variações entre as
escolas não explicavam a variação no desempenho dos alunos. O que é que explicava a
variação no desempenho dos alunos? Seus antecedentes sociais, as condições
socioeconômicas das suas famílias. As diferenças no desempenho dos alunos, segundo as
medidas do Coleman, essas diferenças se explicavam com base em fatores socioeconômicos.
Como se pode imaginar, isto caiu como uma bomba naquele ambiente de tanto entusiasmo, a
cruzada que se empenhava naquela época a favor da equidade social, a favor da eliminação
das desigualdades raciais. De repente, o instrumento fundamental dos reformadores, parecia
que não ia produzir os resultados desejados. Inclusive, logo depois da publicação do trabalho
vieram outras publicações. O do Jenkis, outro pesquisador americano, olhando os dados de
novo, descobriu que, mesmo se equalizasse, mesmo se distribuísse os recursos para Educação
de uma forma exatamente igual para todos os alunos, de Norte a Sul, grupos negros e brancos,
não iria afetar ou só iria afetar os resultados dos alunos em 1%. E o relatório na Inglaterra, com
resultado parecido. Quando você está fazendo esse tipo de estudo, você tem os grupos
diferentes, grupos de alunos diferentes, e você está tentando explicar a diferença nos
resultados desse grupo de alunos versus esse outro grupo de alunos. Você está querendo
explicar a variação nos resultados desses alunos. E o que é que conseguiu mostrar? Que 39%
da diferença, no caso alunos de quarta série, 39% da diferença entre esses diferentes grupos,
se deve à atitude dos pais, à forma dos pais entenderem, enxergarem a educação, a
importância que dava à educação, o que eles transmitiam para os seus filhos em relação à
educação. Dezessete por cento da diferença nos resultados dos alunos se deve as diferenças
entre as casas desses alunos em termos materiais, em termos, vamos dizer, do nível
econômico da família. E somente 12% da diferença no desempenho dos alunos se deve,
efetivamente, à ação da escola. A escola trabalha, trabalha, trabalha, trabalha, trabalha,
trabalha e só afeta 12% na variação do desempenho de diferentes grupos de alunos. Enquanto
esses outros fatores, tipo, os pais, suas atitudes e seu nível econômico, têm uma influência
muito maior. Então, usando outra metodologia em outra parte do mundo, chegou-se a uma
conclusão muito parecida com a do Coleman. Que o que impacta mesmo e o que você precisa
mesmo para explicar a diferença entre os alunos são as condições socioeconômicas e
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familiares desses alunos.
Daí se instalou um certo pessimismo, inclusive, eu acho que aqui, nessa fase que se seguiu a
essas primeiras pesquisas, esse pessimismo se chamava pessimismo pedagógico. Era fácil
chegar à conclusão de que não faz diferença em qual escola o indivíduo estuda, ou seja, a
escola não faz diferença. Se a explicação da diferença entre os alunos é socioeconômica, a
escola não está fazendo o seu trabalho de eliminar as desigualdades, de fazer da sociedade
mais igualitária. E havia toda uma série de outras teorias marxistas que, de certa forma, dava
explicação para esse fenômeno em termos estruturais, em termos do próprio sistema,
funcionamento capitalista, que era inevitável de algum modo que as escolas cumprissem essa
função de reproduzir as desigualdades pré-existentes na sociedade. Então, por um lado, os
dados sociológicos, por outro lado, os argumentos dos marxistas, e caímos nessa de achar que
a escola não podia fazer diferença. Que era uma tarefa inglória, quase que inútil.
Mas havia muita gente, como nós, que trabalhamos mais perto das escolas, que conhecemos
as diferenças entre as escolas, que sabemos que tem escolas que são melhores que outras.
Sabemos da nossa própria experiência. E os pais sabem disso também, os pais sabem muito
bem que eles preferem matricular seus filhos nesta escola do que nessa outra. Inclusive,
mesmo precisando colocar no ônibus e levar distante de casa, preferem fazer a matrícula
nessa outra escola. Por quê? Porque sabem que essa escola é melhor. Se a nossa intuição ou a
nossa certeza como educadores de que há diferenças entre as escolas, como se pode então
explicar toda essa evidência sociológica de que a escola não faz diferença? Bom, agora começa
toda uma fase já na época de 70, uma fase de desconstrução da pesquisa do Coleman para
apontar algumas das dificuldades dessa pesquisa, apesar de ser muito influente e continuar
muito influente, de apontar as dificuldades dessa pesquisa e, talvez, algumas das conclusões
erradas a que se chegou nesse primeiro momento. Por exemplo, o Coleman estava olhando
coisas muito pontuais, questões do próprio, vamos dizer, das condições. Ele usou como
variáveis: número de livros na biblioteca, número de alunos por professor, gastos médio por
aluno. Por que ele usou essas variáveis? Porque eram fáceis de medir. Quando você está
fazendo uma pesquisa dessa natureza, nessa escala, você não pode andar por aí pedindo
muitas opiniões. Você tem que levantar dados concretos: número de livros na biblioteca,
número de alunos na sala de aula, os gastos, etc. Portanto, eles não olharam valores, atitudes
ou a vida interna da escola. Eles não olharam aquilo que de fato distingue uma escola de outra.
Esses fatores intangíveis. Portanto, a conclusão do Coleman ou a falta de correlação entre
diferenças entre as escolas e o desempenho dos alunos pode ser simplesmente que ele estava
medindo as coisas erradas. Ele estava tomando como suas variáveis de entrada coisas que não
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são tão relevantes de fato na explicação do desempenho dos alunos. Agora, o que é que ele
estava medindo? Ele estava medindo, portanto, insumos mensuráveis, os insumos
manipuláveis, e não atividades ou processos escolares. E o que é que ele estava medindo em
termos do impacto da escola na aprendizagem? Ele estava medindo a aprendizagem em todas
as áreas do currículo: Matemática Língua...? Não. Ele usou uma única medida de desempenho
que era uma medida de fluência verbal que, já por si, é um problema porque nós sabemos -
inclusive, o professor Claudio enfatizou essa questão hoje de manhã -, nós sabemos que,
muito daquilo que o aluno é capaz de falar e o seu raciocínio verbal, vem, não tanto da escola,
mas da casa. Vem da sua convivência do seu lar, Enquanto a Matemática é muito mais uma
área curricular escolar. Medindo o desempenho em Matemática, você está medindo muito
mais o efeito da escola do que o efeito da família. Mas Coleman não fez isso. E ele também
não fez aquilo que nós enfatizamos na definição de escola eficaz. Ele não mediu nada daquilo
que os alunos sabiam antes de entrar para aquela escola. Eles podiam entrar sabendo muito
ou sabendo pouco. Ele não teve esse controle, vamos dizer, do ponto de partida dessa
medição que ele fez da fluência verbal dos alunos estudados nessa pesquisa. Então há uma
série de questionamentos metodológicos que permitiu que as pessoas começassem a refletir
sobre essas conclusões precipitadas que as escolas não fazem diferença e queriam mostrar.
Havia outras metodologias, aquilo que se sabe instintivamente, de que há diferenças entre as
nossas escolas. Nem todas elas são iguais. Mesmo com os mesmos tipos de aluno, uns
conseguem resultados melhores que outros. Então começou, o que se pode dizer, a reação a
essa fase pessimista da pesquisa em educação. Essas pessoas dizendo que essas pesquisas,
tipo Coleman, refletiam uma visão muito economicista, não entravam na questão dos
processos escolares, só ficavam medindo insumos e produtos. Não tentaram entender, de
fato, as relações e o próprio funcionamento da instituição escolar, fenômeno extremamente
complexo como nós sabemos. E é bom lembrar que essa é uma questão que, talvez, fique
esquecida nessa discussão, o como, em momento algum no trabalho dele, falava que a escola
não fazia diferença. Foram os intérpretes, os que vieram depois e que usaram a pesquisa de
Coleman, que chegaram a essa conclusão. O que o Coleman diz é que a escola não faz tanta
diferença quanto se esperava. A influência da família é muito maior, talvez, quatro vezes
maior, mas não significa que a escola não tem impacto. Então quando nós vemos esse debate,
a gente tem que lembrar que não foi o Coleman propriamente que descartou a escola como
um instrumento de equalização.
Aí começa, então, com novas metodologias, uma tentativa de resgatar a idéia de que as
escolas são diferentes entre si, que umas podem fazer mais para os alunos do que outras.
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Começa - eu não vou entrar nesses detalhes todos - diferentes metodologias para estudar isto,
escolas que estão nos extremos da distribuição, ou escolas que estão no extremo sendo
comparadas com escolas que estão mais perto da média, tem vários, vamos dizer, modelos
para pesquisa nesta área.
Uma das pesquisas mais famosas desta época da reação e que, inclusive, deu um impulso a
essa nova linha de trabalho, foi a pesquisa do Harter e colegas em escolas de Ensino Médio na
cidade de Londres. O que é que o Harter quis fazer? Bom, primeiro, ele não estava nem um
pouco satisfeito com essa ideia de que você mede os resultados, todo o trabalho complexo da
escola, com uma única medida, no caso, um teste de fluência verbal. Não, o Harter está
dizendo “Olha, nós temos que medir o impacto da escola em muitas dimensões diferentes”.
Não só nas dimensões acadêmicas, como o do desempenho cognitivo, mas também em uma
série de dimensões comportamentais. A escola não está aí também para socializar? Para criar
o cidadão, para desempenhar essas outras funções? Então temos que medir se a escola está
cumprindo essas outras funções também. Dentro do modelo de pesquisa, portanto, tinha
também essas outras medidas, facilitado, de certa forma, pelo fato de que na Inglaterra, pelo
menos naquela época, havia colaboração entre as escolas e a polícia em questões de
delinquência juvenil e havia, portanto, um registro minucioso de todos os alunos da escola
que, de alguma forma, estavam envolvidos com a polícia. Ele também usou medidas, falando
com os próprios professores sobre o comportamento dos alunos, tinha uma visão bastante
mais completa do impacto da escola em todas essas dimensões, as dimensões, as diferentes
escolas. Claro, ele estava, me parece, usando uma amostra de uma dúzia de escolas diferentes.
E o que é que ele descobriu? Ele achou diferenças no desempenho dos alunos nessas
diferentes dimensões que não podiam ser exclusivamente explicados com base nas
características dos alunos. Nem em termos do nível socioeconômico dos alunos, nem em
termos daquilo que os alunos sabiam quando eles foram para essas escolas. Bom, então, só
sobrou a escola como explicação pela diferença entre os alunos. Ele achou diferenças entre as
escolas na ênfase que eles faziam nas questões acadêmicas. Umas escolas enfatizaram
esportes, outras questões mais sociais, enquanto outras escolas tinham uma ênfase
nitidamente na aprendizagem dos alunos naquelas dimensões tradicionalmente consideradas
mais importantes: o desempenho acadêmico cognitivo.
Ele achou diferença entre as escolas e é interessante porque - esse é um fenômeno que o
professor Claudio também fez referência -, achou diferença entre as escolas que se
correlacionavam com as diferenças no desempenho dos alunos, em termos da própria
estruturação da instituição escolar. As escolas que tinham mais funções ou responsabilidades
51
para os alunos, presidência disso, presidência daquilo, para os próprios alunos e que cobravam
essas responsabilidades dos alunos, tinham resultados diferentes. O grau de envolvimento dos
professores na tomada de decisão na escola, também variava muito entre as escolas e se
correlacionava com a diferença no desempenho dos alunos dessas escolas. E ele achou uma
diferença entre as escolas no que se refere à própria gestão da sala de aula, ou seja, essa é
uma das primeiras pesquisas que começa a colocar o dedo em cima das diferenças entre as
escolas que explicam as diferenças nos desempenhos dos alunos. Ainda é um estudo
preliminar, também tem seus problemas, mas, pela primeira vez, a gente vê tentativa de
distinguir entre as escolas, em termos daquilo que torna umas mais eficazes do que outras.
É interessante que ele também, pela primeira vez, introduz a ideia da diferença entre as
escolas em termos do seu clima. Ele não usou essa palavra clima, ele usou a palavra ethos, mas
a forma em que ele usou esse conceito é parecido com esse outro conceito que é clima. O que
ele está dizendo é que quando você junta todas essas coisas, você tem um ambiente moral,
legal, humano, cívico, diferente em umas escolas em comparação com outras. E ele chamou
esse fator, que ele também mostrou super importante na explicação da diferença entre as
escolas, ele chamou esse fator de ethos escolar. Bom, somando esses resultados, ele estava
dizendo, para todos os efeitos, que a escola, sim, faz diferença. Para o pai que manda para
uma escola em vez de outra, faz diferença. A escola mesmo com, aparentemente, as mesmas
condições físicas e financeiras. Diferentes escolas com essas condições iguais, alunos, para
todos os efeitos, iguais, vindos das mesmas condições socioeconômicas, umas escolas
conseguem melhores resultados do que outras.
Teve outras pesquisas, e eu não vou investir tempo demais nisso. Mas tiveram outras
pesquisas que tentaram chegar mais perto ainda de entender esses processos internos da
escola, de entender como é que se produz climas diferentes em diferentes escolas. O
pesquisador americano, um dos pais da pesquisa em eficácia escolar, de nome Brooke, tentou
entrar mais profundamente criando escalas e instrumentos para medir autoconceito
acadêmico, expectativas dos professores, clima acadêmico, senso de utilidade acadêmica.
Parece curioso esse nome, mas o que ele quis dizer é o grau em que os alunos e seus
professores acham que o investimento em educação vai render algum fruto posterior. Em que
medida as pessoas na escola acham que aquilo é um bom investimento, que vai levar a uma
mobilidade social, que vai levar a um melhor emprego, etc. E na medida em que a escola
transmite essa mensagem ou não, ele estava medindo com essa escala de senso de utilidade
acadêmica. Eu acho que ele poderia ter arrumado um nome um pouco melhor para essa
escala, mas a ideia é clara. Tem a escola que enfatiza, que trabalha muito mais essa noção da
52
mobilidade, do futuro promissor, de quem investe em educação há chances melhores de vida
após a escola. E outras escolas que tomam por dado que os alunos não vão sair daquele lugar,
que eles vão viver e morrer na sua cidadezinha ou na sua favela ou onde for, que a escola não
vai fazer diferença para eles. Essa diferença é uma diferença significativa porque se transmite
todo dia, dentro da sala de aula, essa expectativa do professor, esse pensar do professor a
respeito do futuro provável dos alunos. E se o professor não tem essa expectativa, não
acredita muito na probabilidade ou na possibilidade de um avanço real para esse indivíduo,
acaba influenciando a visão de mundo desse indivíduo e, mais proximamente, a visão da
escola, da utilidade daquilo que ele faz na escola.
Agora estamos falando do final da década de 70, princípio da década de 80 - tentativas de
resumir essas pesquisas em termos daquilo que faz diferença, Daquilo que distingue entre as
escolas eficazes das escolas menos eficazes ou escolas ineficazes. E essa lista de cinco fatores
imperou durante algum tempo como o melhor resumo possível dessas pesquisas. A idéia de
que a escola eficaz tem uma liderança educacional forte. Liderança educacional, não liderança.
Eu acho que gestor, diretor escolar, de certa forma, exerce liderança em muitas direções ou
pode exercer liderança em muitas direções diferentes ao mesmo tempo, mas aqui estamos
falando de liderança educacional. O diretor é o que olha o trabalho do professor e que, na
medida do possível, ajuda aquele professor. Nós sabemos que no nosso caso, muitos dos
nossos diretores têm funções ou assumem funções quase que exclusivamente administrativas,
financeiras, e se preocupam muito menos com a dimensão pedagógica, educacional. Aqui
estamos falando de liderança educacional.
A ênfase na aquisição de competências básicas. Isso, posteriormente, deu uma certa confusão.
A pesquisa parecia estar dizendo que você tem que enfatizar aquilo que é básico,
conhecimentos básicos de Matemática e Língua, e menos, aparentemente, a evolução, o
desenvolvimento dos processos cognitivos mais avançados. Mas esse pode ser produto
também da forma em que esses pesquisadores estavam medindo os resultados das escolas. Se
a medida só procurava o domínio desses processos básicos, então, obviamente, as escolas que
mais enfatizavam isso, melhor saíam nessas provas. Havia muita discussão, portanto, sobre a
maneira em que o próprio instrumental, a própria metodologia da pesquisa estava
influenciando esse resultado. O ambiente ordeiro e seguro pareciam uma constante dessas
pesquisas e a escola mais tranquila, mais segura, onde eu não sei se usavam medidas próprias
de acidentes. A questão era o nível de barulho, número de brigas, essas coisas é que
aconteciam nas escolas. E a escola com mais controle, mais ordem, melhor resultado tinha.
53
Altas expectativas, nós já conversamos sobre isso, e a avaliação frequente da aprendizagem
aparecia nessa época também. Quanto mais os professores avaliavam os seus alunos,
tomavam conhecimento, monitoravam o avanço da aprendizagem dos alunos, mais
probabilidade que no final do processo o nível desses alunos aparecia mais alto. Mas essas
foram as primeiras tentativas. A verdade, aos poucos, foi se jogando fora algumas das
conclusões das primeiras pesquisas, tipo a pesquisa do Harter. O Harter achava que quando
uma escola era eficaz em uma dimensão, que essa mesma escola ia ser eficaz em todas as
dimensões. Se a escola era eficaz naquelas questões sociais, de desenvolvimento da cidadania,
socialização, então a escola também ia ser eficaz no ensino da Matemática, da Língua e das
outras áreas curriculares. Mas logo, logo se descobriu que uma escola pode ser eficaz em uma
dimensão e não em outra. Dependendo da natureza da instituição, dependendo da ênfase,
dependendo do trabalho histórico nas diferentes áreas, uma escola pode sair como
sobressalente ou eficaz em uma dimensão e muito abaixo da média em outras. Essa é uma
pesquisa de um dos pais da pesquisa Escola Eficaz, em um bocado de escolas de Ensino
Fundamental na Inglaterra. O que é que ele estava medindo resultados cognitivos. Cognitivos
aqui, testes de Matemática, Língua, etc. Isso no vertical e, no horizontal, medidas não
cognitivas: medidas de comportamento, atitudes, outras finalidades educacionais, vamos
dizer. E o que é que você vê aqui? Você vê que tem algumas escolas que são ruins em todas as
dimensões. Elas conseguem baixa pontuação na parte não cognitiva e baixa pontuação na
parte cognitiva, enquanto você tem aqui algumas escolas que estão nos extremos das duas
distribuições. Bons resultados cognitivos e bons resultados não cognitivos, mas também tem
um monte de escolas em outros lugares, bons em uma, mas não tanto na outra. Ou boas
escolas na dimensão cognitiva, mas não tão boas na parte não cognitiva. Vocês estão me
entendendo? Nós estamos vivendo em um mundo muito mais complexo do que o Harter e
seus colegas imaginavam. Também essa pesquisa mostrou que outra conclusão do Harter
estava errada. O Harter esteve pesquisando suas escolas durante 3, 4 anos e ele achava que
isso era um período suficientemente longo de tempo para poder dizer “Olha, as minhas
escolas eficazes, ou as escolas que eu identifiquei como eficazes, são eficazes desde o princípio
da minha pesquisa até o fim, portanto, eu acho que a eficácia é uma característica quase que
permanente da escola. Uma vez eficaz, sempre eficaz”. Uma escola pode se destacar em
determinado momento pode, em função de questões conjunturais, produzir bons resultados e,
em poucos anos, ter perdido essa excelência, ter perdido essa distinção que permitiria chamar
de eficaz. Que a eficácia não é garantida como característica permanente, é produto do
trabalho contínuo dos indivíduos que compõem essa instituição, é alguma coisa que se
conquista a cada dia. Essa falta de permanência da eficácia também um resultado importante
54
dessa pesquisa, dessa segunda fase, vamos dizer.
E uma outra coisa que o Harter tinha esquecido é que, talvez, a escola que tenha eficácia,
vamos supor, na dimensão cognitiva, não está sendo igualmente eficaz para todos os alunos
daquela escola. Se você usar exclusivamente a média, você pode chegar a uma conclusão
errada. É possível que a escola seja mais eficaz para uns do que para outros. O que é que esse
gráfico nos mostra? Nos mostra quatro escolas diferentes. A escola D, a escola que tem alunos
de todos os diferentes níveis sociais, mas que tem um nível de resultado muito baixo para
todos eles. A escola C não é uma escola boa para os alunos de nível social mais baixo, mas ela é
um pouco melhor para os alunos de nível social mais alto. Estamos vendo aqui que essa escola
trata de forma diferenciada os alunos de acordo com o seu nível social. Não que esteja fazendo
isso de forma consciente, de forma deliberada, mas os resultados dessa escola não são
resultados equitativos.
Agora vamos olhar escolas A e B. B é uma versão muito melhorada da escola D. A escola B está
muito mais alta na escala de resultados e tem um desempenho razoavelmente equitativo para
todos os alunos dos diferentes níveis sociais. Esses alunos aqui do nível social mais baixo estão
com desempenho só ligeiramente inferior aos alunos de nível socioeconômico mais alto.
Enquanto a escola A, que tem os melhores resultados de todos em termos da média, você vê
que essa escola prejudica esses alunos de nível socioeconômico mais baixo ao procurar
melhorar o nível desses alunos de nível socioeconômico mais alto, ou seja, a nossa definição
de escola eficaz que nós começamos está incompleta. Precisamos incorporar àquela definição
alguma coisa sobre equidade. Temos que dizer que a escola que consegue melhores resultados
para todos os alunos do que você esperaria, levando em consideração os seus antecedentes
sociais e acadêmicos. Porque não nos adianta uma escola melhorar a sua eficácia se só está
melhorando para um grupo de alunos e não para todos.
Mais uma década de pesquisa e eu acho que, de certa forma, o campo de escola eficaz está se
repetindo. Mostrou que não é um fenômeno para sempre, a escola pode perder a sua eficácia.
Mostrou que não é um fenômeno igual para todos os alunos. Mostrou que tem a ver com os
processos internos da escola, tem muito a ver com o ethos, o clima, e tem a ver com uma série
de outros fatores que, em grau maior ou menor, vêm se repetindo nas diferentes pesquisas de
escola eficaz. Então é possível chegar a uma espécie de listão onde você tem os fatores que
você pode ter relativa certeza que vão aparecer de uma forma mais ou menos enfatizada nas
pesquisas sobre o que é que faz a diferença, o que faz que uma escola seja mais produtiva,
mais competente, produza melhores resultados do que outra escola, mesmo quando os alunos
55
são iguais. E aqui você tem uma lista já mais desenvolvida, já com 10 fatores. Todos eles, de
alguma maneira, enfocando os processos muito mais do que as condições físicas, estruturais,
de equipamento, de recursos. Continuamos enfatizando os processos de liderança. Os
processos de ensino já estão em segundo lugar, talvez até superando a questão da liderança. A
pesquisa, durante os anos 80 e 90, acaba descobrindo que a escola eficaz não é a escola eficaz,
é o professor eficaz. Que por trás das diferenças entre as escolas, você tem alguns processos
institucionais sim, mas o fator principal é o professor na sala de aula. O professor sendo um
bom professor. Usando metodologias, materiais, de forma apropriada motivada é que explica,
em grande medida, a diferença entre uma escola e outra. Esse professor, desenvolvendo e
mantendo o foco na aprendizagem, ajudando a produzir uma cultura escolar positiva, tendo
sempre expectativas altas em relação ao desempenho dos seus alunos, enfatizando as
responsabilidades e direitos dos alunos, monitorando o progresso dos alunos. Quantas vezes
aparece essa idéia de que se for para ajudar o professor através de cursos, de treinamento,
cursos de reciclagem, muito melhor fazer isto na escola? Onde se trata o corpo docente como
tal e onde se lida no contexto, no ambiente, apropriado com os problemas específicos daquele
local. Por essa lição, o que nós estamos fazendo aqui está totalmente errado. Nós não
deveríamos estar aqui. Se fôssemos um grupo de professores discutindo prática pedagógica,
nós deveríamos estar na escola. Discutindo diretamente, claro, o diretor e as outras
autoridades, junto com a gente discutindo esses problemas no âmbito da escola.
Envolvendo os pais e a ênfase na equidade. Mas tem alguma coisa faltando. O que está
faltando é a ligação entre essa pesquisa - agora suficientemente repetida e mastigada, que a
gente sabe mais ou menos quais são as diferenças entre as escolas, como levar essa pesquisa
para dentro da escola? Como fazer com que essa pesquisa tenha ressonância junto às pessoas
que possam alterar a prática de sala de aula ou da escola, de modo a incorporar essas
mudanças sugeridas pela pesquisa? Como é que isto vai acontecer? Não é tanto que a escola
seja uma instituição resistente a mudança, mas pode até fazer parte desse problema. Não é só
a falta de ideias ou disseminação de ideias, mas isso também tem que acontecer. Não é falta
de pessoas motivadas para fazer essa mudança, essas pessoas existem. Precisamos, portanto,
estudar melhor como fazer esse processo de mudança, como permitir a produção de mudança
no âmbito da escola. E essa questão é um outro campo de pesquisa que está correndo paralelo
à pesquisa em eficácia escolar, pelo menos, pelos últimos 30 anos, nos Estados Unidos e em
outros países. A questão é como você muda a escola? É isso que eu queria chamar de
melhoramento escolar ou melhoria escolar, mas a ideia é relativamente simples. Você tem
boas ideias, você tem convicção de que há necessidade de mudar, mas como é que essa
56
mudança efetivamente se instala na escola e produz finalmente os resultados desejados? Isso
é um campo de pesquisa desde os anos 70. Você tem no princípio, uma certa ignorância ou
desinteresse por esses processos mais institucionais e achava-se que a única maneira ou a
maneira mais direta e fácil de fazer a escola mudar era entupir a escola com novos materiais
curriculares. Havia série de projetos de produção de novos materiais, muitos bastante
inovadores, e era só levar esses materiais até a porta da escola para garantir uma
transformação. Claro, não funcionou. Apesar da qualidade dos materiais.
Tivemos muitos estudos sobre esses fracassos nesses primeiros anos, nos anos 70. Nos anos
80, você vê um processo um pouco mais pensado sobre essa mudança, onde você descobre
que a política educacional em si não altera o funcionamento das escolas. Que é o processo de
implementação das reformas que determina os resultados. E que a variação local, a variação
entre as escolas, é a regra, não é a exceção. É muito difícil tratar a rede como uma rede. Como
se fosse uma coisa única, como se fosse, de alguma maneira, uma expressão de uma vontade
central. O que você tem é a ideia de que em cada escola haverá processos de mudança com
diferentes fases, acontecendo em diferentes momentos, um cavalado no outro, uns
avançando, outros menos. Mas as fases de iniciação, implementação e institucionalização de
qualquer mudança têm que acontecer em cada instituição. Cada instituição tem que estar
iniciando a sua própria mudança. A mudança não vem do órgão central, a mudança vem da
própria escola. E essas fases são inevitáveis para qualquer processo de mudança se efetivar no
âmbito da escola. Como é que vamos fazer? Eu acho que a escola eficaz pode nos ajudar. Além
de sinalizar para nós quais são os temas do diagnóstico que nós precisamos realizar ao nível de
cada escola, eu acho que a própria escola eficaz ou esse conjunto de pesquisas também dá
algumas indicações.
Precisamos de dados quantitativos. Não adianta imaginar que nós vamos desenvolver um
processo de mudança na escola sem estar muito ciente da situação em que nós estamos, da
nossa linha de base e aquilo que nós almejamos em termos do produto final do nosso
processo de mudança. Em toda etapa, em todo instante desse caminhar está sempre
coletando informação. Informação confiável, informação quantitativo sobre o processo de
desenvolvimento. Escola eficaz mostra que esse cuidado, essa preocupação em colocar o dedo
em cima da evidência é vital para o processo de mudança local. A pesquisa também nos
mostra que, por mais que a opinião e a participação do professor seja a peça central do
processo de mudança, a mudança que se deseja é a aprendizagem dos alunos. Então, é de olho
nos resultados medidos por nós ou por outros, dos sistemas internos ou externos, mas são os
resultados dos alunos que vão efetivamente guiar esse processo de mudança local.
57
E a metodologia que nós vamos usar na escola: treinamento, específico, prolongado,
assistência na sala de aula, observação de outros projetos. Todo mundo da escola saindo da
escola e indo lá para outra escola ver como é que estão fazendo lá, voltando, rediscutindo...
Esse processo de troca entre as escolas que estão em comum é que faz parte da
implementação bem sucedida do processo de mudança na escola. Reuniões regulares,
professores participando o tempo todo nas decisões do projeto, desenvolvimento local dos
materiais - há necessidade sempre de estar produzindo novos materiais para abastecer os
professores, mas essa produção, em vez de virem os pacotes bonitos, produzidos na escola - e
participação do diretor junto com os professores nos treinamentos.
Mas... Agora a hora da verdade... A pesquisa indica que tanto na pesquisa Escola Eficaz quanto
na pesquisa em melhoramento escolar, nós temos, de certa forma, uma metodologia já
razoavelmente bem definida de como produzir melhoramento de modo a incorporar os
resultados da pesquisa. Mas nós temos condições de deslanchar esse processo? Eu acho que
nós estamos batalhando a favor de mudança em um ambiente que não é muito propício para
isto. E daí, de certa forma, a explicação pela não existência no Brasil de uma área de pesquisa
que se poderia chamar de melhoramento escolar. Se eu procuro na literatura, nas revistas
especializadas, eu não vou achar descrições bem ou mal feitas de tentativas das escolas de
introduzirem mudanças e de como essas mudanças foram ou não bem sucedidas, de acordo
com os indicadores necessários para medir esse processo. Nós não temos isso. Por que não?
Bom, em parte porque nós padecemos de sistemas extremamente centralizados onde a
iniciativa não resta com o diretor ou com o corpo docente das escolas. Se há desejo ou
desenho de mudança, isso sempre vem de fora. Estimulados não se sabe exatamente por
quem nem por que, mas que vem por ordem central. E isso obviamente não é a maneira
apropriada de instituir um processo autêntico, orgânico, de mudança na escola. A falta de
autonomia da escola, e não só a falta de autonomia funcional, administrativa, mas autonomia
financeira, de poder, em determinado momento, contratar uma ou mais de uma pessoa para
ajudar a escola a repensar suas atividades.
O peso da burocracia dos sistemas públicos. Mesmo se a escola chegasse a conclusões sobre o
que mudar, como mudar, como implementar as mudanças, na maioria das vezes, ele não teria
autoridade para fazer essas mudanças. Mais uma vez estamos inibidos pelo próprio processo e
o peso da burocracia. Eu não quero terminar nessa fala tão pessimista porque eu acho que nós
estamos começando esse processo, ou estamos engajados nesse processo, com uma série de
vantagens que não estavam sempre presentes historicamente no Brasil, e nem presentes em
outros lugares onde o processo de melhoramento escolar tenha avançado. A proporção de
58
professores com nível superior capaz de fazer esse tipo de diagnóstico e capaz de entender,
compreender o efeito do seu trabalho no conjunto da escola, de entender todos os conceitos e
operacionalizar esses conceitos de escola eficaz no seu contexto específico, tem recursos que,
talvez, não estejam sendo guiados ou direcionados para as escolas, para essas atividades, mas
tem recursos no sistema que poderiam em determinado momento ser usado para essa
finalidade. E na medida em que a gente vai mostrando cada vez mais a necessidade de
mudança, fazendo comparações entre os nossos resultados e os resultados dos outros,
mostrando o impacto de determinados projetos, nós criamos uma motivação de que há
capacidade no sistema de melhoria e de que nós podemos atingir esses resultados melhores a
partir dos nossos próprios esforços. Eu acho que a Escola Eficaz contribui para essa discussão,
mas no final do dia, o que conta é a motivação de cada indivíduo dentro da sua escola para
fazê-la funcionar.
O Claudio me deu um segundo tema para continuar, mas um momento para intervalo e
depois a gente introduz o próximo tema.
Apresentador:
Informamos a todos que o material que foi exposto aqui no audiovisual estará disponível na
página da FESP. O endereço é www.fesp.rj.gov.br e vai estar no link “Seminário de Eficácia
Educacional”.
Dando continuação à palestra, o Doutor Nigel Brooke.
NB:
A idéia agora é de entrar nos detalhes de uma pesquisa, não é bem uma pesquisa sobre escola
eficaz, mas ela faz parte dessa tradição de pesquisa que tenta discriminar quais são os fatores
que incidem, impactam, influenciam o desempenho dos alunos. Eu vou falar sobre a pesquisa
Geres. Geres é a abreviatura de um nome mais comprido: Geração Escolar 2005. É uma
pesquisa longitudinal, significa que nós estamos acompanhando os mesmos alunos ao longo
da sua trajetória no que se refere ao Ensino Fundamental. Chamado um estudo de painel, esse
é um painel de alunos que estamos vendo ao longo de um período de tempo. Começamos com
eles em 2005, daí o nome, e terminamos de medir o seu desempenho pela última vez no final
do ano passado. Daqui a pouco nós vamos ter os resultados finais dessa última avaliação e
vamos começar, a partir daí, uma série de análises sobre o que impactou a diferença no
desempenho desses diferentes alunos, proximamente 20 mil.
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Os objetivos dessa pesquisa, identificar as características escolares que mais promovem o
aprendizado dos alunos e identificar as características escolares que minimizam o impacto da
origem social dos alunos em seus resultados escolares. Aqui, os dois objetivos claramente
separados. É possível ter fatores escolares que elevam, que promovem o aprendizado, e
outros fatores que produzem uma equidade de resultados na mesma escola. Você lembra
aquele gráfico das escolas A, B, C e D. Podemos identificar o que é que altera a média para
cima e podemos também identificar os fatores que produzem aquela curva mais achatada
onde a equidade é maior.
Bom, eu não vou entrar em todos os detalhes, mas vocês conhecem os sistemas de avaliação
SAEB, Prova Brasil, provinha, etc. Esses sistemas de avaliação são muito importantes. O avanço
que tem havido nas últimas décadas nessas avaliações tem permitido uma série de análises
sobre a própria evolução do sistema educacional brasileiro, tem permitido identificar
dificuldades, tem permitido fazer comparações que antes era impossível de fazer. Mas não
tem sido possível com essas avaliações fazer uma análise muito clara dos fatores escolares
responsáveis pelas diferenças nos resultados dos alunos de um lugar para outro, de um
momento para outro. Por quê? Porque essas avaliações são o que você pode chamar de
transversais. Eles pegam os alunos e as suas escolas em determinado momento, em
determinado ponto no tempo, coletam informação interessante, importante sobre quem são
os professores, quantos livros que tem na biblioteca, se tem pátio coberto, se não tem, um
monte de informação, ao mesmo tempo em que estão medindo o desempenho dos alunos
nessas escolas naquele dia. Mas você não pode argumentar de que as condições que você
pesquisou contabilizaram naquele dia em que você estava medindo o desempenho do aluno,
são as condições responsáveis por aquele nível de desempenho. Porque o desempenho do
aluno, o aprendizado do aluno, vem de longa data. Estamos falando de quarta série, oitava
série do Ensino Fundamental ou terceira série de Ensino Médio. Aquela aprendizagem medida
naquele dia, no final do Ensino Médio, é fruto de todo um histórico, de toda uma trajetória
através do sistema educacional. Da mesma forma que na quarta série, aquilo que o aluno
mostrou naquele dia não é fruto somente daquele professor que está naquela sala de aula.
Também é fruto do trabalho do professor do ano anterior, na terceira série, do ano anterior,
na segunda, e assim por diante. A única maneira em que você vai fazer uma conexão certa
entre as condições de ensino e aprendizagem, dos professores responsáveis por esse ensino,
das condições físicas, dos próprios processos escolares, a única maneira que você vai fazer a
conexão entre esses fatores e a aprendizagem do aluno é se você acompanha o aluno ao longo
dessa trajetória, olhando o que é que ele está recebendo ao longo desse processo. Esse é o
60
propósito da pesquisa longitudinal. Para poder em determinado momento fazer a conexão e
atribuir responsabilidade por determinados fatores para a aprendizagem do aluno.
A pesquisa Geres foi desenhada em 2003, 2004 e iniciada em 2005, e obedece as regras para
esse tipo de pesquisa. As regras foram expressas em diferentes momentos, diferentes pessoas.
Eu estou dando somente as regras oferecidas em 1997. A pesquisa desse tipo tem que saber
quem são esses alunos, de onde é que eles vêm. Você lembra? Nós estávamos discutindo isso
agora a pouco em relação à escola eficaz. Nós temos que saber quem são esses alunos, sua
procedência socioeconômica e quem são esses alunos em termos daquilo que eles já sabiam
fazer quando nós começamos a estudar o efeito, o impacto da escola. Por isso é que nós
medimos o desempenho desses alunos quando da entrada na primeira série do Ensino
Fundamental em 2005. No princípio do ano. Essa foi a nossa linha de base.
A partir desse ponto da aprendizagem deles é que nós vamos tentar estudar o efeito da escola.
Nós estamos também usando uma análise estatística, você pode imaginar a complexidade. Eu
não chego nem a metade dessa complexidade. Felizmente, dentro da pesquisa nós temos
estatísticos que entendem do uso dos modelos multiníveis, mas a complexidade disso quando
você vai avançando ao longo do tempo, vai acumulando cada vez mais informação sobre o
indivíduo e sobre as experiências desse indivíduo nas diferentes salas, com os diferentes
professores, nos diferentes momentos da sua carreira. Eu não imaginava o quão complexo
seria a manutenção da base de dados dessa pesquisa. Nós subestimamos por completo o
esforço, o tempo e o recurso necessário para a manutenção dessa base de dados porque
acontece de tudo com esses alunos. Em um primeiro momento estão presentes na pesquisa e
depois eles desaparecem sem a gente sabe o motivo, reaparecem em um momento depois. Os
alunos fazem um crochê com a gente que é inacreditável. E, de alguma maneira, a gente tem
que manter controle sobre isso para poder, na hora apropriada, separar a influência de
diferentes fatores na movimentação deles. Uma das regras que nós estamos seguindo é que
nós temos que repetir as nossas medidas. Você lembra que nós estávamos falando que a
escola, ela nunca é a mesma escola de um dia para o outro e, muito menos, de um ano para o
outro, então é absolutamente vital que a gente venha acompanhando não só os alunos, mas
também a escola. Fazendo medidas, coletando informações regularmente sobre a instituição.
Mas então, resumindo, o que é que é essa pesquisa Geres? É uma pesquisa de desenho
longitudinal. Ela tem essa abordagem multinível, é uma abordagem estatística que leva em
consideração, ao mesmo tempo, que o aluno é influenciado em vários níveis. Ele é
influenciado pelo ambiente político em que a sua escola se insere. Nós estamos estudando
61
escolas no Rio de Janeiro e também em Belo Horizonte. E em outras cidades como Salvador,
Campinas e Campo Grande. Mas há uma diferença entre a política educacional do Rio de
Janeiro e a política educacional de Belo Horizonte. E a escola vai ser influenciada por essas
diferenças e, se a escola é influenciada, nós podemos esperar algum efeito na sala de aula.
Portanto, é importante a gente lembrar que existe esse ambiente ou esse contexto político em
que a escola se insere. A escola também é outro nível de influência, a maneira em que a escola
é organizada e dirigida, a própria influência do diretor na gestão pedagógica da escola, esse
nível também precisa ser medido. Obviamente o nível da sala de aula, nós precisamos levar em
consideração o que é que o professor faz, o que é que o professor pensa, a maneira do
professor organizar o seu dia a dia. Então nós temos aí três níveis de influência: o nível do
contexto, o nível da escola e o nível da sala de aula. Esses três níveis, nós temos que levar em
consideração na hora de tentar destrinchar a influência de diferentes fatores na explicação da
variação no desempenho dos alunos.
A amostra de escolas é uma amostra não muito grande quando você considera o número de
escolas em um país tão grande quanto o nosso, mas, pelo menos no que se refere a essas
cinco cidades que eu mencionei, é uma amostra suficientemente grande que permite a gente
poder falar das redes pública e privada dessas cidades. E na medida em que essas cidades são
importantes, de certa forma representativas de diferentes regiões do país, Centro-Oeste,
Nordeste, Sudeste, nós vamos poder, pelo menos intimar ou sugerir que aquilo que nós
descobrimos na nossa pesquisa tenha relevância para uma população muito maior de escolas.
Nós não vamos estar falando somente das nossas 303 escolas que nós estamos seguindo na
nossa pesquisa. Nós vamos falar sobre uma população de escolas muito maior. Nós estamos
usando medidas de desempenho cognitivo, aquelas tradicionais de pesquisa desse tipo,
estamos avaliando o desempenho dos alunos em Matemática e em Língua Portuguesa. E
estamos também usando medidas não cognitivas, na medida do possível, tentando medir o
desenvolvimento das crianças em outras dimensões, não só o aprendizado de Matemática e
Português. E estamos levantando informações o tempo todo dos pais, dos professores, dos
diretores, sobre a instituição e a sala de aula.
Não vou entrar nisso, só para mostrar que nós estamos fazendo um levantamento da
bibliografia nacional para identificar quais são os fatores que nós deveríamos estar
pesquisando porque, em uma hora dessas, você tem que decidir o que é que você vai
perguntar ao professor, o que é que você vai perguntar ao diretor. Não dá para perguntar tudo
nem interessa perguntar tudo. Você tem que estar perguntando coisas que você tem alguma
informação a priori que esse fator vai ser relevante na explicação da avaliação do desempenho
62
dos alunos. Então nós fizemos essa pesquisa dentro da bibliografia e identificamos fatores
provavelmente importantes. Por exemplo, é interessante em relação a uma discussão que
estávamos tendo antes. Nos Estados Unidos ou na Inglaterra, talvez vocês não encontrem
muita diferença entre as escolas no que se refere às suas condições de funcionamento. Todas
elas vão ter computador, todos os professores têm nível superior, as salas estão bem
equipadas, existem espaços, bibliotecas, etc. Então em uma pesquisa como essa nos Estados
Unidos, talvez não desse muita importância às condições de funcionamento da escola porque,
como a diferença é pequena, a contribuição dessas pequenas diferenças, as diferenças no
desempenho dos alunos também seriam muito pequenas. Talvez fosse essa uma das
explicações maiores pela falta de correlação nos dados do Collman entre condições de
funcionamento da escola e desempenho dos alunos. Não se espera realmente muita variação
em um país mais rico, as condições de funcionamento das escolas estão dadas. Não se justifica
grande variação no desempenho dos alunos em função dessa variação nas condições. Mas no
caso do Brasil, descobrimos logo de cara, na revisão da literatura, exemplos de pesquisas
mostrando que as diferenças nas condições de funcionamento da escola eram responsáveis
por diferenças significativas no desempenho dos alunos. Aqui sim, quando você compara
escolas públicas com escolas privadas, quando você compara escolas públicas de uma cidade
com outra cidade, ou quando se compara escolas públicas de duas redes diferentes dentro de
uma mesma cidade, você encontra diferenças significativas nas condições de funcionamento
dessas escolas, tipo de equipamento, tipo de pessoal, números de professores, número de
alunos por professor. Há variações significativas que precisam ser levadas em consideração.
Bom, afinal, aqui estamos em 5 municípios brasileiros - Belo Horizonte, Rio de Janeiro,
Campinas, Campo Grande, Salvador -, 303 escolas, excluindo as escolas rurais, as
multiseriadas, escolas noturnas e escolas com menos de 20 alunos. Acabamos definindo
escolas maiores e menores, mas uma vez definidas essas escolas, pegamos todas as turmas
que tinha na primeira série. Ficamos com alguma coisa em torno de 880 turmas, nessas 303
escolas, nas 5 cidades. Alunos da primeira série em 2005. Aí deu o primeiro problema. O nosso
teste para medir o ponto de partida desses alunos no princípio da primeira série em 2005,
pressupunha que os alunos tinham o mínimo de domínio sobre a escrita, tinha que colocar X, e
tinha que entender as instruções faladas pelo aplicador dos testes e tinha que descriminar
entre gravuras. Tinha que ter alguma noção da leitura e da escrita. Então colocamos como pré-
condição que os nossos alunos tinham que ter passado, pelo menos, um ano de pré-escola. Em
todas as cidades, menos Salvador, isso era tranquilo. Mesmo na rede pública, na cidade de
Belo Horizonte, todos os alunos da primeira série, em 2005, já tinham alguma pré-escola. Rio
63
de Janeiro idem, Campinas, Campo Grande. A única cidade que falou "Opa, muitos dos nossos
alunos de primeira série estão sendo expostos pela primeira vez à escrita e à leitura. Não
tiveram pré-escola". Então nesse caso de Salvador, nós tivemos que alterar a situação e pegar
alunos que estavam começando na segunda série. Então Salvador sempre esteve um ano a
frente das outras cidades. Agora que terminamos a pesquisa, o que nós podemos fazer é o
ajuste para trás dos dados - para trás não, ajuste para frente dos resultados das outras cidades
- para comparar os resultados de Salvador.
Foi a primeira pesquisa no Brasil de criar um instrumento para medir o desempenho, o nível de
aprendizado dos alunos em leitura e escrita na primeira série. A metodologia que nós
desenvolvemos, esse é um exemplo positivo de como que a pesquisa pode ajudar na
formulação e execução de políticas. Dois anos depois, essa metodologia foi desenvolvida para
uma política da Secretaria de Educação de Minas Gerais, que instituiu uma prova para ver o
grau de alfabetização de alunos de oito anos, com base nos sistema que nós desenvolvemos e,
eventualmente, o próprio Ministério da Educação também usando essa tecnologia para a
Provinha Brasil.
Obviamente não vou falar desses números. Era só para mostrar que nós começamos em 2005,
com 19 mil alunos e, na medida em que a gente vai avançando na pesquisa, a gente vai
agregando alunos. Isso por quê? Porque vêm alunos, se juntam às nossas turmas, são alunos
que vêm transferidos de outras escolas. Mas esse dado aqui é que mais interessa. Alunos que
fizeram com a pesquisa a primeira medição, a segunda medição, a terceira medição e a quarta
medição - esse dá até o final da quarta medição -, se nós começamos com 19 mil alunos, agora
estamos só com 9 mil. O que é que aconteceu? O que é que está acontecendo? Bom, às vezes
faltam no dia da prova, às vezes saem da escola, às vezes saem da escola e voltam, às vezes
faltam, saem da escola. Todas as combinações possíveis e imagináveis. Somente 9.999 alunos
que começaram com a gente e que têm repetido todas as provas, esse é que vai ser o filé
mignon da nossa pesquisa. Nós fizemos uma quinta avaliação no final do ano passado que não
está refletida aqui. Esses 9.999 já devem ter caído para 8 mil, 8.500 talvez. Felizmente ainda é
um número suficientemente grande para a gente desenvolver as análises que eu estava
falando, as multiníveis. Você precisa de um bom número de casos para poder ver o impacto
dos diferentes fatores. É um número suficiente. Mas é uma medida, queira ou não, é uma
medida do que está acontecendo no nosso sistema. A perda, nós sabemos quantos dos nossos
20 mil foram perdidos. Nós não estamos jogando fora alunos que ficam retidos. De forma
alguma. Os alunos que ficam retidos, por exemplo, quando nós passamos para a segunda, eles
ainda estavam na primeira, ou quando nós passamos para a terceira, eles ainda eram na
64
segunda ou na primeira e assim por diante, nós sempre fomos atrás. Nós temos o nome deles,
nós temos o código deles, nós podemos aplicar as nossas provas mesmo eles estando em
séries já com atraso escolar. E é absolutamente vital para a pesquisa continuar aplicando as
provas nesses alunos senão nós estaríamos incorporando um viés terrível de só estar
estudando os alunos melhores, os alunos que conseguem passar regularmente sem atrasos.
Mas nós não podemos ir atrás, desafortunadamente, dos alunos que saem da escola, que vão
para outros lugares. Isso já foge da nossa capacidade. Talvez se tivéssemos um mundo de
dinheiro e pudéssemos ir atrás mesmo estando em outras escolas, mas isso não é o caso. O
que a gente tem que ver é qual é a probabilidade do aluno sair da pesquisa de acordo com o
nível de desempenho anterior dele. Para ver se os que estão saindo representam algum grupo
ou se é aleatório, se são os melhores ou se são os piores.
Eu já tinha falado desses instrumentos cognitivos, estamos testando a Matemática e a Língua
Portuguesa desses alunos. E os instrumentos contextuais, estamos aplicando questionários
para os diretores, para os professores, para os pais e para os próprios alunos. Há um certo
ritual na pesquisa, todo ano nós estávamos desempenhando as mesmas funções, formulando
os testes, dando o relatório para as escolas. Caímos, depois do primeiro ano, caímos em um
procedimento regular que tinha todas as etapas que precisavam ser cumpridas dentro de certo
cronograma para poder, no final do ano, sempre estar aplicando as novas provas para as
escolas.
Agora um pouco de resultado. Nós chamamos de onda cada aplicação de testes. É mais do que
uma aplicação de testes, é uma aplicação de questionários, é uma organização para chegar na
escola, para completar a pesquisa todo ano, então é uma onda de coleta de informação. Na
quarta onda, que os alunos estão no final da terceira série, é a distribuição de competência ou
de proficiência dos alunos em leitura. Aí você vê que a média das escolas privadas, que é essa
linha no meio da caixa, essa linha é aproximadamente a mesma que a média das escolas que
nós estamos chamando de faixa especial. CAPE UFRJ, CAPE UERJ, são as escolas federais que
nós temos aqui no Rio, temos em outras cidades, que é uma escola pública, mas que é uma
escola pública diferenciada. Completamente diferente das outras escolas públicas. Nós
incluímos essas escolas para poder justamente acompanhar os alunos e ver em que medida
elas se diferenciam das outras. As escolas privadas têm uma média muito próxima, mas
inferior às escolas federais que eu estava falando. Não são só federais porque tem a CAPE UERJ
que também é uma escola estadual, mas tem características parecidas com as escolas federais.
E aqui no meio são essas duas da caixa. A média mais baixa são das escolas municipais e a
média um pouco superior a essa é a médias das escolas estaduais. Aqui no Rio de Janeiro não
65
tem, mas as outras cidades da pesquisa todas têm escolas estaduais. Portanto as escolas
públicas, nitidamente, em um patamar bem diferente das escolas do extrato especial e das
escolas privadas. Essa aqui, essa escala vertical é a escala que nós criamos para a nossa
pesquisa, essa escala Geres. Equivalente à escala SAEBE. Inclusive, a partir da quinta onda que
os alunos estão no final da quarta série, vai dar para comparar a nossa escala com a escala
SAEBE, fazer uma equalização de modo que nós vamos poder dizer se os nossos alunos estão
na média dos alunos do país inteiro. Nós vamos poder comparar os nossos alunos com os
outros alunos de outros lugares.
Essa distribuição é de Matemática. Aqui estamos com o mesmo fenômeno, as escolas públicas
bem mais baixas, escola privada e a escola com extrato especial mais alto. Bom, eram esses
resultados que eu queria discutir com vocês. Ainda nós não estamos o impacto de fatores
escolares, nós não chegamos a esse ponto de poder discriminar quais são as condições de
funcionamento ou tipo de professor, tipo de pedagogia que influencia a aprendizagem dos
alunos. Esses são gráficos que simplesmente mostram o percurso, a trajetória da
aprendizagem dos alunos nas diferentes redes. Aqui nós estamos falando. Do lado esquerdo,
estamos falando da progressão da aprendizagem em leitura. Eu não deveria ter escolhido
amarelo aqui, mas a linha mais baixa, abaixo do roxo, a linha amarela é a escola municipal. A
linha roxa é a escola estadual, a linha azul é a escola privada e a linha preta é a escola da faixa
do extrato especial. Chamamos de especial, poderíamos ter chamado de outra forma, são
escolas de aplicação ligadas às universidades federais ou estaduais. Ou, por exemplo, o colégio
militar em Belo Horizonte. São escolas públicas, mas com características completamente
diferentes, colocamos essas juntas em uma faixa separada. O que eu queria mostrar aqui é que
nós estamos falando de dois universos completamente diferentes. O universo da escola
pública, começando em um ponto muito mais baixo da escala na primeira onda. Subindo
aproximadamente no mesmo ritmo que as escolas privadas, mas sempre em um curso
paralelo. Separado por 20 pontos ou mais na escala Geres. Agora o que é que acontece do lado
de cá? Isso é um fenômeno que eu não encontro discussão na literatura sobre isto e vocês
como educadores talvez consigam me ajudar a interpretar. O que se vê nitidamente é uma
paradinha no ensino da Matemática na segunda série. Só lembrando. Um aqui representa o
ponto de partida dos alunos no princípio da primeira série, não é? O dois, a onda dois,
representa aonde que eles chegaram no final da primeira série. Essa aprendizagem, no caso
Matemática, é o que aconteceu ao longo da primeira série. Três, onda 3, representa
aprendizado deles no final da segunda série. E você vê em comparação com a escola privada
que vai em uma reta só, a escola pública de repente tem um degrau. E só na terceira série que
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retoma a inclinação anterior. Passou por esse degrau e continua subindo. Nós podemos ver
esse resultado de outras maneiras. Aqui, especificamente nas escolas municipais. E agora
estamos falando de todas as cidades, talvez, menos em Belo Horizonte. Esse degrau é menos
acentuado no caso de Belo Horizonte e muito acentuado no caso de Salvador, Campo Grande
e Rio de Janeiro. O que esse gráfico está me dizendo é que os professores estão deixando o
ensino da Matemática de lado na segunda série. É isso mesmo? É isso que acontece? A minha
interpretação é que a urgência ou a premência de garantir a educação dessas crianças até o
final da segunda série está obrigando os professores a concentrar seus esforços e seus
recursos em cima da alfabetização e isso está redundando na redução da importância do
ensino da Matemática. A razão da preocupação dos professores está dada pelo gráfico
anterior. Esse ponto em que os alunos chegaram no final da primeira série em termos da
escala de leitura. Esse ponto aqui, 120 aproximadamente na escala Geres, é inferior ao ponto
de partida dos alunos das escolas privadas no princípio da primeira série. Na escola pública, o
domínio da leitura é inferior, no final do primeiro ano de alfabetização, ao ponto de partida
dos alunos das escolas privadas no princípio do ano.
Mesmo com o esforço especial durante a segunda série, o ponto em que os alunos chegam à
escola pública é aproximadamente equivalente ao ponto de partida dos alunos das escolas
privadas no princípio da primeira série. Estamos falando, portanto, de dois anos de atraso no
que se refere aos nossos alunos Geres, na escala de leitura. A preocupação em garantir esse
avanço aqui, portanto, é justificada. O problema é que quando você deixa de ensinar
Matemática nesse mesmo período, você não recupera depois. Que, uma vez criada essa
distância, essa distância aqui, entre as escolas públicas e as escolas privadas, é muito superior
a essa distância aqui. E essa distância, agora, as duas linhas, as duas curvas, vão continuar em
paralelo. A distância está estabelecida. Se não recupera esse tempo perdido. Então se, além de
dois anos de atraso na parte de leitura, o que nós criamos foi um atraso de dois anos em
Matemática onde só havia um atraso menor anteriormente. Parece mesmo que o dado está
contra o aluno da escola pública. O professor está naturalmente preocupado em garantir a
alfabetização. Somente 40% dos alunos das escolas municipais e 33% dos alunos das escolas
estaduais ainda estavam nos níveis 3 e 4 da escala Geres, nesse ponto aqui, no final da terceira
série. Ainda não tinha habilidades estáveis de codificação e decodificação. Não eram capazes
de recuperar informação explícita localizada no final de pequenos textos, e não conseguiam
inferir o sentido de palavras a partir do contexto. Ou seja, após 3 anos de alfabetização e esses
esforços especiais durante a segunda série, os alunos das escolas públicas, somente 60% deles,
isso após 3 anos, têm dominado o básico da alfabetização.
67
Espectador 1:
Eu não entendi se 40% dos alunos das escolas municipais e 33% dos alunos das escolas
estaduais é que conseguiram chegar ao nível desejado no final ou é o contrário. Então 60%
conseguiram chegar, não é isso?
NB:
Quem é alfabetizador vai saber o que eu estou falando. Que essas competências e habilidades
estáveis de codificação e decodificação. Recuperar informação explícita localizada no final de
pequenos textos ou inferir o sentido de palavras a partir do contexto. Eu não sou especialista
em Educação, mas me garantem que essas são as primeiras habilidades que se adquirem no
processo de alfabetização. O que nós estamos dizendo é que, mesmo até o final da terceira
série, 40% dos alunos ainda não têm.
Bom, essa discussão é sobre o que está havendo. Deixando de lado, pelo menos por enquanto,
a diferença entre esses dois universos que são o universo das escolas privadas e o universo das
escolas públicas, você vê por esses dois gráficos que as escolas privadas estão atingindo já
nível 170, bem superior. Em todo o trajeto a escola privada se mantém distante e, pelo visto,
cada vez mais distante das escolas públicas. Mas deixando de lado esse resultado, que de certa
forma era esperado, o que eu queria era discutir esse fenômeno. Aqui eu estou mostrando
para as escolas estaduais, escolas municipais, escolas privadas, escola de extrato especial, qual
que é a contribuição de cada ano de aprendizagem, isso na área de Matemática. E como o que
eu estava mostrando. Isso aqui é o que o aluno já tinha quando ele entrou na escola, nós
estamos testando ele no princípio da primeira série, então, de certa forma, isso ele já tem. Já
veio com isso da pré-escola, ele já tem esse nível de competência na nossa escala. O vermelho
escuro é o que ele aprendeu de Matemática na escola municipal ao longo da primeira série. E
essa pequena faixa amarela é o que ele aprendeu na segunda série. Em Matemática. Mas se vê
nitidamente que, tanto na escola estadual quanto na escola pública, o quanto que esse
aprendizado foi achatado Em comparação com as escolas da faixa especial, escolas privadas,
cujo acréscimo de aprendizagem seguiu em um ritmo pré-estabelecido. É isso mesmo que nós
estamos identificando aqui? Que há um problema. Há um problema de alfabetização ou é a
pressão.
Nigel Brooke:
Alguém tem uma opinião sobre isso?
68
Espectador 2: Nova Friburgo, Rio de Janeiro.
As escolas particulares, pelo menos em Friburgo, que a gente tem acesso na pré-escola já se
inicia o processo da aquisição dos conceitos matemáticos, não é? Então a criança, a partir de 3
anos, ela já inicia um processo concreto na linha da Matemática. E creio que lá na nossa
cidade, posso falar com relação ao privado, quando se chega no primeiro ano, já não é mais o
ciclo. Primeiro ano já seriação, segundo ano já é seriação. Isso no privado. Já o município não,
entra em um processo que a pré-escola fica ainda um pouco perdida, não é? Não tem ainda
uma definição da função dessa pré-escola e o ciclo, primeiro e segundo ano, eles são uma
continuação. Eu creio que naquela região, Monjardim, Cordeiro, Cantagalo, Friburgo,
adjacências, estão passando por isso, ou seja, a pré-escola tem uma função fundamental não
só na socialização, mas no processo também dessa aquisição de conceitos que a criança vai
brincando, ao brincar, ela desenvolve o processo. E a gente tem que trabalhar essa pré-escola.
Eu creio que pode ser um dos fatores que fazem com que a primeira e segunda série, ocorra
essa questão com a escola pública estadual.
NB:
Eu acho que a gente vai poder testar essa hipótese. Quando da entrega das últimas
proficiências, os resultados dessa última onda no final do ano passado, nós vamos ter o nosso
banco de dados completo sobre todas essas etapas de medição do aprendizado dos alunos.
Nós vamos ter todos os dados sobre processo de enturmação, todas as decisões tomadas ano
por ano, cada escola, as opiniões dos professores sobre a evolução da aprendizagem dos seus
alunos. Nós vamos poder destrinchar isso e identificar. Eu posso adiantar que nós já sabemos
alguns dos resultados por alguns estudos preliminares usando esses dados, por exemplo, aqui
no Rio de Janeiro foi defendida uma tese recentemente, mostrando claramente o impacto do
livro didático no ritmo de aprendizagem dos alunos. Mas não tanto o livro didático em si, o
importante é o tempo que o professor tem de uso daquele livro didático. Não importa qual é o
livro. O importante é o grau de familiaridade, a facilidade com que o professor utiliza aquele
livro é que faz a diferença. Você vê nitidamente que os alunos cujo professor tem usado o
mesmo livro durante algum tempo, os alunos aprendem com ritmo maior. Isso onde o livro
didático é usado. Mas isso demonstra que nós vamos poder entrar em uma discussão sobre
cada um desses fatores para tentar discriminar o que é que de fato está contribuindo, o que é
que o professor faz ou deixa de fazer que está incidindo no avanço ou o ritmo de avanço dos
seus alunos.
Espectador 3:
69
Queria saber se vocês já pesquisaram como o professor tem trabalhado a Matemática na
escola, porque eu não sei como é nas outras regiões, mas onde a gente trabalha, em Rio das
Ostras, vejo os professores com pouca habilidade para trabalhar o ensino da Matemática,
como se a Matemática fosse outra linguagem. Na Matemática, chega ao ponto dos
professores quererem se dividir, tipo: “Você fica com a Matemática, eu fico com a Língua
Portuguesa”. E eu percebo que o professor está sempre deixando a Matemática de lado.
NB:
Você está dizendo que o professor tem menos familiaridade, menos facilidade com o ensino
da Matemática.
Claudio Mendonça:
Eu quero fazer uma observação em cima exatamente do que ela está dizendo. Eu acredito que
na segunda série, a Matemática ganha uma característica menos intuitiva e começa a ganhar
uma natureza mais procedimentalista, mas repetitiva, que é o fundamento da Matemática que
vai permear todas as séries até o final da Aritmética. Então nas escolas de natureza especial
privada, o professor, por ter uma base metodológica mais eficiente, ele consegue trazer
melhor resultado a esse caráter procedimentalista, onde ele tem que ser dedutivo, e na
Matemática das escolas públicas, a ausência de método faz com que a repetição não traga
bons resultados porque não tem metodologia que sustente essa repetição.
NB:
Com essa tese, como você explicaria a retomada na série seguinte? É porque é outro
professor?
CM:
Os professores mais velhos escolhem o horário de acordo com a antiguidade da matrícula. A
escolha da turma na matriz curricular é feita de acordo com a antiguidade da matrícula.
Quanto mais velha é a matrícula, maior o direito de escolher a turma e o horário. Então os
professores mais jovens, com menos metodologia, com menos prática, menos tarimbados,
eles são designados para as turmas de primeira série, de alfabetização e, naturalmente,
também a primeira série da Matemática. Os professores com uma formação mais antiga, já
70
com uma base metodológica intuitiva criada ou através do livro, da familiaridade com o livro, é
que vão para as turmas mais adiantadas.
NB:
Muito bem, então agora temos uma segunda hipótese para explicar esse fenômeno. Na minha
hipótese era o professor alfabetizador sentindo a pressão por resultados ou pela melhoria na
competência em leitura do seu aluno, estava deixando o ensino da Matemática de lado. Na
hipótese do professor Claudio é porque é um professor alfabetizador e que, por formação ou
por preferência, ele se vê como alfabetizador e não como professor de Matemática. E mesmo
se tivesse tempo, ele não seria tão eficiente no ensino da Matemática, portanto esse degrau
não é a Matemática sendo deixada de lado, é a Matemática sendo mal ensinada. A diferença
está aí. Enquanto aqui, na terceira série, você tem um professor de terceira série cuja
formação é para o ensino da Matemática e não para a alfabetização de criança. É isso?
CM:
Ele é mais antigo na escola.
NB:
E pode ser porque ele é mais antigo na escola, já que ele pode escolher qual série que... Então
nós temos duas hipóteses. Alguém quer levantar mais alguma?
Espectador 4:
Posso sugerir uma terceira hipótese, Doutor Nigel?
NB:
Pesquisa acaba levantando mais hipóteses do que resolve.
Espectador 4:
Posso sugerir uma terceira hipótese?
NB:
Pode.
Espectador 4:
71
Eu sou professora que já trabalhei desde classes de pré-escola até o segundo grau agora. E o
que eu vejo dentro da escola pública, municipal ou estadual, é a falta da pré-escola. Então os
alunos da rede privada em especial, eles já chegam com o raciocínio estruturado lá nas
primeiras séries, e o aluno da escola pública municipal ou estadual, por ele não ter as classes
de pré-escola, chega ainda com a estrutura mental dele não preparada para uma metodologia
da Matemática da segunda série que já é cobrada. No primeiro ano, na alfabetização e na
primeira série, ele pode trabalhar de forma lúdica e forma intuitiva, mas quando chega ao
terceiro ano quando tem que usar as estruturas cognitivas já formadas, ele não tem isso.
NB:
Muito bem. Eu acho que nessa discussão, claro, nós não vamos chegar a nenhuma conclusão.
Tem mais alguém.
Espectador 4:
Bem, Eu não sei se eu estou viajando, mas, pensando assim nas outras falas, eu fico pensando
na questão dos ciclos que a gente tem na rede municipal e na rede estadual. Eu não sei se esse
problema na Matemática tem a ver com o tipo de trabalho que está sendo realizado nesses
ciclos, se eles realmente estão alcançando o objetivo de alfabetizar esse aluno, se essa questão
do ciclo está sendo bem entendida e está sendo bem trabalhado a ponto da segunda série, de
repente, retomar e seguir em frente. Então eu acredito, não é? Não tem nem tanta base, eu
penso que esse trabalho de ciclo pode estar causando essa estagnação na segunda série na
Matemática. Para o professor tentar retomar e dar um desfecho na questão da Língua
Portuguesa, na questão da leitura. Eu acho que pode estar aí. De certa forma, esse trabalho de
ciclo ainda não é bem compreendido. Fala-se muito, defende-se muito, mas eu acho que ainda
falta uma estrutura maior.
NB:
Eu estou falando série sempre, mas, em verdade, em duas, aliás, três das nossas cidades
implantou-se o sistema de ciclos. Só no Brasil para ter um sistema tão confuso, tão complexo.
Agora, às vezes, ciclo, às vezes é série, às vezes, é ano, ninguém se entende mais sobre como
chamar os diferentes momentos da escolarização. É mais um nível de complexidade na própria
pesquisa. Mas eu aceitei esse convite de apresentar a pesquisa Geres, primeiro porque eu
acho interessante mostrar que é possível fazer pesquisa nessa tradição da escola eficaz. Ele
não é propriamente uma pesquisa desenhada para entender por que determinadas escolas
72
são eficazes e outras não. Ela não tem exatamente essa estrutura, mas inegavelmente ela
segue a tradição da escola eficaz na medida em que está tentando identificar aqueles fatores
que incidem ou contribuem para a aprendizagem dos alunos. É uma pesquisa em andamento -
vocês podem se informar mais caso se interessarem -, tem um site que é www.geres.ufmg.br,
que fornece os documentos, os relatórios e outras informações sobre a pesquisa. Eu espero
que ao longo deste ano, estaremos publicando os resultados finais da pesquisa, em termos
desse modelo, os resultados desse modelo multinível. Muito obrigado!
Segundo dia
Lina Kátia
Especializada em Educação para a Matemática e mestre em Educação pela
Universidade Federal de Juiz de Fora. Atualmente é Coordenadora da Unidade de
Avaliação da Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino e Extensão.
A Importância dos Indicadores Educacionais
Eu queria inicialmente agradecer ao Claudio Mendonça pelo convite e dizer que é uma feliz
oportunidade a gente estar aqui discutindo esse tema tão importante que gira em torno da
avaliação educacional, que é a equidade e a qualidade da educação e o que esses indicadores
estão dizendo sobre a nossa realidade.
Vou me sentir em uma situação muito confortável. Eu vou iniciar a minha fala no lugar de
professora da rede pública, 22 anos professora da rede pública do estado de Minas, passei por
uma experiência como diretora de escola, cheguei à secretária municipal de Educação e hoje
coordeno o CAED. O CAED é o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação na
Universidade Federal de Juiz de Fora. O CAED vem desenvolvendo com o Rio de Janeiro, com a
Secretaria do Estado do Rio de Janeiro desde a época do Claudio como secretário, que
depositou todo voto de confiança ao CAED, a avaliação externa do programa Nova Escola e
hoje do SAERJ, não só no Estado do Rio, como no Estado de Minas Gerais, Ceará, Pernambuco,
Rio Grande do Sul e estamos entrando agora no Espírito Santo. Vou falar de um lugar que é
muito igual ao de vocês. A gente acredita que a educação é algo muito complexo. Eu acho que
73
é bom a gente situar um pouco antes de começarmos a trabalhar com os indicadores, para a
gente perceber que lugar que a gente pensa e o que é que a gente tem em comum, para até
entender o que é que a minha fala pode contribuir com a gestão de vocês.
Bom, a gente acredita que a educação é algo muito complexo. Não é verdade? Que vários
fatores interferem na educação. Seja ele extraescolar. Vamos pensar em alguns fatores
extraescolares que vocês acham que podem interferir no desempenho do aluno. Falem
qualquer um. Socioeconômico. Outro? Político, familiar, não é isso? As relações familiares, o
capital social, o capital cultural, vários fatores interferem nesse desempenho. Mas também
vamos falar que existem alguns fatores intraescolares que interferem no desempenho.
Vejamos alguns desses fatores, vamos parar para pensar comigo. Que fatores dentro da escola
interferem no resultado do desempenho escolar. Vejamos: Burocracia na escola, o
relacionamento, falta de professor, qual outro? Falta de liderança do diretor, gestão escolar é
um dos fatores que mais interfere em um desempenho. O compromisso com o professor com
a aprendizagem, a sua formação, não é? Então as pesquisas têm mostrado o seguinte, que
65% estão relacionados ao fator extraescolar, têm um compromisso político com a sociedade,
mas 35% têm os fatores intraescolares. Esses fatores podem fazer essa diferença, está certo?
Então a gente acredita que essa complexidade toda que eu estou dizendo, em termos dos
fatores extras e intraescolares, estão atrelados a um desempenho. E quando você começa a
pensar em um desempenho escolar “Olha, a avaliação no Brasil está praticamente
consolidada”. Desde a década de 90, com a implementação do SAEBE.O SAEBE começou em
uma amostral. Todo mundo aqui entende o SAEBE? Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Básica. Ele foi implementado no início de 90. Até 93, 95, a última avaliação, o SAEBE
só tinha um objetivo: verificar se o currículo estava sendo cumprido, uma questão mais
curricular e uma amostra de escolas. A partir de 97, 99, o SAEBE implementou uma matriz de
referência para avaliação, onde nessa matriz todos os descritores apresentam o que é avaliado
e, a partir de 2005, ele deu um salto, em vez de ser amostral, em vez de dar um retrato geral,
começa a entrar na escola, porque é a escola que faz a diferença”. Ele começa a ter uma
avaliação censitária que é a Prova Brasil que vocês participam de alguma forma.
Bom, eu vou voltar nessa questão da complexidade. Quando eu digo que vários fatores
interferem, vocês vão dizer "Poxa, mas como então esse desempenho é medido? Como isso é
medido, não é? O aluno do Rio é a mesmo coisa no Ceará. Esse pessoal faz o teste lá no Ceará.
Ou o aluno aqui com o aluno do interior. Da zona urbana, a zona rural, não é”? Quanta
diversidade tem no estado, imagina quanta diversidade no Brasil. Quando se pensa no
desempenho escolar, em uma avaliação externa, o que está em foco são as habilidades básicas
74
e essenciais que um aluno precisa ter vencido em determinadas etapas de escolaridade. Quer
ver? Quarta série, quinto ano do Ensino Fundamental de nove anos. As habilidades básicas em
Matemática que um menino tem que ter. Vocês vão falar para mim, não importa onde ele
está, ele tem que sair sabendo as quatro operações fundamentais, processo operatório. Não
tem como, não é isso? Ele não pode sair sem saber identificar, localizar, classificar e seriar. Eu
fui para o lado da Matemática sem querer porque a minha área é Matemática. Então vamos
identificar, localizar, classificar e comparar. Ter noção de espaço e tempo. Identificar uma
informação, ler uma informação básica em um gráfico de coluna e tabela. Vocês podem dizer
para mim onde nesse país um menino pode terminar cinco anos de escolaridade sem saber
isso? Tem, não é? Mas termina. Quando a gente pensa em uma avaliação do desempenho
nesse nível, toda a questão da complexidade foi por água abaixo. Nós não estamos falando em
complexidade, nós estamos falando em condição mínima porque se eu não der condição
mínima para esse aluno desse processo, para essa criança, não é? O que é que a gente está
fazendo? Contribuindo cada vez mais para uma exclusão social. E o abandono e a repetência e
a evasão. É expulsar o aluno da escola. Imaginem vocês se eu ficar aqui a manhã toda
conversando com vocês, vocês virarem para o Claudio e falarem “Claudio, não traz mais essa
mulher não, não entendi nada do que ela falou. Não faz sentido”. Imagina um menino na
escola, o tempo todo, com esses 5 anos, não é? Cinco anos, muito tempo na escola, e ele não
conseguir desenvolver essas habilidades em Matemática e como não saber decodificar
palavras, associar palavras a imagem, decodificar frases, ler uma informação simples, em um
texto simples, uma informação explícita. "Pelé é o melhor jogador do mundo. Quem é o
melhor jogador do mundo"? É isso que se está cobrando nas séries iniciais. Então quando eu
disser desempenho escolar, quando eu disser com vocês "esses são os indicadores de
desempenho do SAEBE”, agora vocês vão entender do lugar que eu estou falando, está bom?
Então eu vou fazer o seguinte, eu vou começar aqui a trabalhar com os indicadores, vou fazer
uma rápida apresentação, a gente vai tentar conjugar isso com a ideia e a realidade da escola e
também em nível de gestão municipal ou gestão estadual. O que é que os gestores podem
fazer. E depois a gente dá um tempinho para a gente conversar, está legal?
Bom, a gente vai trabalhar com os indicadores de uma forma geral, educacionais, e por último,
vamos tentar fechar com os indicadores sociais. Vamos parar para pensar um pouco em uma
função do indicador. Para que serve o indicador? Ela é uma medida objetiva e sintética, básica,
simples que exprime o resultado da ação, do fenômeno. A gente agiu sobre algo, nós todos
trabalhamos para que o aluno aprenda e quero saber qual é o desempenho desse aluno. Eu
vou ter uma medida nos testes padronizados das avaliações externas, como eu também vou
75
ter uma medida, um indicador de qualidade, em termos da evasão, em termos da repetência,
em termos do abandono, da distorção idade/série. A gente vai fazer todo esse comando. Eu
fiquei pensando. E para quê? Para atingir um determinado objetivo. Qual que seria o objetivo
na área da educação hoje? Forte. Olhe bem, o início da década de 80 e a década de 90
marcaram o Brasil com várias reformas, inclusive com a nova LDB. Qual que era o ponto chave
da nova LDB, qual é o ponto principal dessas reformas educacionais que a gente viveu? Um
deles é a universalização do ensino. Toda criança na escola, permanência e o acesso. E o
outro? Acabar com o analfabetismo, erradicar o analfabetismo. Eram dois pontos fortes. E hoje
o que é que a gente tem forte? Eu tenho que acabar com o analfabetismo, mas é importante
saber o quê? O desempenho das habilidades básicas essenciais. Eu não posso pensar em um
indicador, simplesmente, que vai dizer que o menino de 15 anos é analfabeto ou não? Essa
condição é muito pouca para a gente, a gente não merece isso. A gente merece o quê? Que
todo brasileiro aprenda e que tenha uma condição digna de vida. E um caminho para isso é o
quê? Eu acredito piamente nisso. É a educação e o que a educação pode contribuir para
melhorar. Eu acho que antes de parar para a gente começar a conversar sobre esse indicador,
fiquei pensando em dizer para vocês com sinceridade que passei como secretaria municipal de
Betim, 6 anos, e nunca tinha olhado para um indicador educacional. Isso em 82, 83. Eu fiz uma
gestão razoável, eu entendo isso, pelo menos não tinha estatuto do magistério, eu consegui
fazer isso. Não tinha uma proposta curricular, eu consegui fazer isso. Mas eu nunca naquela
época, eu não sei se eu não tinha maturidade, eu estou dizendo francamente para vocês, eu
nunca parei para pensar que indicador educacional tinha Betim, tinha o Brasil, tinha Minas.
Não tinha forte essa questão da avaliação, que indicação de desempenho tinha. Era 86, 83,
não havia avaliação da educação, essa avaliação externa dessa forma. Não tinha indicador de
desempenho que eu comparasse Betim com Minas e com outras cidades, eu não tinha isso. Eu
estava conversando com uma pessoa lá do CAED e disse que fiquei olhando, eu estava no
avião, fiquei olhando aquela quantidade de botões e disse assim: “Eu acho que eu administrei”
Aí comentando que eu ia fazer um bate papo com vocês sobre isso, virei para ele e disse assim:
“Eu acho que o negócio era o seguinte, quando eu fui secretária municipal devia ter um monte
daqueles botões ali. Me perguntaram assim, o que é que você sabe? Deve ter um monte aí,
mas eu só pilotei a secretaria olhando esse aqui, só um. O resto eu não quis nem saber”. Eu
não sabia, eu não tinha conhecimento, mas eu fiz uma administração razoável, eu deixei
alguma contribuição, mas poderia ter deixado outras melhores. Eu poderia ter ido a frente, eu
poderia ter ido no rumo certo, com um planejamento melhor, eu poderia ter lançado mão de
várias ferramentas que hoje eu lançaria, não é? O voo aconteceu, era a mesma coisa se eu
perguntasse ao piloto e dissesse assim: “Olha, tem vários aqui, mas eu só vou olhar esse botão.
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não se preocupa com os outros, não que não tenha importância". Claro, se tem ali, tem a sua
importância. E tem sua utilização. Aí eu disse assim: "Se ele me dissesse isso, a gente ia chegar
e eu ia passar pelo voo tremendo de medo”. Mas se ele chegasse perto de mim e dissesse
assim: “Eu tenho esse botão que me indica isso, eu controlo esse para isso, eu faço isso por
isso”, eu tinha certeza que eu ia chegar e ia sentir a maior segurança nesse piloto. Eu acho que
é isso. Hoje a gestão escolar tem vários indicadores que ela pode tomar como referência e
pode seguir um rumo mais eficaz. É o tema do encontro hoje, não é? Vamos trabalhar com a
educação tendo em vista o quê? Uma escola eficaz? O que é que é uma escola eficaz
basicamente? O que é que é uma escola eficaz? Uma escola que todo aluno está nessa escola e
que todo aluno aprenda. A gente pode entrar em várias discussões da importância da
formação, da importância da escola na inserção cultural, social, e é importante, eu não vou
tirar essa relevância, mas sem com que o menino aprenda, eu não vejo possibilidade disso
acontecer. Como é que a criança e o jovem vão ser críticos e participativos e ativos na
sociedade se eles não sabem nem ler e interpretar uma informação básica no jornal, em um
meio de comunicação, não é verdade? Então eu acho que o forte da escola é justamente isso.
Eu estava lendo o prefácio do livro do Claudio e ele dizia isso “Olha, eu preciso do quê? O foco
da escola tem que ser a aprendizagem”. Então nós vamos trabalhar com esses indicadores
dessa forma: “Olha, eu tenho vários indicadores e como esses indicadores podem contribuir
para melhorar a gestão escolar”.
Então vamos situar o Brasil? O que é que vocês observam ali? Taxa de analfabetismo no Brasil.
Que análise vocês fariam desse quadro? Ali no primeiro tem a faixa etária, tem o período. A
primeira análise que a gente faz em relação? Que a taxa do analfabetismo está caindo, está
certo? Bom, está caindo. À medida que evolui a idade, que a gente fica mais velho, o que é que
acontece com a taxa de analfabetismo? Aumenta. Essas são as duas análises que a gente faz.
Mas o que é que é taxa de analfabetismo? Como que eu verifico que a taxa...? Eu falei em
desempenho escolar no início, eu não falei em taxa de analfabetismo. Que é que vou, vou
verificar o quê? Se o menino sabe o quê? Ler e escrever. Mas simplesmente não, ele não chega
nesse nível. É se ele sabe escrever o nome e se ele sabe ler alguma coisa muito simples. Não é
nesse nível que a gente vai trabalhar do desempenho escolar. E a taxa de analfabetismo no
Brasil, os indicadores podem ter dois pontos chaves. O primeiro, eu posso fazer um indicador
como exemplo desse, da taxa de analfabetismo no Brasil, uma visão macro. Não importa se ele
está na escola, se ele não está na escola. É o brasileiro, não é? E eu posso ter o indicador
quando a gente fala do desempenho escolar com o foco no quê? De análise de quem está
estudando, de quem está na escola. Então esses são os indicadores do Brasil. Vocês acham que
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o do Rio está muito mais alto, está menor? Que posição vocês acham que o Rio de Janeiro
ocupa em relação às taxas de analfabetismo? Menor? Nós temos aí 15 milhões, em torno de
15 milhões de habitantes, não é isso? Olha a taxa do Rio de Janeiro. O que é que vocês
acharam? Menor, um pouco menor? Vamos voltar lá para comparar? Vamos comparar 2007 e
a evolução? Olha, 1.3 e 0,9. Bem menor. Está certo? Agora vamos ver acima de 24 anos. Bem
menor. Então, em comparando com o Brasil. Olha, para você ver, para que serve o indicador?
Primeiro momento que eu falei com vocês é o quê? Eu vou verificar a dimensão, não é isso? O
segundo, qual é o movimento que eu fiz? Regionalizar. Quando eu regionalizei, o que é que eu
fiz? Eu fui lá, fui e voltei, eu estabeleci uma comparação, não é? Então eu posso situar ele, o
Brasil com o Brasil, mas eu posso situar não só o Rio de Janeiro, como os estados e as regiões
em relação ao Brasil e também o Brasil em relação a outros países, não é? Então os
indicadores são uma medida sintética, simples, que, além de você identificar um fenômeno,
verificar uma situação dada em um processo até de intervenção, você tem ao longo do tempo.
Quando você tem essa medida ao longo do tempo, qual que é a função que está explícita
nisso? A de monitoramente. Eu posso monitorar para ver se eu estou evoluindo, se eu não
estou evoluindo, o que é que está acontecendo. Outra taxa importante. O que é que significa
analfabetismo funcional? A gente vê isso nos meios de comunicação. Eu falei de analfabetos, a
gente chegou aqui para verificar se eles sabem ler e escrever, e a gente tem outra taxa. Qual
é? Analfabetismo funcional. Várias pessoas já ouviram falar isso. O Brasil tem tantos por cento
de analfabetos, ou seja, 21,7% da população brasileira estão nessa situação. Simplesmente são
pessoas que enfrentam uma terrível dificuldade para redigir um bilhete simples. Para fazer as
quatro operações fundamentais. Aí não importa se ele está na escola. Até então nós estamos
falando de quê? De uma dimensão de indicadores. Não importa se está na escola, se não está,
é da população como um todo. Até aí nós estamos conversando sobre isso. E quantos por
cento no Rio de Janeiro? 14,4%. Então a relação do Brasil com o Rio de Janeiro, até então, a
gente viu que é uma situação que está melhor que a do Brasil como um todo. Agora depois do
final a gente vai questionar se essa é a melhor? O que é que é isso, o que significa isso?
Eu falei como é um todo, agora quero começar a entrar na população estudantil. E aí eu parei
para pensar um pouco o seguinte: tem uma população que está fora da escola, mas os dados
estão mostrando que 9,4%, 9,8%, acho que no Rio de Janeiro, os alunos estão na escola no
Ensino Fundamental. Em torno de 60% no Ensino Médio, não é isso? Mas e quem não está? E
quem entra e que sai? A questão do abandono é uma questão muito séria. Dá para analisar
aquele quadro ali? Vocês conseguem perceber? Que relação vocês tirariam daquele quadro ali
para mim? O abandono é maior e muito mais significativo nas últimas séries. A questão do
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Ensino Médio é uma questão que preocupa todos os educadores do país. Não é isso? Olha
bem, nas séries iniciais, 3% acontece, mas, se você pensar em 15%. Se você pensar em um
contingente de alunos, na faixa de 200 mil alunos das séries iniciais, 3% é um número
significativo. Você não está falando 3% em 50, você está falando 3% em um universo muito
grande, não é? E quando chega às últimas séries? Eu estou mostrando do Rio de Janeiro.
Quando chega nas últimas séries do Ensino Fundamental, o que é que acontece com o
abandono? Dobra. Eu tenho de 3%, nas últimas séries eu passei para quanto? 6%. E lá no
Ensino Médio, o que é que acontece. No primeiro ano, 17%, no segundo 13%, e no terceiro
9%. O índice é muito alto de abandono no Ensino Médio. Então por que é que eu disse isso
para vocês? A minha ideia foi a seguinte: eu tenho um diagnóstico da população com um todo,
eu tenho um diagnóstico da população, a que eu vou entrar agora, na população estudantil.
Que a gente vai entrar no desempenho escolar. E o que é que eu tenho ali antes de pensar
isso? Uma séria situação. Qual é o papel da educação escolar hoje? Por que é que essa criança
e esse adolescente, ou um adulto, entra na escola e sai da escola, o que é que essa escola está
fazendo? Eu sei de todas as dificuldades. Quando eu disse para vocês que trabalhei muitos
anos, eu fui do Ensino Fundamental e do Ensino Superior, eu sei de todas as dificuldades. Eu
sei até das dificuldades que é uma pessoa ter que dar 52 aulas por semana. Por semana, ou
seja, trabalhei de manhã, de tarde e de noite. Mas eu sei também do compromisso que você
tem. Se você está nessa, você tem que cumprir com a responsabilidade do seu compromisso.
Você tem que fazer com que seja útil o que você faz, não é isso? Então, olha bem, essa taxa de
abandono, ela é muito significativa. E agora a gente vai entrar no desempenho da rede e,
pensando que eu estou falando de uma população que ficou na escola, falando de uma
situação que retrata um abandono em um percentual muito significativo no Ensino Médio e, se
você pensar bem, no Ensino Fundamental também. Por quê? Eu estou falando em abandono,
mais os que estão fora, não é? A gente tem que refletir sobre a nossa realidade. Olha, esse
quadrinho ali, talvez não vá fazer muito sentido para vocês olharem assim, mas eu vou
explicar. A última avaliação que o CAED fez no que agora é o SAERJ, Sistema de Avaliação do
Estado do Rio de Janeiro, ali está o retrato da distribuição de percentual de alunos por faixa de
proficiência da rede estadual. Então é um indicador, um indicador de desempenho. Eu vou
colocar a média para vocês da Prova Brasil. Até 125, 125 a 150, de 150 a 175, de 175 a 200. O
que é que significam esses números? Significam a média de proficiência. A média de
proficiência em uma escala do sistema nacional de avaliação. Se você tem 125, 125 - 150, 150 -
175, isso reflete um conjunto de habilidades que um aluno é capaz de desenvolver. Todo
mundo pode entrar no site da Prova Brasil, no site do INEP, www.inep.gov.br, e vocês vão
verificar a média da escola. Isso aqui é do estado na Prova Brasil para vocês entenderem
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melhor ali. Eu estou falando que são médias comparadas na quarta série em Matemática. Eu já
vou dizendo, na Prova Brasil, esse é o resultado do que é que tem ali? Olha, naquela primeira
tarja amarela, o que é que está escrito? Na segunda amarela? Seu estado é o Rio de Janeiro, eu
tirei os resultados do Rio de Janeiro. E o outro? Município. Eu tirei o município do Rio de
Janeiro como exemplo. E o outro? Sua escola. Então o que é que eu tenho aí em relação?
Chamam médias comparadas. Eu tenho uma média que vai retratar o quê? O desempenho em
uma avaliação feita na Prova Brasil. Que habilidades foram avaliadas? O que nós acabamos de
falar no início. São justamente as habilidades que nós denotamos direitinho aqui na
Matemática. Essas habilidades. Então eu tenho uma média. Qual foi a média total do Brasil?
Cento e oitenta e nove. E acima está dividido por quê? Por rede estadual, municipal, não é
isso? Do seu estado, qual que é a média? Cento e noventa e dois. Do município do Rio de
Janeiro? Duzentos e dois. E dessa escola que eu não vou dizer o nome quanto é? Cento e
oitenta e sete. O que é que eu estou dizendo com isso? Eu estou situando. É um indicador de
quê? De desempenho escolar. Que está avaliando algo mais complexo, ele está avaliando o
que a gente disse em Matemática e o que a gente falou no início da conversa em Língua
Portuguesa. Esse é o meu desempenho. De cara você vai situar. Vai falar assim: “Ah, não, Kátia,
o Rio de Janeiro está melhor do que o Brasil”, não é isso? O município do Rio está melhor que
o estado e essa escola, que análise que você faria? Essa escola está o quê? Com o desempenho
menor que o do Brasil, menor do que o seu estado e menor do que o seu município. Eu
comparo essas medidas. Mas muito mais do que saber a média, é o que é que essa média
significa. Que média essa escola que está com 187 pontos, que habilidades os meninos são
capazes de desenvolver? O que ele é capaz de fazer? Você vai à escala de proficiência, que tem
no site, e lá vai estar escrito: de 125 a 150, o que ele é capaz de fazer, de 150 a 175, o que ele é
capaz de fazer, de 175 a 200, o que ele é capaz de fazer. Então eu tenho um quadro de médias
comparadas e também, em cada nível de proficiência, a gente chama isso nível, o que é capaz
de fazer. Abaixo de 175 pontos é uma situação crítica, é uma situação que depende de uma
intervenção muito imediata. Abaixo de 175 pontos, um menino só sabe adicionar com apoio
gráfico, aquela coisa de contagem que tem um apoio gráfico, ele sabe identificar a hora no
relógio, ele sabe localizar um gráfico de coluna maior ou menor e ele identifica números. O
processo de avaliação externa passa, como qualquer processo de avaliação, por 3 etapas. O
que é avaliado, como é avaliado e o que os resultados são alcançados. O que é avaliado em um
processo em larga escala, a gente encontra na matriz de referência para avaliação. Essa matriz,
ela é composta por um conjunto de descritores que recebem essa codificação: D1... Por
exemplo, D1 de quarta série, é localizar objetos e pessoas no espaço, o D2 é identificar formas
e figuras geométricas. Qual que é o indicador de desempenho? Está relacionado com o que foi
80
avaliado e o que foi avaliado está na matriz de referência. Então, olha bem, na página 43, o
que é que está escrito? Escala de proficiência em Matemática. Vamos pegar o exemplo
daquela escola? Qual é a média dela? 187, ela está em que intervalo? Aqui, está vendo 125?
Significa que é de 125 a 150. Quando está escrito 150 é o início. Então o início é quanto? 150 a
175. Não está 175 no meio? Que intervalo é esse? 175 a 200. São de 25 em 25 pontos. Então
187 está onde? Muito bem, está de 175 a 200. Então a média desses alunos está nesse nível
aqui. Os alunos sabem nessa escola, em média, o que está nesse quadro branco e o que está
no quadro cinza superior. É isso que eles sabem fazer. As habilidades dali para baixo ainda não
foram desenvolvidas em média, está bom? Deu para entender? Eu tenho um dado - média
comparada, essa média comparada é da Prova Brasil. Ela compara o estado, o Brasil, o
município e a escola. Ela tem uma interpretação qualitativa para eu produzir um diagnóstico
da escola. Se eu quiser chegar na minha escola, acessar o site que eu dei para vocês, eu vou ter
um quadrinho com a média da minha escola. E eu vou saber situar a média da minha escola. E
muito mais! Quais as habilidades em média que meus alunos sabem. Eu vou lá nessa escala de
proficiência, que tem uma escala para Língua Portuguesa e outra para Matemática, como tem
uma tabelinha. Vamos fazer um exerciciozinho de Língua Portuguesa com o material? Qual que
é a média do Brasil? 170. Qual que é a média do seu estado total? E da rede estadual? 172. E
da rede municipal? 177. No Rio de Janeiro, a média da rede municipal das séries iniciais é
melhor que a do estado. Quando chega na oitava, nas séries finais, e no Ensino Médio, Reverte
isso: a média do estado é melhor que a do município. O que você atribui com o processo, de
repente, de municipalização, o Claudio pode explicar isso melhor. E, de repente, as escolas
com menor desempenho podem estar situadas na rede. Então, olhem bem, os indicadores
apontam. E qualitativamente podem ser interpretados, está certo? Vamos tomar como
referência essa escola? Se a gente trabalhasse nessa escola. Qual que é a média dela? 1,77. Ela
está em que intervalo? 175 e 200. Onde é que eu vou saber que habilidades elas
desenvolveram? Onde? Na escala de proficiência que está aí. Na página anterior, de Língua
Portuguesa está na página 40, está certo? Eu vou verificar nesse nível, os alunos em média
desenvolveram essas habilidades e aqui estão anterior, que é cumulativa, e dali para baixo é o
que precisa ser trabalhado. Agora, para mim, mais importante que a média, é distribuição
dessa média. Está vendo essa escadinha? Vamos ver o desempenho dessa escola. Olhem bem!
Língua Portuguesa, qual foi a média mesmo que a gente viu lá atrás? 177, está onde? Entre
175 e 200. Viu a escadinha que a menina está? Média 177. Agora, olha bem, na oitava série,
qual foi a média dessa escola? Está lá o menino indicando, olhem, média na oitava série, o que
é que está escrito lá em cima? O 232 está em que intervalo? 225 -250. Eu vou verificar onde
está a interpretação qualitativa desse desempenho? Na escala de proficiência aí. Eu vou
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verificar na escala de proficiência, o que é capaz de fazer. Nesse nível e outro. Agora, para mim
mais importante do que essa média é a distribuição do percentual de alunos em cada nível.
Olha outra interpretação que a gente faz. Está vendo o verdinho? O verdinho é quarta série, eu
vou pegar a quarta como referência. Língua Portuguesa: verdinho, quarta série. O primeiro ali
tem quantos por cento? Olha lá, 8%. Depois? 12%. Depois? 20%. Vamos somar? Vinte mais
doze, 32. Com 8? Quarenta. O que é que essa escola tem? A média dela é 77, mas ela tem 40%
dos alunos abaixo da média. Ela tem 8% dos alunos que terminam a quarta série sem saber ler
palavra. Porque menos de 125, ele não lê palavra. Ele está com 8%, com 12% até 150, 12%,
que só codifica frases. Então, gente, deu para perceber a importância desse indicador? Eu
tenho indicador em nível macro, do analfabetismo no Brasil, das pessoas que estão na escola e
fora da escola. Eu tenho o indicador do analfabetismo funcional, ou seja, eu não consigo,
tenho dificuldade em redigir um bilhete, fazer as operações básicas. E eu tenho um indicador
que vai desde o país até a escola. Quando fui secretária, não usei isso porque não havia. Não
tinha essa ferramenta para a escola utilizar. Então eu estou conseguindo e essa evolução
requer da gente uma formação contínua, não é? Como estudar essa tabela, como ler, como
utilizar e eu acho que é esse momento que está sendo proporcionado aqui. Então, esse
desempenho do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, chega também às redes.
Olhem o que é que eu mostrei para vocês lá na avaliação do SAERJ. Olha aí, percentual de
proficiência dos alunos, quinto ano, esse de Matemática. É o primeiro? O primeiro foi de
Matemática. O outro é de Língua Portuguesa. Eu estou mostrando da rede estadual, da
avaliação feita na rede estadual. Eu cheguei com vocês ali no plano da escola, Aquela
distribuição era da escola. Essa distribuição é da rede estadual do Rio. Olha bem, quantos por
cento eu tenho abaixo de 150? 19% mais 4% dá 23%. 23% estão terminando a quarta série
nessa condição, de não codificar frases. Quando eu acrescento os 25%, eu vou ter 23% mais
25%, em torno de 48% que não localiza uma formação explícita no texto. Que tipo de
intervenção a gente pode fazer, que tipo de intervenção a escola pode dar, que tipo de
intervenção as políticas públicas do estado e do município podem fazer? É um esforço. Eu
tenho que unir esforços. A responsabilidade é conjunta. Já está aí todo o movimento do Brasil,
o compromisso de todos pela educação, não está excluindo ninguém, não é? Então que
movimento é esse que a gente pode fazer em face desse diagnóstico? Deu para perceber os
indicadores em nível macro até chegar à escola?
Então se eu perguntasse a vocês para que servem esses indicadores educacionais, vocês
conseguiram perceber isso? Dimensionar a nossa realidade educacional. Com a minha fala
vocês conseguiram perceber isso? Segundo, qual que é outro? Monitorar a evolução ou
82
involução de um fenômeno. Vocês conseguiram ver isso? Vocês observaram de 2005, 2006 e
2007 a involução que teve em termos do analfabetismo. Qual o outro? Comparar diferenças.
Onde é que vocês observaram essa comparação das diferenças? No estado, município, Brasil, o
próprio quadro fala. Quadro das médias comparadas, ou seja, indicadores de desempenho
para vocês estabelecerem a comparação. E o outro? Subsidiar tomadas de decisão. Eu disse
para vocês naquela escola que a média era 177 e 44% dos alunos não sabem ler e vou ter que
tomar uma decisão na minha escola. Eu não posso deixar esse quadro. Eu como diretora de
uma escola, como professora de uma escola, eu vou tomar uma decisão, Eu, como gestora
municipal, tenho que tomar outra decisão em outro nível. E como gestora da rede pública
estadual, em outro nível, não é? Políticas públicas educacionais em nível estadual, municipal,
em nível do Brasil. O livro didático foi uma política pública implementada em função dos
desempenhos. Observou-se o quê? Que as escolas que adotavam o livro didático tinham um
melhor desempenho em relação as que não adotavam. O que é que estava em jogo quando
era livro didático? E o que é que se está propondo hoje? Eu acho que a Ana vai falar isso muito
bem. Quando começou a ter o livro didático, o livro didático estava dizendo pelo menos o
foco: “Olha, pelo menos precisa ensinar isso, tem um caminho a ser trilhado. Não sai dando
tiro para todo lado porque não vai dar certo”. Hoje qual que é o movimento? Precisamos ter
uma proposta curricular adequada. Para ficar com clareza o que o professor precisa ensinar
em cada etapa de escolaridade.
Bom, quando eu junto em um liquidificador muitos indicadores, começa a ser criado o quê?
Os índices educacionais. Até então nós falamos de um único indicador, que era o
analfabetismo, que era o desempenho. Mas eu posso falar da distorção idade em série, que
era o abandono. Então eu tinha simplesmente o quê? Um indicador. Agora eu vou entrar em
uma esfera mais complexa. Eu tenho também o quê? Os índices educacionais. Olha bem, a
associação de vários indicadores, eu tenho uma metodologia específica, eu tenho vários
aspectos ou dimensões do desenvolvimento educacional em um único número e conjugo as
dimensões da realidade com a causa, não é? Olha, vamos fazer o seguinte: a gente leu isso
aqui, eu vou explicar dois índices que eu acho importante Qual que é esse índice? O que vocês
entendem por isso? Distorção idade-série. Eu acho que esse índice é um índice muito
importante para a gente na gestão escolar, na gestão da educação pública. Levando em conta
crianças e adolescentes com idade superior em até 2 anos para a série adequada. Então até
dois anos significa que houve o quê? Dois anos de repetência ou que abandonou e depois
voltou. E tem mais gente, quanto maior o índice distorção idade-série, menor o desempenho,
entendeu? Porque se você dissesse assim: "Não, está repetindo porque está tendo
83
investimento. O menino está recuperando, ele está evoluindo. Ele não passou porque ele vai
aprender mais na escola. Ele precisa estar no estado de latência. A gente precisa de uma
atenção especial para ele prosseguir com sucesso às séries finais do Ensino Fundamental”,
você diria: “Puxa vida, tem uma distorção, mas tem uma causa justa”. O problema é que
acontece a distorção e a causa não é justa. Quanto maior o índice de distorção idade-série,
menor é o desempenho. Quando você tem um índice alto, um número alto, um percentual
alto, o desempenho cai. Então, olha bem, no Brasil, quantos por cento? Olha, que análise que
você faz disso? Olha para você ver como é que vai dando nó na cabeça da gente, não é? Você
tem o Rio em uma posição ”privilegiada” em relação ao Brasil. Na taxa de analfabetismo, na
taxa de desempenho. Olha a distorção idade-série o que é que acontece? 28% dos alunos
concluem em uma faixa, sem estar no período regular, normal de escolaridade. A gente tem
25% no Brasil, na região, 16%. Eu coloquei São Paulo, 10%, que é o menor. E coloquei o Rio,
28.8% que é o maior. Então é essa a distorção idade-série. É uma questão que precisa de uma
política de investimento, não é isso? Tanto em nível da escola quanto em nível de uma gestão
educacional.
Bom, e esse índice? Que está todo mundo comentando aí, os meios de comunicação, as
pessoas já dizem que existe. O IDEB. Que diagnóstico que você diria? Teve dois pontos que eu
toquei na minha fala até então. Qual que é ele? Forte, qual foi? O desempenho escolar, não
foi? O centro, se eu parasse agora, vocês iam dizer o quê? O que é que ela falou mais? Sobre o
quê? O desempenho escolar, não foi isso? Esse é um indicador importante, o desempenho
escolar. Depois eu disse da importância da distorção idade-série e falei do abandono. Foram
esses 3. Então distorção em série está em jogo o quê? A repetência e o abandono escolar, não
é isso? E falei que o mais importante é que toda criança e jovem esteja na escola, mas que
toda criança aprenda. Foi essa a minha fala central, concordam comigo? Quando juntamos isso
tudo, criou-se o IDEB. Esse diagnóstico do desempenho escolar conjugado com o fluxo escolar
foi que deu origem ao IDEB, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Ele é um
indicador de qualidade que permite uma informação por escola, por município e por estado,
combina resultados. De quê? Proficiência média dos alunos em Língua Portuguesa e
Matemática. Onde é que vocês viram isso na minha fala? Proficiência média dos alunos em
Língua Portuguesa e Matemática. Em que quadro? Na escalinha, no degrau a gente viu, mas
onde é que estava isso? Nas médias comparadas, não é isso? Lembra aquele quadro para o
Brasil, por estado, por município, por escola? Olha bem o que é que eu falei, o indicador de
educação básica tem como referência o quê? A escola, o município e o estado, concordam
comigo? Lembra da média comparada? Que tem lá o Brasil, o seu estado, o município, a
84
escola. É daquela média, que tem uma interpretação qualitativa na escala que vocês viram,
interpretação pedagógica na escala, e que também diz respeito a uma distribuição na
escadinha que ela disse. É daqueles resultados que eu tenho que interpretar para entender o
IDEB. E qual é o outro? Resultado do fluxo escolar, da taxa aprovação, reprovação, repetência,
abandono, está tudo misturado. Que recado que o IDEB está dando? A gente pode até ter uma
discussão sobre a medida do IDEB. É uma outra questão, ele privilegia a média, não privilegia a
distribuição. Mas que recado esse índice está dando? Toda criança e adolescente tem que
estar na escola porque o IDEB é do Ensino Fundamental. Toda criança e adolescente tem que
estar na escola, não é isso? E o outro? Tem que o quê? Aprender. Não adianta eu expulsar os
piores e ter uma média proficiência que o IDEB vai ser baixo, está certo? Se eu tenho um alto
índice de abandono, um alto índice de repetência vai interferir no IDEB, eu posso ter com isso
um índice de proficiência. Índice de proficiência e desempenho escolar é a mesma coisa. É
aquela media que eu falei com vocês. Eu posso ter aquele desempenho alto. Eu posso ter o
desempenho alto jogando os alunos que não sabem para fora da escola. Aí o que é que
acontece com o IDEB? Fica baixo. Como eu posso ficar todo mundo na minha escola e o índice
de desempenho, a média de desempenho baixo. O que é que acontece com o IDEB? Baixa.
Então o IDEB está dizendo. Eu acho que o recado forte do IDEB é esse. Toda criança tem que
estar na escola e temos que assegurar o direito da criança a aprender. É isso que nós temos
que fazer, é isso que esse indicador vem dizer. Você pode melhorar o índice da escola muito
boa, melhorando os melhores. É a crítica que eu faço ao IDEB. Ele privilegia simplesmente a
média, ele não privilegiou como o Programa Nova Escola, que privilegiava o desempenho dos
alunos como um todo e o progresso da escola com ela mesma, ou seja, a quantidade, o nível, a
quantidade de alunos que sai do nível baixo, não é? Lembra aquela distribuição, 40%? Eu acho
que o importante era ter um índice de desenvolvimento da educação básica que privilegiasse
esse desafio. Quantos por cento nós temos que tirar dos alunos do baixo, não é? Qual é o
percentual de alunos que tem que avançar? Esse é que eu acho que é o desfio, o verdadeiro
índice da educação básica, entendeu? E por quê? Essa questão da média, eu não sei se estou
dizendo uma complexidade para vocês, mas eu posso melhorar uma média de desempenho da
escola melhorando os melhores alunos, não posso? Eu posso pegar os dez melhores e vamos
melhorar a média de desempenho e deixo todo mundo lá. Quando eu faço isso, eu promovo a
desigualdade na escola maior e isso é um fator muito negativo. O que é que eu acho
interessante em termos de índice de educação básica no Brasil? Era um movimento de tirar os
alunos do crítico, um desempenho crítico que eu estou dizendo, aqueles 40% que eu disse
para vocês. Tirar esses alunos do crítico e colocar em uma situação de um leitor, de um aluno
que tenha condição de prosseguir os estudos, está bom? Mas eu vou mostrar para vocês de
85
forma geral o que é que o IDEB, como ele é calculado.
Então, isso é a título de conhecimento. Eu acho que recadinho legal do IDEB é esse. Precisa a
criança estar na escola, do adolescente, toda criança aprender. Eu vou usar esse indicador
como isso, tá? Mas eu trouxe a medida, até mesmo para conhecimento de vocês. O que é que
acontece? O M é a média de proficiência dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática
que vocês viram lá, só que ela é padronizada de 0 a 10 pontos. E também a gente tem a taxa
de aprovação média dos alunos de 0 a 1. Eu tenho do lado direito os resultados do Rio de
Janeiro, rede estadual, na Prova Brasil 2007, de Língua Portuguesa. E do outro lado Língua
Portuguesa e Matemática, quarta e oitava. E do outro lado Língua Portuguesa e Matemática da
oitava série. Olha bem, resultados da Prova Brasil em 2007, Língua Portuguesa e Matemática,
quarta série, qual que foi? 172. Lembra o geral que a gente viu? E 188. Do lado de cá, o que é
que eu tenho? Do SAEBE, 97. Língua Portuguesa e Matemática. O que é que eu quero dizer
para vocês? Está vendo aquela fórmula ali? Eles padronizaram a média, fizeram o cálculo
levando em consideração o desvio padrão e chegaram a uma média de 0 a 10 pontos. A
fórmula padrão para todo mundo. 172 pontos não foi a média de Língua Portuguesa dele? Está
vendo ali 49? Eles pegaram a média do SAEBE em 2007, a média do SAEBE em 97, que foi a
primeira avaliação que eles tiveram como referência, e verificaram três desvios padrão
menores. Chegaram no 49. Depois pegaram três desvios padrão maiores e chegaram em 324.
Então foi essa medida, eles tiveram como referência a média da Prova Brasil desse ano,
tiveram como referência o SAEBE 1997, a sua média, mas em relação ao desvio padrão 3
inferior e 3 superior, e achou aquele número ali: 4,49. Ele multiplicou para ter em uma escala
de 0 a 10. Então a mesma coisa foi feita para Matemática, depois somou os dois e dividiu por
dois. Qual é que é o IDEB em relação... Qual que é o índice 4.7? Foi esse o índice que conseguiu
em uma escala de 0 a 10, ele conseguiu no índice de desempenho, 4.7. Mas eu não falei com
vocês que o IDEB conjuga o desempenho com o fluxo? Vamos ver o que é que aconteceu com
esse 4,7? Olha bem ali o que é que aconteceu. P é a taxa de aprovação média da fase avaliada,
então nós não estávamos como referência a quarta série? Então olha bem, 86%, 87%, 67%,
90% e 76%. Que porcentual é aquele? Porcentual de quê? Aprovação média. Então eu tenho
nas séries iniciais, quando conta o Ensino Fundamental de 9 anos, eu tenho a parte de
aprovação de 86. Na primeira série é o quê? Por que é que vocês acham que na segunda série
cai tanto? 67 por quê? O processo de alfabetização. E espera-se que está construído, não está,
há um processo de retenção. Depois 90, depois 76. Tirou a média disso, quanto que achou?
81% que deu 0,81. Multiplicou com aquele 4,7, foi onde que saiu o IDEB do Rio de Janeiro: 3,8.
Olha, gente, eu deixei os cálculos para vocês terem uma noção, mas o que é importante
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entender do IDEB ao meu ver? Que o IDEB é o índice de desenvolvimento da educação básica.
Na minha opinião, tem suas limitações quanto às medidas. Nós trabalhamos o tempo todo
com a média. Eu acho que o esforço da educação brasileira deve ser em direção a tirar o
percentual dos alunos para baixo e melhorar a média. É lógico que quando eu faço isso a
média melhora, claro, e melhora muito e pode melhorar. Só que eu acho que tinha que ter um
monitoramento de controle ali. Eu tenho que melhorar a média. Mas eu tenho que melhorar a
média tirando os piores da condição de insuficiência. Eu acho que tinha que ter um registro,
em minha opinião, um registro de controle disso. E ele conjuga taxa de aprovação, criou-se um
índice em uma escala de 0 a 10 pontos. Hoje, então, quando falar do IDEB, vocês já vão ter
uma noção do que é o IDEB? Já sabem que desempenho ele está se referindo? Nesse material
que vocês estão recebendo, tem um capítulo dedicado a ele com algumas situações e estudos
de caso.
Bom, antes de terminar, acho que ficaria muito difícil para mim falar dos indicadores
educacionais sem pensar nos indicadores sociais, sem a gente pensar na nossa sociedade
como um todo, então escolhi para trazer para vocês o IDH, o índice de desenvolvimento
humano, para dizer o que significa esse índice e qual é a relação desse índice com os índices
educacionais. O que é que conjuga o IDH? E a gente já falou que índice conjuga o quê? Vários
indicadores. Então na cabeça de vocês, vocês sabem que tem outros indicadores. O IDH
conjuga quais índices? Pelo menos a área. Qualidade de vida, não é? Perspectiva de vida,
então a gente tem um indicador na área da saúde. Longevidade. É esse. O outro? Moradia está
em que? Lazer, moradia está em quê? Na renda per capita. Essa condição econômica e social
está na renda per capita. Então a gente já viu dois indicadores. E o nosso, gente? Onde é que
está no IDH? Nossos, os educacionais. Temos os índices educacionais. Quais são eles? Taxa de
analfabetismos a partir dos 15 anos de idade, número de pessoas matriculadas em todos os
graus de ensino, então o IDH está conjugando aqueles dois indicadores ali na área educacional.
O outro, expectativa de vida, que reúne vários outros, como mortalidade, salubridade. E o
outro, indicador da renda per capita do país. A gente está falando de desempenho de escola
em período de escolaridade em que o menino tem que vencer as principais habilidades e
competências o quê? Na idade certa. Nós conversamos sobre a distorção. Temos que ter muito
cuidado em analisar os indicadores. Quando estamos dizendo de uma taxa de analfabetismo
em torno de quê? 15 anos de idade. Quinze anos de idade, ele deve estar terminando o quê?
O Ensino Fundamental, não é isso? Esse é o patamar em uma dimensão, não é?
Multidimensional onde fizeram esse corte para comparar o quê? Países, não é? Os estados,
entre os estados. E a gente vai ver agora a situação do Rio. O que é que vocês acham do IDH do
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Rio? Primeiro vou dizer, não é? Ele valia de 0 a 1e a gente tem aquela codificação ali, não é
isso? De 0 a 5, país com baixa qualidade, de 5 a 8 com média e acima de 8, com alta qualidade.
O que é que vocês acham. Onde é que o Rio está encaixado aí? Ninguém sabe o IDH do estado
do Rio de Janeiro é Zero vírgula... em 2000. E 2005 que foi o último? 0,83. O que é que
aconteceu com o IDH do Rio? Aumentou. Em relação ao Brasil ele está situado em que lugar?
Quarto lugar. Eu fiz a classificação. Quem tem o IDH maior que o Rio? Distrito Federal, Santa
Catarina e São Paulo. Eu falei de 3 indicadores que calculam o IDH. Olhem bem os indicadores
naqueles 3 pontos que eu falei com vocês: o IDH da longevidade, o IDH da educação e o IDH da
renda, não é isso? O que é que vocês observam? Vamos olhar 2005 porque houve um
crescimento em todos eles, não é? Só a renda per capta que abaixou. A renda per capta
abaixou, o IDH da educação aumentou e da expectativa de vida também aumentou. O que é
que vocês observam ali? O índice da educação é que puxou o resultado do Rio para o IDH
melhor, mas há uma reflexão a fazer. Leva-se em consideração analfabetismo com 15 anos. Eu
acho que o nosso compromisso com educação vai muito além disso. O nosso compromisso
com a educação vai o quê? Toda criança na escola, toda criança e jovem assegurado a eles o
direito a aprender. O direito a aprender, ou seja, aquele desempenho que a gente viu no
SAEBE de 177 e 182 deixa muito a desejar. O nosso compromisso é com a responsabilização de
todos, de gestores, professores, governantes públicos, pais, família, comunidade, para a
melhoria da qualidade da educação. Então quando a gente vê o IDH, a gente tem que fazer
uma reflexão dizendo “Olha, essa é uma medida de comparação”, a gente tem que ser crítico a
isso, não é verdade? Porque senão a gente começa a dizer “Não, mas o índice de IDH do Rio é
assim porque...”. Não é dessa forma. É dessa forma quando tem como comparabilidade esse
nível de patamar, mas esse patamar, eu tenho certeza que não é o que nós almejamos para
todo brasileiro e muito menos para as escolas do Rio de Janeiro, não é verdade? Então a taxa a
partir de 15 anos e o número de pessoas matriculadas em todos os graus de ensino, mas deixa
uma reflexão. Observa-se o abandono escolar, não é? A gente tem que observar ali porque eu
posso ter uma matrícula alta em um determinado momento e ter um alto índice de abandono
e vai refletir esse resultado. Bom, eu espero que os indicadores educacionais contribuam aí
com vocês.
Pediram para eu voltar ao quadro que eu prometi.
Observaram isso? Os índices. Qual que é o primeiro ali? Associação de vários indicadores.
Quais que são os indicadores que o IDEB associou? Desempenho escolar, taxa de aprovação,
não é isso? Que indicadores que estão em volta do IDEB? O aluno tem que estar na escola e
tem que aprender. É isso que está. E o IDH? Quais foram os índices, que indicadores foram
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associados? Longevidade e per capta. Vocês viram que tinham indicadores na área da saúde,
na área da educação, economia e social, econômica-social. Metodologias especiais. Eu mostrei
para vocês a metodologia do IDEB. Aquela fórmula que leva em consideração a Prova Brasil
2007, o SAEB 2007, o desvio padrão, colocou em uma métrica de 0 a 10 pontos, depois
multiplicou esse número do desempenho com o percentual de aprovação e aonde que saiu o
número do IDEB. Vários aspectos ou dimensão do desenvolvimento educacional em um único
número. No final eu disse assim: “Olha, o IDEB do Rio é 3,8. O IDH é 0,8, não é”? Conjuga as
dimensões da realidade com a causa. Olhem bem, eu tenho uma realidade da criança na
escola, eu tenho uma realidade da universalização do Ensino Fundamental, mas eu tenho uma
realidade muito cruel de dizer que esses meninos precisam aprender muito ainda.
Bom, eu acho que é isso e espero ter contribuído com alguma coisa Muito obrigada!
Ana Canen
PhD em Educação pela Universidade de Glasgow e mestre em Educação pela PUC-Rio;
Proposta Curricular
Bom dia a todos! Eu fico muito feliz de estar aqui na FESP, então, antes de iniciar queria falar
da enorme alegria de estar aqui com vocês dividindo essas reflexões sobre currículo que nós
vamos fazer agora. Quero agradecer à FESP, ao professor Carlos Guimarães, ao Doutor Claudio
Mendonça pelo gentil convite. Fiquei muito feliz de ver a palestra ontem do Doutor Claudio
Mendonça e hoje da professora Lina Kátia. E o que nós vamos conversar, de uma forma
bastante consistente eu diria, vai continuar onde ela parou um pouquinho e vai trazer alguns
dos aspectos que o Doutor Claudio colocou ontem quando ele comparou as escolas, quando
ele falou do currículo como garantindo a identidade de um povo, de um país, de uma nação,
então de certa forma, a nossa fala nesse momento vai um pouco desenvolver a partir de onde
a professora Lina Kátia parou. A proposta curricular para uma escola eficaz. Como ele falou, eu
sou Ana Canen, eu tirei o PhD em Educação na Universidade de Glasgow e, atualmente, sou da
UFRJ e pesquisadora do CNPq. E estamos aqui nesse importante seminário congregando
professores e gestores de vários municípios do Brasil, então nós temos aqui uma diversidade
cultural muito bem representada.
Bom, quais são os objetivos do que eu vou falar hoje? Primeiro objetivo, eu queria discutir a
importância do currículo e da avaliação. Discutir a importância do currículo e da avaliação na
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educação e na formação continuada de professores para uma escola eficaz. Foi uma
experiência muito importante que tivemos enquanto o Doutor Claudio era da Secretaria de
Educação e pensar no currículo eficaz. Acho que isso tem tudo a ver com o que a professora
Lina discutiu porque agora vamos entrar na intimidade da escola, na intimidade da formação
dos professores, da avaliação que se faz dentro da escola. Uma vez que a gente tem esses
grandes índices, o que fazer? O que é que um gestor pode fazer? Então é aqui que a gente vai
começar a discutir o currículo como âmago do que nós podemos fazer para melhorar esses
índices, então o primeiro objetivo é justamente discutir a importância do currículo e dessa
avaliação que nós fazemos em cada uma das nossas escolas. Essa avaliação institucional a
partir desses índices, como é que a gente agora procede avaliar, o que é que está funcionando,
o que é que não está funcionando dentro da escola, e que currículo nós poderíamos pensar,
que ações curriculares poderíamos pensar para melhorar cada vez mais os nossos índices. O
segundo objetivo é analisar o eixo multicultural e a avaliação multicultural como
estruturadores de uma proposta curricular de educação e de formação continuada
transformadora. Eu vou tentar explicar um pouco o que é essa coisa do multiculturalismo, o
que é que é a gente entender a diversidade da nossa rede. A diversidade de escolas, de alunos,
de professores, de localidades e como responder a essa diversidade de modo a contemplar
aqueles índices, melhorar aqueles índices que são de avaliações larga escalas homogêneas.
Não é impossível. O que eu vou defender aqui o tempo todo é que não é impossível nós
trabalharmos com a diversidade, com o currículo que em alguns momentos leva em conta essa
diversidade e, ao mesmo tempo, melhoramos os índices dessas escolas diversificadas em
avaliações larga escala homogêneas, não é? Que usam os mesmos instrumentos para todos.
Então eu vou tentar defender isso e mostrar como nós fizemos isso comparando, inclusive,
propostas curriculares mais recentes, tanto daqui da Secretaria de Educação em 2005, como
de São Paulo, e vendo como é que a gente poderia avançar para melhorar cada vez mais as
nossas escolas. E vou falar da formação de professores também como uma dessas ações.
Finalmente a gente vai debater ilustrações de uma proposta curricular para uma escola eficaz.
Porque na verdade a gente fez uma proposta cultural levando em conta essa diversidade
cultural e se teve uma avaliação muito positiva. Então basicamente a gente vai estruturar um
pouco a minha fala nesses três momentos.
Bem, por que é que o currículo, tanto na formação docente como na escola propriamente dita,
e eu vou começar falando da formação docente, da formação de gestores, por que é que ele é
central? O currículo, ele é uma seleção da cultura, ele não é toda a cultura, não é? Então ás
vezes você tem o currículo em um determinado estado, em um determinado país, que enfatiza
90
certos aspectos que não são os mesmos de outro país. Então por que é que eu estou falando
isso? Se é uma seleção da cultura, ele pode ser ressignificado o tempo todo. A gente pode ter
as diretrizes mais gerais, mas dependendo dos alunos, das escolas, da linguagem que eles
utilizam, a gente tem que ter essa habilidade de ressignificar, de tentar falar a linguagem
daquela comunidade onde a escola está inserida para que nós possamos ser compreendidos.
Então se o currículo é uma seleção da cultura, ele não é a cultura como um todo, então vamos
tentar fazer dialogar esse currículo com as culturas dessas escolas, com a diversidade cultural.
E eu já vou falar de um exemplo já.
Como é que a gente está pensando o currículo, tanto da formação inicial, como continuada de
professores e gestores? Ora, nós temos esses índices, que são índices importantes que a
professora Lina Kátia falou. Nós temos os indicadores. Vamos agora olhar do ponto de vista de
uma Secretaria de Educação, do ponto de vista de gestores, que ações nós vamos tomar.
Então, primeira coisa, observar o currículo da escola e observar também ações de formação
continuada. Quando vocês estão aqui, colegas professores, colegas gestores, de certa forma
vocês estão em uma ação de formação continuada. Estão tentando se atualizar, tentando ver
como melhorar cada vez mais as escolas, então o currículo, ele faz parte das ações para
melhorar esses índices, mas esse currículo, eu estou defendendo aqui que ele tem que
articular não apenas os conteúdos, mas tem que articular conteúdos, habilidades,
competências e uma sensibilidade para diversidade cultural, para o contexto concreto das
nossas escolas. Depois eu vou ilustrar como é que nós pensamos isso em uma proposta
concreta. Não adianta a gente pensar “Bom, eu quero que meus alunos melhorem no
desempenho de Matemática, então vamos melhorar os conteúdos, então vamos formar, dar
cursos de formação em serviço para professores que enfatize a Matemática”. Não adianta
muito se nós não articularmos esse currículo de formação continuada com habilidades, com
competências. O que é que eu quero do meu aluno? Eu não quero só que ele decore o
conteúdo, eu quero que ele seja capaz, por exemplo, que ele tenha habilidade de aplicar esse
conteúdo em uma notícia de jornal, que ele seja capaz de analisar uma estatística que ele lê.
Isso nós já estamos no domínio das competências e das habilidades e é isso que está sendo
requisitado no mundo atual e também nessas avaliações de larga escala. Então se nós vemos
os índices, aquela escola que a Lina deu o exemplo, não está indo muito bem em Matemática,
então vamos ver o que nós dentro da avaliação dessa escola, como gestores, podemos fazer
para incrementar o currículo de modo que o currículo articule melhor os conteúdos e as
habilidades desses alunos. Para isso nós temos que trabalhar com os professores. O professor,
nós todos, as nossas expectativas, o que é que a gente espera do nosso aluno, não é? O
91
Claudio deu o exemplo, se a gente tem o clima institucional na nossa escola e que a gente
acredita que sim, que aqueles alunos podem crescer, que eles podem aprender, a gente vai
adaptar a diversidade cultural, a diversidade linguística, o nosso currículo, já que ele é uma
seleção da cultura. Então, para isso, a gente acredita que a formação, o currículo de formação
de professores, ele tem que levar em conta o contexto cultural da diversidade das nossas
escolas e articular sempre competências, habilidades. Então, por exemplo, eu dou um trabalho
em grupo na minha sala. Eu estou no laboratório, eu estou com computadores, estou
querendo que os meninos trabalhem. O que é que eu quero? Eu quero que um menino
daquele grupo faça o trabalho todo e aí eu vou dar a nota do grupo pelo produto ou eu vou
circular pela sala e vou ver se aquele menino que sabe mais, se ele tem habilidade, a
competência de dividir o conhecimento, se os outros desenvolvem habilidade de cooperação,
de cidadania. E eu tenho que avaliar isso, é isso que a gente vai defender. A avaliação na sala
de aula tem que dar pontos, tem que premiar isso também. Então o conteúdo lá é o que
menos importa. O produto final do trabalho daquele grupo é o que menos importa porque eu
vou articular a nota daquele conteúdo também vendo as habilidades que aquele grupo está
desenvolvendo, o crescimento desses alunos. Então o currículo, ele inclui tudo isso, não é? A
gente tem que trabalhar com esse contexto concreto e, para isso, é preciso uma sensibilidade
grande de todos nós, professores e gestores. Inclusive na avaliação, por isso que eu disse que
em um dos meus objetivos a gente vai discutir também a avaliação. O que é que a gente quer?
A gente não quer dar cursos dentre as ações para melhorar esses índices, não é? Dentre essas
ações, as ações de formação continuada dos professores, dos gestores. A gente não quer
também, por exemplo, a universidade ou a secretaria de cima para baixo, conhecimentos
doados? Os professores, eles têm saberes. Todos nós construímos saberes nas nossas práticas,
vários autores, vários discutem isso. Então não podemos conceber uma ação para melhorar
aqueles índices, uma ação que melhore o currículo de formação em serviço, por exemplo, eu
dizer o que fazer, amanhã vem outro professor da universidade. Não é assim que funciona. A
gente tem que trabalhar com a questão do professor pesquisador. O professor, ele também é
um aluno naquele momento da formação continuada, então o currículo vai ter que trabalhar
com esse professor como professor pesquisador, fazendo a pesquisa ação, ou seja, ele vai para
a escola, ele traz os casos da escola, ele dialoga conosco e a gente constrói esse currrículo
juntos. É claro que tem alguns temas principais, importantes, projeto político pedagógico, eu já
vou falar já quando a gente ilustrar como a gente fez isso. Tem uns temas, a avaliação, o
currículo, o projeto político pedagógico, mas esses temas, embora eles possam trazer algumas
contribuições teóricas, eles têm que trabalhar no sentido de transformar todos os professores
e gestores em pesquisadores e problematizadores. Não pode ser uma coisa de cima para
92
baixo. Então esse, no nosso entender, é um currículo eficaz para uma escola eficaz, um
currículo de formação continuada, de formação em serviço de professores. Um currículo que
trabalhe com os saberes desses professores no diálogo e que faça esses professores voltarem
para as suas escolas e pesquisarem e agirem. E eu já vou depois, como eu estou prometendo,
não é, dar o exemplo concreto. Por enquanto a gente está só nos princípios que balizam a
concepção de um currículo eficaz. Depois a gente vai ver como que esses princípios, nós
tentamos em algumas ações que foram bem sucedidas, transformar isso em ações realmente
na rede. Claro, por que qual é a meta de um currículo desse tipo da formação docente? É a
transformação da escola via a transformação das práticas curriculares dos professores e dos
gestores. A gente não pode transformar esses índices e fazer com que essas crianças tenham
um desempenho melhor se a gente não trabalha com quem está ensinando, com quem está
gerindo a escola. Todo mundo é responsável. Então a gente está pegando os índices e a
avaliação de larga escala e agora estamos entrando na intimidade da escola, do currículo, para
ver como é que a gente pode trabalhar.
O que é que quer dizer esse eixo multicultural no currículo? Tanto da escola como na formação
de professores e de gestores. O que é que eu estou pensando nas dimensões? Como
transformar esse currículo que articula competências, habilidades, conteúdos, que leva em
conta a diversidade cultural, como é que a gente pode transformar isso em algumas
dimensões? Bem, não é algo do outro mundo, não é a gente dizer “Agora eu vou falar sobre
diversidade cultural, agora eu vou falar sobre multiculturalismo”. Não se trata disso. Todos os
assuntos da escola são assuntos que têm a ver com a diversidade cultural. O gestor, ele é um
mediador. Ele está lá, o diretor da escola, o coordenador, o orientador pedagógico, o
supervisor, eles está em um fogo cruzado. Ele tem que mediar os saberes dele, os professores
que ele coordena, que tem seus saberes, que tem raça, etnia, cultura. Ele tem que mediar isso
com a comunidade onde a escola está inserida porque ele tem que também promover esse
diálogo com os responsáveis pelos alunos. Ele tem que entender quem são esse alunos, e
dialogar com as secretarias porque nós estamos aqui no momento falando de escola pública.
Então ele tem que levar em conta esses índices, as avaliações em larga escala, ao mesmo
tempo, ele tem que entender a especificidade dos alunos que ele tem, até onde ele pode ir,
quais as potencialidades, então a escola por si só é o que a gente chama de uma organização
multicultural querendo ou não. E o gestor, o professor, muito mais o gestor no caso, a
identidade dele é de um mediador cultural, então a gente investir nos gestores, em vocês, em
nós professores, é investir em uma escola eficaz. A gente tem que levantar as expectativas,
criar um clima positivo. Já houve pesquisas. Duas escolas com as mesmas dificuldades de
93
infraestrutura, salários baixos e aquela jornada de trabalho, tudo igual. Os fatores
extraescolares. Uma consegue ter resultados muito bons no SAEBE, consegue alfabetizar seus
alunos e a outra não. Por quê? Porque nós temos ali, em uma escola, uma gestão que respeita
a diversidade de seus professores, que tem políticas de valorização, que tem um currículo
dinâmico, e a outra que vai levando, às vezes é uma gestão nem tanto democrática, então isso
faz a diferença. Então não é algo fora de série, quer dizer, se a gente articula disciplinas
convencionais, currículo é uma disciplina boa que a gente costuma trabalhar, tanto na
formação inicial de professores como de gestores, a gente articula isso, a diversidade cultural,
avaliação, PPP - projeto político pedagógico. Se a gente discute o tempo todo, por exemplo,
quais os dilemas entre o universal e o diverso. Em cada uma dessas áreas a gente está
levantando a sensibilidade de gestores, de professores, a gente está trabalhando para uma
escola eficaz. Vou dar um exemplo, na ação que nós fizemos de formação continuada de
gestores em 2005. Um dos temas era, por exemplo, projeto político pedagógico, então nós
atingimos 2.100 coordenadores pedagógicos e 76 turmas no Estado do Rio de Janeiro. Um dos
temas dessa formação continuada era o projeto político pedagógico. Como é que a gente
discutiu de forma multicultural isso? Primeiro nós vimos, o que é um projeto político
pedagógico? Será que ele está na gaveta? Será que é só para isso que serve um projeto político
pedagógico? Para ficar na gaveta por uma exigência burocrática? Levantamos essa discussão,
depois em conjunto chegamos à conclusão que não é o ideal. O ideal seria, em cada escola,
termos um projeto político pedagógico que refletisse a identidade daquela escola. O que é que
deveria ter esse projeto político pedagógico? Começamos a trabalhar com os gestores. Deveria
ter o principal. Deveria ter o currículo, a avaliação da aprendizagem e o que a gente espera
daquela escola, que aluno a gente quer formar. Simples. Então vamos pensar, como é que a
gente vai trabalhar então esse projeto para levar em conta a diversidade cultural? Vamos ver,
em que momentos a gente tem que pensar em algo mais universal? Competências, habilidades
que os nossos alunos têm que ter, que todos têm que ter. E em que momentos essas
competências e habilidades mais universais vão ter que dialogar com a especificidade daquela
escola? Então nós começamos a trabalhar com a questão do universalismo e da diversidade
em cada um desses assuntos. Por exemplo, quando a gente falava de avaliação, é outro
assunto que a gente discutia com professores e gestores nessa ação para melhorar os índices.
Avaliação da aprendizagem e avaliação da escola. Como é que a gente pode, um professor em
uma turma, ele em algum momento tem que usar um instrumento universal homogêneo, em
algum momento ele tem que usar uma prova igual para todos os alunos. Mas será que ele não
pode também mesclar o universal com o diversificado? Em alguns momentos valorizar, por
exemplo, alunos que têm a oralidade muito bem desenvolvida, mas que não escrevem tão
94
bem? Por que nós não podemos fazer uma dramatização e pontuar isso? Quer dizer a gente
discute temas mais convencionais, mas que se submetem a essa questão. Momentos de
universalismos e momentos em que a gente pode sim valorizar aqueles alunos concretos.
Parece uma coisa pequena, mas faz toda diferença do mundo, não é? Eu vou dar um exemplo.
A Teresa Pena Firme é uma autora, que ela fala que tinha um aluno em uma escola da Rússia -
não sei se vocês já leram sobre isso -, que ele só pulava. Pulava o tempo todo, pulava, saltava,
e os professores escreveram “Esse aluno...”, um relatório muito duro, “...não vai dar em nada.
Esse aluno só pula, não faz nada...". Vocês sabem quem era esse aluno? Ainda bem que ele
não deixou a auto-estima baixar. Quem que vocês acham que era? Era o bailarino Nureyev.
História real. Quer dizer você vê um currículo e uma avaliação que não levou em conta os
talentos da diversidade cultural daquela escola, então, quer dizer, se houvesse um outro tipo
de avaliação ou de currículo em que alguns momentos, claro, a habilidade, competências
matemáticas, em língua, mas em outros momentos também valorizasse os saberes específicos
desses alunos, a gente teria uma escola que estaria trabalhando a favor das potencialidades
desses alunos. E aí até aquelas competências e habilidades mais universais ficam melhor
absorvidas porque você está trabalhando com a autoestima desses alunos. Então a gente
discutiu tudo isso dentro desse currículo de formação de professores. Então quando a gente
fala diversidade cultural, não é uma coisa acrescentada. Cada tema, ele pode ser trabalhado
dessa maneira.
Bom, trabalhamos também com a pesquisa ação. É o que eu estou dizendo, não adianta a
gente fazer uma formação continuada se a gente não diz no final “Agora vocês vão para a
escola...” e era isso o que a gente fazia no final: “Agora vocês vão para a escola. Vocês têm
duas semanas até o nosso próximo encontro. Nós discutimos a avaliação, discutimos alguns
autores, falamos de momentos mais homogêneos, momentos mais diversificados. Fizemos a
mesma coisa com a construção do projeto político pedagógico. Agora vocês têm duas
semanas, vocês vão voltar para a escola e vão tentar mobilizar alguma ação sobre esse
assunto. Pode ser qualquer coisa. Pode ser uma reunião com os professores, uma reunião com
os pais dos alunos, começar a fazer a parte do projeto político pedagógico referente à
avaliação nessa escola, como é que ela é feita, quais os critérios, qualquer coisa. Vão trazer
daqui a duas semanas essa ação e esta ação vai ser objeto de reflexão em conjunto”. Então
eram 11 módulos, eu já estou usando até o exemplo ao mesmo tempo, em que nós utilizamos
essa perspectiva de multiculturalismo, de respeitar a diversidade das escolas porque cada
gestor ia para a sua própria escola, e respeitando aquela identidade, ele iria aplicar esses
conhecimentos em diálogo com aquela realidade e trazer a sua reflexão. Isso é uma pesquisa
95
ação. Nós também pedimos estudos de caso. Estamos falando em educação inclusiva, estamos
falando em currículo e avaliação? Traga-me um caso. Um caso na sala de aula em que o aluno
não se deu muito bem nas provas, não está indo muito bem. O que é que você faria a
respeito? Como é que você vai entender esse aluno? Então a gente pedia casos, quer dizer,
embora a gente tivesse uma estrutura teórica inicial sobre esses assuntos e trabalhássemos
nessa perspectiva universal e diversificado, nós pedíamos que isso fosse articulado com os
saberes que nós todos, vocês, os professores e gestores, produzem.
A gente também fazia uma avaliação. Como é que a gente concebe a avaliação para esse
currículo de uma escola eficaz? É uma articulação da avaliação da aprendizagem, da avaliação
institucional e da avaliação de sistemas. O que é que eu quero dizer com isso? Nós não
podemos trabalhar na escola, embora nós estejamos falando em valorizar a diversidade, nós
não podemos esquecer daqueles momentos mais universais também. Toda escola, ela tem a
obrigação de dar para a sociedade satisfação do que os alunos estão aprendendo lá. Isso é
uma obrigação nossa. Assim como as escolas em geral, elas têm uma obrigação de mostrar
para a secretaria o que está acontecendo, a secretaria para o MEC, o MEC para a sociedade
brasileira, comparar com relação ao contexto internacional como nós estamos, isso é uma
obrigação. Então por mais que nós falemos na diversidade, eu sou contra pensarmos em um
currículo para cada escola, um currículo de acordo com cada cultura. Eu trabalho muito com
essa categoria articulação. Momentos em que você vai articular uma avaliação em que você
respeita a oralidade do aluno, que você atribui pontos, que você não dá só provas escritas,
mas momentos também em que você tem que levar em conta como é que está com relação ao
seu município, com relação ao seu estado e aí que eu dou a continuação com o que a
professora Lina falou antes, não é? Então, a avaliação que o professor faz na sala de aula.
Porque muitos professores dizem assim “Ah, por que é que a gente tem que submeter a um
SAEBE, a uma Prova Brasil? É um absurdo, é uma avaliação homogênea”. Cá para nós, vamos
conversar! A gente também não faz isso na sala de aula? Qual é o professor que não dá uma
prova homogênea para todos os seus alunos em algum momento? Mas a gente tem muita
dificuldade de reconhecer isso, que nós também fazemos isso, costumamos criticar quando é
avaliação de sistema, mas a gente tem que entender que em algum momento, tanto em nível
de avaliação de aprendizagem, que é o que eu acho da avaliação que a gente faz na sala de
aula, como na avaliação institucional, que é a avaliação da nossa escola, esse mergulho que a
gente faz na nossa escola, como a avaliação dos sistemas, que são essas avaliações SAEBE, de
larga escala, em algum momento a gente tem que ter um índice comparativo. Depois a gente
tem que também ter, no meu entender, outros instrumentos que valorizem a autoestima
96
daqueles alunos, a especificidade, mas isso tem que ser com aquela palavrinha mágica que eu
falei, uma articulação. Então eu acho que isso é que a gente tem que buscar para um currículo
eficaz. A gente tem que trabalhar áreas convencionais levando em conta essa questão do
universal e do diversificado, trabalhar com pesquisa ação e trabalhar com uma avaliação que
não perca de vista esses índices maiores, vá para escola ver o que é que está acontecendo
naquela escola e vá para sala de aula nesses três níveis fazendo isso. Alguns momentos de
instrumentos mais comparativos e outros momentos em que a gente entenda quem é esse
aluno, valorize o saber dele. Trabalhar sempre aquela dialética objetivismo/subjetivismo. Uma
avaliação que tem que ser objetiva, mas reconhecendo o subjetivo, nós mesmos, não é? Quais
são as nossas expectativas, isso é o nosso subjetivo. Será não está interferindo na nota que a
gente está dando? Qual é o subjetivo desses alunos? Será que não tem uma maneira de a
gente diversificar a avaliação que a gente faz em sala de aula? E a avaliação somática e
diagnóstica. Somática é aquela que a gente faz no final e a diagnóstica são vários instrumentos
que você vai utilizando no decorrer do ano para poder tentar captar o universo cultural desses
alunos. Parece que não, mas esse somatório de ações resultam em uma melhoria daqueles
índices porque você está trabalhando no dia a dia da escola, você está trabalhando com o
currículo em ação. O que é que é o currículo em ação? São os saberes que os professores
desenvolvem, que os gestores desenvolvem, o clima que se cria naquela escola. E agora eu vou
falar um pouquinho mais que a escola eficaz, ela é uma organização multicultural. O professor
e o gestor são mediadores de identidades culturais. Não nos iludamos, não existe neutralidade
nisso. A gente tem que ser diplomada nas nossas funções, a gente tem que criar um clima de
crescimento na escola senão a gente não melhora os índices. Não adianta você ter professores
competentes, que sabem muito bem aquela matéria se não existe esse clima dentro da escola
de tentar entender a diversidade dos alunos, de tentar trabalhar momentos mais uniformes,
momentos mais diversificados, não adianta que a escola não cresce, ela não melhora os seus
índices. Por que é que eu estou dizendo que a avaliação, ela é um instrumento para uma
escola eficaz? Não só a avaliação larga escala, mas a avaliação que a gente faz o tempo todo
dentro da sala de aula. Um pouco quando a gente vai dizer assim “Olha, como é que a gente
vai avaliar a escola”? O gestor resolve que está satisfeito com os índices, mas eles poderiam
melhorar. Vamos mergulhar dentro da escola. Uma justificativa, a primeira coisa é sensibilizar
a comunidade da escola para a necessidade daquela avaliação. Todo mundo tem que sentir
que a avaliação não é o inimigo. Ela é uma aliada. Quais são os princípios que vão reger a nossa
avaliação?”A gente quer avaliar para excluir professor, para excluir aluno ou a gente quer
avaliar para somar? Esses princípios têm que estar mais ou menos consensuados. Qual é
abrangência que eu acho que tem que ter uma avaliação da escola? Vamos dizer aquela escola
97
X que a professora Lina botou. Está com o índice abaixo do município, escola tal. Vamos ver
que ela quer fazer uma avaliação para melhorar esses índices. No meu entender, os três
pontos principais que essa escola vai ter que ter e o gestor, como mediador cultural, pode
mobilizar isso na sua escola junto com os professores, é um esforço coletivo, é o currículo em
ação, a avaliação que os professores estão fazendo em sala de aula e a escola como
organização multicultural. Esses são os três aspectos mais importantes de um projeto político
pedagógico e mais importantes para melhorar o desempenho de uma escola. Como é que o
currículo está sendo colocado em ação? E eu vou dar um exemplo que perguntas nós podemos
fazer para ver se isso está acontecendo. Como é que a gente pode ver a avaliação que os
professores estão fazendo em sala de aula? Está tendo uma consistência ou professor é muito
leniente, outro é muito rígido, não tem paciência, gosta de reprovar. Tem que ter uma certa
consistência. O projeto político pedagógico bem feito, ele não precisa ser extenso, mas esse
aspecto poderia estar muito bem amarrado. O que é que a gente entende por avaliação. Será
que os professores têm uma perspectiva mais ou menos coerente entre si ou a gente tem
muita discrepância, não é? Então esses três aspectos, eu consideraria importantes e depois eu
vou falar um pouquinho. O que é que vai ser feito com os resultados? Não adianta a gente
chegar à conclusão que essa escola está falhando no currículo em ação, ela está deixando de
contemplar as crianças reais que vêm ou os professores estão com avaliações discrepantes, a
gente não está tendo uma unidade ou a escola não está sendo uma organização multicultural,
ela não está beneficiando igualmente todos que correm a ela. A gente chegou a essa
conclusão. O que é que vamos fazer? Tem que se pensar o que é que é que vai acontecer com
esses resultados. Isso também tem que ser um esforço coletivo da escola, não é? Para isso a
gente tem que ter questões avaliativas, o que é que a gente vai perguntar para essa escola, o
que é que a gente quer perguntar, quais são as questões que nós queremos responder, quais
os indicadores que vão mostrar para a gente onde essa escola está falhando, quer dizer, a
lógica é a mesma daquela avaliação larga escala, mas somos nós agora perfazendo aquela
avaliação no segundo nível, a avaliação institucional. Nessa avaliação institucional nós estamos
perguntando como a avaliação da aprendizagem na sala de aula está sendo feita, como o
currículo está sendo feito e se essa escola tem um clima que valoriza a diversidade de alunos
que a ela chegam. Se não está existindo bullying, não sei se vocês já ouviram falar. É um
assunto que eu tenho até pesquisado, é o oposto do multiculturalismo. São crianças
debochando porque uma veio do Nordeste ou porque acham que uma parece ser
homossexual ou é negra. Uma escola que tem esse clima, ela não consegue trabalhar com a
potencialidade dos alunos. Não pense que é só com crianças. A gente tem bullying também
dentro do corpo docente. Você entra em uma sala de professores e, em muitas escolas, não há
98
o comportamento da escola como organização multicultural. Não há uma valorização da
diversidade dos professores. Você tem: “Lá vai ele falando de novo! Ih, é ela”! Nas reuniões.
Então a gente tem que estar muito consciente de que isso prejudica até o desempenho dos
professores, de nós todos. Então os gestores têm essa responsabilidade, de serem
protagonistas na avaliação se essa escola está sendo eficaz, então avaliar se a escola está
sendo eficaz, para mim, é avaliar o currículo, verificar como a avaliação da aprendizagem está
sendo feita na sala de aula, se valoriza ou não os alunos, e se o clima dessa escola é o clima de
uma organização multicultural. Então para isso a gente tem os indicadores. O que é que a
gente vai considerar como indicador? Como é que vai ser feito o registro? Os gestores podem
fazer comissões, professores, coordenadores, comissões internas na escola para tentar
viabilizar o registro desses dados. Porque é só assim que a gente consegue transformar a
escola, não é? A gente trabalhando dentro, de forma coletiva, e isso é uma coisa importante, o
clima de uma organização multicultural. Alguém me perguntou, a gente tem até um livrinho da
Ciência Moderna, não é sobre escola propriamente dita. Eu fiz com o meu marido que é de
Engenharia de Produção de Logística. Não é sobre escola propriamente dita, é sobre
organizações multiculturais. Quer dizer, a escola como organização multicultural, a empresa,
que tipo de workshops a gente pode fazer para desenvolver esse clima positivo. Não é uma
coisa que muita gente fale, mas é, na minha experiência, nas minhas leituras, o principal para a
gente ter professores engajados com expectativas positivas.
Bem, e, finalmente, avaliar essa avaliação que nós fizemos, não é? Ela cumpriu os objetivos?
Que obstáculos surgiram? Como superá-los? Porque é uma negociação política a gente fazer
uma avaliação da nossa escola nessa perspectiva multicultural. Bom, vamos dar um exemplo.
Como é que a gente avalia se uma proposta curricular é eficaz? É aí eu já vou ilustrar. Eu não
falei que a gente para avaliar currículo, avaliar a avaliação da aprendizagem e avaliar o clima
da escola, a gente tem que fazer algumas perguntas, depois buscar os indicadores e registrar
os dados? Então eu vou dar um exemplo na perspectiva que a gente trabalhou nesses
programas, tanto da reforma curricular, como da capacitação de orientadores pedagógicos,
esses foram os princípios que por nós utilizados em 2005 para bolar esse currículo e para bolar
então esse curso. O que é que a gente faria para avaliar? Os conteúdos na nossa escola estão
sendo trabalhados pelos professores de forma contextualizada? Eles estão permitindo que a
criança faça uma crítica cultural? Por exemplo, o professor de Biologia ou o professor de
Ciências, ele vai falar da pele. “Pele é melanina, são as células tal". Acabou? É um currículo um
pouco abstrato para a criança. Será que ele não faria melhor, como uma pesquisa que eu fiz
em que nós observamos uma professora de Ciências, e ela falava assim: “Agora a gente vai
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discutir qual é a diferença da pele branca para a pela negra, a simples diferença. Vamos trazer
textos que questionam o preconceito”, quer dizer, ela está articulando. Ela não está deixando
de falar da Biologia, mas ela está contextualizando nas discussões atuais sobre raça, etnia, nas
discussões sobre cotas. Ninguém está dizendo para dizer que é a favor ou que é contra, mas
contextualizar, fazer esse aluno se posicionar com relação aos conteúdos de forma crítica. Isso
é conteúdo, competência, habilidade. Isso cai em ENEM, em provas que são preocupadas, não
querem só saber se o aluno entende o que é pele, se ele sabe contextualizar esse crescimento,
se ele aplicar, então a gente não pode pedir que a avaliação dê um resultado bom se no
currículo do dia a dia a gente não trabalha nessa perspectiva. Uma outra questão avaliativa.
Será que eu estou trabalhando o currículo integrado? Uma idéia de matriz curricular ou eu
estou trabalhando com disciplinas em caixinhas muito isoladas? Quer dizer se o ENEM, se o
SAEBE estão falando em matriz, conteúdo, habilidade, competência, a gente tem que trabalhar
também nessa perspectiva. Trabalhar, por exemplo, um tema, o lixo ou o meio ambiente ou o
calor. Vamos trabalhar com a Geografia, com a História, com a Ciências, vamos tentar
trabalhar com a escola nesse clima interdisciplinar. Eu acho que isso é importante para uma
escola eficaz. Uma outra coisa, será que eu tenho uma perspectiva nessa escola que desafia
preconceitos? Eu tenho crianças que são humilhadas porque falam diferente, porque vêm mais
sujas, ou eu tenho professores que não estão conseguindo se expressar. Isso tudo tem que ser
pensado para a gente pensar em uma escola eficaz. Será que estou trabalhando com a
avaliação naqueles três níveis? A avaliação macro que me dá os índices, os indicadores, a
avaliação da escola para eu poder melhorar os indicadores, e a avaliação que os professores
fazem nas salas de aula? Eu estou trabalhando com esses três níveis. Será que eu estou
trabalhando com a gestão para uma escola aberta a diferenças ou eu estou trabalhando com
uma escola muito voltada só àquele aluno classe média que necessariamente é bem sucedido
e não uma escola inclusiva.
Bom, para a gente não se delongar muito, eu vou agora para a última parte. Vou falar como
essas coisas aconteceram em duas propostas que faziam parte das ações que nós trabalhamos
com a Secretaria de Educação na gestão do Doutor Claudio, e um pouco do que fizemos
recentemente comparando propostas curriculares. A do Rio de Janeiro, que é a proposta da
rede, é a proposta que está aí, e a proposta de São Paulo. Vocês dirão “Puxa, tanta coisa, não
é? Será que a gente consegue uma escola eficaz, um currículo eficaz, trabalhar com
professores e gestores para entender tudo isso? Que em cada um dos assuntos tem o
universal, tem o diversificado, tem que mesclar. Como é que a gente faz isso”?
Primeira dimensão. Eu acho que uma primeira dimensão de um currículo eficaz tem que
100
trabalhar com as disciplinas. Por mais que a gente fale da interdisciplinaridade, cada disciplina
tem a sua construção de conhecimento, que foi feita durante anos, eu tenho a Química, tenho
a Biologia, a Matemática... Então um primeiro nível seria disciplinas trabalhadas de forma
contextualizada, multicultural, sempre tendo em conta conteúdos, competências e
habilidades. Eu não quero só um aluno que saiba Informática, eu quero um aluno que respeite
as diferenças, eu quero um aluno que ajude o próximo, eu quero um aluno ético. Uma
jornalista me entrevistou no Jornal do Brasil esse domingo, saiu na parte Internacional. Ela
estava me mostrando como era na Indonésia e queria saber o que eu achava disso. Que, de
acordo com a Transparência Mundial - a ONG, a Indonésia é um dos países mais corruptos,
mas eles estão fazendo um esforço enorme para começar da escola, um clima de escola
multicultural e ética. Então eu respondi "Claro, a gente tem que trabalhar com a escola".
Começa porque é uma questão cultural, você achar que é Gerson, vai levar vantagem em tudo,
obrigação da escola é trabalhar isso também. A gente não quer só aluno que saiba
Matemática, Português, mas que não contextualize isso, que não tenha uma atitude ética. Isso
são habilidades, são competências, então essa primeira dimensão seria o trabalho com as
disciplinas articuladas a essas perspectivas éticas e multiculturais.
Uma segunda dimensão de uma proposta curricular seria a gente trabalhar em algum
momento... Se você imagina círculos, um círculo com as disciplinas, sempre articulando com a
multiculturalidade, outro círculo, áreas interdisciplinares, projetos que envolvam várias
disciplinas, a Geografia, a Matemática, Português. Você pede para um aluno ler, por exemplo,
uma notícia de jornal em dois jornais diferentes, com dois editores diferentes, olha como vai
mudar. Em uma, você vai ver que são terroristas, na outra são grupos minoritários. O próprio
vocabulário, a partir de uma notícia de jornal, você já vê. O professor de Português pode
trabalhar a questão multicultural do preconceito ao mesmo tempo em que está trabalhando
com a língua. O professor de Geografia, onde ficam esses países, esses povos, não é? Então
você tem como trabalhar áreas interdisciplinares. Eu acho que seria uma segunda dimensão de
uma proposta curricular. Projetos ambientais, comunitários. As crianças irem para as suas
comunidades, conhecerem as culturas, os alunos trazerem seus pais. Fazer feira de cultura.
São áreas que você consegue trabalhar.
Uma terceira dimensão, eu acho que área de reforço. Eu acho que o nosso currículo para uma
escola eficaz tinha que pensar como trabalhar com as crianças para as habilidades de estudo
individual e de pesquisa. As crianças ficam perdidas na pesquisa. O que é que vão pesquisar,
entram no computador, vão até hiperlinks. Não! Eu acho que o professor, assim como eu falei
que nós temos que fazer formação continuada dos professores, deveriam ser pesquisadores,
101
os nossos alunos também. Para isso tem que ter um fio condutor. Se você diz assim, como
exemplo, "Eu quero que vocês pesquisem romanos". Isso não é uma pesquisa, ele vai ficar
perdido, ele vai olhar tudo que é material, vai imprimir uma coisa enorme para você. Agora se
você diz assim "Como os romanos garantiram uma globalização já na época deles? O que é que
eles fizeram? Estradas? Como é que eles lidaram com os povos? A língua. Pesquise”. Ele já tem
um problema, ele parte de uma pergunta. Não existe pesquisa sem problema. Então isso é
uma área de reforço, de estudo individual, de pesquisa, que eu acho que tem que contemplar
no currículo de uma escola eficaz. Para isso tem vários projetos e sei que já existem projetos
de você implementar estágios, monitores das universidades, não é? Ou professores
aposentados ou estagiários que podem trabalhar nessa área para uma escola eficaz, para a
gente poder colocar tudo isso de uma forma positiva.
A quarta dimensão, eu acho que em algum momento, dentro desse currículo a gente tem que
trabalhar com carreiras. Claro que você vai trabalhar com criança pequenininha até
adolescente, mas o que é que existe em termos de carreiras? Porque existem tantas coisas
interessantes para serem feitas. Você pode trabalhar com as habilidades, com a diversidade
cultural desses alunos. Às vezes eles só sabem que tem Engenharia, Medicina ou eles não têm
perspectiva nenhuma. Vai ser caixa, vai ser isso... Levantar as expectativas dessa escola,
trabalhar com as opções de carreira, isso dá um incentivo muito grande, não é? Ele conhecer o
que é uma Oceanografia. Você trabalha com uma criança que talvez nunca ouviu falar nisso e
só na escola vai ter a oportunidade de ouvir falar. De repente ele acha que é outra coisa. Por
que é que você não vai apresentar isso para ele? Eu acho que isso tem que fazer parte do
currículo de uma escola eficaz. Não podemos só ficar com aquela visão muito tradicional. Isso
é uma coisa importante.Eu não estou dizendo que a gente consegue fazer isso tudo. Eu não
consigo, ninguém consegue, mas eu acho que, como diz o Gandin, se a gente tem um projeto
de árvore, todo dia a gente rega a árvore, põe o fertilizante, ainda que aquela árvore nunca
chegue como a imagem de árvore ideal, o fato de a gente ter uma meta e estar lutando por ela
já melhora bastante. Eu acho que a gente tem que pensar na articulação vertical e horizontal
desse currículo. Como é que esse currículo evolui no decorrer dos anos? Para isso nós temos
que ter momentos de pensar professores de Matemática conversando juntos, de Português a
mesma coisa. Será que a gente não está repetindo, será que está tendo uma coerência tanto
vertical como horizontal? Claro que isso é o ideal, mas se a gente tem que pensar em escola
eficaz, a gente tem que começar, ao avaliar as nossas escolas, tentar pelo menos melhorar. A
gente não vai conseguir. Claro que tem os fatores extraescolares e ninguém aqui está iludido
que a gente vai conseguir fazer tudo isso, mas eu acho que a gente pode fazer a diferença e
102
pode fazer melhor do que a gente está fazendo. E outra vez a gente vê se a escola está
funcionando como uma organização multicultural.
Bem, então como é que a gente pensou nisso? A Secretaria de Cultura entrou em parceria com
a gente. A professora Angela Rocha, que era do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
na UFRJ e eu coordenei uma das ações, o Claudio Mendonça era o secretário. Vamos trabalhar
por uma escola mais eficaz. Quais são as ações a partir desses índices? Uma das ações, a
reorientação curricular. Um currículo não pode continuar sendo uma lista de conteúdos se as
provas de larga escala pedem conteúdos, habilidades e competências, então o currículo tem
que trabalhar assim também. Então em cada um dos documentos, nós trabalhamos com
Português, quinta série, sexta série, quais as competências, quais as habilidades, o que a gente
quer dessa criança e a questão da cultura. A gente quer que ele conheça só contos de fada ou
a gente quer que ele conheça o cordel, as outras manifestações culturais, então a gente
começou a embutir as várias áreas, foram várias equipes de Matemática, a UFRJ participou
ativamente nisso, e fizemos uma proposta curricular. Isso foi uma das ações. Outra ação foi,
não adianta de cima para baixo, temos que envolver os professores. Então a secretaria
também elaborou momentos em que os professores da rede, um pouco assim sob a liderança
dos professores da UFRJ nas diversas áreas, produziam roteiros didáticos, produziam as aulas a
partir daquele currículo, também pensando em competências, habilidades e diversidade
cultural. E pensamos a secretaria em parceria conosco, elaborou um curso de capacitação, de
formação continuada dos gestores e dos professores. Dos gestores foi esse que mais
especificamente eu coordenei que a gente falou sobre todos esses assuntos, a avaliação, o
currículo, e que era a pesquisa ação, o coordenador iria para a sua escola, voltava, e a
avaliação foi muito positiva. A gente acredita nessa avaliação porque a gente sabe que todos
nós somos muito críticos e é assim que devemos ser. Nós ficamos muito encantados porque
eram avaliações qualitativas e anônimas, então foram muitos elogios e as pessoas queriam
mais, queriam que a gente continuasse com outros temas. Foi uma experiência gratificante. A
gente tinha receio, 2.100 coordenadores, 76 turmas, mas foi muito positiva, produzimos o
currículo. Recentemente, tivemos a ocasião de ver aqui na FESP, que fez um estudo
comparando essa proposta que a gente tinha, o currículo de Matemática... Foram produzidos
materiais didáticos com os professores, sempre seguindo esses princípios, por isso eu dei esses
princípios antes para vocês verem. Não existe proposta neutra. Nós trabalhamos nessa
proposta a partir da idéia do professor sendo pesquisador em ação, a partir da ideia de que
uma escola eficaz para melhorar os seus índices tem que trabalhar com os seus gestores, tem
que haver um esforço coletivo, e a partir da ideia que os professores têm que produzir esse
103
material. Ainda que a gente possa da universidade liderar um pouquinho, a gente tem que
trabalhar com os saberes, não é? Então a FESP fez uma comparação entre a proposta
curricular de São Paulo, e esse nosso currículo. O que é que nós vimos? Que o nosso currículo
propõe essa articulação conteúdos, habilidades, competências. Nem sempre a proposta de São
Paulo realiza isso. No entanto, a proposta de São Paulo tem uns caderninhos que são bem
práticos para as escolas. Qual foi a idéia dessa comparação? Só para encerrar, nós produzimos
esse material em azul que foi o que a gente chama de reorientação curricular com todos os
professores da rede daqui do Rio de Janeiro. Nós tínhamos grupos de professores de
Matemática, de Ciências e fizemos um novo currículo, um currículo para uma escola eficaz. Se
vocês olharem, em alguns pedaços, esse nosso currículo contempla áreas interdisciplinares.
Vocês lembram que nós tínhamos trabalhado com essas dimensões. O que é que nós
propusemos nessa proposta curricular? É isso o que vocês vão encontrar. A gente trabalhou
primeiro com as disciplinas e com áreas interdisciplinares. Esse currículo do Rio de Janeiro
contempla projetos interdisciplinares, contempla competências, habilidades, contempla
também áreas de reforço, estudo individual. Tem alguns pedacinhos que eles dizem “Você,
professor, agora, pode propor exercícios...”. Ele propõe, ele é propositivo. O currículo de São
Paulo, ele é mais por conteúdos, então a gente sentiu que o nosso chega mais perto porque foi
construído por todos vocês, por todos nós. Chega mais perto daquilo que a gente espera de
um currículo para uma escola eficaz. Mas, como a gente sempre aprende, nós achamos que o
próximo passo seria transformar esses volumes que são mais elaborados, que explicam a
filosofia, em caderninhos simples. Vocês concordam, não é? Vocês que estão com a mão na
massa. Então é isso que a gente fez nesse momento. A gente tentou unir o útil ao agradável.
Uma proposta multicultural que articula conteúdos, competências, habilidades, diversidade
cultural com o formato mais acessível. Acessível para o manuseio no dia a dia da sala de aula.
Não será um currículo para uma escola eficaz prescritivo, de receita de bolo, mas ao mesmo
tempo ele não se furta em mostrar algumas coisas, algumas ideias, orientações que surgiram
desse coletivo. Por que é que a gente não pode aproveitar um professor que tem uma
experiência positiva, que colocou uma ideia legal de uma experiência? Por que é que a gente
não pode socializar e colocar isso em um documento curricular, não é? Exato. Ainda que cada
um possa ter a liberdade de trabalhar, se a gente está falando de avaliações em larga escala,
que em algum momento a gente quer avaliar a escola por esse instrumento, vamos tentar
socializar como fazer isso melhorar.
Enfim, esses foram os princípios que vocês vão ver na proposta do Rio de Janeiro. São os
princípios que a gente trabalhou. Essas dimensões todas e o tempo todo pensando na
104
organização multicultural. A gente pensou em materiais dialógicos. O material didático é
importante. Eu acho que era o outro princípio que a gente buscou. Não adianta só falar esses
princípios lindos que eu falei agora se a gente não consegue tentar colocar em prática isso,
então o que a gente tentou foi fazer essas colunas. Cada disciplina tem colunas: conteúdo,
habilidade, competência, proposta de exercícios... Agora, ele pode ficar mais fininho, além
desse, a gente pode fazer como São Paulo fez, uma coisa mais fininha, mas prática, mas não
reduzir a conteúdos. Eu achei uma coisa um pouco, da minha parte, conteudista. Eu acho que
o nosso, sem viés nenhum, em uma análise bem técnica, acho que em termos de trabalho
ficou mais interessante porque ele foi fruto de um esforço coletivo. Eu não sei se o de São
Paulo envolveu tanta gente assim nessa construção, sem desmerecer evidentemente o
esforço.
Bom, a partir disso tudo, o que é que a gente poderia concluir desse paralelo, disso tudo? A
primeira conclusão é que é possível sim a gente tentar melhorar os índices, é necessário a
gente ter algum momento em que a gente veja esses índices. Mesmo quem acredita no
multiculturalismo, na diversidade, não pode achar que a gente vai trabalhar um currículo para
cada escola, não tem nem na nossa sala de aula a gente faz isso com os poucos alunos, tem
algum momento em que a gente faz uma prova, a gente exige... Isso é o que nós somos
chamados a fazer, mas isso articulado com um momento mais multicultural e isso a gente
tentou fazer nesse currículo que vocês têm aí nas mãos. Por que é que a gente está falando
que a formação continuada é uma estratégia central? A gente acaba a faculdade, vai embora
para os nossos locais de trabalho. É necessário que a gente, o tempo todo, se articule com
esses cursos, com a universidade, com a secretaria. Ver o que é que está acontecendo, senão a
gente fica parado no tempo e acaba usando a homogeneização na nossa escola e em sala de
aula. Não tem como a gente melhorar se a gente não respeita a diversidade. Se a gente não
aposta no clima, se a gente não aposta na autoestima dos alunos. Não tem como a gente
melhorar nada sem isso, não é? A gente considera nesse milênio agora de tecnologia, de
pluralidade, a competência de lidar com a diversidade é uma competência importante. A
competência ética. Nós temos que ser éticos. Como esse projeto na Indonésia que eu fiz essa
entrevista. A gente tem que trabalhar isso nas escolas. Não é possível a gente só pensar em
conteúdo, vestibular e desperdiçar esses anos todos em um clima que não fomenta nenhum
valor. Nisso eu sou muito apaixonada com essa questão. E a gente pode sim articular isso com
as diversas áreas do saber. Para isso é importante as parcerias que a gente faz. Com vocês,
gestores, professores, que estão colocando a mão na massa. Não adianta eu da universidade
ficar lá falando só para os meus pares. A gente tem que trabalhar junto e tentar articular o que
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está produzindo com o que vocês estão produzindo e melhorar. O esforço é para todos, é para
o país todo. Tem que ter um esforço coletivo senão a gente não avança. Eu acho que a gente
tem que trabalhar conteúdos, metodologia e ambiente multicultural. A escola eficaz como
essa organização que valoriza a diversidade. Só para terminar, eu vou contar um caso para
vocês que vai mostrar direitinho como é que a gente expulsa da escola crianças que sabem. Eu
vou contar uma história que aconteceu comigo e com os meus filhos, quando eu estava na
Escócia fazendo doutorado, e aí vocês vão entender o que é que quer dizer esse
multiculturalismo direitinho. Bom, a minha filha aqui aprendeu a Matemática. Assim,
dezenove, menos oito, põe aquilo direitinho, tira um emprestado. Uma craque, não é? Dez em
Matemática. Vou fazer o paralelo com um menino do Nordeste que foi objeto de uma
pesquisa de uma colega nossa, que ele vendia na feira e fazia rapidamente a Matemática
mental. Você dava dez reais, a coisa custava 8,85, na hora ele te dava o troco. Mas ele era
reprovado em Matemática. Ao contrário da minha filha, ele era reprovado em Matemática
sempre. A pesquisadora pergunta para ele “Mas por que você é reprovado em Matemática?
Você faz contas complicadas na feira”. Ele disse “Não, professora, isso não é Matemática.
Matemática é o que a professora me explica e isso eu não entendo. O que eu faço é o
seguinte: 8,85 para 9, 10 menos 9, então 1,25, é assim que eu faço as contas”, ou seja ele fazia
por aproximação. Muito bem, voltemos à Escócia, a minha filha craque naquelas continhas
todas, aí a professora disse assim “Você leva, três pounds, e vai para o supermercado comprar
alguma coisa”, vamos dizer à guisa de analogia. Não foi bem isso, mas é só para vocês
entenderem. Um e oitenta e cinco e você leva dez. Qual é o troco? Aí lá foi ela arrumar. A
professora disse “Pencils down. Eu quero o lápis na carteira. Vocês têm que fazer isso mental
arithmetics”. Aritmética mental. Era isso... Por isso que eu digo que o currículo é uma seleção
da cultura. Lá o que era valorizado até a criança ter 12, 13 anos, é o raciocínio matemático,
não é a transformação simbólica da Matemática porque é muito abstrato para as crianças, ou
seja, o menino, se fosse na Escócia, tiraria dez em tudo. Ainda bem que lá não tem reprovação,
não é? Outro assunto que eu vou discutir em outra oportunidade para vocês. Aqui ele é
reprovado, ali a minha filha não foi reprovada porque no Reino Unido não tem reprovação.
Eles trabalham em grupos. Uma professora, ela não dá uma aula frontal. Ela trabalha com os
grupos, então a criança pode estar em um grupo muito adiantado em Matemática, na aula de
Inglês ela vai para outro grupo e tem o reforço. Não é uma aula expositiva, então a minha filha
se safou disso. É uma outra metodologia para o currículo. Mas o que eu quero dizer é isso, o
fracasso escolar, às vezes, tem a ver com uma ideia de currículo, um endeusamento do que
está no currículo, sem a gente se aperceber que as crianças têm saberes. Aquele menino sabia
Matemática, ele tinha um outro caminho. Ele tinha um caminho mais mental e isso é
106
valorizado em outro contexto. Então a gente deve se sensibilizar um pouquinho mais disso e
tentar entender que essas questões não são questões acabadas.
Bom, isso aqui foi só um início, tem muita coisa que a gente pode falar, mas foi mais ou menos
o recorte que eu quis dar para vocês quando a gente fala em currículo. Ali tem o meu e-mail,
acanen@globo.com. Agora, quem se interessar pelo assunto, hoje em dia a gente não tem
mais segredo, pelo menos acadêmico, uma vez que a gente tem o nosso currículo lattes
exposto, não é? Uma vez eu falei isso, aí um colega disse assim “Acadêmicos, Ana”, eu falei “É
verdade”, então agora eu falo “Não temos segredos acadêmicos. É só vocês entrarem
www.cnpq.br, plataforma lattes, aí põe assim, currículo Ana Canen. Aí vai aparecer tudo o que
eu tenho feito sobre essa área que a gente não consegue explorar em um dia só. Moral da
história, o que eu tentei fazer aqui? Articular a avaliação maior ao que a gente pode fazer
dentro das nossas escolas para a gente ter um currículo eficaz e vocês viram que isso é
possível. A gente produzir um currículo com todas as potencialidades e com todos os limites,
tentando dar conta. Então, no mais, obrigada e a gente espera ter contribuído. Obrigada!
Lucindo Filho
Pedagogo especialista em gestão escolar, especialista em educação especial e Mestre em
Educação (UNESA)
Apresentação de Programas e Experiências Educacionais
Inicialmente quero dizer da minha satisfação de estar aqui presente, compartilhando este
momento com várias pessoas com quem eu já tive a oportunidade de debater os assuntos que
têm sido a minha preocupação ao longo desses últimos anos. Atualmente venho trabalhando,
principalmente, com a questão da inclusão na educação, mais especificamente com o tema da
igualdade, que é uma questão que bastante me preocupa, e a questão da emancipação que é
outra categoria que também tenho me dedicado. Nessa oportunidade, nos cabe apresentar
um projeto que foi desenvolvido em 2008, e que nasceu em uma interface da presidência da
FESP, Doutor Claudio Mendonça, a vice-presidência à época, professora Terezinha Lameira e a
diretoria de treinamento, juntamente com a cidade de Itaperuna, através da secretária
municipal de Educação da época que era exercida pela professora Esmeralda Bussade, que
várias pessoas certamente conhecem pelo seu trabalho não só em prol da educação em
Itaperuna, como também no Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro. E o
107
que nos animava nessa proposta era justamente estar desenvolvendo um trabalho, um
projeto, voltado para a questão da valorização do saber docente. Como nós poderíamos em
uma determinada realidade, trabalhando com os saberes de professores de uma rede
municipal, do interior do Estado do Rio, noroeste fluminense, provocar, formar, discutir, fazer
uma reflexão sobre a sistematização desses saberes, visando, vamos dizer assim, a preparação
de material didático que pudesse servir de estímulo, de orientação, a outros professores dessa
mesma rede? Tudo isso gerou um material, uma contribuição bastante densa. Nós tínhamos a
meta de construir 312 sequências didáticas, nós alcançamos um número maior que esse.
Aproximadamente, 350 sequências didáticas e duas mil fichas de atividade da autoria de 26
professores da rede de Itaperuna. Depois esse material vai circular, as sequências didáticas
irão circular entre vocês, para que vocês possam manusear.
Bom, esse trabalho foi feito com o apoio de uma equipe técnica. Eu, aqui nesse momento,
estou tendo a primazia de estar representando esse grupo que esteve sob a coordenação à
época da professora Teresinha Lameira. Participaram desse esforço, a professora Alba Cruz, a
professora Beatrice Costa, a professora doutora Jussara que foi consultora desse projeto, uma
doutora, inclusive, da comunidade local. Nós tivemos o cuidado de convidar para a consultoria
duas doutoras que fossem do local, que estivessem trabalhando naquela realidade, então foi o
caso da doutora Jussara Badin e da doutora Patrícia Vargas. Eu somei nesse esforço, mais a
professora Raquel e lá por Itaperuna as supervisoras de ensino Élen de Oliveira, Solange e
Teresa Cristina do Carmo.
Escola do Professor. O que constituiu essa experiência? Constituiu o desenvolvimento de ação
de formação continuada fundamentada na abordagem do saber docente, implementada em
parceria pela Fundação Escola de Serviço Público do Rio de Janeiro, FESP - RJ, e a Prefeitura
Municipal de Itaperuna. O objetivo teve como foco valorizar e sistematizar as práticas
pedagógicas, as vivências, as experiências do dia a dia desenvolvidas por esses professores. E
proporcionando a eles essa oportunidade de estarem debatendo, refletindo, fazendo uma
confrontação das suas experiências com outros saberes, com um enfoque mais sistematizado.
Saber docente. Muito do que a gente vai falar aqui agora já foi tratado pela Ana Canen, por
outros palestrantes que trouxeram temas que constituem também a nossa preocupação.
Quando pensamos em roteiros didáticos, em sequências didáticas, nós estamos com uma
grande preocupação que é transversal a várias das questões que já foram aqui tratadas, em
termos de matriz curricular, de planejamento, projeto político pedagógico,de contextualização
do objeto do conhecimento.
108
Então o nosso referencial de saber docente, entre as diferentes abordagens, adotou o sentido
do saber docente como uma compreensão do saber na sua relação com o docente enquanto
sujeito de práticas, destacando-se a dimensão do fazer, da experiência, da ação, de uma
prática social reflexiva. E isto envolve os saberes múltiplos, os disciplinares e curriculares, o
saber da formação pedagógica, o saber da experiência profissional e os saberes da cultura e do
mundo vivido na prática social.
São saberes articulados pelo docente no contexto do processo de ensino e aprendizagem
frente à complexidade do conhecimento. Porque antes que eles passassem a sistematizar as
suas práticas, construírem essas sequências, o projeto seguiu uma metodologia de realizar
vários encontros, provocando vários debates, várias reflexões, inclusive uma das pessoas
convidadas foi a professora Teresa Pena Firme que esteve lá falando sobre avaliação. Então em
várias oportunidades nós estivemos discutindo intensamente todos esses aspectos que vão
incidir nesse processo relacional, na busca de uma melhor qualidade, de igualdade, de uma
melhoria da participação no processo de educação.
Bem, epistemologicamente, valorizando o saber docente, pensamos em três eixos. A prática
docente entendida como um princípio educativo, construída na produção do humano com o
humano. Aquele sentido em que você transforma sua realidade, você também aprende nesse
processo de transformação. A prática docente enquanto ato político de situar a educação no
seio da comunidade, mediando a construção de conhecimento e da cidadania. E a prática
docente como ato plural e produto de uma identidade, os profissionais de educação.
O grande objetivo desse projeto era criar oportunidade aos professores do espaço da reflexão.
Sabemos que, normalmente, no planejamento, no calendário do ano letivo de diversas redes,
são estabelecidas datas para o grupo de estudo, mas muitas vezes isso não acontece dessa
forma como planejado, então o professor no seu dia a dia, muitas vezes, não se percebe nem
como professor da escola. Ele muitas vezes é o professor da disciplina, de determinada área de
conhecimento, não trazendo para si todo contexto, todas as preocupações, todas as
realidades, as dificuldades do dia a dia, do cotidiano de uma escola. Então muitas vezes esse
professor vai lá, dá sua aula de Inglês, dá sua aula de Matemática porque já tem outro horário
em uma escola privada ou trabalha na rede municipal ou na rede estadual e ele acaba não se
envolvendo na escola como um projeto, como um todo, o que reforça o velho projeto de
escola fragmentada, tão comum na nossa realidade. Então, talvez, assim, em um primeiro
momento, a grande oportunidade que esse projeto criou na rede municipal de Itaperuna foi a
oportunidade do debate, da reflexão, de cada professor envolvido repensar a sua prática.
109
Parar e olhar para o seu trabalho e fazer uma crítica, uma reflexão do seu trabalho, não é?
Como é que eu estou desenvolvendo os processos de avaliação, como é que eu estou
planejando? Como é o meu relacionamento com o aluno? Foco meu trabalho no ensino ou na
aprendizagem? Quer dizer, oportunizar ao professor a sistematização do seu trabalho docente,
ou seja, do seu saber, sua cultura pedagógica, sua racionalidade, por meio da constituição de
espaço de reflexão e debate, com vistas a estimular a autoria docente na elaboração de
roteiros didáticos.
Então não somente a equipe tinha esse interesse de estar provocando essa reflexão, esse
debate, essa sistematização, mas também no final tínhamos o desejo de um produto. Nós
gostaríamos de alcançar um produto e o que foi conseguido foi compilado em forma de um
livro, que é esse material que está circulando aí por vocês no auditório.
Itaperuna. Não sei se todos conhecem, é uma cidade do noroeste fluminense, com
aproximadamente 94 mil habitantes, e que apresenta as seguintes características no campo da
educação. Itaperuna é um grande centro universitário daquela região. Hoje nós temos
aproximadamente 40 cursos de graduação e 14 ou 15 instituições localizadas naquela região.
Isso significa que são 15 mil alunos universitários, em uma cidade que tem 94 mil habitantes.
São diversos cursos de graduação, então ela é uma referência naquela região em termos de ser
um centro de formação na área universitária. A rede pública municipal de educação em
números aproximados tem 80 escolas, 500 professores e 9.500 matrículas na educação infantil
e Ensino Fundamental e alcançou em 2007 o indicador 5 no IDEB. O que comparando com
outras realidades é um indicador bastante razoável, considerando aí que nós temos alguns
municípios com 3,2, 2,8, 3, não é? Um município acima da média estadual e nacional.
Objetivos específicos do projeto Escola do Professor. Desenvolver nos professores
competências e habilidades para a elaboração de sequências didáticas, desenvolver nos
professores competências para a apresentação das sequências didáticas a seus pares e a
promoção de debates. Isso era uma grande dificuldade. Eu achava graça às vezes... a gente
conseguiu ter uma boa relação, toda a equipe junto com os professores de Itaperuna, como é
que eles tinham medo de falar! Eu dizia sempre: advogado e professor, o principal
instrumento, um dos principais instrumentos é a palavra, a fala, não é? Mas havia uma timidez
muito grande, uma grande dificuldade de expor para os seus pares e também a questão da
elaboração do texto. Isso quem tem a oportunidade de trabalhar no meio acadêmico sabe
como é um grande problema. Normalmente você tem colegas no mestrado, chegam até ao
doutorado, muitas vezes, com muita dificuldade na elaboração do texto e isso foi uma
110
realidade que nós encontramos. Nós tivemos que promover vários exercícios, vários
momentos. É como se você fosse buscar o texto que existe dentro de cada pessoa, quer dizer,
o texto oral, às vezes, ele sai fácil, o texto oralizado, mas na hora que você pede para passar
para o papel, para utilizar o computador e colocar o texto, sistematizar um conhecimento, aí
isso começa a ser bastante difícil, não é? Levar os professores da rede municipal de Itaperuna
a praticar uma pedagogia ativa e participante, melhorar os resultados de aprendizagem nos
alunos da rede municipal. E não poderíamos esquecer o objetivo final que, embora Itaperuna
tenha uma média, um índice 5 de IDEB, mas é preciso melhorar isso, não é? Quer dizer, isso é
razoável dentro de todo um quadro de grandes dificuldades da educação nacional, mas não é
o desejável. É preciso melhorar bastante esse resultado em termos de aprendizagem que os
alunos apresentam.
Produto final. Como eu disse, de início nós tivemos 110 candidatos em uma rede de 500
professores, nós tivemos 110 candidatos interessados em participar conosco nesse projeto.
Eles foram selecionados através de uma entrevista e também com base na elaboração de uma
sequência didática. Cada um escolheu um bom roteiro didático que já tivesse trabalhado,
desenvolvido com os seus alunos e colocou isso no papel. Então foi assim que foi o processo de
seleção. O objetivo era escolher 25 professores, acabamos trabalhando com 26 porque em
uma determinada disciplina não tinha ninguém e nós tivemos que aproveitar mais um
professor. Dentro dessa disciplina foi o único. Então nós buscamos a formação desses 26
professores no domínio de competências e habilidades para a sistematização de suas práticas
e produção de material didático acessível aos demais professores. A elaboração de 350
sequências didáticas e de duas mil fichas de atividades e todo esse trabalho, é lógico, foi
devolvido à rede através de vários momentos. Em vários momentos do trabalho, os próprios
professores que elaboraram essas sequências, apresentaram aos seus pares nas escolas, em
diferentes escolas. Então houve uma segunda oportunidade de estar sendo debatido pelos
demais companheiros todo esse trabalho, como ele foi elaborado, as dificuldades, sugestões,
de maneira que o trabalho foi aperfeiçoado em todo o seu desenvolvimento.
Referências que nós colocamos na busca de estar elaborando as sequências didáticas. Não
poderíamos esquecer dos objetivos da educação nacional, dos objetivos debatidos no projeto
político pedagógico, dentro daquelas velhas perguntas “que escola é que nós queremos, que
aluno nós queremos formar”? Então esse era uma referência. As políticas de educação,que
vem sendo implementadas pelo sistema, que se considerassem também, em especial a política
de educação inclusiva, a presença e valorização da diversidade na educação. Eu até não gosto
dessa coisa de rotular a educação de inclusiva, eu prefiro ver mais a inclusão como um
111
movimento amplo que começa a contagiar gradativamente o processo da educação. A matriz
curricular, a contextualização social, a realidade da escola, os princípios éticos que foram tão
falados pela Ana Canen, o reconhecimento e valorização da “alteridade”, a questão das
diferenças. Muitas vezes os professores apontam como é difícil trabalhar com a diferença. A
diferença cultural e a diferença étnica, a diferença de competências e habilidades, enfim,
diferenças de todos os tipos. Na escola ainda vigora muito um sentido de educação
homogênea, não é? Quer dizer padrões sócio-culturalmente estabelecidos. O professor de
maneira geral, na sua formação, ainda é muito pouco trabalhado para encarar a "alteridade"
tão presente na realidade.
Outra questão é a promoção do acesso e igualdade, inclusive, vemos esses roteiros
didáticos como oportunidades de promoção do sentido de igualdade. Quer dizer não adianta
você garantir o acesso, mas você não garantir formas de participação que contemple as
diferenças, as desigualdades, a não atenção a isto é o que a Acácia Kuenzer vai chamar de
inclusão excludente, quer dizer, você está incluído pela garantia do acesso, mas está excluído
do processo pela dificuldade na participação. A questão da qualidade educacional... Qualidade
é uma palavra polissêmica, se a gente fizer aqui rapidamente uma pergunta sobre o que cada
um de nós entende sobre qualidade de educação, as respostas serão várias, não é? Quer dizer,
ocorrerão respostas conservadoras, ocorrerão respostas mais revolucionárias ou
transformadoras. O que nós entendemos realmente por qualidade de educação? É tema para
muito debate, muita reflexão.
A questão do projeto político pedagógico, como foi dito, muitas vezes o projeto nem existe e
outras vezes é só uma peça feita por uma equipe de sabichões da escola ou de consultores e
uma vez apresentado às autoridades do sistema, é guardado em uma gaveta. A maioria dos
professores lá em Itaperuna não conhecia o projeto político pedagógico das suas escolas, não
haviam participado, lógico. Não conheciam, além de não terem participado, eles nem
conheciam os projetos políticos pedagógicos. Então qual é o norte do trabalho? Como vamos
construir uma nova escola?
A questão da avaliação diagnóstica ou formativa. A complexidade do conhecimento, foi uma
tecla muito batida por nós, como também a questão da interdisciplinaridade. Não vamos falar
em transdisciplinaridade que aí já é um salto muito grande, mas batemos muito nessa tecla da
interdisciplinaridade, da complexidade do conhecimento, inclusive, trabalhamos bastante
aquele texto do Edgar Morin “Cabeça bem feita”, que é um texto excelente na área de
formação, de reflexão, para fazer o professor pensar. Não basta ter o conhecimento. O que é
112
que você vai fazer com esse conhecimento? Quer dizer, não podemos ficar em uma visão
produtivista da educação. É você saber realmente o cidadão que você está formando, o que é
que ele vai fazer com esse conhecimento. O que mais hoje a gente encontra? Encontramos
muito na área acadêmica, um número expressivo de estudantes profissionais, fazendo
mestrado, doutorado, mas não sabem o que é que vão fazer com o conhecimento.
Infelizmente encontramos muito isso.
O foco no desenvolvimento de inteligências, competências e habilidades. Eu senti ontem e
hoje muita a falta dessa palavrinha inteligência. Quer dizer falamos muito em competências,
habilidades, mas não falamos nas inteligências. Realmente, na educação, muitas vezes, o
professor não tem essa dimensão de que está trabalhando no sentido do desenvolvimento de
inteligências através do desenvolvimento de competências e habilidades. Então trabalhamos
muito essa ideia de que esses roteiros estivessem voltados para essas questões.
Bom, tivemos alguns cuidados na elaboração das sequências didáticas. Eu não vou ler isso tudo
senão fica exaustivo. São dois slides nesta apresentação em que colocamos o de mais
importante para o que o pessoal tivesse cuidado. Ainda há uma grande confusão entre
objetivo, estratégia, justificativa. Como é difícil trabalhar esta questão, inclusive estão aqui
vários colegas que tiveram a oportunidade de estar conversando, refletindo sobre a
elaboração de projetos, e isso também era uma dificuldade. Bons professores, bem formados,
mas não tinham essa experiência de trabalhar com projeto e tinham muita dificuldade de
entender o que era objetivo, o que é que era estratégia, o que era recurso. Isso foi um
exercício que tivemos de trabalhar bastante. Eu imagino que conseguimos alcançar um bom
resultado, dado alguns projetos que foram desenvolvidos, então podemos concluir que isto foi
resolvido. Assim de maneira geral nós listamos alguma questões para as quais pedimos aos
professores o máximo cuidado quando da elaboração de sequências. Eu diria que o principal
desses cuidados é porque se está muito enfocado na questão do ensino e não na
aprendizagem, é a questão da mobilização, dos alunos participarem da elaboração das
sequências e do desenvolvimento delas, quer dizer, é muito importante buscar nesse processo
de mediação, desenvolver um roteiro de atividades que envolvam crescentemente a
participação dos alunos. Senão o que se vê como em inúmeras outras ações são as pracinhas
em frente às escolas ganharem os alunos e as escolas ficarem vazias. A sala de aula está vazia e
o barzinho em frente da escola está cheio. A sala de aula está vazia, mas a pracinha em frente
da escola está cheia. E quando temos a chance de observar a prática do professor desta
escolas, é aquela aula - discurso, não é? A aula da palestra que tanto o Claudio colocou aqui
no primeiro dia, então essa talvez, de todas aquelas principais recomendações, seja a mais
113
importante. Se nós conseguirmos realmente na elaboração de um roteiro didático discutir,
mobilizar, provocar debates sobre as escolhas, sobre as opções e envolver os alunos em todo
esse processo, então certamente a construção do conhecimento acontecerá.
Etapas em que esse projeto se desenvolveu. Inicialmente nós tivemos um seminário de
lançamento do projeto na cidade de Itaperuna, um edital de seleção dos professores tutores, a
seleção das consultoras de metodologia que eram da cidade de Itaperuna, a formação desses
professores tutores, houve uma fase de discussão da formatação das sequências, essa
formação passou também pelo uso da Informática. Como o professor de maneira geral, não
tem acesso ainda à Informática e não sabe usar os recursos da Informática. Então, boa parte
também dessa discussão passou por essas oportunidades de se preparar uma apresentação,
um material, de saber utilizar adequadamente essa ferramenta.
Outras etapas do Projeto constituíram: envolvimento dos diretores e equipes pedagógicas;
formatação e aperfeiçoamento de um modelo de sequência didática; definição de conteúdos
relevantes. Foi feito um mapa conceitual daqueles conteúdos mais relevantes, onde pelas suas
práticas eles percebiam o que os alunos tinham mais dificuldade no alcance de determinadas
competências e habilidades, utilizando aqueles conteúdos como estratégias. Elaboração das
sequências didáticas, a fase de orientação e correção dessas seqüências; a apresentação das
sequências didáticas nas escolas aos demais professores e a elaboração e formatação do livro
final em CD ROM contendo as sequências e as fichas de atividades.
Algumas dificuldades. Uma delas eu já falei que é a questão da produção do texto. É muito
difícil, a nossa escola não trabalha a construção do texto, não forma produtores de texto, nem
o texto oral muitas das vezes. Encontramos muitas vezes as pessoas com dificuldade de estar
desenvolvendo um raciocínio, de fazer uma exposição porque justamente boa parte do
trabalho que é feito nas escolas não procura desenvolver isso. A falta de foco no objetivo.
Muitas ainda, fazem um trabalho, mas não sabem o que querem finalmente alcançar com
aquele trabalho, projeto, roteiro didático, com aquela atividade que foi proposta. O foco no
ensino e não na necessidade de aprendizagem dos alunos. Como é que os alunos aprendem?
Essa é uma discussão bastante interessante de você provocar. Diferentes caminhos da
aprendizagem. Não se sai da academia com uma consciência clara sobre diferentes
possibilidades, sobre diferentes caminhos. Muitas vezes as pessoas ficam 10, 15, 20 anos
trabalhando, fazendo o que elas acreditam com toda honestidade, mas não percebem ainda
com clareza como relacionar objetivos com estratégias de forma a alcançar um determinado
resultado. A inexperiência na apresentação do trabalho aos seus pares. Já falei isso aqui. O
114
tempo de ser professor da escola, e não só da disciplina e da área de conhecimento, a
dificuldade de trabalhar com a interdisciplinaridade, o rompimento com a visão conteudista,
esse é uma das coisas mais difíceis. Boa parte das sequências que foram produzidas, ainda tem
muito esse vínculo com o conteúdo. Parece que o objetivo é o conteúdo, mas na verdade o
objetivo é a inteligência, são as competências, são as habilidades. Isso levou à desistência de
alguns professores. Nós não tivemos sucesso total, seis professores desistiram, foram
substituídos por outros professores que foram até o final. Nós lamentamos muito que seis
professores tenham desistido.
Algumas falas... Inclusive, aí no livro que está circulando tem vários depoimentos dos
professores, mas eu separei algumas. “A elaboração de sequências didáticas abriu caminhos
para o despertar da reflexão crítica sobre a importância da busca constante de resignificação
da prática pedagógica e da sistematização dessa prática”. “Novas ideias surgem uma vez que
esse modo de preparar aulas ativa a imaginação criadora do professor e ainda permite e
viabiliza uma prática nos caminhos da interdisciplinaridade”. “Nesse trabalho tive a
oportunidade de avaliar a minha prática e confrontá-la com novas idéias e experiências”.
Bom, deixo aqui nesse final de apresentação algumas ideias, buscando inspiração no nosso
Lulu Santos:
“Tudo muda o tempo todo, não adianta fugir nem mentir pra si mesmo”.
Trago também o nosso velho mestre Paulo Freire
“Ai de nós, educadores, se deixamos de sonhar sonhos possíveis. Os profetas são aqueles ou
aquelas que se molham de tal forma nas águas de sua cultura e da sua história, da cultura e da
história do seu povo, que conhece o seu aqui e o seu agora e, por isso, podem prever o
amanhã que eles mais do que adivinham, realizam". Paulo Freire.
E, por fim, o nosso Miguel Arroio:
“Descobrimos, os educandos, crianças, adolescentes e jovens como gente e não apenas como
alunos. Mais do que contas onde depositamos os nossos conteúdos, vendo os alunos como
gente, fomos redescobrindo-nos como gente, humanos e ensinantes de algo mais do que a
nossa matéria”.
Fica aí para reflexão.
115
Conclusão, o projeto Escola do Professor construiu excelentes oportunidades de participação
dos professores na articulação horizontal e vertical do currículo, como também da valorização
e concretização de saberes e material didático. Isso foi uma intencionalidade, os professores
de Matemática tiveram a oportunidade de se encontrar em grupo e também de participar das
discussões dos professores da área de Códigos e Linguagens, da área de Estudos Sociais e isso
foi muito enriquecedor para uma visão mais complexa do conhecimento, das atividades que
eles pudessem vir a desenvolver.
Os professores tutores. Na educação infantil, nós tivemos cinco professores lá da rede. Os
professores tutores do primeiro segmento foram 13 professores. E no segundo segmento
foram nove professores.
Bom, a nossa homenagem a todos que trabalharam no projeto, a professora Esmeralda
Bussade, que realmente colocou a Secretaria Municipal de Educação à disposição, mobilizando
para que esse trabalho pudesse ser realizado. Nós tivemos todas as facilidades no sentido de
estar desenvolvendo essa atividade, mas principalmente a facilidade do querer aprender, do
aprender fazendo por parte dos professores de Itaperuna. Na oportunidade deixo o meu email
para quem desejar entrar em contato proflucindo@hotmail.com - Obrigado a todos vocês
pela atenção!
Guiomar Namo de Mello
Diretora da EBRAPA (Escola Brasileira de Professores) e Doutora em Educação pela
PUC, SP com Pós Doutorado em Educação Comparada pelo Instituto de Educação da
Universidade de Londres, Inglaterra.
Os Problemas Relacionados à Formação de Professores
Boa tarde! Eu quero dizer que é uma satisfação muito grande estar aqui, agradeço muito ao
Claudio e toda equipe aqui da FESP que tem uma atuação dinâmica, inspiradora e dá
esperança para a gente, e eu gostaria muito de dizer que a minha fala de hoje tem um
conteúdo de muita provocação, aliás eu tenho ficado cada vez mais provocadora com a idade.
Eu acho que a gente passa de um tempo assim, que a gente começa a achar que tem direito de
dizer tudo o que pensa. E nem fazer tantas alianças como as que o Claudio está tão
116
preocupado. Acho que isso é ótimo, no jovem precisa ser feito assim mesmo. Então essa é uma
questão, eu tenho falado tanto em formação de professor que eu comecei a ser mais
provocativa para ver se realmente a gente deixa de falar e começa eventualmente a tentar
fazer alguma coisa. Porque quem sabe também depois de 45 anos trabalhando com educação
a paciência histórica da gente começa a ficar mais curta. E a segunda coisa é que eu estou
falando sobre formação de professores no contexto que o Brasil vive hoje. Eu acho que isso é
muito importante, quer dizer, não é um discurso teórico sobre formação de professor. Ele leva
em conta as restrições, as condições que nós vivemos hoje. Um país que vem de uma herança
educacional absolutamente colonialista. Teve na herança lusitana uma chaga enorme do ponto
de vista do acesso à cultura e à educação, haja vista que aqui na Praia Vermelha vocês têm a
primeira instituição educacional do nosso país, que é uma universidade, não é? Que Dom
Pedro tratou de criar logo, logo porque teve que vir para os trópicos fugindo de Napoleão e aí
tinha que arrumar lugar para os homens da corte estudarem. Eram homens e eram da corte,
nem eram mulheres. Então é nesse contexto de um país que vem com essa herança que
universaliza a educação básica praticamente. Traz para dentro do sistema uma
heterogeneidade enorme e encontra nesse sistema uma escola que é uma civilização em
camadas, uma escola onde está presente o século XVI, o XVII, o XVIII, o XIX e ela está entrando
no XXI trazendo ainda todo o ranço que ela herdou do colonialismo. Então é para este
momento que eu estou falando, acho que esse discurso poderia ser muito diferente em um
outro lugar e em um outro tempo, mesmo que fosse no Brasil.
Sobre o professor eu vou passar rápido, eu fiz só um apanhado. O que é que dizem os estudos
recentes feitos na educação? Primeiro de que a qualidade de um sistema de ensino se mede
não é pelo desempenho do aluno nem pelos prédios escolares, é pela qualidade de seus
professores. Nenhum sistema de ensino consegue ser melhor do que os professores que tem.
Isso é uma obviedade, mas que vale a pena a gente assumir como ponto de partida. O
investimento no professor é o mais sustentável e de melhor custo benefício que tem na
educação. Se eu invisto bem em um professor que está entrando no sistema, eu estou
investindo 25 anos vezes 35 alunos por ano. Embora o grande enfoque da gente seja sobre o
aluno porque é óbvio, ele é o último elo dessa cadeia e é o nosso objetivo, quem melhor
multiplica o esforço, o dinheiro, a emoção que eu vou colocar na educação é o professor. Nós
temos uma tendência a pensar mais no material do aluno, na situação do aluno. Eu estou
chamando aqui a atenção para o outro foco.
A variação na qualidade do professor, ela explica bem mais os resultados da avaliação externa
do que outros fatores que a gente considere mais charmosos ou politicamente corretos, por
117
exemplo, é mais importante a diferença entre professores do que a diferença em números de
aluno por sala de aula para o rendimento. Eu quero dizer que um bom professor com mais
alunos é melhor do que um professor ruim com metade dos alunos que tem o bom professor.
Esses estudos todos têm dados, eu não coloquei aí porque acho que não é o caso. O professor
com curso superior é uma das variáveis que melhor alavanca o rendimento dos alunos. Um
professor com curso superior e um professor sem curso superior, o que tem curso superior faz
muita diferença, ou seja, vale a pena investir na educação superior dos professores. Mas o
curso de formação de professores de nível superior não apresenta nenhuma diferença, em
alguns casos, o desempenho do aluno é pior do que se ele tivesse feito o curso de formação.
Vocês viram ontem a experiência aqui que a Ana Gabriela apresentou sobre o Teach for
America, não é? No jantar até estávamos discutindo um pouco isso. Se eu tenho um
engenheiro que resolve ser professor e que tem uma boa formação em Ciências Exatas, o fato
de ele ter essa formação e querer ser professor já fala um pouco do compromisso dele. Então,
talvez seja por isso, que os estudos tanto do Brasil como de fora, dão este dado que é
surpreendente para muitos de nós. Ter curso superior é importante, ter curso superior de
formação de professor não faz diferença. O advogado, o assistente social, o engenheiro e os
licenciados em Matemática têm o desempenho. Você não nota diferença no desempenho
deles. Isto é para chamar a atenção da gente para o problema da formação do professor.
Por que então que, apesar de ser a principal solução, ainda é uma parte do nosso problema e
não é uma parte da nossa solução? A formação do professor. Eu vou ser bem provocadora e
vou dizer que tem 4 problemas. Primeiro lugar ela não sabe quem é, ela não tem identidade.
Isso é Brasil, hein? Ela é bicéfala, ela é esquizofrênica e ela é autista. E nós vamos passar por
essa agonia toda. Por que é que falta identidade à formação do professor? Desde a origem. O
Brasil não conseguiu ter uma instituição dedicada à formação de professor. Nunca! Só no
ensino de nível médio, na modalidade normal. Aí sim, o Brasil inteiro teve grandes escolas
normais. O Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, o Caetano de Campos e o Padre
Anchieta em São Paulo, um grande colégio em Belo Horizonte, um grande colégio no Paraná...
As professoras que saíam de lá eram professoras de alta qualidade. Nunca conseguimos ter no
nível superior uma outra instituição. Tem uma longa história atrás disso. A história é do Afrânio
Peixoto querendo transformar o Instituto de Educação do Rio de Janeiro em Instituto Superior
de Educação, que seria formador de professor e estabeleceria uma referência para a formação
do professor no país inteiro. É tudo o que eu acho que nós precisamos, mas que naquele
momento, o projeto do Afrânio Peixoto não foi para frente por uma série de razões políticas e
predominou o modelo importado por São Paulo. São Paulo estava saindo da Revolução
118
Constitucionalista perdendo com o rabo no vão das pernas e resolveu construir sua hegemonia
em cima do intelectual, que está correto, importou aquela missão francesa da qual fazia parte
Levi-Strauss. Que trouxe para cá o modelo da escola francesa. Qual é o modelo do sistema de
ensino francês? É o modelo da universidade e das grandes escolas de nível superior. O que é a
universidade? É o lugar onde se estuda Filosofia, Ciências e Letras. É daí que nós herdamos
esse nome. E o que são as grandes escolas? É o lugar onde se formam as pessoas que vão
trabalhar: o engenheiro, o médico, o professor, o advogado, o administrador de empresa, o
arquiteto. Nenhum desses se forma na universidade, modelo napoleônico. Então você tem a
Sorbonne, que é a Sorbonne onde se formam os filósofos, os bel-letrados, como a gente
costuma dizer, e os cientistas. O grande físico, o grande químico, o grande psicólogo está na
Sorbonne. Onde é que se forma o engenheiro que usa Física? Na Polyechnique, não é na
Sorbonne. E esta questão permeou o nascimento quase que da formação do professor no
Brasil. Por quê? Porque vindo o modelo da Sorbonne, não tinha mais condições de transformar
a escola Caetano de Campos no Instituto de Formação de Professores, logo incorporou a
formação de professores dentro da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras como um
subproduto da Filosofia, Ciências e Letras. Vocês lembram, provavelmente vários de vocês aqui
estudaram nessa época, você fazia quatro anos de bacharelado e um ano de licenciatura. Três
de bacharelado e um de licenciatura, o famoso modelo 3 + 1. O que é que acontece quando a
universidade se expande e vira essa coisa que ela virou no Brasil que é quase uma república
separada. Com toda a autonomia e etc. Cada um montou o seu feudo: Instituto de Geografia, a
Faculdade de Letras, o Instituto de Matemática, a Faculdade de Filosofia, o curso de História. E
nesse feudo é que começou a se formar os professores. Quando chegava na hora de ensinar
como ensinar, mandava para a Faculdade de Educação, onde ele iria aprender a ensinar uma
coisa que não tinha nada a ver com o que ele tinha aprendido. Então, do ponto de vista
epistemológico, esse corte, ele é fatal porque você separa o objeto de conhecimento do objeto
de ensino. E esse movimento de transformar o objeto de conhecimento em objeto de ensino,
de pegar a Física e tornar a Física a disciplina, a área de estudo que você tem na escola, este
caminho tem que ser feito concomitante, no paralelo. Porque é o mesmo caminho que faz o
médico quando ele tem que aprender a entubar alguém. Ele tem que aprender a entubar
alguém. Não adianta primeiro ele ter aula "anatomia do pescoço e etc." e, lá no fim do ano, no
fim do curso, no quarto ano, colocarem ele no pronto-socorro para entubar uma pessoa
porque ele não vai conseguir entubar com todo conhecimento que ele possa ter do que é o
aparelho da garganta onde ele vai enfiar aquele instrumento. Fazendo um paralelo, é mais ou
menos isso. O caso do médico deixa mais visível essas coisas.
119
Então esta falta de instituição, falta de lugar institucional, gerou um curso que é separado por
toda a universidade, não tem um lugar que forma professor. Quando foi para formar o
professor que antes estava lá na escola normal, que dava certo, foi um bom projeto que o
Brasil teve, serviu os propósitos dele em um determinado momento, passa isso para o Ensino
Superior, foi depois da Lei 5692, tem toda uma história aí, onde vai por esse professor que tem
uma atuação multidisciplinar? Não tem onde por. Não dá para por na Geografia, não dá para
levar para o Instituto de Matemática, não dá para por na Faculdade de Letras. Põe onde? Na
Pedagogia. Mas a Pedagogia não tinha sido criada para formar professor. Então nós ficamos
com um sistema. Por isso a gente diz que ele não tem identidade, por quê? Porque você tem
um sistema onde você tem um professor que aprende conteúdo e não aprende a Pedagogia. E
você tem um professor que aprende a Pedagogia sem aprender o conteúdo e isto dá uma falta
de projeto pedagógico e de articulação muito grande na formação do professor. É isto que ela
não tem lugar na estrutura da universidade brasileira e ela acabou rejeitando por
contingências sua institucionalização mais recente através do ISE. É a segunda vez que o
Instituto Superior de Educação no Brasil é rechaçado e deixa de ser implantado. A primeira vez
com Afrânio Peixoto por conta de toda a circunstância histórica e agora porque, de repente, o
curso de Pedagogia se tornou o privilegiado da formação do professor de educação infantil e
do professor de primeira à quarta. Os próprios militantes da área da educação não quiseram
assumir o Instituto Superior da Educação como sendo lugar para a formação de professores. A
USP teve uma tentativa dessa interessante. Não sei quem de vocês lembra o nome da Carolina
A Carolina foi uma grande psicóloga experimentalista, ela morreu há pouco tempo, e
trabalhava em Brasília. Ela saiu de Brasília quando teve aquela limpeza na Universidade de
Brasília, a ditadura mandou todos os professores embora, a Carolina voltou para São Paulo e
ela quis montar uma escola, chamava Escola de Professores da Universidade de São Paulo.
Também não conseguiu, quem me relatou isso muito depois foi o Lobo, o Leal Lobo que é um
físico e que foi reitor da USP.
Bom, o bicefalismo dela vem exatamente disto. A sua falta de identidade faz com que ela
tenha duas cabeças. Então você pega professor de atuação multidisciplinar, põe na Pedagogia
onde você ensina os fundamentos da educação: História da Educação, Filosofia da Educação,
Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, Planejamento Educacional, Teoria do
Currículo. Tudo isso ele aprende. Ele não aprende Língua Portuguesa. E não aprende mais
ainda gora porque ela sai de um curso médio muito ruim em termos de qualidade. Então ele
entra na escola com muito “pedagogês”, mas sem substância. E aí você pega o professor da
atuação disciplinar que só conhece a sua disciplina. Eventualmente ele conhece muito bem,
120
mas ele conhece só aquilo. Aí você põe esses dois juntos, chacoalha bem e mandam eles
fazerem interdisciplinaridade na escola,e daí vem a dificuldade que a gente tem da
interdisciplinaridade. Por quê? Porque eles sequer estudaram debaixo do mesmo projeto
pedagógico. Mesmo que não fosse na mesma classe, que fosse em uma instituição onde
houvesse o mínimo de contato entre os professores.
Bom, a esquizofrenia. Ela também decorre dessa história. Por quê? Porque levou aqui o
professor de atuação disciplinar, a prática dele seja inteiramente alienada da sua formação
teórica. Ele estuda Geografia, depois ele vai estudar didática, mas ninguém vai dizer para ele
como é que pega aquele tópico de Geografia e como é que transforma em uma sequência
didática como é essa que a gente acabou de ver. Isso ele não vê. Ora, era para um trabalho
como esse que foi feito em Itaperuna, ser feito nos cursos de formação de professores. É lá
que é a hora de você aprender a fazer isso, depois você aperfeiçoa, você melhora, mas você já
sai da faculdade com alguma coisa. Não sai! Não sai da faculdade com nada que tenha a ver
com sequência didática por exemplo. E aí você separa inteiramente o que se ensina, do como
se ensina e dá essa enorme briga com conteúdo, com a Pedagogia.
Bom, autismo. É o pior deles. Por que é autista? Porque apesar de ser o principal insumo da
educação básica, não tem comunicação com a educação básica, tem uma questão inata do
ponto de vista institucional. Há pessoas maravilhosas que, obviamente, mantém essa relação,
fazem a ponte e que pelo menos levam para dentro da instituição. Mas a instituição não tem
nada a ver com a educação básica. Eu percebi isso de um jeito tão nítido no Conselho Nacional
de Educação. Reúnem os principais educadores do país que são aqueles tais, que estão no
conselho. Vamos fazer diretriz para a formação do professor da educação básica. Vamos!
Onde? “Ah, no ensino superior. O pessoal da educação básica não tem nada a ver”. Mas como
não tem nada a ver? Para conseguir no conselho que as diretrizes de formação do professor
fosse um projeto bicameral como a gente chama, ou seja, com a participação da educação
básica e do ensino superior, foi uma luta, foram várias sessões de discussão para convencer
uma criatura maravilhosa, que foi o melhor dentista da cidade dele, que foi o grande
catedrático de Odontologia, virou reitor de universidade federal. O que ele conhece da
educação básica, de repente é a dos filhos dele. Então ele quer regular a formação do
professor, ele quer discutir só entre eles se a formação do professor tem que ser 2 anos, 3
anos, como é que tem que ser a carga horária, o estágio. Trazer o grupo da educação básica
para a caixa foi um progresso bastante razoável. O nosso diálogo em um projeto bicameral
desse era um diálogo de surdos. Eles dizendo que a gente era um bando de pedagogo que
falava um monte de coisas que eles não entendem e a gente dizendo que eles têm que levar
121
em consideração a relação entre teoria e prática. Relação entre teoria e prática? Exatamente o
que é isto? É, o que é isso para um cara que foi dentista e virou reitor da melhor universidade
federal do país? Porque ele é dentista, quer dizer, a universidade é o lugar das pessoas que
têm profissão, então eu não estou exigindo que ele seja mais do que um grande dentista para
ser reitor. Eu estou exigindo que ele lembre que a universidade dele não é um grande curso de
Odontologia. E assim a gente pode redobrar. Chegamos na hora de fazer as diretrizes
específicas. Fizemos uma geral, vamos fazer as específicas por disciplinas. Está bom, convoca
os especialistas de História. Lá vão os especialistas de História. Formação de professor? Por
quê? Por que vocês querem discutir a formação de professor? Vocês não estão contentes com
os professores de História? É um autismo. Isso é autismo. O que faz nesse país uma criatura
que faz curso de História sem ser professor? Gostaria de saber. Onde é que trabalha? Só pode
ser professor. E como é que pode ter um grupo de especialistas de História convocado pelo
MEC que diz “Ah, mas no nosso curso só forma historiador. A gente não forma professor. Nós
formamos um geógrafo". Tem interdisciplinaridade com Geografia? História e Geografia? "Ah,
mas isso é coisa de Estudos Sociais. Isso já ficou para trás". Não, não é. "Olha, já mudou",
sabe? O diálogo era nesse nível. Ou então era o diálogo com o pessoal de Artes que quer criar
o curso de balé. Ele quer criar licenciatura de balé, ele só está lá porque ele quer criar
licenciatura de balé. Ele não sabe onde esse professor vai trabalhar, ele não sabe se as escolas
têm instalação para fazer curso de balé, isso não interessa. Essa é a experiência do Conselho
Nacional de Educação, para vocês verem o quanto é alienado o ensino superior da educação
de base.
Ele é irresponsável pela aprendizagem de alunos que serão os responsáveis pela aprendizagem
dos alunos da educação básica. Quer dizer, muito difícil, mesmo no Conselho Nacional de
Educação, que a universidade se sinta formadora de professor. Eu sou professor do professor,
então eu tenho que fazer valer com ele aquilo que eu acho que ele tem que fazer valer com
seu aluno quando ele for formado. Porque ele não constitui capacidade de continuar
aprendendo, os seus alunos, e este aluno é alguém que tem a obrigação de desenvolver nos
seus alunos a capacidade para aprender segundo a lei, no artigo 32, ou a capacidade de
continuar aprendendo segundo a lei, no artigo 35. Não há nenhuma atividade nos cursos de
formação de professores. O último levantamento foi feito pela Bernadete da Fundação Carlos
Chagas, mas ele está no site da revista Nova Escola e da Fundação Vitor Civita. Não há uma
atividade de aprender a aprender nos cursos de formação de professor. Os professores que
chegaram lá já sabiam aprender. Tinham aprendido na educação básica porque eles vieram de
uma educação básica de altíssima qualidade. Aí a gente os põe na escola e fala para eles “Mas
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o seu aluno não está aprendendo a aprender”. Claro que o aluno dele não está aprendendo a
aprender. Ele não aprendeu. E ele não sabe ensinar.
Não leva em conta a experiência e o conhecimento prévio de seus alunos egressos da
educação básica e insiste que esses professores, no futuro, considerem a experiência prévia de
seus alunos. Ensina o que é zona proximal sem aplicar este conceito para ensiná-lo. Não há nos
cursos de formação de professor que eu conheço pelo menos, um diagnóstico do grupo que
está chegando para tentar entender qual é a história deste aluno. Por que é que ele fez
magistério? O que é que ele aprendeu na educação básica? Já trabalhou como professor? Qual
é a experiência que ele tem como professor? Para ver se eu posso regular o meu currículo.
Então fica uma coisa muito autista mesmo, quer dizer, totalmente separada. Porque eu faço
um discurso sobre a zona proximal, sobre o conhecimento prévio, etc. e ele sequer sabe que
não está usando isto com ele, porque ele não sabe o que é zona proximal e vai continuar sem
saber. Então ele lê Vigotsky. Outro dia eu estava entrevistando uma menina porque a Marisa
Lajolo assumiu a Secretaria da Educação de Atibaia e estava fazendo entrevistas e pediu para
eu ajudar a fazer as entrevistas. Eu estava fazendo as entrevistas, e uma menina que fez para
mim um discurso sobre o Batkin O Batkin é um linguista, não é isso? Acho que é linguista. Que
não tinha absolutamente nada a ver com a prática dela porque o Batkin é uma coisa muito
sofisticada. Ela aprendeu o Batkin em algum lugar, não é? Ou então o mais terrível que é a
menina de Pedagogia que eu vi, que ela dizia “Lá em Durkheim, em Durkheim não é assim”,
em Durkheim é diferente, em Durkheim...”. E eu descobri depois de entrar em um diálogo mais
próximo com ela que ela achava que Durkheim era o nome de uma cidade, por isso que ela
dizia "em Durkheim". Porque, provavelmente, a professora de Sociologia passou ali... Não, eu
me dei ao trabalho de ver depois. A professora de Sociologia daquela faculdade dava
Durkheim, Weber e Marx para economistas, administradores, psicólogos, em curso de
Pedagogia, no curso de História, no curso de Sociologia, era um curso que ela dava de
introdução à Sociologia. Introdução à Sociologia serve para qualquer modalidade. Do jeito que
ela dava Introdução à Sociologia para os professores, ela dava para os administradores de
empresa. É melhor então a gente ter um curso básico onde ainda nem sabe o que é que o
aluno vai fazer e a gente procura dar curso básico com outra característica.
Bom, emprega metodologias funcionalistas e frontais para ensinar metodologias cognitivistas,
construtivistas e ativas e é por isso que o nosso discurso sobre o construtivismo é vazio.
Nenhum de nós viveu o construtivismo. E nenhum de nós se deu ao trabalho de perguntar
para o nosso aluno da Pedagogia, de não sei onde, Como é que foi a sua escola? Como é que a
experiência que você traz da sua vida escolar? Não vamos esquecer, o magistério é a única
123
profissão onde o exercício é a situação inversa da formação. Se eu formo um médico, ele
jamais será professor de Medicina, quer dizer, poderá até ser professor de Medicina, mas a
relação de trabalho que ele vai manter é uma relação médico-paciente de outra natureza.
Quando eu formo um professor, o aluno está aqui na minha frente, eu estou de professor,
amanhã ele está aqui no meu lugar. Então tudo aquilo que eu fizer com ele será uma
referência da atuação profissional dele, da prática dele. Então essa é uma questão séria que
implicaria em a gente mudar toda a metodologia de formação de professor, pelo menos, para
torná-la mais coerente, senão com nada, com as normas nacionais, com as diretrizes ou com
qualquer outra coisa. Mas não de aprender o que é parâmetro. Aprender o que é parâmetro é
fácil. Viver a metodologia e os princípios pedagógicos que estão nos parâmetros curriculares é
outra coisa.
E ela tem um autismo curricular seríssimo. Por quê? Porque o currículo da educação básica é
organizado por competências. A competência é um organizador curricular. A gente vai ver isso
um pouco melhor mais tarde. Então lá na competência, por exemplo, na proposta de São
Paulo, do Rio ou nos parâmetros, o aluno deve aprender a aplicar o conhecimento em
situações X. Ou, diz a lei, o aluno deve fazer a relação entre teoria e prática em cada disciplina
do currículo. Isso é artigo o 35, 36 da LDB. Como no caso da formação do professor, a gente
não acha que ele é aluno? E acha que ele nasceu sabendo fazer a relação entre teoria e
prática? A gente não ensina o professor a competência que ele tem que desenvolver no aluno
depois, então a gente não ensina o professor a fazer a relação entre teoria e prática. E depois o
coordenador pedagógico da escola dele vai cobrar isto dele. Acontece que a alienação é tão
grande, o autismo é tão profundo, que ele não percebe isso. Porque se ele percebesse, ele
deveria estrilar com isso. Se você agregar isto, que 90% desses professores pagaram pelos seus
cursos, porque eles vêm do ensino particular, eles vêm de uma esfera de regulação que não
tem nada a ver com a educação básica, quer dizer, se eu sou um secretário da educação, eu
não posso determinar como vai ser a formação dos professores da minha rede. Pelo menos
não a formação inicial porque a formação inicial responde a critérios que são do Ministério da
Educação no caso de privadas, ou que fazem parte da autonomia universitária, no caso das
universidades públicas, então eu não tenho a menor condição de fazer esta negociação com o
ensino superior de um perfil profissional. Um aluno não sabe que ele não recebeu. Então ele
faz de conta que ele entendeu o que você está dizendo para ele em sala de aula, por isso que
quando ele descobre que Durkheim é uma pessoa e uma corrente de pensamento e não é um
lugar, porque ele sequer percebeu que ele não sabia, porque até para a gente saber que a
gente não sabe, a gente tem que ter algum nível de conhecimento e de metacognição. Se não
124
tiver essa metacognição a gente não sabe que não sabe. Aliás, dizem que o sábio é aquele que
sabe que sabe, não é? Nós temos que mudar essa situação, por isso que eu fico fazendo estas
provocações, parecendo uma rebelde meio sem causa, mas enfim. Quais são as tarefas? São
enormes! A questão da formação do professor eu acredito que é, não só a mais séria, como a
mais difícil que nós vamos encontrar. Por quê? Porque ela envolve duas esferas de governo,
dois níveis de regulação, muito sindicato, muito interesse privado (por causa da iniciativa
privada mesmo no ensino) e uma iniciativa privada que tem um acordo de cavalheiros com a
universidade pública: vocês não abrem vaga e dão um ensino de excelência, deixam a massa
para a gente, que a gente sapeca qualquer coisa para eles. De modo que todos nós somos
cúmplices, como disse o Sartre sobre a Simone de Beauvoir. Metade vítima sim, mas metade
cúmplice, a mulher também, quando ele falou sobre o livro dela, da condição feminina. Nós
somos todos cúmplices, os que estamos no ensino particular, de um jeito, os que estamos no
ensino público, de outro.
No plano normativo o que é que temos que fazer? Nós temos que consolidar, complementar e
construir algum consenso sobre o paradigma curricular prescrito pela LDB para a educação
básica e, portanto, ser refletido no paradigma curricular de formação do professor. Nós não
podemos mais continuar formando um professor num currículo totalmente disciplinarista para
depois praticar a interdisciplinaridade. Porque o trabalho que vai dar para desfazer e refazer o
caminho para a interdisciplinaridade poderia ter sido economizado lá, quando o aluno chega
verdinho no primeiro ano do curso, com a cabeça aberta para receber outras propostas. Além
disso, nos últimos anos, em função de divergências, algumas procedentes, outras, na minha
opinião, totalmente levianas, várias legislações conflitivas foram feitas. Então você tinha uma
legislação que regulava os institutos superiores de educação e os cursos normais superiores.
Saiu aquele grupo do conselho, entrou o grupo da Pedagogia, que fez outra regulação, que são
os pareceres da Pedagogia, que desfazem mas não revoga aquilo que estava, então hoje em
dia a gente não sabe o que é que está valendo, porque convivem regulações diferentes. Nós
tentamos ainda no finalzinho da gestão do Fernando Henrique, quando estava para trocar o
grupo do conselho, eu e o professor Arthur Fonseca, queríamos fazer uma consolidação da
legislação sobre a formação de professores, até para se ter uma certa orientação. Nem isso foi
possível fazer. Acontecem coisas fantásticas nessa área. Durante 1 ano o MEC produziu um
enorme projeto para a formação de professores à distância com uma escola nacional de
formação de professores porque esta era uma promessa que o Fernando Henrique fez para o
Darcy Ribeiro no leito de morte. Vocês lembram como era o Darcy, não é? O Darcy deve ter
dito para ele “Se você não fizer eu venho puxar o teu pé”. Tanto que assim que quando o
125
Darcy morreu, ele criou o grupo de trabalho, arrumou dinheiro e a gente fez. Desapareceu
dentro do conselho. Eu nunca consegui achar. Eu cheguei a entrar em sala e ficar abrindo as
gavetas para ver onde estava. Ninguém sabe onde está isso. Ninguém sabe onde estão as
diretrizes para a carreira do professor que foram aprovadas. Se você entra no site do conselho
este parecer não tem. Quer dizer, são coisas que são inexplicáveis. Nós não podemos
continuar legislando sobre professor desse jeito.
No plano da gestão, nós precisamos alinhar a formação do professor com as competências e
habilidades que os alunos da educação básica têm que constituir. Todos os estudos sobre
como é eficaz formar o professor, inicial ou em serviço, dizem: o melhor modo, e eu repito, o
melhor modo, no Brasil, neste momento, de formar professor seria pegar o currículo da
educação básica do Rio de Janeiro e dizer “Aqui no Rio de Janeiro estas são as competências,
habilidades, inteligências, conhecimentos a constituir. Os professores serão formados para
usar este currículo”. Não é o currículo nem de Marte nem de São Paulo nem do Rio Grande do
Sul. É este que existe aqui porque nós temos que ir a um país como este. Se nós tivermos um
currículo nacional, aí teremos outra ordem de coisas. Nós vamos ter que rever o federalismo e
entramos em outras esferas. Mas enquanto for assim, as diretrizes curriculares nacionais não
dizem nada de currículo. Elas dão grandes princípios filosóficos, pedagógicos. O currículo é
muito mais do que isso, inclusive, eu acho que na exposição da Ana, hoje cedo, ficou muito
claro: o currículo tem a ver com a disciplina, se vai ser por disciplina, se vai ser por área de
estudo, se tem sequência didática, se não tem, se é mais diretivo, se é menos diretivo. Muitas
opções são possíveis nisso. A gente tem que ser muito fléxivel do ponto de vista teórico
porque nós estamos numa área que não é ciência exata. Não dá para a gente dizer: só tem
esta solução. Agora tem que ter uma, e esta uma tem que estar abraçada por todo o mundo.
Provavelmente, acho que o Claudio deve estar coberto de razão quando diz que tem que ser
comprada por um conjunto maior de professores da rede, tudo bem. Essa é uma estratégia já
de elaboração e implementação, mas a decisão política de ter um currículo é da gestão. Os
professores por si só não vão se reunir e elaborar um currículo. Alguém terá que tomar essa
decisão porque essa decisão é política, é da liderança. Eu vejo, inclusive, que essa é uma
decisão do governador. Ela não deveria nem ser uma decisão do Secretário da Educação
porque ela tem a ver com a identidade regional, com identidade nacional, com o papel que
esse estado tem no conjunto da federação, com aquilo que a gente quer para o Brasil no
conjunto das nações no mundo de hoje. Enfim, são questões que são muito maiores até do
que o âmbito da própria Secretaria da Educação, então ter um currículo é fundamental e,
neste momento, vem a minha opinião pessoal, ter um currículo detalhado, onde o professor
126
possa encontrar uma sequência didática como esta, que ele saiba como é que ele vai fazer
amanhã, porque amanhã ele tem que entrar na sala de aula e eu tenho que estar respondendo
pela aprendizagem do João amanhã. Eu não posso estar respondendo pela aprendizagem do
João que vai estar aqui nesta carteira daqui a 5 anos quando este professor estiver mais
preparado. Em termos de política pública, tem dois ritmos que eu tenho que articular. Eu
tenho o ritmo do amadurecimento do professor, das grandes mudanças da educação, mas eu
tenho o ritmo da criança. Eu não posso continuar perdendo gerações e gerações... Por isso que
eu gosto muito da abordagem que, por exemplo, a Lina de manhã fez. Por quê? Porque é uma
abordagem que, primeiro de tudo, nós temos o compromisso com a aprendizagem da criança
hoje! Hoje nós temos matriculadas na educação básica quase 50 milhões de almas! É muita
gente! Depende delas o futuro que esse país vai ter. Então eu não posso dizer assim “O
professor tem que se formar.” Não! Hoje eu mando dizer para ele “Faz assim”! E eu não tenho
nenhum pudor se eu tiver que dizer isso e dar o passo a passo com a receitinha. Até que ele,
de tanto fazer a receita, começa a inventar. Que é o que a gente faz. A gente faz uma vez uma
receita, a outra vez a gente põe menos sal, na outra vez a gente resolve botar um pouquinho
de limão porque o vinagre não ficou bom. O mundo é assim. O outro dia, por acaso me
perguntaram “Ah, mas você acha que tem receita pronta para professor”? Não tem! Tem
receita feita. Eu faço uma vez depois eu mudo, não é? Por isso mesmo, eu vejo os alunos todo
o dia durante um ano, depois todos os anos durante a educação básica e tenho tempo de
consertar o desastre que eu eventualmente venha a cometer. É melhor do que não ter atuação
nenhuma.
No plano das instituições formadoras, nós temos que abrir um espaço para o protagonismo da
gestão da educação básica. Se não for das escolas, pelo menos dos organismos de gestão
intermediária das secretarias: órgãos de orientação pedagógica, etc. Tem que perder o pudor e
tem que sentar com a educação superior e dizer “Olha, o professor que nós queremos não é
esse que vocês estão colocando no mercado. O que vocês estão colocando no mercado não
nos serve”. E o pior: eu não tenho alternativa. Eu tenho que usar esse professor porque falta
professor. Esse é um mercado de trabalho que entra crise, sai crise, não tem desemprego, não
é? É um mercado de trabalho que ocupa todo o mundo. Portanto nós temos que regular esse
mercado por outro jeito porque na competição não vai dar. Eu acho que tem que ser com as
instituições formadoras.
No plano da concepção e da formulação, nós precisamos de mais estudos sobre currículo,
sobre formação de professor, sobre compatibilização entre essas duas coisas. Nós temos que
nos apropriar do estágio probatório. Existe essa figura. Vocês conhecem? O estágio probatório,
127
que hoje não serve para nada e que é uma oportunidade que as secretarias estaduais e
municipais têm de colocar, de tentar elaborar outro perfil para esse professor. Porque ele saiu
do ensino superior e está entrando no magistério. O estágio probatório é exatamente o
período que ele fica em observação. Aliás, estou ajudando o Claudio, em se pensar num
projeto, para ver se dá para pensar num estágio probatório de outra natureza, com residência
pedagógica, etc. Esse negócio do estágio probatório é muito interessante porque imaginem se
a gente pegasse um médico recém-formado e jogasse numa sala de cirurgia. Não quer um
médico? Pega um piloto de avião. Ele acabou o treinamento dele nesse novo Boeing. Põe ele
sozinho para pilotar. Quem faz isto? Quem andaria nesse Boeing? Quem moraria num edifício
que foi calculado, cuja estrutura foi calculada por um menino que acabou de sair do curso de
engenharia? Nem pode, por lei. Ele só pode assinar planta, ser responsável pelos cálculos de
uma planta, depois de certo tempo de registo no CREA. O professor é o único, que sai verdinho
do curso de formação e é jogado de paraquedas no segundo ano de Física noturno. Nem isto
da gente tentar ver, pelo menos antes dele começar, se dá para recuperar alguma coisa, a
gente faz, não é? O estágio probatório é formal. Eu só descobri que ele existia quando fui
secretária. Porque eu acho que se eu não tivesse sido secretária eu nem sabia que existia o tal
estágio probatório porque é automático. Entra, passa o estágio probatório e ficam efetivos,
ninguém sabe.
Nós precisamos de muita coragem política para mexer na carreira, não vou falar disso agora.
Porque a carreira do professor, por outro lado, como ninguém dá bola para a formação dele,
na verdade eu acho que nós tratamos os nossos professores muito pior do que eles tratam os
alunos deles, muito pior. Com muito menos respeito do que o que eles têm com os alunos
deles. Não respeitamos a diversidade, não respeitamos o conhecimento prévio, não
respeitamos as condições em que ele foi educado antes, a experiência, a vivência que ele tem
de sala de aula como aluno, não é? Façam essa experiência se vocês derem aulas em curso de
magistério. Peçam no primeiro dia para eles chegarem e fazerem um uniforme, um relato de
como foi a vida escolar deles: quem foi o professor que me impressionou mais, como é que era
a minha escola? É muito interessante, dá coisas muito interessantes.
Aqui eu coloquei, assim, alguns elementos para formular um projeto pedagógico de formação
de professor. É esse aqui, abordagem por competências para além do debate. É esse que está
naquele livro que eu falei. O livro é organizado por outro, mas esse foi o artigo que eu mais me
baseei.
A competência. Eu acho que a gente precisava estar discutindo um pouco mais o que é que é
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esse negócio da competência porque a gente tem confusões aí. Competência, habilidade. Eu
não vou resolver, mas vou dar alguns alinhamentos que talvez sejam úteis. A ideia de
competência evolui de pedagogias anteriores que eram baseadas em outras concepções de
conhecimento com as suas possíveis implicações para o currículo e para o ensino. Você teve a
tradição dos grandes pensadores. Um classicismo antigo e medieval, onde o currículo, se é que
ele era formalizado deste jeito, na verdade, era o contato, a familiaridade, a leitura, a
interpretação e o comentário dos grandes textos, dos grandes pensadores. Aí nós temos toda
a tradição da antiguidade. O currículo era identificar esses textos fundadores, digamos assim,
ensinar seria guiar o aluno nesse percurso ou na crítica a esse percurso, como fazia o Sócrates,
por exemplo e é um momento de primazia da filosofia mesmo e das letras. Você tem depois
como grande demarcação o modernismo clássico que é basicamente o enciclopedismo, onde o
conhecimento é o conjunto dos saberes legitimados pela comunidade científica, pela
inteligência de uma nação ou de um grupo social. Houve momentos em que o conhecimento
era aquilo que estava na enciclopédia. O Iluminismo. O currículo era melhor, na verdade ele
era um programa que seria a seleção desses saberes e os diferentes estágios de aprendizagem.
Ensinar seria basicamente transmitir e é o momento em que você tem a primazia da
Matemática que começa das ciências naturais. E o modernismo científico experimental que
começa quando as ciências humanas começam a se afirmar como ciências propriamente ditas.
Onde conhecer é, sobretudo, ter formas de transformar um conceito numa coisa observável.
Conhecimento só é válido se ele puder ser visto, se ele puder ser tocado, avaliado, etc.
Basicamente é o momento de predominância do Behaviorismo e de todas as abordagens,
digamos, mais funcionalistas da aprendizagem. Ensinar é aplicar a pedagogia do domínio, que
seria traduzir o conhecimento em comportamentos cada vez menores. E o currículo não é mais
uma lista de conteúdos porque não é suficiente você saber. Você tem que saber fazer para que
seja visto. Está aí o Bruner, o Thorndike, o grande Behaviorista Skinner e as competências
estariam neste, que é uma evolução super grosseira que está aí, mas enfim, que dá uma
orientação, no pós-modernismo já, quer dizer, a abordagem por competência, a organização
do currículo por competências ela é bastante recente, porque ela não é aquela organização
dos objetivos observáveis, dos comportamentos observáveis. Não! Quer dizer, ela nasce de
muitas críticas diferentes que foram feitas às abordagens anteriores. Vem uma crítica forte do
Cognitivismo, do Piagetianismo, os pedagogos de um modo geral, os socioconstrutivistas,
inclusive, são tendências muito diferentes entre si, todas elas contrárias à tradição
funcionalista, behaviorista, experimental. E ela também nasce, ela se associa desde muito cedo
com a educação profissional porque é na educação profissional que você precisa transformar
os conhecimentos não apenas em coisas observáveis mas em ações onde o indivíduo entre de
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modo pertinente dentro de uma situação e consiga usar os conhecimentos como recursos,
agora não mais como simplesmente reprodução ou como transformação de coisas
observáveis.
Conhecer não é apenas dominar os saberes e o saber fazer observáveis e avaliáveis, mas é ser
capaz de mobilizar de modo pertinente para resolver situações, problemas ou tarefas
complexas. Pela primeira vez a questão educacional passa a ser situacional também, quer
dizer, você tem que ter um ensino onde a situação de aprendizagem permita mobilizar os
conhecimentos e resolver um problema ou executar uma tarefa complexa ou produzir alguma
coisa, seja um texto, uma maquete, um projeto, e eventualmente até interferir mesmo, e por
isso é que com esta abordagem, que não é a abordagem dos ‘skills behavioristas’, com esta
abordagem começa a surgir também o ensino por projetos, o ensino por soluções de
problemas. Que seriam já os desdobramentos metodológicos desta visão. O currículo se
organiza a partir de situações ou tarefas que o educando terá que resolver. Obviamente esta
abordagem já nasce rompida com o disciplinarismo porque no momento em que você está
pensando na situação e na resolução de tarefas ou de problemas, você não consegue muito
espremer isso ou limitar isso a uma única disciplina. Em geral as situações são complexas! E
por serem complexas, elas envolvem recursos que vêm das diferentes disciplinas. Esse livro
que eu utilizei é bastante interessante porque depois disso ele vai entrar em toda a discussão
de como você compatibiliza a lógica das competências com a lógica das disciplinas e que dá
indicações bastante interessantes da compatibilidade disso ou não. Em alguns casos não. O
que emerge, o que eu vejo que é um passo para a frente, inclusive, da abordagem das
competências é aquilo que hoje na Europa e nos Estados Unidos se está falando muito que são
as competências do século XXI. Por quê? Porque ao mesmo tempo em que o pós-modernismo
facilita a emergência de um currículo por competências e situacional, ele também se dá num
momento em que a revolução tecnológica produz mudanças muito profundas na sociedade e
onde o acesso à informação começa a ficar cada vez mais massificado, etc., e que você tem
uma sociedade do conhecimento onde a questão de lidar com a informação torna o continuar
a aprendendo e a autonomia a coisa talvez mais importante, que é o que nos Estados Unidos
eles chamam de “long life skills”, as competências que você vai usar para toda a sua vida.
Quais são as competências que você vai usar para toda a sua vida? Capacidade de resolver
problemas, a capacidade de lidar com a informação, de continuar aprendendo, de trabalhar
em grupo, de se comunicar com os outros, que não são competências de uma área do
conhecimento. Você trabalha com elas em todas as disciplinas. E isso dá uma lógica diferente
da lógica das disciplinas no currículo. E essas são as novas competências, ou as competências
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do século XXI, que na verdade, elas têm que estar colocadas pelos nossos alunos hoje. Quer
dizer, este país do qual nós estamos falando é um país, que além de ter universalizado a
educação básica, ou está a caminho da universalização, é um país que incorporou grandes
massas ao mercado de trabalho, ao mercado de consumo nos últimos 10, 15 anos e que
precisa para merecer mesmo sentar lá com os 20 e se dizer emergente, o que falta para o
Brasil, sobretudo, é educação. E não é qualquer educação mais. Porque nós estamos no
momento de massificar uma educação, mas não é mais a educação do experimentalismo, já é
esta educação, de você municiar o aluno com competências que permitam a ele continuar
sobrevivendo, já que a perspectiva é que daqui a 30 anos o conhecimento vai mudar a cada
dois, três meses. Quer dizer as profissões que os alunos que estão entrando na escola hoje vão
ter ainda não existem, muitas delas. Quer dizer, o ritmo da mudança está acelerado demais
para a gente continuar acreditando naquele currículo que só depositava informação e
armazenava para o indivíduo devolver como era, ele tem que estar pensando em outro tipo de
competência e habilidade. É outro mercado de trabalho! Os desafios são esses: complexidade,
a constituição e exercício da cidadania é diferente, quer dizer, ser cidadão hoje implica
dominar conhecimentos que os nossos avós nunca precisaram dominar. Quais dos nossos avós
contavam as calorias na hora que iam comer? Hoje você controlar as calorias é parte da
cidadania porque cidadania começa pelo seu corpo. Se você não sabe cuidar do seu corpo,
você não sabe cuidar do ambiente, você não sabe cuidar dos outros lugares. É uma coisa que
está aqui, que está posta, não é? O mercado de trabalho é incerto, é imprevisível, competitivo
e em constante mutação. Nós substituímos toda a base da pirâmide produtiva por processos
automatizados e deixamos uma grande massa de pessoas que precisam ser reeducadas para
assumir postos mais avançados. A nossa competitividade no futuro depende da gente ter mais
gerentes, mais pessoas que concebem, mais pessoas que lideram, do que pessoas que
apertam parafusos, já não precisamos mais, quer dizer, nem chegamos a precisar, porque
quando nós começamos a entrar numa fase mesmo de industrialização acelerada, o mundo já
estava no pós-industrialismo. Então a gente está realmente enfrentando outro paradigma de
desenvolvimento, com novas formas de produzir, acumular, investir, distribuir, consumir,
enfim. Quais seriam os pré-requisitos para você ter um currículo por competências para os
professores? Em primeiro lugar nós temos que ter um acordo nacional sobre o perfil de bom
professor. Se não for nacional, pelo menos estadual. Não é possível que este país não tenha o
mínimo de unidade ao pensar. O Chile acabou de fazer a guia do bom ensino. “La guía de la
buena enseñanza”. Está bom, o Chile é pequenininho, sim. Mas o Chile é do tamanho do Rio
de Janeiro. Se não dá para fazer no Brasil, dá para fazer aqui, ou dava para fazer em São Paulo,
ou dava para fazer num município. O que não pode é não ter nada. Então cada um forma o
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professor do jeito que quer, como quer ou não forma. Também ninguém sabe o que é um bom
professor ou o que é um mau professor, e continuamos assim.
A elaboração de currículos pelos sistemas de ensino público ou privados nos macros das LDB’s
e das DCN’s. As LDB’s e DCN’s são diretrizes. Quer dizer, propostas curriculares como esta que
foram feitas aqui, as que estão sendo feitas em São Paulo e devem estar sendo feitas outros
lugares é urgente. Nós vivemos um período de vácuo curricular porque achamos que os
parâmetros eram suficientes. Não são! Eu mesma percebi logo porque estava na Nova Escola,
já fiz os parâmetros fáceis de entender. Até ontem o Nigel falou disso. É porque todo o mundo
pegava porque aquele tijolos de 14 volumes, não havia professor que desse conta de ler,
correto? Mas não é bem na Nova Escola que nós vamos fazer o currículo nacional. Nós
precisávamos de outras coisas e isso não teve. Aquilo que eu fiz na Nova Escola devia ter sido
iniciativa das várias prefeituras, estados, quer dizer, vamos pegar esses parâmetros e vamos
ver aqui o que é que quer dizer porque aí é que nós vamos ver como vamos fazer a
aprendizagem contexto. Eu não posso pular das diretrizes para a solidão no interior de
Pernambuco e dizer “Façam a aprendizagem contexto”. Quer dizer, como é que você
contextualiza? Você tem que ter mediações para conseguir contextualizar. Então assim, na
elaboração de currículo pelos sistemas de ensino privados, você tem as competências para
aprender, tem que continuar. Em São Paulo, por exemplo, a gente manteve as competências
do ENEM. Essas competências são transversais, todas as disciplinas são obrigatória que elas
trabalhem as 5 competências do ENEM. As competências em nível de disciplina, os conteúdos
que devem servir à constituição dessas competências e as metodologias para tratar os
conteúdos de modo a serem disponíveis para serem utilizados pelos alunos. É basicamente
isso que as propostas curriculares têm que dar conta. E aí você tem como você vai alinhar a
formação do professor na primeira aula de didática deveria ser, ler a proposta curricular do
estado, do município onde eu vou trabalhar. Até hoje na USP tem um exemplar dos
parâmetros na biblioteca da Pedagogia se vocês quiserem saber. Na Pedagogia da USP. Por
quê? “Ah, mas os parâmetros, os parâmetros, isso é coisa do MEC, das escolas, aqui é outra
coisa”. Não é? É assim que funcionam as cabeças. Se as competências e habilidades do ENEM
forem as aprendizagens esperadas na educação básica, como é que deve ser a formação do
professor? Como é que eu formo um professor para dar conta de formar um aluno que tem as
competências do ENEM? Primeiro de tudo ele tem que ter as competências do ENEM. Acho
que é uma coisa mais ou menos óbvia. Se ele não souber formular questões, formular
propostas de intervenção solidária na realidade, fica muito bonito ali na competência do
ENEM. Ele não vai ensinar o aluno dele. Pode ser outras, agora tem que ser uma. Quais seriam
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os princípios pedagógicos? Os mesmos que a gente prega nas escolas para eles seguirem com
os alunos deles. Partir do conhecimento prévio do aluno. Sempre quando eu faço isso, assim,
do aluno, entre vírgulas, professor informação. E para lembrar o aluno do qual eu estou
falando é o meu aluno, o professor, não o aluno da educação básica. Ele constituiu as
competências da educação básica, ele aprendeu a aprender, são coisas que nós temos que
descobrir. Definir as competências que o aluno terá que constituir como professor, gerar e
apurar o estudo de disciplina, não é de disciplina Física, Química, Matemática, mas é de
disciplina do curso de formação do professor. Porque o currículo do curso de formação do
professor tem que ser organizado com a mesma lógica do currículo da educação básica. E nós
não temos nas faculdades equipes que sentem e pensem o currículo do curso de formação
integradamente, Ana. Eu não sei aqui se eu estou falando coisas que não se aplicam, mas eu
não conheço. Eu já vivi experiências de alunos de Geografia, História, etc. que se unem e
convidam a gente para falar como deveria ser uma licenciatura integrada porque eles não
conseguem dialogar no curso de Geografia, com seus professores, no curso de História com
seus professores. Aí sim nós temos que selecionar os conteúdos curriculares necessários para
essas competências na formação do professor. Aí a gente tem que ver que sentido tem dar
Durkheim, Weber e Marx para um professor, para um aluno que será professor. Eu acho que
tem, mas não acho que é cuspindo Durkheim, Weber e Marx em cima deles. Se for para cuspir,
é melhor eu mandar ele descansar em casa. Ele pelo menos não dá o vexame de achar que
Durheim é o nome de um lugar, não é? Então, se você for dar aula de Psicologia para um
professor, o que é que a Psicologia...? Quer dizer, se nós estamos falando que a teoria do
currículo para a educação básica é isso tudo que a Ana diz. Tem que levar em conta a
diversidade. Tem que levar em conta o significado das coisas, para o professor vale a mesma
coisa. Quando o professor vai continuar sempre no faça o que eu mando e não faça o que eu
faço? Nós temos que transversalizar, na minha opinião, as competências de leitura e escrita
por todas as áreas de estudo. Dos professores! Quer dizer, em Sociologia, ele vai
transversalizar. Em didática, ele tem que transversalizar isso. E os professores do curso têm
que ser responsáveis por formar professores que pelo menos, saibam produzir um pequeno
texto. Saibam fazer uma pequena exposição, simples, não é? E isso não é responsabilidade dos
cursos de Letras. Isso é responsabilidade da didática, da Psicologia, da Filosofia, ou das
disciplinas específicas de Física, Química, Matemática, que eu não conheço, mas que também
deveriam estar solidárias nisso.
Nunca dissociar o estudo dos conteúdos curriculares a serem ensinados da transposição
didática. Nunca! Nós estamos começando tudo errado. Desde o primeiro dia de aula, o
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professor chegou ao curso de Biologia, a primeira coisa que ele fizer, se é um curso para ser
professor, ele vai ver o conteúdo e a transposição didática. Desde o primeiro dia. Da mesma
forma que no curso de Medicina, desde o primeiro dia, ele vai para o pronto-socorro, ele vai
com o médico para o hospital nem que seja para segurar a maletinha do médico. Ele começa a
penetrar na cultura institucional onde ele vai atuar e a assumir definitivamente essa de
processos, ou seja, eu estou formando um aluno que será um professor e, portanto, eu tenho
que fazer com ele aquilo que eu digo que ele tem que fazer com o aluno dele.
Aí nós podemos colocar as questões metodológicas, quer dizer, situações problema, atividades
por projetos, contextualização, interdisciplinaridade, tudo isso será muito importante se eu
tiver este currículo.
Muito obrigada!
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