View
212
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
- 1 -
Comum Singular nº 162/04.8GEGMR
1º Juízo Criminal – Trib. Judicial de Guimarães
***
I. RELATÓRIO.
Para julgamento em processo comum, com intervenção de tribunal
singular, o Ministério Público deduziu acusação contra os arguidos:
- CONSTANTINO MANUEL DA SILVA LOPES, casado, metalúrgico, filho
de Joaquim Lopes Monteiro e de Maria Celeste da Silva Ribeiro,
nascido a 7 de Abril de 1970, na freguesia de S. João, concelho de
Vizela, residente na Rua 5 de Outubro, nº 27 – 2º Dto., em S. Miguel,
Vizela; e,
- PAULO JORGE DA SILVA LOPES, casado, técnico oficial de contas, filho
de Joaquim Lopes Monteiro e de Maria Celeste da Silva Ribeiro,
nascido a 22 de Agosto de 1968, na freguesia de S. João, concelho de
Vizela, residente na Rua Elisa Torres Soares, nº 861, em S. João,
Vizela,
imputando-lhes a co-autoria de um crime de ofensa à integridade física
simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal.
***
Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro, divorciado, comerciante,
residente no Lugar de Teixugueiras, da freguesia de S. Miguel, concelho de
Vizela, assistente nestes autos, veio também deduzir acusação particular contra
- 2 -
aqueles arguidos, imputando-lhes a autoria de factos passíveis de integrarem a
comissão de um crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181º, nº 1 do
Código Penal.
*
Formulou ainda o assistente pedido cível contra os arguidos,
pretendendo que estes sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia
global de € 10.535,64, acrescida de juros moratórios, a título de indemnização e
compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alega ter sofrido
em consequência das condutas àqueles imputadas.
***
Regularmente notificados apresentaram os arguidos contestação,
negando terem praticado os factos que lhes são imputados nas acusações
pública e particular.
Contestaram também os pedidos cíveis, alegando, além do mais, que os
danos patrimoniais alegados pelo demandante, além de exagerados, foram
provocados por ele próprio, pois que foi ele quem empurrou o arguido
Constantino de encontro à prateleira onde os objectos em causa estavam
colocados, fazendo com que os mesmos caíssem ao chão.
Pugnam os arguidos, assim, pela improcedência das acusações e dos
pedidos cíveis contra eles deduzidos.
***
Realizou-se audiência de julgamento com integral observância do legal
formalismo.
***
- 3 -
Questão prévia.
Na contestação que apresentaram fazem notar os arguidos que o
ofendido apresentou queixa-crime no dia 22 de Maio de 2004, tendo sido nessa
data notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 68º, nº 2 e 246º, nº 4 do
Código de Processo Penal, mas que, no entanto, em desrespeito desses
normativos, somente no dia 21 de Junho do mesmo ano aquele requereu pelo
seu mandatário a sua constituição como assistente.
Muito embora os arguidos não invoquem quais as consequências
processuais que pretendem ver extraída dessa alegação, cumpre aqui apreciar
quais serão.
E, a nosso ver, pelas razões que passam a expor-se, no momento
processual em que nos encontramos, serão nenhumas.
É certo que na queixa que apresentou no dia 22 de Maio de 2004 no
Posto da G.N.R. de Vizela o ofendido denunciou, além de outros, factos
passíveis de integrarem um crime particular, mais concretamente um crime de
injúria (cfr. os artigos 181º, nº 1 e 188º, nº 1 do Código Penal). Certo é também
que nessa ocasião, como se extrai de fls. 3 verso, o denunciante foi notificado da
obrigatoriedade de se constituir assistente no prazo de 8 dias, em
conformidade com o disposto nos artigos 68º, nº 2 e 246º, nº 4 do Código de
Processo Penal. E resulta também dos autos que somente no dia 21 de Junho de
2004 o ofendido, através do mandatário que então constituiu, veio requerer a
sua intervenção nestes autos como assistente (cfr. fls. 13).
Preceitua o nº 2 do artigo 68º do Código de Processo Penal, na redacção
que foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, que “tratando-
se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento [de
constituição como assistente] tem lugar no prazo de oito dias a contar da declaração
referida no artigo 246º, nº 4”. Por sua vez, este último normativo dispõe nos
- 4 -
seguintes termos: “O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-
se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a
declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de
polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da
obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.
A introdução destes dispositivos na sequência da reforma operada pelo
citado Decreto-Lei nº 59/98, de 25 de Agosto tem um objectivo que facilmente
se intui: o de obstar que a sejam iniciadas e prosseguidas investigações e
procedimentos criminais quando estes dependam do necessário impulso
processual do ofendido, que, poderia, mais tarde, não vir a verificar-se, com o
consequente desperdício de tempo e de meios.
Assim, para os crimes dependentes de acusação particular,
relativamente aos quais a legitimidade do Ministério Público para a promoção
da acção penal está dependente da queixa dos ofendidos e também da
circunstância de estes se constituírem assistentes e, mais tarde, deduzirem
acusação particular (cfr. artigos 48º e 50º do Código de Processo Penal), o
legislador previu a obrigatoriedade de os denunciantes de tais factos
obrigatoriamente deverem na denúncia declarar que pretendem intervir nos
autos como assistentes, assim como o ónus processual de, num curto prazo, de
oito dias, implementarem no processo a aquisição desse estatuto processual.
É certo que a inobservância destes deveres algumas consequências
deverá provocar – tanto mais que os prazos processuais são em regra
peremptórios, o que significa que, uma vez esgotados, se extingue o direito de
praticar o acto que deveria ter tido lugar no lapso temporal fixado na lei (cfr. o
artigo 145º, nºs 1 a 3 do Código de Processo Civil).
Mas, tratando-se aqui de um prazo processual – como resulta evidente, dado
estar previsto num compêndio de lei adjectiva -, a inobservância do mesmo, cremos,
somente poderá ter também consequências de ordem processual.
- 5 -
Isto é, a inobservância do prazo a que alude o artigo 68º, nº 2 do Código
de Processo Penal terá como consequência o Ministério Público não promover
o andamento do processo quando estejam apenas em causa crimes particulares
e, chegado o momento próprio, arquivar o inquérito por carecer de
legitimidade para exercer a acção penal.
Todavia, aquele prazo processual em nada contende com a norma de
cariz substantivo prevista no artigo 115º, nº 1 do Código Penal, onde se fixa o
prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, sob pena de tal
direito caducar e se extinguir. Como parece manifesto, esta norma de cariz
material não pode ser anulada ou postergada pela norma meramente
instrumental do nº 2 do artigo 68º do Código de Processo Penal. O que vale por
dizer, aliás na sequência de vasta jurisprudência dos nossos tribunais
superiores, que mesmo nos crimes particulares o ofendido poderá sempre
renovar a queixa, ultrapassado aquele prazo de oito dias, desde que o faça
dentro do prazo de seis meses a que se refere o artigo 115º, nº 1 do Código
Penal, começando então a correr um novo prazo de 8 dias a contar da nova
queixa – nesse sentido o Ac. da Rel. do Porto de 25/10/2002, na CJ, tomo IV, pág. 236 e o Ac.
da Rel. de Coimbra de 29/1/2003, na CJ, tomo I, pág. 44.
Em suma e permitindo-nos transcrever aqui uma passagem do Ac. da
Rel. do Porto de 19/5/2004, acessível e www.dgsi.pt: “Nos casos em que, como o
presente, há outros crimes para além do particular, se o queixoso não requerer a sua
constituição como assistente no prazo do artigo 68º, nº 2 e devendo o inquérito
prosseguir pelos outros crimes, o Ministério Público deve restringir a investigação a
estes. E, se o queixoso não pedir a sua constituição como assistente até final do
inquérito, o Ministério Público deve nessa altura proferir despacho de arquivamento
quanto ao crime particular. Mas, se, com o inquérito em curso, o queixoso vem pedir a
sua constituição como assistente relativamente ao crime particular, deve entender-se
que está em tempo, a menos que já esteja extinto o direito de queixa pelo decurso do
- 6 -
prazo do artigo 115º, nº 1. Na verdade, se o ofendido sempre estava em tempo de
apresentar nova queixa, assim iniciando novo inquérito, não existe nenhuma razão para
não lhe ser permitido exercer no inquérito que já está a decorrer por outros crimes os
poderes que lhe seria facultado exercer em novo inquérito. Pelo contrário, há todas as
razões para que isso lhe seja permitido: economia processual, facilidades de prova, etc.”.
Face ao exposto, e uma vez que o denunciante Salvador de Jesus Ribeiro
requereu nos autos a sua constituição como assistente muito antes de se ter
esgotado o prazo previsto no artigo 115º, nº 1 do Código Penal, nenhuma
consequência processual tem a alegação feita pelos arguidos na contestação que
apresentaram, o que aqui se declara.
***
Mantêm-se inalterados os pressupostos de validade e regularidade da
instância, não havendo nulidades, irregularidades ou outras questões prévias a
conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
* *
*
II. FUNDAMENTAÇÃO.
A) DE FACTO.
Da discussão da causa e com relevo para a decisão a proferir, resultou
provado que:
i) No dia 22 de Maio de 2004, pelas 10:00 horas, os arguidos entraram no
estabelecimento comercial denominado “Bela Cosme”, sito na Rua
Fonseca e Castro, em S. João Vizela, que era na altura explorado pelo
- 7 -
assistente Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro e pela então sua esposa
e irmã dos arguidos, de nome Maria Manuela da Silva Lopes.
ii) Encontrando-se nessa ocasião no referido estabelecimento o assistente,
este e os arguidos iniciaram uma discussão por causa de problemas
ocorridos entre aquele e a sua mulher, na sequência dos quais o
assistente havia agredido fisicamente a sua esposa.
iii) No seguimento dessa discussão, os arguidos e o assistente Salvador
Ribeiro envolveram-se em confronto físico, com agressões mútuas.
iv) No decurso desta luta, os arguidos, de comum acordo e em conjugação
de esforços, atingiram o Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro com
murros em várias partes do corpo, designadamente na face e na região
dorsal, provocando-lhe dores nas partes atingidas e também hematoma
na região dorsal esquerda, dores e lesão estas que foram causa directa e
necessária de um período de doença não apurado, mas não superior a
cinco dias, e sem incapacidade para o trabalho geral ou profissional.
v) A dada altura, no decurso da contenda, o arguido Constantino
desequilibrou-se e, para não cair ao solo, agarrou-se a uma estante
existente no aludido estabelecimento, fazendo-a balançar e levando a
que alguns produtos de cosmética e outros objectos que nela se
encontravam expostos caíssem ao chão.
vi) Ainda nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar, no decurso
da discussão que se gerou, o arguido Constantino, de viva e alta voz,
dirigiu-se ao assistente chamando-lhe “filho da puta” ao mesmo tempo
que lhe dizia para não se aproximar mais da sua irmã, sendo que, por
sua vez, também o assistente dirigiu aos arguidos a expressão
“cobardes”.
- 8 -
vii) Os arguidos agiram de vontade livre, consciente e de forma concertada,
como propósito de molestarem o Salvador Ribeiro na sua integridade
física e de lhe provocarem as mencionadas dores e lesão corporal.
viii) Agiu ainda o arguido Constantino Manuel da Silva Lopes com o intuito
de ofender a honra e consideração social do assistente, o que conseguiu.
ix) Ambos os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e
punidas por lei.
*
Provou-se ainda que:
x) Em consequência dos factos acima descritos o assistente sentiu-se
envergonhado e humilhado, até porque tais factos foram praticados
publicamente, no interior do aludido estabelecimento comercial, e
presenciados por pessoas que se encontravam num estabelecimento
próximo.
xi) Devido à agressão o assistente padeceu de dores e incómodos, não só no
momento dos factos, mas também durante o tempo que a lesão
demandou para curar.
xii) No dia dos factos o assistente recebeu tratamento médico.
*
Mais se provou que:
xiii) O arguido Constantino Manuel é casado.
xiv) Explora uma indústria de metalurgia, na qual trabalha ele e mais um
funcionário seu.
xv) Dessa actividade retira, a título de salário, a quantia mensal de € 490,00.
xvi) A sua esposa é professora, auferindo o vencimento mensal de € 1.250,00.
xvii) Tem a seu cargo um filho com três anos de idade.
xviii) Suporta uma prestação no valor mensal de € 400,00 para aquisição de
casa própria.
- 9 -
xix) Possui o 7º ano de escolaridade como habilitações literárias.
xx) O arguido Paulo Jorge é casado.
xxi) Trabalha como contabilista por conta de outrem, auferindo o
vencimento mensal de € 654,00.
xxii) Juntamente com a sua esposa presta outros serviços de contabilidade,
retirando dessa actividade rendimentos não apurados.
xxiii) Tem um filho com 5 anos de idade a seu cargo.
xxiv) Paga de renda de casa a quantia mensal de € 175,00.
xxv) Possui o 12º ano de escolaridade como habilitações literárias.
xxvi) Os arguidos não têm antecedentes criminais e são reputados na zona
onde vivem como pessoas honestas e trabalhadoras.
*
Não se provaram, com relevo para a decisão, outros quaisquer factos
descritos nas acusações, nos pedidos cíveis ou na contestação e,
designadamente, que:
xxvii) Os arguidos atingiram o assistente na parte inferior do corpo com
pontapés.
xxviii) Com a sua conduta, provocaram os arguidos no assistente escoriação na
face dorsal da mão direita e no terço inferior do antebraço direito.
xxix) O Constantino atirou ao solo a aludida estante, bem como todos os
produtos cosméticos e objectos relacionados no documento de fls. 23 dos
autos.
xxx) Esses objectos ficaram danificados e impróprios para a venda ao
público, sofrendo assim o assistente um prejuízo de € 8.035,64.
xxxi) Os arguidos tenham dirigido ao assistente, por repetidas vezes, as
expressões “cabrão” e “cobarde” e o arguido Paulo Jorge tenha dirigido
àquele a expressão “filho da puta”.
- 10 -
***
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
No que respeita aos factos provados assentou a convicção do tribunal,
essencialmente, nos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas
testemunhas Fernando Óscar Ferreira e Carlos Alberto Coelho Alves. Com
efeito, de entre as pessoas ouvidas em julgamento, estas, na óptica do julgador,
foram as únicas que relataram o sucedido de forma absolutamente imparcial e
desapaixonada, tendo contado de modo coerente e circunstanciado aquilo a
que assistiram no dia e no local dos factos por se encontrarem num
estabelecimento sito a escassos metros daquele onde ocorreu a contenda.
Na verdade, quer as declarações dos arguidos – que negaram terem agredido
física ou verbalmente o assistente – quer as declarações prestadas por este último -
que confirmou toda a factualidade vertida na acusação pública e, em parte, aquela que se
encontra descrita na acusação particular - se mostraram, como é compreensível,
interessadas, tendo sido, em consequência, valoradas com as necessárias
reservas. Efectivamente, das declarações prestadas pelos dois arguidos e pelo
assistente apenas foi possível extrair, de forma inequívoca, porque nisso foram
concordantes, que no dia 22 de Maio de 2004, à hora e no local referidos na
acusação, e por razões que se prendiam com um anterior desentendimento
ocorrido entre o assistente e a sua esposa, que é irmã dos arguidos, sucedeu
uma altercação entre aqueles.
Todavia, certo é que por força dos depoimentos prestados pelas
aludidas testemunhas – que, como se disse, o foram de forma que se afigurou isenta e
desapaixonada e que, por isso, se mostraram perfeitamente credíveis – foi possível formar
sem margem para dúvidas a convicção de que os arguidos, actuando em
conjugação de esforços e vontades, se envolveram em confronto físico com o
assistente, após uma discussão verbal que precedeu as agressões.
- 11 -
Essas testemunhas, prestando depoimentos que, além do mais, se
mostraram também coerentes e concordantes entre si, referiram que estavam a
trabalhar num estabelecimento de cabeleireiro, situado a escassos metros do do
assistente e no mesmo edifício, quando ouviram ruídos de discussão provindos
da loja onde se situa o estabelecimento designado Bela Cosme. Afirmaram
também que de imediato se dirigiram para esse local e, quando aí chegaram, se
depararam com os arguidos, por um lado, e com o assistente, por outro,
envolvidos em confronto físico – mas precisamente, os arguidos agredindo o
assistente ao murro e este, por sua vez, procurando também atingir da mesma
forma os arguidos, tentando defender-se.
Além disso, afirmaram também estas testemunhas que na ocasião
ouviram da parte dos arguidos a expressão “filho da puta” e da parte do
assistente a expressão “cobardes”. Não ficou claro, no entanto, se ambos os
arguidos disseram aquela primeira expressão, ou se apenas um deles o fez, ou
quantas vezes essa expressão foi proferida. Daí que, nesta parte – ou seja, quanto à
matéria constante da acusação particular – se tenham considerado ainda as
declarações prestadas pelo próprio assistente, que foi peremptório em afirmar
que apenas o arguido Constantino lhe chamou o sobredito nome e que apenas
o fez uma única vez.
Em conjugação com os depoimentos das aludidas testemunha valorou-
se ainda, em certa medida – como infra melhor se clarificará -, o teor dos relatórios
de exame médico juntos a fls. 8 e seguintes e a fls. 62 e seguintes, assim como a
cópia do boletim de episódio de urgência incorporado a fls. 44 dos presentes
autos.
No que tange aos factos respeitantes à condição sócio-económica dos
arguidos valoraram-se as suas declarações e que os mesmos não têm qualquer
passado criminal é o que resulta do teor dos certificados do registo criminal
juntos ao processo.
- 12 -
Por sua vez, os factos não provados assim se tiveram dado que sobre os
mesmos não foi produzida prova bastante que permitisse qualificá-los de
forma diversa.
Efectivamente, quanto aos factos descritos sob os pontos xxvii) e xxix) as
declarações dos arguidos e do assistente foram em sentidos diametralmente
opostos, aqueles negando-os este confirmando-os. Desempataram – permita-se a
expressão – as testemunhas Fernando Óscar e Carlos Alberto, que esclareceram
não terem visto quaisquer pontapés, por parte de qualquer dos contendores, e
clarificaram ainda que a estante em referência não chegou a tombar no solo,
somente tendo balançado por acção do arguido Constantino, caindo então ao
chão alguns dos produtos que aí estavam expostos.
Já quanto às lesões referidas no ponto xxviii) não ficou também o
tribunal esclarecido sobre se as mesmas terão sido provocadas pela acção dos
arguidos sobre o assistente ou se, inversamente, tais lesões – e em particular a
escoriação na face dorsal da mão direita – teriam resultado da acção do assistente
sobre os arguidos (ou inclusivamente se tais lesões teriam a sua proveniência
no desaguisado que o assistente tinha tido dias antes com a sua ex-mulher e
com um amigo desta, no decurso do qual, como referiu aquele, deu um estalo
na sua esposa e três socos “bem dados”, com mão direita, no amigo após o ter
puxado para o exterior da viatura onde surpreendeu ambos).
Por sua vez, os factos descritos no ponto xxi) tiveram-se como não
provados porque o próprio assistente os infirmou em audiência.
Já quanto aos danos materiais que teriam sido provocados pelos
arguidos, mais concretamente pela acção directa do arguido Constantino,
cremos que também os mesmos não ficaram minimamente demonstrados. Com
efeito, apenas o assistente os confirmou, o que é manifestamente insuficiente.
Aliás, as declarações que o assistente prestou a esse propósito, assim como a
relação de objectos pretensamente destruídos que juntou a fls. 23, mostraram-
- 13 -
se, no mínimo, completamente inverosímeis. Para tanto bastará atentar no
próprio teor daquele documento e verificar a quantidade e diversidade de
produtos que teriam ficado estragados e impróprios para venda.
Além disso, as referidas testemunhas disseram ter constatado que de
facto alguns dos objectos expostos na estante em questão – a qual, segundo
esclareceu, com directa razão de ciência, a testemunha Fernando Óscar teria um metro de
largura e quatro prateleiras – caíram ao solo. Mas disseram também não se terem
apercebido que algum desses objectos tivesse ficado inutilizado, referindo,
ainda, nomeadamente, no que foram acompanhados pelos arguidos, que não
notaram que estivessem vidros partidos ou o conteúdo de qualquer
embalagem espalhados pelo chão.
Assim, por não se ter feito prova bastante sobre esse danos (sequer sobre
a existência do mesmos e não só sobre a sua extensão), sendo que a
demonstração dos mesmos competia ao demandante, de acordo com o disposto
no artigo 342, nº 1 do Cód. Civil, por imposição desse normativo e ainda do
preceituado no artigo 516º do Código de Processo Civil necessariamente tais
factos se tiveram como não provados.
***
B) DE DIREITO.
1. Responsabilidade criminal.
1.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL:
Vistos os factos, cumpre então aplicar o direito e, primeiramente, apurar
se a factualidade provada permite imputar aos arguidos a autoria dos crimes
por que vêm acusados.
- 14 -
Os arguidos Paulo Jorge da Silva Lopes e Constantino Manuel da Silva
Lopes encontram-se acusados da autoria de dois ilícitos penais: um crime de
ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1 do
Código Penal e um crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181º, nº 1
desse mesmo Código.
Nos termos do artigo 143º, nº 1 do Código Penal incorre na prática desse
ilícito criminal todo aquele que, agindo de modo voluntário e estando ciente
das consequências da sua conduta “ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa”.
Ora, da análise dos factos provados resulta claro que os arguidos
preencheram com os seus comportamentos todos os elementos típicos,
objectivos e subjectivo, desse tipo de crime, pois que, actuando com o propósito
de atingirem o assistente na sua integridade física, vieram efectivamente a
causar-lhe dores e lesões físicas, as quais foram consequência directa e
necessária das agressões que lhe infligiram.
Já nos termos do artigo 181º, nº 1 do Código Penal, comete esse ilícito
penal todo aquele que “injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a
forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra e consideração”.
Analisando os factos provados, resulta também inequívoco que o
arguido Constantino Manuel preencheu com a sua conduta todos os elementos
típicos, objectivos e subjectivo, desse tipo de crime.
Efectivamente, provou-se que aquele arguido, dirigindo-se ao assistente,
actuando com o fito de o ofender na sua honra e consideração, e agindo de
forma voluntária, lhe dirigiu a expressão “filho da puta”.
Tal imputação, ainda que corriqueira nesta zona do país, não pode
deixar de reputar-se objectiva e subjectivamente ofensiva da honra e
consideração do assistente, dado que tal expressão é, inequivocamente, apta a
lesar “aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são
razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo (médio) possa com
- 15 -
legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale”; adequada a violar “aquele conjunto
de requisitos que razoavelmente se deve considerar necessário a qualquer pessoa, de tal
modo que a falta de algum deles possa expor essa pessoa à falta de consideração e ao
desprezo público” – Cfr. Beleza dos Santos, Rev. Leg. e Jurisprudência, Ano 92º, pág. 167.
Tudo isto, portanto, a enquadrar-se no tipo-de-ilícito e tipo-de-culpa
recortado pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal.
Inversamente, no que toca ao arguido Paulo Jorge é manifesto que o
mesmo deverá ser absolvido da prática desse ilícito penal, pois que não ficou
demonstrado que o mesmo tivesse dirigido ao assistente qualquer expressão
passível de ser reputada como injuriosa.
***
1.2. ESCOLHA E MEDIDA DA PENA:
O crime de ofensa à integridade física simples é punido, em abstracto,
com prisão até três anos ou pena de multa até 360 dias. O crime de injúria é
punível com pena de prisão até três meses ou com multa até 120 dias.
*
Cumpre pois, antes de mais, optar pela espécie de sanções a aplicar em
concreto.
Neste momento cabe atentar, desde logo, ao critério legal de preferência
pelas penas não detentivas, consignado no artigo 70º, do Código Penal. Há a ter
também em consideração que no momento da escolha da pena pesam,
sobretudo, razões de prevenção especial de socialização (cfr. Ac. da Relação de
Coimbra de 17/1/96, CJ, tomo I, pág. 38).
Ora, não tendo os arguidos qualquer passado criminal, entende-se que a
aplicação de uma sanção pecuniária satisfaz de forma adequada e suficiente as
- 16 -
exigências de prevenção especial e, por outro lado, não põe em causa as
exigências de prevenção geral verificadas no caso vertente.
Assim sendo, opta-se pela aplicação de penas de multa.
*
Optando-se, nos termos expostos, pela aplicação de penas de multa,
tendo em conta o estatuído no artigo 71º do Código Penal, a determinação dos
dias de multa a aplicar aos arguidos, dentro dos limites legais referidos, far-se-
á em função da culpa manifestada no facto e das exigências de prevenção de
futuros crimes. O limite máximo e inultrapassável das penas a aplicar será
fixado de acordo com a culpa dos arguidos (artigo 40º, nº 2 do Código Penal). O
limite mínimo será estabelecido em função das exigências de prevenção geral
que no caso se verifiquem. E as penas a aplicar concretamente dentro da
submoldura assim encontrada serão determinadas, finalmente, de acordo com
as exigências de prevenção especial – mormente na vertente de socialização –
que ao caso couberem (artigo 40º, nº 1 do Código Penal ) – cfr. Figueiredo Dias,
Direito Penal Português, pág. 227 e seguintes.
Nos termos do artigo 71º, nº 2 do Código Penal devem considerar-se
ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a
favor e contra os arguidos.
Contra os arguidos milita a modalidade de dolo directo com que agiram,
assim como, ainda em sede de culpa e também de ilicitude, quanto ao modo de
execução do facto, a circunstância de se terem feito valer da sua superioridade
numérica para agredirem o assistente.
Ao invés, milita em favor dos arguidos a reduzida gravidade das
consequências das suas condutas, assim como o circunstancialismo que rodeou
a prática dos factos – quer os antecedentes que estiveram na base dos mesmos,
quer o sucedido no momento da sua comissão, dado que, segundo se provou,
as agressões existiram de parte a parte.
- 17 -
Em abono dos arguidos há a ponderar também a circunstância de não
terem qualquer passado criminal, de estarem perfeitamente inseridos e serem
reputados pessoas sérias no meio onde vivem, o que aponta para diminutas
exigências de pena sob o prisma das finalidades especiais preventivas da
punição.
Assim, ponderadas essas circunstâncias à luz dos critérios e factores
acima enunciados, afigura-se ajustado aplicar ao cada um dos arguidos uma
pena de 120 dias de multa pelo crime de ofensa à integridade física que
praticaram, mostrando-se ajustada uma pena de 30 dias de multa no que
concerne ao crime de injúria cometido pelo arguido Constantino Manuel da
Silva Lopes.
*
Operando-se o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas a este
arguido, de acordo com as regras contidas no artigo 77º, nº 1 e 2 do Código
Penal, e considerando em conjunto os factos e a personalidade do mesmo,
manifestada esta na prática desses factos e percepcionada em audiência,
aplicar-se-á àquele uma pena única de 135 dias de multa.
*
Nos termos do artigo 47º, nº 2 do Código Penal, a cada dia de multa
corresponde uma quantia que o tribunal fixará entre 200$00 e 100.000$00
(actualmente, após a conversão operada pelo artigo 8º do Dec.-Lei nº 323/01,
de 17 de Dezembro, entre 1 euro e 498,80 euros).
Considerando a apurada situação económico-financeira dos arguidos,
sopesados os seus rendimentos e encargos, decide-se fixar em € 5,00 o
quantitativo diário das multas aplicadas.
***
- 18 -
2. Responsabilidade civil.
Nos termos do artigo 483º, nº 1 do Código Civil, “aquele que com dolo ou
mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal
destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação”.
Da factualidade provada e da apreciação que da mesma foi feita na parte
criminal da presente decisão resulta com clareza que os arguidos, por terem
preenchido com as suas condutas todos os pressupostos constitutivos da
responsabilidade civil extracontratual, se constituíram na obrigação de
compensar o assistente pelos danos não patrimoniais resultantes das ofensas
física e moral que lhe infligiram - e que são tuteladas pelo artigo 70º do Código
Civil.
Com efeito, também os danos não patrimoniais, desde que merecedores
da tutela do direito, são passíveis de adequada compensação, como decorre do
artigo 496º, nº 1 do Código Civil. Atenta a gravidade dos danos morais
causados no assistente - determinada esta em função dos bens jurídicos atingidos: a
integridade física e a honra – os mesmos são indubitavelmente merecedores da
tutela do direito.
Ponderados os factos que ficaram provados, à luz dos critérios
plasmados nos artigos 496º, nº 3 e 494º do Código Civil, e considerando em
especial o grau de culpa dos arguidos, as suas situações económicas e a relativa
gravidade dos danos, reputa-se equitativo condenar os demandados na quantia
de € 1.250,00 para compensação dos danos resultantes dos factos que integram
o crime de ofensa à integridade física, afigurando-se adequado condenar ainda
o arguido Constantino Manuel no pagamento da quantia de € 250,00 para
compensação dos danos morais sofridos pelo assistente em consequência do
crime de injúria de que foi vítima.
- 19 -
Sobre tais quantias deverão ainda contar-se juros moratórios a partir da
data da notificação dos arguidos para contestarem os pedidos cíveis
(11/4/2005 – cfr. fls. 111 e 112), de acordo com o critério previsto no disposto
no artigo 805º, nº 3 do Código Civil.
Esses juros contabilizar-se-ão à taxa legal de 4%, nos termos das
disposições conjugadas dos artigos 559º, nº 1, 804º, nº 1 e 2 e 806º, nº 1 e 2 do
Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril.
Resta referir que, quanto ao mais peticionado pelo demandante Salvador
de Jesus de Oliveira Ribeiro – isto é, quanto aos danos de carácter patrimonial – , por
não ter sido feita prova desses danos, necessariamente improcede a sua
pretensão.
***
III. DISPOSITIVO.
Face ao exposto decide-se:
A) NA PARTE CRIMINAL:
Julgar procedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e
parcialmente procedente a acusação particular deduzida pelo assistente e, em
conformidade:
a) Absolver o arguido Paulo Jorge da Silva Lopes da autoria do crime de
injúria que lhe vinha imputado, previsto e punível pelo artigo 181º, nº 1
do Código Penal;
- 20 -
b) Condenar os arguidos Paulo Jorge da Silva Lopes e Constantino
Manuel da Silva Lopes como co-autores de um crime de ofensa à
integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do
Código Penal, numa pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão
diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 600,00 (seiscentos euros);
c) Condenar o arguido Constantino Manuel da Silva Lopes como autor
de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1 do
Código Penal, numa pena de 30 (trinta) dias de multa, à razão diária de
€ 5,00 (cinco euros);
d) Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido
Constantino Manuel da Silva Lopes e referidas em b) e c), condená-lo
na pena única de 135 (cento e trinta e cinco) dias de multa, à razão
diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a quantia global de € 675,00
(seiscentos e setenta e cinco euros);
e) Condenar cada um dos arguidos no pagamento de 3 Uc´s de taxa de
justiça (513º do Código de Processo Penal e 85º, nº 1, al. b) do Código
da Custas Judiciais) e em encargos, com procuradoria mínima, (artigos
514º do Código de Processo Penal e 89º, nº 1, al. g) do Código das
Custas Judiciais), ao que acresce, nos termos do disposto no art. 13º, nº
3 do Dec.-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro, o pagamento de 1% da taxa
de justiça aplicada;
f) Nos termos dos artigos 515º, nº 1, al. a) e 518º do Código de Processo
Penal, condenar o assistente Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro no
pagamento de 2 Uc´s de taxa de justiça e em encargos, devendo
observar-se o disposto no artigo 519º daquele Código.
- 21 -
***
B) NA PARTE CÍVEL:
Julgar parcialmente procedentes os pedidos cíveis deduzidos pelo
demandante Salvador de Jesus de Oliveira Ribeiro e, em conformidade:
g) Condenar solidariamente os demandados Paulo Jorge da Silva Lopes
e Constantino Manuel da Silva Lopes a pagarem-lhe a quantia de €
1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros);
h) Condenar ainda o demandado Constantino Manuel da Silva Lopes a
pagar-lhe a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros);
i) Condenar os demandados a pagarem ao demandante juros de mora
sobre essas quantias, contados à taxa legal de 4% desde 12/4/2005 e
até efectivo e integral pagamento;
j) Condenar o demandante e os demandados nas custas dos pedidos
cíveis, na proporção dos respectivos decaimentos (artigos 523º do
Código de Processo Penal e 446º, nºs 1 e 2 do Código de Processo
Civil).
***
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.
Recommended