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Neste artigo, serão analisados os conceitos de cidadania e identidade problematizados na figura simbólica do Pantera Negra, contextualizando-o em meio ao turbilhão violento da luta dos movimentos negros contra o racismo institucionalizado da sociedade norte-americana e pela conquista dos Direitos Civis.
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Eduardo Ribeiro Gonçalves - 00218637
História dos Estados Unidos da América
Professor Arthur Avila
Identidade e Cidadania nas HQs do Pantera Negra 1960/1970
As décadas de 1960/70, nos Estados Unidos foram marcadas pela transposição
de questões políticas, econômicas, sociais e culturais que, como em um caldeirão
fervente, borbulhavam de modo frenético, convulsionando um dos países mais
influentes do mundo na época. As características fundamentais de algumas destas
questões tinham raízes muito profundas, como por exemplo, a institucionalização do
racismo através das leis de segregação, ou os grupos extremistas a favor da Supremacia
Branca (do qual o Ku Klux Klan é o mais famoso) que impediam a cidadania plena da
população negra norte-americana. Através das crises e dos momentos de
enfraquecimento e fragmentação das identidades nacionais provocadas também pela
crescente globalização dos ideais estadunidenses, é dado o momento de florescimento
de novas identidades étnicas, de gênero e também de nação. Nesse meio, a produção
cultural das histórias em quadrinhos não deixa de se integrar a esses movimentos,
representando tanto as crises existenciais do Estado quanto o fortalecimento de novas
identidades, criando e se apropriando de símbolos e desconstruindo estereótipos.
Nas histórias em quadrinhos de super-herói os personagens negros eram sempre
retratados como pessoas inferiores, fracos que precisavam ser salvos de seus próprios
conflitos, possuidores de algum vicio ou detentores de inteligência quase nula, quando
não eram apenas personagens puramente maléficos. A partir da maior intensidade das
lutas pelos direitos civis nas décadas de 1960/70 esse quadro começa a mudar. Surgem,
pioneiramente com a editora Marvel Comics, super-heróis negros como o Pantera Negra
- fazendo parte de grandes grupos de super-heróis como o Quarteto Fantástico e os
Vingadores da Marvel – e também os X-men, que simbolizavam a luta contra a
segregação racial e a perseguição política.
Neste artigo, serão analisados os conceitos de cidadania e identidade
problematizados na figura simbólica do Pantera Negra, contextualizando-o em meio ao
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turbilhão violento da luta dos movimentos negros contra o racismo institucionalizado da
sociedade norte-americana e pela conquista dos Direitos Civis.
Os 60’s: valores em crise, cidadania questionada e identidades
reformuladas
Ao analisarmos o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos na década
de 1960 através de uma pesquisa rápida na internet e em alguns livros didáticos de
história, temos a impressão de que essas lutas estão confinadas ao tempo e espaço
delimitado especificamente entre 1954 e 1968. Tal processo inicia-se, supostamente,
com o caso de Rosa Parks em Montgomery e termina com o assassinato de Martin
Luther King Jr. Porém, a luta pela implementação e incorporação das leis de direitos
civis aprovada em 1964 perdurou por mais de 25 anos, e ainda apresenta fortes indícios
de não ter terminado.
Sintomático desse quadro é o movimento dos Panteras Negras (fundado em
1966) que apesar de terem sido considerados “a ameaça número 1 à segurança da
nação”1 por Edgar Hoover – então chefe do FBI – não recebem destaque nos esquemas
e simplificações didáticas como, por exemplo, o Ku Klux Klan (KKK). Os Panteras
Negras pela Autodefesa bateram de frente com esses grupos extremistas que defendiam
a supremacia Branca e provocavam verdadeiros massacres da população negra
estadunidense. Porém quando são citados sempre é chamado a atenção para o caráter
violento de seu discurso, inspirado nas ideias de Malcom X.
Tanto Malcom X quanto os Panteras Negras não pregavam a violência pura e
discriminatória contra os brancos, mas a autodefesa e o direito de resistência à
brutalidade policial e dos grupos extremistas como a KKK. E isso fica evidente em seu
programa de 10 pontos2.
Os Panteras Negras e os Black Powers canalizaram e promoveram
conscientemente a concretização da cidadania da população negra através da criação de
1 RAJGURU, Nutan; WOOD, Adrian. O Partido dos Panteras Negras pela Auto-Defesa. 2008. Disponível
em: http://www.lsr-cit.org/anti-racismo/37-anti-racismo/440-o-partido-dos-panteras-negras-pela-auto-defesa Acesso em: 23/06/15. 2 O programa de 10 pontos dos Panteras Negras foi escrito com a intenção de ser distribuído entre a
comunidade negra, convocando voluntários para reunirem-se e organizarem aulas de educação política.
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uma identidade cultural que tinha muita força nos anos finais da década de 60 até o
início dos anos 80. Direitos e deveres políticos, sociais e civis eram a coluna dorsal de
suas reivindicações e de sua organização enquanto grupo identitário. O quinto ponto da
Plataforma e Programa redigida em outubro de 1966 por Bobby Seal e Huey P. Newton
dizia:
“Queremos uma educação para nosso povo que exponha a verdadeira
natureza desta sociedade americana decadente. Queremos uma
educação que nos ensine nossa verdadeira história e nosso papel na
sociedade atual. Acreditamos num sistema educacional que dará ao
nosso povo o conhecimento de si. Se um homem não tem conhecimento
de si mesmo e sua posição na sociedade e no mundo então ele tem
pouca chance de se relacionar com qualquer outra coisa” 3.
A tomada de consciência assustava as autoridades responsáveis pela segurança do status
quo nos EUA. E isso custou caro aos Panteras Negras, sendo alvos de ataques brutais e
perseguição política. Mesmo assim, a identidade social promovida por esse movimento e pelos
Black Powers conseguiu dar uma “face” e uma voz poderosa a comunidade negra.
“(...) a identidade social é construída para permitir a manutenção das
relações sociais de dominação. Além disso, tomar consciência da
própria identidade, tomar consciência de si é um primeiro passo para
altear a identidade social, como dominado” 4.
No inicio da década de 1970, os |Estados Unidos envolviam-se em uma série de
conflitos intervencionistas ao redor do planeta, ameaçando os interesses nacionais de outros
países em um movimento de globalização emergente que afetava cultural e economicamente as
regiões dominadas. As políticas publicas eram direcionadas ao desenvolvimento da livre
concorrência, sujeitando as sociedades as leis de mercado, deixando questões sociais em
segundo plano. De 1964 a 1968, Lyndon Johnson havia mergulhado os EUA na guerra do
Vietnã, que curiosamente havia iniciado em 1955 – mesmo ano em que Rosa Parks se negou a
obedecer a lei de segregação em um ônibus em Montgomery. Esses conflitos fragmentaram de
forma dramática o Estado Nação estadunidense e fizeram com que os grupos em desvantagem
social pudessem se levantar e posicionar-se contra a opressão deste Estado.
3 RAJGURU, Nutan; WOOD, Adrian. Ob, p.2
4 SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos
2.ed., 2ªreimpressão. – São Paulo : Contexto, 2009. p.203
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A partir de uma abordagem antropológica, George Zarur e Parry Scott entendem que o
conceito de identidade é fundamental para a compreensão do mundo globalizado.
“O enfraquecimento dos Estados Nacionais tem gerado a fragmentação
das identidades nacionais e o ressurgimento de outras identidades de
gênero, étnicas, justamente dessa fragmentação” 5.
A crise de valores morais e constitucionais estadunidenses fez florescer do
racismo, semeado ao longo da história do país, a condição identitária do negro bem
como a possibilidade de tomada de consciência de seu papel como cidadão ativo. E foi
estabelecendo ideais de luta contra uma condição social em comum – a segregação
racial – que os movimentos pelos direitos civis dos negros conseguiram unir boa parcela
desta população através de traços identirários muito característicos e de aspirações
revolucionarias. Ser negro, na década de 1960, evocava uma luta por dignidade e
respeito.
Inserindo-se no complexo de direitos e deveres atribuídos aos indivíduos que
integram uma Nação, através de ações sociais e políticas, as demandas dos Panteras
Negras pela Autodefesa e dos Black Powers clamavam pela transformação de uma
realidade específica através da expansão de direitos e deveres compartilhados. Os
direitos políticos – sociais e civis – ajudam a definir a cidadania em um determinado
tempo e espaço. Portanto, é valido lembrar que o conceito de cidadania está exposto
sempre a mudanças provocadas por agitações e atritos provenientes de demandas
sociopolíticas de grupos identitários com expressão política.
(...) os direitos instituídos pela Declaração de Independência dos EUA
(1776) e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da
França revolucionária (1789) não se estendiam a todos os membros de
suas Nações. Pois, apesar do conteúdo universalista da Declaração
francesa, as mulheres eram excluídas do voto. Já nos EUA, além das
mulheres, a exclusão atingia escravos e brancos pobres. Esses excluídos
tiveram de empreender longas lutas antes de serem contemplados pelos
direitos básicos definidos pelas revoluções burguesas. Entretanto, esses
documentos tinham imenso potencial revolucionário, e muitos daqueles
5 SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos
2.ed., 2ªreimpressão. – São Paulo : Contexto, 2009. p.203
Página 5
que foram inicialmente excluídos da vida política depois usariam o
mesmo discurso liberal para alcançar os direitos previstos por essas
declarações6
Em meio à emergência da simbologia cultural destes grupos, as expressões
culturais das histórias em quadrinhos não deixaram de acompanhar estas mudanças. Em
especial, o gênero de superaventuras – totalmente enraizado nos ideais nacionalistas e
por vezes racistas da sociedade estadunidense – corajosamente abriu espaço na industria
cultural para personagens negros que desconstruíam estereótipos racistas.
O surgimento do herói e super-herói corresponde a determinados
contextos históricos e sociais, marcados pela crise de 1929, a
emergência da Segunda Guerra Mundial e o papel dos Estados Unidos
na América. O mundo dos super-heróis passa a ter uma função
propagandística de determinados valores hegemônicos na sociedade.
Nessa conjuntura, explica-se o caráter político das Histórias em
Quadrinhos7.
É importante ressaltar que as próprias histórias em quadrinhos eram alvo de
preconceitos, provenientes tanto de intelectuais conservadores – que afirmavam que os
quadrinhos contribuíam para a delinquência juvenil – quanto alguns intelectuais de
esquerda – que as entendiam como um simples produto de manipulação das massas e
despolitização dos consumidores. Porém, os estudos culturais, preocupados com a
questão da identidade, criticam a hierarquização cultural que considera uma cultura, ou
produção cultural, superior às outras. Esses estudos têm grande interesse em discutir
conceitos como raça, etnia e nação do ponto de vista da produção cultural,
trabalhando com temas como indústria cultural, cultura popular, colonialismo e pós-
colonialismo 8.
O artigo de Gelson Vanderlei Weschenfelder intitulado “Os negros nas histórias
em quadrinhos de Super-Heróis”, aborda a conquista do espaço nas produções artístico-
6 SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos
2.ed., 2ªreimpressão. – São Paulo : Contexto, 2009. p.48 7 VIANA, Nildo. Heróis e Super-Heróis no mundo dos quadrinhos. Rio de Janeiro: Achiamé, 2005, p.8 in: WESCHENFELDER, Gelson Vanderlei. “Os Negros nas Histórias em Quadrinhos de Super-Heróis”. Identidade! | São Leopoldo | v.18 n. 1| jan.-jun. 2013. P.73 8 SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos 2.ed., 2ªreimpressão. – São Paulo : Contexto, 2009. p.204
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culturais contemporâneas pela representação da identidade negra. Segundo
Weschenfelder, a política de cotas raciais nas histórias em quadrinhos se mostrou
desnecessária após o surgimento dos protagonistas negros nas super-aventuras.
O autor elenca algumas das representações dos negros estereotipados desde o
surgimento das histórias em quadrinhos norte-americanos em 1896 com o personagem
Yellow Kid, de Richard Outcault, até a década de 1980, elencando alguns dos principais
super-heróis negros. Até a década de 1960 os personagens negros eram retratados
sempre de forma preconceituosa e racista, servindo como referencial para a afirmação
da identidade caucasiana – a maioria dos leitores de quadrinhos até então – afirmar sua
suposta superioridade.
No mesmo ano de criação do Partido dos Panteras Negras pela Autodefesa
(1966) a Marvel Comics lança o primeiro super-herói negro, o Pantera Negra, na revista
Fantastic Four 52. Criado por Stan Lee e Jack Kirby, o personagem faz sua primeira
aparição em julho de 1966, enquanto o Partido dos Panteras Negras seria fundado
apenas em outubro do mesmo ano. Entretanto, não há como afirmar com precisão se o
Noé do Partido se inspirou diretamente no personagem.
Fantastic Four n°s 52 e 53, publicados em julho e agosto de 1966, respectivamente. In:
http://vault.worldofsuperheroes.com/shop/fantastic-four-53-fnvf/ e http://marvel.wikia.com/Fantastic_Four_Vol_1_52
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O Pantera Negra ganhou muito destaque nas aventuras do Quarteto Fantástico.
Em 1968 tornou-se membro dos Vingadores e uma das principais lideranças no
Universo Marvel, ganhando um titulo próprio em 1973 (na Jungle Action, a partir do
numero 5).
A Marvel e os anos 1960
O período da Guerra Fria representou para os quadrinhos uma “nova era”, onde
as mudanças de enfoque nas narrativas ficaram mais evidentes. Essa era a chamada Era
de Prata9 dos quadrinhos. Nesse momento a maior editora de Hqs era ainda a DC
Comics, que reformulava as origens de seus personagens para adaptá-los aos novos
tempos da década de 1960. Surgem os primeiros grupos de super-heróis, como a
Sociedade da Justiça da América – que mais tarde viria a ser a Liga da Justiça –
colocando em segundo plano os personagens solitários. Em contrapartida a Atlas
Comics – mais tarde Marvel Comics – aproveita o “embalo” da reconstrução das
aventuras de super-heróis e dão a Stan Lee e Jack Kirby a responsabilidade de criar
novos personagens para a Editora. A dupla cria, então, num frenesi criativo quase
ininterrupto, uma série de personagens cheios de falhas de caráter, muito diferentes
daqueles heróis quase perfeitos da DC Comics – como o Super-Man e a Wonder-
Woman, estereótipos simbolizando a moral e os bons costumes norte-americanos. Entre
esses personagens estava o grupo do Quarteto Fantástico – onde o Pantera Negra faria
sua primeira aparição – e os X-men.
O clima editorial dos quadrinhos passava por uma grave crise provocada pelo
Comic Code Authority, que censurava o conteúdo de cada revista e vetava a publicação,
por vezes até enquadrando os editores como comunistas ou subversivos que poderiam
ameaçar a moral e os bons costumes. Quando a Atlas Comics deu a Stan Lee e Jack
Kirby a tarefa de criar novos personagens, a dupla apostou em duas coisas: na
quantidade de personagens e no contexto cultural, social e político em que estavam
inseridos.
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A editora, agora com o novo nome, Marvel Comics, apostou alto nas mudanças
sociais do contexto cultural dos anos 1960. Influenciados pela corrida espacial, entre
Estados Unidos e a União Soviética, os elementos mágicos das histórias cederam cada
vez mais espaço para a ficção científica e explicações pseudocientíficas das origens dos
personagens – nessa época surgem também as “origens” do Super-Man, pela DC,
conferindo ao alienígena origens em um planeta distante que fora destruído pelas
guerras e má exploração dos recursos naturais, bandeira forte do movimento
ambientalista dos anos 1960. Nesse contexto, a luta pelos Direitos Civis seria
incorporada pioneiramente pela Marvel Comics em suas aventuras, com personagens
como o Pantera Negra e os X-men, representando as lutas contra a segregação racial e a
política externa dos EUA.
O Pantera Negra
Na trama, o Pantera Negra é o rei de Wakanda, um minúsculo país fictício do
continente africano. Pantera Negra seria um título hereditário, que só é ocupado pelos
melhores guerreiros de Wakanda. Os testes para competir pelo título demandam uma
vida inteira de treinamento e estudos, sendo o Pantera Negra sempre um guerreiro que,
além de extremamente forte e ágil é também extremamente inteligente. Após o combate
entre os competidores, o vencedor deveria obter uma erva sagrada específica, em
formato de coração, reservada apenas ao guerreiro mais forte. Ingerindo esta erva, o
novo Pantera Negra receberia superforça, velocidade, resistência e sentidos aguçados. O
Pantera Negra atual chama-se T’challa, filho do penúltimo Pantera, T’chaka, que fora
assassinado pelo Mercenário Norte-americano, Garra-Sônica. T’challa, ainda criança,
prometera vingança pela morte de seu pai e parte para a Europa com o intuito de
aprender os segredos do Ocidente para conseguir defender seu país e eliminar o Garra-
Sônica no processo. Lá ele torna-se um físico excepcional – aparentemente uma espécie
de pré-requisito básico para ser um herói na Marvel. “Como chefe de Wakanda ele é o
mais recente em uma linhagem de reis guerreiros marcados pela tradição, tribalismo e
um profundamente enraizado senso de honra” 10
.
O vilão havia matado o pai do protagonista em uma disputa pelo metal raro,
Vibranium – um metal fictício vindo do espaço que possui a propriedade de canalizar e
10
WESCHENFELDER, Gelson Vanderlei. “Os Negros nas Histórias em Quadrinhos de Super-Heróis”. Identidade! | São Leopoldo | v.18 n. 1| jan.-jun. 2013. p.77
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absorver energia de todos os tipos. Wakanda é o único país do mundo a possuir reservas
deste minério, sendo alvo de sucessivas tentativas de invasão tanto pelo Ocidente
quanto pelo Oriente, nunca estabelecendo alianças com nenhum dos lados. O papel do
Pantera Negra seria justamente proteger Wakanda e seus abitantes dos extrangeiros,
adotando severas medidas protecionistas.
Em suas aventuras, Pantera Negra entrou em conflito com a KKK diversas
vezes. Porém a clan apenas é representada com a vestimenta branca na década de 1970.
Na revista Avangers 73, ainda em maio 1970, um grupo chamado Filhos da Serpente
atacava celebridades negras e defendia a supremacia branca, fazendo alusão ao KKK,
mas com vestimentas verdes e um elmo dourado de serpente.
Na imagem à esquerda, Pantera Negra soltando-se da “cruz de fogo” da Ku Klux Klan na edição 21 da Jungle Action, 1976, já
com seu título próprio. In: http://www.comicvine.com/jungle-action-3-elephant-charge/4000-12930/. Na imagem à direita, o
personagem luta contra os Filhos da Serptente. In: http://www.comicvine.com/the-avengers-73-the-sting-of-the-serpent/4000-
10663/
Nas histórias, é deixado em evidência um pouco da cultura das tribos africanas,
algumas das quais o soberano deveria ser um guerreiro pronto para defender seu povo11
,
princípio também evocado por Malcom X em seus discursos e incorporado pelos
11
WESCHENFELDER, Gelson Vanderlei. “Os Negros nas Histórias em Quadrinhos de Super-Heróis”. Identidade! | São Leopoldo | v.18 n. 1| jan.-jun. 2013. p.77
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movimento dos Panteras Negras pela Autodefesa. Como afirmado anteriormente, o
personagem não carrega influências do Partido dos Panteras Negras, mas traz consigo
características da luta anterior à fundação do partido, como por exemplo os discursos de
Malcom X.
“Uma das coisas que vai nos ajudar é a independência da África. Um
dos motivos de nunca termos nos organizado é que odiamos nossa
imagem africana. A África esteve nas mãos de pessoas que criaram uma
imagem negativa e odiosa da África. Sendo odiosa, nós não quisemos
nos identificar com ela. Agora que a África está ficando independente e
criando uma imagem positiva de si mesma, nós podemos olhar pra ela e
nos identificarmos com ela. Nós ficamos orgulhosos do nosso sangue
africano. Isso faz os negros no Ocidente terem mais orgulho racial e se
unirem trabalhando juntos. O imperialista vê isso como uma grande
ameaça12
.
É em Wakanda que vemos a primeira representação ocidental nos quadrinhos de
um país africano não estereotipado, rico cultural e monetariamente e possuidor de uma
tecnologia extremamente avançada. O país fictício reúne as características de uma
sociedade economicamente sustentável com uma estética que faz referência ao antigo
Egito e a vestimentas tribais mais genéricas e também uma visão utópica do que seria
uma sociedade “avançada” para os roteiristas.
Considerações Finais
O crescente interesse pela utilização de histórias em quadrinhos como fonte
histórica é muito benéfico aos estudos de história cultural e ajudam a compreender duas
coisas: a primeira é como diferentes formas de expressão artística se manifestam em
sociedades opressoras e a segunda é como essas manifestações artísticas contribuem
tanto para a formação de novas identidades que lutam pelo reconhecimento político
quanto para o nosso entendimento de questões político-sociais do passado que ecoam no
presente. Aqui a relação entre ficção e história fica mais que evidente, expressando os
sonhos, aspirações e espaços de conflito do passado. O Pantera Negra, envolto em
sombras até hoje no universo Marvel, pouco conhecido entre os leitores de quadrinhos,
12
Discurso de Malcom X, disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=2x8KgPf8Pq0>. Acessado em 24 de junho de 2015.
Página 11
continua conquistando espaço nos cinemas e na televisão, com uma série programada
para ser lançada em 2016, e uma participação no terceiro filme dos Vingadores em
2017. Juntamente com outros personagens como Blade, Spawn e Luke Cage – este
ultimo da DC Comics. Mudanças étnicas em personagens clássicos também vem
aparecendo com frequência nas ultimas HQs – talvez o caso mais emblemático seja o
novo Homem-Aranha negro, Miles Morales, que tomou o lugar de Peter Parker após sua
morte em um universo paralelo.
Tudo isso aponta para a questão do próprio momento histórico em que este
artigo é escrito, que continua gritando pelo fim efetivo da segregação racial em diversas
partes do planeta, especialmente no Brasil e nos Estados Unidos. Massacres racistas,
infelizmente, continuam ocorrendo e a situação política vai de mal a pior de modo geral.
De todo modo, as lutas pela cidadania continuam seu “vai e vem” pelas conquistas em
manutenção permanente, apesar da, também permanente e, em alguns casos, crescente
repressão. Entretanto, é inegável que as décadas de 1960/70 marcaram um passo
gigantesco em direção à luta por demandas sociais e políticas, em diversos setores da
vida dos cidadãos americanos e que devem ser lembradas historicamente, sem serem
jogadas em algum porão para que possam ser apropriadas e domesticadas por discursos
políticos falaciosos.
Página 12
Referências bibliográficas:
SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos
Históricos 2.ed., 2ªreimpressão. – São Paulo : Contexto, 2009
VIANA, Nildo. Heróis e Super-Heróis no mundo dos quadrinhos. Rio de Janeiro:
Achiamé, 2005
WESCHENFELDER, Gelson Vanderlei. “Os Negros nas Histórias em Quadrinhos de
Super-Heróis”. Identidade! | São Leopoldo | v.18 n. 1| jan.-jun. 2013.
Endereços eletrônicos:
Discurso de Malcom X, disponível em <
https://www.youtube.com/watch?v=2x8KgPf8Pq0>. Acessado em 24 de junho de
2015.
Capa da revista Avengers 73, 1970. In: : http://www.comicvine.com/the-avengers-73-
the-sting-of-the-serpent/4000-10663/
Capa da revista Fantastic Four 52, 1966. In:
http://vault.worldofsuperheroes.com/shop/fantastic-four-53-fnvf/
Capa da revista Fantastic Four 53, 1966. In:
http://marvel.wikia.com/Fantastic_Four_Vol_1_52
Capa da revista Jungle Action, 21. 1976. In: http://www.comicvine.com/jungle-action-3-
elephant-charge/4000-12930/.
RAJGURU, Nutan; WOOD, Adrian. O Partido dos Panteras Negras pela Auto-Defesa.
2008. Disponível em: http://www.lsr-cit.org/anti-racismo/37-anti-racismo/440-o-
partido-dos-panteras-negras-pela-auto-defesa Acesso em: 23/06/15.
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