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INFÂNCIA(S), PROPAGANDAS E IDENTIDADES DE GÊNERO: TECITURAS
NAS PRODUÇÕES CIENTÍFICAS NO BRASIL
Jéssica Jaciana Silva Dantas – UFRN
jessicadantas_ufrn@hotmail.com
Mariangela Momo – UFRN
marimomo@terra.com.br
Início de Conversa
Localizado em investigações e discussões delineadas no âmbito da Educação e
ancoradas em discussões com o Grupo de Estudos Culturais em Educação-UFRN, o estudo
ora exposto apresenta um recorte de uma pesquisa em nível de mestrado que tem como objeto
as representações de identidade infantis de gênero nas propagandas televisivas brasileiras.
Interessa-nos neste trabalho problematizar e discutir sobre o entendimento da(s)
infância(s) nas novas configurações da sociedade contemporânea e questões de gênero nas
propagandas da TV brasileira. Situamos este estudo no âmbito das produções científicas
publicadas e legitimadas na esfera educacional no Brasil e apresentamos um panorama do que
se têm discutido sobre a articulação entre infância, mídia, consumo e questões de gênero.
Para estes fins, lançamos mão das lentes teóricas dos Estudos Culturais em Educação
na vertente Pós-Estruturalista, que nos fornecem aporte e ferramentas para um entendimento
amplo de Educação como processo complexo e multifacetado, que excede os contornos da
escola, considerando os sujeitos e suas práticas sociais e culturais.
Infâncias Reinventadas e Propagandas
Talvez muitos/as já tenham pensado sobre o que escrevemos a seguir, talvez
outros/as nunca o tenham feito. O fato é que se faz necessário pensar sobre a infância. Assim,
convidamos a todos/as a enxergarem esse texto com os óculos da infância e tendo em mente
que ela também tem a ver com revisitar certos lugares como se fosse a primeira vez
(KOHAN, 2009), daí pode nascer o novo.
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Há muito a infância vem protagonizando histórias contadas por diversos/as
autores/as, sob diferentes óticas, sejam elas convergentes ou não. Fazendo eco as palavras de
Dornelles e Bujes (2012), vemos que reverberaram em séculos passados discursos sobre a
infância que estiveram implicados em inventar um modo de ser criança naturalizado,
idealizado, essencializado. No entanto, não é dessa ideia que queremos tratar aqui, mas – nos
limites deste artigo – tratar, do caráter inventado da infância, ou das reinvenções dela, tendo
em vista que não há uma infância única, que possa ser emoldurada, mas várias infâncias e um
sem número de formas de pensá-las, narrá-las, senti-las e, sobretudo, muitas e distintas
maneiras de vivê-las.
Entre histórias contadas e recontadas, autores como Philippe Ariès (2011)1, um dos
pioneiros a discutir sobre a infância como uma invenção da Modernidade, aborda a relação
entre adultos e crianças marcada pelas “idades da vida” e desconstrói o conceito de infância
como um fenômeno natural, mostrando sua concepção como uma construção histórica,
cultural e social.
Nessa esteira, ao longo do tempo, foram assumidas rupturas e diferentes modos de
discorrer sobre a infância, a partir de compreensões de distintos campos como a religião, a
psicologia, a sociologia, o direito, a filosofia, a pedagogia, a antropologia, etc. De modo que
hoje não faz sentido enquadrar as crianças e suas infâncias em uma concepção estável,
prescritiva, homogênea e totalizante. Assim, isso nos inspira a conceber uma infância como
acontecimento, não aprisionada em um tempo linear e progressivo, mas para a qual as
palavras de ordem podem ser invenção e descontinuidades.
A criança não é nem antiga nem moderna, não está nem antes nem depois,
mas agora, atual, presente. Seu tempo não é linear, nem evolutivo, nem
genético, nem dialético, nem sequer narrativo. A criança é um presente
inatual, intempestivo, uma figura do acontecimento. E só a atenção ao
acontecimento, como o incompreensível e o imprevisível, pode levar a
pensar uma temporalidade descontínua (LARROSA, 2001, p. 284).
Nessa direção, Costa (2009, p.67) afirma que hoje “há muitas infâncias, todas elas
construções sociais, [...] produzidas pelas culturas em que estão inscritas e marcadas por essas
profundas transformações sociais, políticas, econômicas e culturais a que assistimos a partir
da segunda metade do século XX”.
1Há críticas ao autor pelo cunho metodológico de suas análises, admitindo-se outras possibilidades de
sentimentos de infância moderna. No entanto, “existe acordo relativamente a algumas evidências: a infância é
um fenômeno histórico e não meramente ‘natural’” (NARODOWSKI, 2000 apud MOMO, 2007, p. 110).
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Ainda sob esse prisma, Momo (2007) evidencia que na contemporaneidade a
infância tem sido produzida culturalmente de modo a tensionar muitos significados e
sentimentos modernos e a colocar em circulação outros significados e sentimentos de infância
que poderíamos chamar de pós-modernos.
A partir da (...) perspectiva pós-moderna, não existe algo como “a criança”
ou “a infância”, um ser e um estado essencial esperando para ser descoberto,
definido e entendido, de forma que possamos dizer a nós mesmos e aos
outros “o que as crianças são e o que a infância é”. Em vez disso, há muitas
crianças e muitas infâncias, cada uma construída por nossos ‘entendimentos
da infância e do que as crianças são e devem ser’ (DAHLBERG et al., 2003
apud GUIZZO, 2004, p. 03).
Dito de outro modo, os entendimentos, assim como a própria vivência das infâncias,
estão também sujeitos às transformações ocorridas nas sociedades. Assim, as crianças e o
modo como vivem suas infâncias “são fruto da interação [...] com tudo aquilo que “o atual
estágio de desenvolvimento” põe à sua disposição” (DORNELLES; BUJES 2012, p. 14).
Vivemos hoje sob configurações culturais de uma sociedade marcada pela tecnologia,
pela mídia e pelo consumo. Nela, cada vez mais despontam investimentos mercadológicos
que produzem uma infinidade de artefatos culturais destinados ao público infantil-lucrativo.
Tais configurações, possibilitadas principalmente pela combinação entre mídia e consumo,
fazem emergir sujeitos ajustados às novas condições socioculturais e, portanto, novas formas
de ser criança e viver a infância.
Nesse panorama, a televisão assume hoje um espaço-tempo relevante, quase
indispensável no dia a dia das crianças. Praticamente um membro da família brasileira, por
vezes, pais ou responsáveis lhe confiam parte da responsabilidade de educar/entreter seus
filhos. Ela ‘conta histórias’ e termina por operar como uma espécie de babá eletrônica, amiga,
companheira para todas as horas e professora. Assim, antes mesmo de ir à escola e além de
instituições como a família, a igreja, entre outras, a criança já se apropria de aprendizagens
diversas através da TV.
Sobre esse aspecto, as pedagogias culturais (GIROUX, 2012) acontecem em todo o
lugar onde o conhecimento é produzido e os saberes oriundos deste processo extrapolam o
limiar das instituições família, escola e igreja. Nesse viés, a cultura é concebida como campo
privilegiado do saber, na qual são produzidas práticas culturais de significação que educam
(GUIZZO; BECK, 2013). Assim, “tanto a educação quanto a cultura em geral estão
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envolvidas em processos de transformação da identidade e da subjetividade. [...] O cultural
torna-se pedagógico e a pedagogia torna-se cultural” (SILVA, 2014, p. 139).
Diariamente, uma infinidade de propagandas “pedagógicas” postas em circulação
adentra e marca o cotidiano das crianças contemporâneas exercendo um bombardeio de
marketings que lhes apresenta produtos, marcas e padrões, sobretudo no horário da
programação infantil.
Assim, as propagandas atuam como pedagogias culturais cada vez mais acessíveis e
terminam por operar como mecanismos de representação e ensinar formas de ser criança e
con/formar identidades infantis de gênero. A partir da intensa relação com a cultura midiática
(em especial a propaganda) fabricada para as crianças, evidencia-se que elas têm sido
formatadas culturalmente de modo à tensionar e colocar em circulação outros significados
sobre a infância, sobre masculinidade e feminilidade e como vivê-las na contemporaneidade.
Infâncias, Consumo, Gênero e Publicidade: Tecituras nas Produções Científicas no
Brasil
A fim de situar e contextualizar este estudo no âmbito das produções científicas
recentes no campo da Educação brasileira, realizamos buscas por trabalhos que abordassem as
articulações entre infâncias, consumo, propagandas e identidades de gênero e que se
inscrevessem no âmbito da Educação Infantil, publicados nos anais digitais da Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)2, no Banco de Teses e
Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
nos anais do Seminário Brasileiro e Seminário Internacional de Estudos Culturais e Educação
(SBECE/SIECE)3, na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade Luterana do
Brasil e no LUME – Repositório Digital de Teses e Dissertações da UFRGS, além de artigos
diversos pertinentes à esse estudo, no período de 2003 a 2013.
Cabe dizer que embora tenhamos realizado tal busca com afinco, sabe-se que alguns
trabalhos podem ter nos escapado. Mesmo porque a nossa pretensão não era esgotá-los, e sim
nos apropriar sobre o que se tem discutido e realizar um breve exercício de sistematização,
2 Busca realizada nos Grupos de Trabalhos: GT 07 – Educação da Criança de 0 a 6 Anos e GT 23 – Gênero,
Sexualidade e Educação. 3 Busca realizada no 3º, 4º e 5º SBECE e 1º e 2º SIECE em detrimento da impossibilidade de acesso aos anais
das edições anteriores. Realizamos busca nos Eixos temáticos Pedagogias Culturais e Mídia; Pedagogias,
Corpo, Gênero e Sexualidade e Pedagogias, Infância e Cultura.
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pondo em articulação as compreensões e os sistemas de significação acerca dos entrelaces
entre consumo, infância, publicidade e identidades de gênero, que emergiam dessas
produções.
Dito isso, elencamos os trabalhos encontrados, de autoria de Carvalho (2003); Santos
(2004a; 2004b); Roveri (2007; 2008); Andrade (2011a; 2011b; 2011c); Guizzo (2004; 2005;
2008; 2009; 2011); Farache (2011) e Guizzo e Beck (2011; 2013). Tais trabalhos serão
abordados a seguir em formato de breves resumos, através dos quais apresentaremos as
problemáticas, os objetivos, as fundamentações e inspirações teóricas e os achados dessas
pesquisas.
Em seu estudo, Carvalho (2003) apresentou a escuta de 25 crianças, na faixa etária de
6 anos de idade, a partir da leitura de imagens e textos de peças publicitárias que veiculavam
narrativas de infâncias e apelo ao consumo. Ele problematizou os modos de interpelação e
subjetivação pelos quais passaram as crianças na interação e processo de recepção com essas
peças publicitárias retiradas das revistas4 Nova Escola, Saúde e Família Cristã. Para tanto, fez
uso do campo dos Estudos Culturais em Educação e de uma metodologia de cunho
etnográfico. Segundo o pesquisador, a partir da análise, percebeu-se que através de uma
identificação das crianças com as propagandas, tais peças ultrapassam o ato de influência para
a compra dos produtos anunciados. Através de suas imagens e conceitos/modelos díspares de
infância, elas operam subjetivamente na constituição dos modos de ser criança e nas
identidades infantis, inclusive em relação à gênero.
Já Roveri (20075; 2008) abordou a atmosfera de magia na qual quem protagoniza é a
boneca mais aclamada dos últimos tempos, a Barbie. Com base nos Estudos de Consumo e de
Gênero, a pesquisadora analisou o complexo (filmes, produtos, propagandas, etc.) que
compõe o sucesso da boneca e refletiu sobre os modos de educar meninas por meio dos
mecanismos publicitários que configuram sua versatilidade e dos modelos de feminilidade
apresentados às garotas. Desse modo, discutiu não só as formas de sedução de uma
corporação mercadológica para o consumo de um determinado produto (a Barbie), mas
também os mecanismos de sedução das meninas ao consumo de signos de gênero e
sexualidade.
4 O autor não especificou as edições das revistas. 5 O trabalho é uma compilação da dissertação de mestrado da autora.
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Com sua pesquisa inscrita no campo dos Estudos Culturais, Andrade (2011a; 2011b6)
problematizou as transformações, continuidades e rupturas no modo como a infância tem sido
acionada nos anúncios publicitários da revista Veja para vender e como isso vem
contribuindo, nas últimas quatro décadas, para a construção de uma infância do consumo.
Para tanto, selecionou 220 edições publicadas no período de 1968 a 2009, entre as quais
escolheu as 10 primeiras de cada série de 100 edições. Dos resultados, a autora constatou três
principais modos de acionar crianças nos anúncios: a) para vender; b) endereçadas pela
publicidade, ensinando tanto às crianças como aos adultos formas de ser criança, imbricadas
com seu potencial de consumo; c) transformadas em mercadorias que incitam ao consumo não
apenas do produto anunciado, mas de seus corpos, de suas sexualidades, de seus jeitos de ser,
de portar-se e de vestir-se. Dessa forma, os anúncios publicitários enquanto pedagogias
culturais estão de modo proeminente representando e formando uma infância própria à
sociedade capitalista, afirmou a pesquisadora.
Ainda nesse conjunto de trabalhos que têm como artefato de análise revistas, Andrade
(2011c) como mais um desdobramento de sua dissertação de mestrado, apresentou como
anúncios publicitários veiculados na Revista Veja vêm representando e ensinando a ser
menina e menino em um tempo histórico significativo, já há quatro décadas. Ela
problematizou como gênero e erotização vêm sendo apresentados nos anúncios dessa revista
conectados também à sociedade de consumidores. O trabalho destacou que o consumo tem
motivado muitas transformações no modo como a infância tem sido usada para vender. Além
disso, segundo a autora, marcas e posições oriundas de identidades de gênero – como a
relação entre meninas e maternidade – ganham nova versão, mas continuam presentes em
campanhas publicitárias do século XXI.
O viés central do conjunto de trabalhos supracitados está na relação entre a infância e a
convocação de crianças para o consumo através da publicidade. Entretanto, esses autores
também dedicam o foco de suas pesquisas a evidenciar e problematizar a educação para a
formação de meninos e meninas de certo tipo por meio desses anúncios publicitários. Além
disso, ressalta-se que publicidade e consumo não se desvencilham, mas se articulam
intrinsecamente e também por isso é indispensável sua problematização.
6 O trabalho é um recorte da dissertação de mestrado da autora.
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Destacamos, ainda, produções que focalizam diretamente processos de subjetivação e
con/formação de identidades infantis de gênero a partir dos discursos, representações e
imagens veiculados pelas propagandas.
A pesquisa de Santos (2004a; 2004b7) analisou como as revistas impressas brasileiras
Crescer em Família, Pais & Filhos e Meu Nenê e Família – que abordam a infância
envolvendo questões de gênero na faixa etária de 0 a 6 anos – operam discursivamente na
construção de identidades de gênero. Ancorada no referencial dos Estudos Culturais e nos
Estudos de Gênero, buscou recorrências, deslocamentos e rupturas nos discursos dominantes
presentes nas revistas em 53 edições, publicadas no período de 2000 a 2002. Ao analisar esses
textos, a autora apontou como as revistas desempenham uma função pedagógica, produzindo
subjetividades, identidades e saberes. Apontou, ainda, a dicotomização nas revistas quanto aos
comportamentos masculino e feminino, legitimada pelos discursos das áreas biológica e psi,
sustentando, quase sempre, características femininas referentes ao espaço doméstico, à
maternidade, à sedução, enquanto as características masculinas remetiam à prática de esportes
e às ações ligadas a carros e armas.
Já Guizzo (2004), tratou das significativas transformações – políticas, econômicas,
culturais e sociais – pelas quais vem passando a compreensão da infância. Segundo a autora,
tais transformações ocorrem também em detrimento do acelerado e contínuo desenvolvimento
dos meios de comunicação em massa, mais especificamente pela contribuição das
propagandas televisivas. Fundamentada nos Estudos Culturais e Feministas na vertente Pós-
Estruturalista de análise, a pesquisadora mostrou como tais propagandas têm contribuído para
a formação de identidades de crianças, principalmente em relação a questões de gênero.
De igual modo, no ano seguinte, a partir de propagandas televisivas voltadas para o
público infantil, Guizzo (2005) discutiu a forma como as crianças, entre 5 e 6 anos, de uma
escola pública na grande Porto Alegre entendem as questões de gênero presentes no seu
cotidiano. Além disso, buscou discutir e problematizar os modos como professoras, equipe
diretiva, pais e mães lidam com essas questões, contribuindo para a constituição de
masculinidade e feminilidade na infância. Para isso, tomou como aporte os Estudos Culturais
e Feministas vinculados à abordagem Pós-Estruturalista, explorou as situações e falas das
crianças e desenvolveu análises em três eixos: 1) Regulação cultural sobre os meninos; 2)
Produção de corpos infantis e 3) Consumo e moda. As análises, segundo a pesquisadora,
7 O trabalho é uma compilação da dissertação de mestrado da autora.
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permitiram dizer que é bastante distinta a maneira como meninas e meninos vêm sendo
constituídos. Meninos são alvos de maior regulação para que assumam o modelo hegemônico
de masculinidade e de preocupação com a sexualidade. Já às meninas, de modo geral, cabe a
preocupação de se “encaixarem” nos padrões de beleza estéticos “aceitáveis”.
Ao apontar delineares de sua tese de doutorado, Guizzo (2008; 2009) teve como
principal propósito mostrar como os entendimentos das crianças de uma escola pública da
grande Porto Alegre/RS tomam a forma de determinadas concepções de embelezamento.
Concepções essas, articuladas às questões de gênero, raça e etnia, constituídas e reiteradas
cotidianamente através de distintos artefatos culturais, especialmente a partir de propagandas
televisivas que possuem grande poder de subjetivação, segundo a autora. Para isso, fez uso da
articulação entre os Estudos Culturais, Feministas e Visuais. Como resultado, a autora
observou que as crianças empreendem esforços para se adequarem a padrões de beleza
hegemonicamente difundidos e por intermédio desses meios midiáticos, sociais, culturais e
visuais, apropriam-se de preconceitos relacionados a gênero, raça e etnia.
Já em 2011, em pesquisa com crianças (entre 5/6 anos de idade) de uma escola pública
em Esteio/RS, Guizzo (2011) discutiu em que medida as representações de beleza e de feiura
compreendidas pelas crianças afetam a forma como as meninas lidam com seus corpos,
delineando suas feminilidades. Fundamentada nos Estudos Culturais, de Gênero e de Cultura
Visual vinculados a vertente Pós-estruturalista, a autora apresenta 1) como representações de
gênero, raça/cor, classe social e geração constituídas e reiteradas por diversas pedagogias
culturais e visuais circulam como verdades quase absolutas no ambiente educacional e 2) a
partir dessas representações, como as meninas investem em certas práticas corporais para
serem consideradas belas. Diante disso, a pesquisadora mostrou que as representações e
imagens as quais essas crianças têm acesso terminam por suscitar a preocupação com a
aparência e comportamento de investimento em corpos belos e “perfeitos” de acordo com
uma construção histórica, social e cultural.
No mesmo ano, semelhantemente, Guizzo e Beck (2011) versaram sobre as crianças e
algumas práticas corporais por elas adotadas para atender ao propósito de tornarem-se belas,
conforme padrões hegemônicos estabelecidos em seus cotidianos. As autoras lançaram mão
dos Estudos Culturais e de Gênero, vinculados a vertente pós- estruturalista de análise. Das
problematizações realizadas, as pesquisadoras afirmaram que, por meio dos discursos e
imagens veiculados nos distintos artefatos culturais, meninas e meninos aprendem a
preocupar-se com as suas aparências e com a construção de um corpo tido como ideal.
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Principalmente as meninas investem em práticas com vistas a um corpo “perfeito” como
manequins e modelos.
Embasada no campo dos Estudos Culturais, Farache (2011), analisou propagandas de
brinquedos infantis veiculadas na TV, na internet e em catálogos impressos de lojas de
brinquedos. A autora lançou olhar sobre que estratégias utilizavam para apresentar, de forma
distinta, os brinquedos de meninas e meninos e o que essas propagandas ensinam às crianças
sobre a formação do gênero feminino e masculino. Segundo a autora, foi possível perceber
que as propagandas utilizam-se dos discursos da cientificidade e do campo da psicologia para
afirmar que “brincando a criança aprende”, incentivando o consumo infantil. Além disso, para
as meninas são direcionados brinquedos relacionados ao lar, à maternidade, à beleza e moda.
Já para os meninos, os brinquedos direcionados são de cunho tecnológico, armas e aqueles
que remetem a elaborações lógicas e fazem referência à ação, aventura, coragem, desafios e
tecnologia.
O estudo desenvolvido por Guizzo e Beck (2013) abordou como determinadas
representações de corpo, gênero, erotização e beleza, construídas e reiteradas diariamente por
meio de diversas pedagogias culturais (inclusive as propagandas), ecoam como verdades
quase absolutas entre meninos e meninas de uma turma de Educação Infantil de uma escola
pública municipal em Esteio/RS e de um grupo de crianças observadas numa escola privada
de Porto Alegre/RS. Para esses propósitos, fazem uso dos Estudos Culturais, de Gênero e de
Cultura Visual, vinculados à perspectiva Pós-Estruturalista. As autoras afirmam mais uma vez
e ressaltam que por meio dessa intensa presença de discursos e imagens veiculados nos mais
distintos artefatos culturais, as crianças são encorajadas a preocuparem-se com suas
aparências e, principalmente as meninas, a investirem na construção de um corpo tido como
ideal de acordo com os padrões hegemônicos estabelecidos na atualidade.
Nessa conjuntura, temos um quadro panorâmico de produções brasileiras que vêm
trocando as lentes, ocupando-se em lançar um olhar sobre as pedagogias culturais
publicitárias e os modos como educam as crianças que vão à escola na contemporaneidade.
Tem-se então o seguinte quadro de mapeamento:
PRODUÇÕES CIENTÍFICAS BRASILEIRAS
(2003 – 2013)
Lócus de Busca Nº de Trabalhos Localidade da Produção
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Tabela 1: Produções científicas brasileiras inventariadas
Tecendo Considerações, Finais?
Diante desse panorama de pesquisas recentes divulgadas e legitimadas nas produções
científicas no Brasil, é possível perceber um número razoável de trabalhos que revelam que
vêm ganhando destaque discussões que abordam e põem em articulação o consumo e a
publicidade como importante ferramenta de constituição de identidades infantis de gênero.
Tal panorama possibilitou também diálogos importantes para a materialização de nossa
pesquisa e pensar as diferentes faces e nuances em que nosso objeto de estudo possa se
apresentar, permitindo, a partir do já dito, pensar novos des/caminhos.
Entretanto, se considerarmos o período desse mapeamento que compreende um
inventário de 11 anos de pesquisas – sobretudo em comparação com outras áreas da educação
tais como políticas educacionais, rotina, propostas pedagógica e curricular, avaliação,
educação inclusiva, etc. – podemos pensar que as produções que se ocupam em problematizar
os atravessamentos entre publicidade e a con/formação de identidades infantis de gênero são
ainda muito recentes e incipientes em nosso país.
E ainda, se tomarmos como exemplo as reuniões da ANPEd, considerado o principal
evento científico da área da educação no país, ao longo de 11 anos, podemos refletir sobre a
quase ausência de trabalhos pertinentes à temática, o que nos “diz” de uma posição contrária
ao que se espera de um evento de discussões e investigações já tão legitimado, assim como
nos demais lócus de busca. Essa ausência precisa ser superada, visto que restringe
possibilidades de reflexão e de melhoria da educação de crianças.
ANPEd 3 UFRGS - ULBRA - UNICAMP
LUME 3 UFRGS
SBECE/SIECE 4 UFRN - UFRGS - ULBRA
ULBRA 1 ULBRA
REPOSITÓRIO CAPES Os trabalhos se repetiam UFRGS
ARTIGOS DIVERSOS 5 UFRGS - ULBRA - UNICAMP
Total: 16 trabalhos (sendo 5 oriundos de sítios diversos)
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Além disso, tais produções se concentram, predominantemente, nas regiões sul e
sudeste, o que aponta para a necessidade de alargar essa discussão para as demais regiões, não
restringindo espaços de reflexão. Nesse contexto, cabe salientar que foi encontrado um único
trabalho originado na região nordeste cuja autora, à época, participava do grupo de Estudos
Culturais em Educação do qual somos membros.
Dessa forma, pensamos que o presente estudo pode oferecer contribuições para
reflexões que incluam o nordeste neste cenário de discussões – especialmente o município de
Natal-RN que é onde esta pesquisa se materializa – vindo a somar aos estudos já
desenvolvidos como referência para tencionar uma temática tão importante para a educação
na contemporaneidade.
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