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INTERNATIONAL JOURNAL ON WORKING CONDITIONS
ISSN 2182-9535
Publicação editada pela RICOT (Rede de Investigação sobre Condições de Trabalho) Instituto de Sociologia da Universidade do Porto Publication edited by RICOT (Working Conditions Research Network) Institute of Sociology, University of Porto
http://ricot.com.pt
Publicação editada pela RICOT (Rede de Investigação sobre Condições de Trabalho) Instituto de Sociologia da Universidade do Porto
Publication edited by RICOT (Working Conditions Research Network) Institute of Sociology, University of Porto
http://ricot.com.pt
Condições de Trabalho Portuário nos Navios Ro-Ro no Porto de Santos-Brasil
Maria de Fátima Ferreira Queiróz, João Renato Silva Nunes, Reinaldo de Jesus Nascimento, Cristiano José Campos, Mauro Marianno de Assis, Luiz Fabiano da Silva, João de Jesus Filho
Universidade Federal de São Paulo, Santos, Brasil, E-mail: fatima.queiroz@unifesp.br; OGMO-Estivadores do Porto de Santos, Brasil, E-mail: joresimao@gmail.com; reinaldojnascimento@ig.com.br; crisrespect2005@yahoo.com.br; papamauros@gmail.com; fabbiano.lluiz@gmail.com; joaojesus_tst@hotmail.com.
Working conditions in Ro-Ro ships at Santos Port, Brazil
Abstract: The modernization process of Brazilian ports aims to inserting the country in a globalized economy, but port work still happens in a dangerous environment which increases workers’ illness risk factors. The objective of this article is to analyse and understand stowage work in boarding and disembarking light vehicles in Roll-on/Roll-of ships. It uses a qualitative approach supported by ergonomic method developed in two steps: (1) during the research “Port modernization process at Santos: impacts on workers’ health and illness”, Federal University of São Paulo, (2009-2011); (2) workshops conducted by the ergonomist (teacher at Federal University of São Paulo ) during the first 6 months of 2014 with 6 stowage workers aged 40 to 58 years old and professional experience among 21 and 31 years, on the theme of “construction and reflexion upon work”. The objective of the four workshops was to build work done at stowage and to pinpoint the implications of modernization process upon the labour at Ro-Ro ships. The results indicate that variability at work include working conditions, work organization aspects and technology aspects. The conclusions present proposals related to those aspects.
Keywords: Working conditions, port labor, occupational health, public health.
Resumo: O processo de modernização dos portos brasileiros ocorre visando à inserção do país em uma economia globalizada, mas o trabalho portuário continua ocorrendo em ambiente perigoso e aumentando os fatores determinantes de adoecimento dos trabalhadores. O objetivo do artigo é analisar e compreender o trabalho da estiva no embarque e desembarque de veículos leves em navios roll-on, roll-of. Trata-se de uma abordagem qualitativa amparada no método ergonômico com duas etapas: (1) contida na pesquisa “Processo de Modernização Portuária em Santos: implicações na saúde e no adoecimento dos trabalhadores”, CNPq, nº 473727/2008 0, Universidade Federal de São Paulo, 2009 a 2011; (2) abordagem de oficinas desenvolvidas no primeiro semestre de 2014 com a temática de construção e reflexão sobre o trabalho, com 6 trabalhadores de estiva com idade de 40
a 58 anos, com antiguidade profissional entre 21 e 31 anos e a ergonomista, docente da universidade, na proposição de construir o trabalho e apontar as implicações do processo de modernização na faina no navio Ro-Ro. Foram realizadas quatro oficinas. Os resultados apontam que as variabilidades do trabalho contam com as condições do trabalho, aspectos relacionados a organização do trabalho e questões relacionadas as tecnologias. As propostas apresentadas nas considerações finais abarcaram estes aspectos. Palavras-chave: Condições de trabalho, trabalho portuário, saúde do trabalhador, saúde coletiva.
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1. Introdução
A trajetória dos trabalhadores portuários tem sido marcada por transformações
relacionadas às mudanças na tecnologia dos embarques e desembarques de carga, bem
como na embalagem para transportar a mercadoria. O que antes era mercadoria solta se
transforma em mercadoria unitizada1 em estrato armazenado na embalagem conhecida
como contêiner. Os trabalhadores que no passado se organizaram em uma estrutura de
trabalho que lembra a cooperação simples são forçados a modificar sua forma de
produção não só pelo advento do contêiner e das tecnologias, mas pela introdução das
políticas neoliberais nos portos. Segundo Peréz e Moreno (2008) as políticas econômicas
neoliberais fundamentam-se em uma troca qualitativa e quantitativa da função do Estado,
o qual passou a ser um estado provedor de bens e serviços, mediante o princípio de
subsidio da oferta, a assumir funções de “Estado Mínimo” (apud Nozick, 1998) ou
Regulador. O financiamento e a prestação de bens e serviços públicos passaram a ser
compartidos com o setor privado através do subsidio a demanda.
Acompanhando a reestruturação produtiva capitalista o trabalho portuário passa por
transformações, pois os cenários que facilitam as trocas comerciais ganham maior
expressão e interesse no processo de globalização. Acrescenta-se a estas
transformações o avanço tecnológico dos meios de produção que respondem a volumes
elevados de transações comerciais e transportes de mercadorias. O novo patamar
produtivo é empregado nos portos que a partir da nova configuração ganham posição
central nas transações comerciais intensificadas.
A introdução das políticas neoliberais nos portos brasileiros é marcada pela
normatização da prestação de serviços e privatização dos portos com a promulgação em
25 de fevereiro de 1993 da lei 8.630, a chamada lei de Modernização dos Portos (Brasil,
1993). Os trabalhadores portuários que antes se encontravam em um trabalho com base
na cooperação são forçados a modificar seus modos operatórios abdicando do domínio
do trabalho que se depara com novo modelo de gestão garantido pela reformulação do
capital. A transformação política é acompanhada por novas tecnologias e novas
exigências do saber fazer que os trabalhadores mantinham há 100 anos. As pesadas
exigências braçais são eliminadas das fainas diárias, mas os trabalhadores são
requisitados para novas atividades com o uso de meios de produção modernos. O porto
de Santos, com seus 13 km de cais acostável, considerado o maior porto da América
Latina (Porto de Santos, 2014), sofre transformações no que tange ao uso de novos
equipamentos e maquinários e na constante redução do número de trabalhadores.
A redução do número de trabalhadores avulsos contempla a concepção de produção
neoliberal, pois de acordo com Peréz e Moreno (2008) a quebra na organização dos
trabalhadores e a redução no contingente estão no bojo da nova configuração e
reestruturação do trabalho. O processo de modernização nos portos brasileiros ocorre
visando à inserção do país em uma economia globalizada por meio do aumento da
produtividade, maior agilidade no embarque e desembarque e diminuição de custos
operacionais dos serviços portuários (Aguiar, Junqueira & Freddo, 2006) e se insere nas
propostas de transformações no mundo do trabalho. Esse processo já havia ocorrido em
vários portos pelo mundo no intuito de atender as novas demandas colocadas pelo
comércio internacional (Diéguez, 2007).
1 Unitizar refere-se a juntar as cargas (soltas) formando um só volume, neste caso: o contentor.
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Atendendo a necessidade do capital o moderno se instala, mas o trabalho portuário
propriamente dito continua ocorrendo em ambiente altamente perigoso e insalubre
aumentando os fatores determinantes de adoecimento em consonância com a carga
movimentada (Soares et al., 2008; Queiróz et al., 2011). As condições de trabalho sofrem
alterações. É compreendido como condições de trabalho todos os aspectos que compõe o
trabalho de forma a permitir que esse seja desenvolvido gerando um produto final. Lepat e
Cuny (1977), citados por Moura (2001), entendem as condições de trabalho como:
"o conjunto de fatores que determinam o comportamento do trabalhador. Estes
fatores são, antes de mais nada, constituídos pelas exigências impostas ao
trabalhador: objetivo com critérios de avaliação (fabricar determinado tipo de peça
com estas ou aquelas tolerâncias), condições de execução (meios técnicos
utilizáveis, ambientes físicos, regulamentos a observar)" (p.24).
Assim os meios de trabalho, o território onde se trabalha, a organização do trabalho,
o ambiente relacional que propicia o trabalho, a natureza da matéria prima a ser
trabalhada, as exigências da atividade de trabalho, dentre outros elementos, compõem as
condições de realização do trabalho. Para que não recaiam exigências acentuadas além
do conforto que o trabalhador necessita durante sua atividade espera-se que boas
condições de trabalho sejam adotadas visando à saúde dos indivíduos. No
desenvolvimento do trabalho no modo capitalista de produção o lucro tem prioridade em
detrimento das condições de trabalho sob as quais se trabalha. Assunção (2003) afirma
que o processo de reestruturação capitalista modifica as condições de trabalho no que diz
respeito às suas formas de organização e controle, implicando novos ritmos, muitas vezes
determinados pela demanda externa do comprador e exigências com relação à formação
dos trabalhadores e sua disciplina no local de trabalho. Neste contexto, e com a evolução
das ciências, as mudanças tecnológicas, são introduzidas em quase todos os ramos de
atividade. Assim nos portos a introdução do contêiner e de maquinário pesado, guindastes
como o portainer ou o Mobile Harbor Crane -MHC (guindaste sobre rodas), conjugados
com mudanças político-econômicas, aliviam a carga física de trabalho e podem diminuir o
número de lesões graves e fatais, contudo não elimina os determinantes de ocorrência
dos agravos a saúde dos trabalhadores e novos agravos emergem advindos do uso da
nova tecnologia. Diante desse processo, pode-se elevar à ocorrência de acidentes de
trabalho e outras formas de agravos, oriundos de novas exigências das atividades, tais
como, as lesões musculoesqueléticas, o estresse, a fadiga, problemas psíquicos, reações
respiratórias e alérgicas, além de doenças decorrentes de agentes tóxicos, por exemplo, o
enxofre (Pinho, 2010).
O processo moderno de transporte de carga engloba ainda uma transformação dos
navios em geral. Os navios são constantemente redesenhados com o propósito de maior
capacidade de tonelagem, transportar mais carga, e em consonância com o tipo da carga.
Com o avanço tecnológico na construção dos navios encontra-se na atualidade, nas rotas
de navegação marítimas, navios de grande porte, transportando cargas em contêineres, a
granel liquido ou sólido, carga geral e os veículos leves e pesados. Estes últimos são
transportados em navios roll-on/roll-of, conhecidos como navios Ro-Ro. De acordo com
Berger (2011), o roll-on/roll-of trata-se de um navio especial destinado ao transporte de
automóveis e de outros veículos. A diferença desse cargueiro para os demais é que ele é
construído para que a carga entre e saia dos porões por seus próprios meios, ou sobre
porta-carro, porta-carreta, estrados volantes, caminhões, carretas entre outros. O primeiro
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serviço roll-on/roll-of do mundo ocorreu em 1833, em transporte de carruagens ferroviárias
realizado pela Monland and Kirkintilloch Railway na Escócia (Fraia, s/d). Ainda segundo
Fraia (s/d), o transporte por navio Ro-Ro foi utilizado na Segunda Guerra Mundial e
ampliado em 1953 para o serviço Ro-Ro ferry no Canal da Mancha. Estaleiros americanos
da Sun Ship Building and Dry Dock Company de Chester conduzem a construção de um
novo modelo de navio para o transporte de veículo a motor. A partir de 1970, com o
crescimento do mercado de automóvel, aumenta o número e tipos de navios Ro-Ro. A
nova exigência de um mercado globalizado transforma o navio Ro-Ro, que além da carga
embarcada/desembarcada por meio rolante adiciona o transporte de carga que se utiliza
de guindaste de terra ou de bordo, ou seja, realiza-se o içamento de carga, por exemplo,
contentores. Transporta-se assim veículos e carga contentorizada o que leva a inserção
de novas atividades nos porões e conveses, bem como no cais.
Os estudos sobre os efeitos do processo de modernização dos portos na saúde dos
trabalhadores portuários apontam relação entre realização do trabalho e os agravos a
saúde dos trabalhadores portuários. A crescente importância do transporte marítimo, e
dos portos, no processo de globalização da economia tem chamado o interesse em
estudos portuários, principalmente na logística de contêineres, e em menor escala sobre a
saúde dos trabalhadores. Estudo como o de Maciel e colegas (2015) conclui que, no
trabalho portuário dada a natureza variada da tarefa e suas especificidades, a realidade
do trabalho é bem mais complexa e exige destreza e conhecimento do trabalhador,
principalmente porque variáveis do ambiente: condições climáticas, condições dos
equipamentos e dos navios, entre outras, dificultam o trabalho e o tornam, até certo ponto,
imprevisível. O fato de a atividade ser realizada em equipes menores, que pouco se
conhecem, e com um limite de tempo, torna essas dificuldades ainda mais relevantes e
pode colocar em risco a saúde e a vida dos trabalhadores. Em investigação sobre o porto
de Paranaguá-Brasil, Motter e colegas (2015) apresentam que, em uma amostra de 100
estivadores entrevistados, 52% referiram dos nas costas; 56% na parte inferior das costas
e 47% apontou dor no joelho. As condições de trabalho transformadas pela introdução de
nova tecnologia de transporte têm propiciado fatores que determinam acometimentos da
saúde dos portuários. O estudo de Fabiano e colegas (2010) no porto de Genova-Itália,
desenvolvido entre 1980 e 2006, descreve que o impressionante aumento da
percentagem de trabalhadores jovens e inexperientes no manuseio dos contêineres (e
performance em novas tarefas relacionadas) causou um aumento notável de risco de
acidentes de trabalho. No porto estudado os autores registraram um aumento da
frequência do índice de acidente de trabalho de 13.0 para 29.7 e concluíram que isso
resulta que o aumento da expansão de navios conteineiros não corresponde a
implementação de fatores de segurança no trabalho.
Conforme já abordado o trabalho portuário é complexo e relacionado, por exemplo,
aos tipos de cargas, de navios, da infraestrutura dos terminais portuários e dos cais de
atração, do investimento na qualificação dos trabalhadores. O trabalho no navio Ro-Ro é
uma das especificidades do embarque e desembarque de cargas. Pouco se sabe sobre o
trabalho real dos estivadores nesse tipo de atividade que se refere ao processo
saúde/doença relacionado ao trabalho. A lacuna de conhecimentos tem relação com a
deficiência de estudos que abordam a temática. Nessa perspectiva o trabalho modificado
deve ser conhecido, bem como a forma pela qual a organização do trabalho é efetivada,
lembrando que os trabalhadores portuários, em especial os estivadores, construíram o
trabalho nos portos com autonomia no conhecimento do “saber fazer” o trabalho
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conferindo importante papel na tomada de decisão sobre a melhor forma de conduzir a
faina2. O trabalho é reconhecido como “modernizado”, mas inserido no processo de
transformação detecta-se novas formas de exposição dos trabalhadores a fatores de
adoecimento, e o trabalho no navio Ro-Ro, em sua especificidade, é escolhido neste
artigo para ser conhecido e discutido com o objetivo de detectar condições de trabalho
que geram agravos à saúde do trabalhador, que por sua vez encontra-se em situação de
vulnerabilidade.
2. Objetivos
Analisar e compreender o trabalho de estiva na faina de embarque e desembarque
de veículos leves em navios Ro-Ro e as condições em que o trabalho é desenvolvido.
Pretende-se também contribuir para a construção de políticas de saúde do trabalhador
portuário no que se refere às transformações do trabalho que eliminem fatores
determinantes de agravos a saúde destes trabalhadores.
3. Método
Trata-se de uma abordagem qualitativa amparada no método ergonômico e oficinas
de trabalho, realizada com um grupo de estivadores do porto de Santos. O processo
metodológico se pauta em duas etapas de coleta de dados em dois momentos distintos,
mas que se complementam no conhecimento do trabalho e permite proposições acerca
de possíveis caminhos de transformação do trabalho em que os próprios trabalhadores
atuam como agentes transformadores. Possibilita ainda discutir o trabalho e indicar
mudanças para que este possa ser realizado com redução da vulnerabilidade e aumente
o prazer e satisfação dos trabalhadores. Os dois momentos se complementam na
descrição. Assim passa-se a descrever as etapas metodológicas.
1ª Etapa - O conhecimento do trabalho a partir de observação da realização do trabalho
real.
A primeira etapa refere-se à observação do trabalho no navio Ro-Ro, que possibilitou
a compreensão das atividades dos estivadores neste tipo de navio que transporta veículos
leves e carga conteinerizada.
Esta abordagem foi desenvolvida utilizando a análise ergonômica do trabalho no
âmbito do projeto de pesquisa “Processo de Modernização Portuária em Santos:
implicações na saúde e no adoecimento dos trabalhadores”, processo CNPq, nº
473727/2008 0, realizada por pesquisadoras da UNIFESP - Universidade Federal de São
Paulo, entre os anos de 2009 e 2011 (Queiróz, Machin & Couto, 2015).
A proposta da ergonomia contempla o estudo da adaptação do trabalho ao ser
humano, entendendo o trabalho de forma ampla, onde se engloba o estudo de toda a
situação em que ocorre o relacionamento entre o ser humano e o trabalho (Iida, 2005;
Wisner, 1994). O estudo dessa adaptação deve conter a investigação da relação dos
aspectos do trabalho com o conforto e bem-estar do trabalhador.
Na pesquisa citada foi realizada uma investigação não exaustiva sobre o trabalho e
as condições de trabalho de atividades selecionadas visando identificar os possíveis
fatores associados ao adoecimento dos trabalhadores por fadiga, distúrbios
2 Os estivadores denominam de faina a tarefa a ser desenvolvida nos embarque, desembarque,
peação e despeação da carga.
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musculoesqueléticos e acidentes de trabalho em membros superiores e mãos e como o
trabalho pode sobrecarregar o indivíduo que o realiza. Também se procurou indicar quais
são os reflexos da Organização do Trabalho nas atividades desenvolvidas. Para tanto foi
utilizada a observação da realização do trabalho real, método contemplado na análise
ergonômica do trabalho, focalizando-se aspectos físicos e organizacionais das condições
de trabalho, como proposto por autores como Wisner (1987), Laville (1977), Duraffourg e
coelgas (1977), e Guérin e colegas (2001).
Dentre as atividades de trabalho observadas no conjunto proposto na pesquisa
encontra-se o embarque e desembarque de veículos no navio roll-on, roll-of, objeto de
descrição e análise no presente artigo. Os dados apresentados decorrem de visitas para
conhecimento e observação de processos técnicos de embarque e desembarque, bem
como de algumas observações das atividades de trabalho realizadas pelos estivadores.
A análise ergonômica do trabalho foi apresentada ao grupo de estivadores e
amparou a primeira oficina realizada e estabeleceu-se como base para o início da
abordagem sobre o trabalho na segunda etapa do método, descrita a seguir. Os dados da
análise ergonômica do trabalho são apresentados em conjunto com os resultados das
oficinas sem a diferenciação das etapas da metodologia.
2ª Etapa - O conhecimento do trabalho a partir da realização de grupos com os
trabalhadores.
Nesta etapa foi desenvolvida uma abordagem grupal com estivadores do porto de
Santos e a pesquisadora. Esta abordagem foi desenvolvida no primeiro semestre de 2014
através da realização de oficinas com a temática construção e reflexão sobre o trabalho
com os trabalhadores e a ergonomista, docente da universidade, na proposição de
construir o trabalho no embarque de veículos no navio roll-on, roll-of, com suas
dificuldades e facilidades, e apontar as implicações do processo de modernização neste
tipo de faina.
A opção pelo trabalho em grupo contempla uma prática que permite a aproximação
entre os participantes, o convívio na troca de informação sobre a temática em pauta e
principalmente proporciona o compartilhamento de conhecimentos dos participantes.
Decidiu-se pela realização de oficinas por considerar, concordando com Afonso (2010),
que trata-se de um processo estruturado, independentemente do número de encontros e
focalizado em torno de uma questão central que o grupo se propõe a elaborar em
contexto social, no caso a construção do trabalho no navio Ro-Ro. A elaboração que se
busca na oficina não se restringe a uma reflexão racional, mas envolve os sujeitos de uma
maneira integral, formas de pensar, sentir e agir (Fonseca, 2005, apud Afonso, 2002).
O período das oficinas estendeu-se de maio a junho de 2014, com duração de 3
horas cada encontro e espaçamento de 15 dias. Ocorreram na Universidade Federal de
São Paulo – Unifesp - Campus Baixada Santista, em uma sala reservada para tal
finalidade e que permitiu a privacidade do grupo durante os trabalhos. O presente artigo
surgiu de uma proposta do grupo e a autoria acordada entre os membros deste.
A demanda surge a partir da necessidade dos trabalhadores em compartilhar com a
academia o conhecimento sobre o trabalho, as exigências das fainas, as propostas de
transformação, na perspectiva de estabelecer um espaço de fortalecimento,
reconhecimento e valorização de seu trabalho.
Foram desenvolvidas quatro oficinas com a participação de seis estivadores
portuários avulsos do porto de Santos. Os participantes são do sexo masculino. O
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trabalho de estiva no porto de Santos não requisita mão de obra feminina. Em outros
portos brasileiros essa condição é presente, por exemplo, nos portos de Manaus (AM),
Vitória (ES), Rio Grande (RS) e Recife (PE).
O trabalhador portuário avulso dos portos brasileiros, em termos de atividade, é
definido pela Instrução Normativa (IN nº 100/20033), que estabelece a diferenciação entre
o trabalhador portuário avulso e não avulso:
O trabalhador avulso não-portuário é aquele que presta serviços de carga e
descarga de mercadorias de qualquer natureza, inclusive carvão e minério, o
trabalhador em alvarenga (embarcação para carga e descarga de navios), o
amarrador de embarcação, o ensacador de café, cacau, sal e similares, aquele
que trabalha na indústria de extração de sal, o carregador de bagagem em porto,
o prático de barra em porto, o guindasteiro, o classificador, o movimentador e o
empacotador de mercadorias em portos, assim conceituados nas alíneas "b" a "j"
do inciso VI do art. 9º o Regulamento da Previdência Social. E é trabalhador
avulso portuário, aquele que presta serviços de capatazia, estiva, conferência de
carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações na área dos portos
organizados e de instalações portuárias de uso privativo, com intermediação
obrigatória do Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO).
De acordo com o trabalho que executam, os estivadores recebem uma das
seguintes denominações funcionais (Ministério do Trabalho e Emprego-MTE, 2001):
Contramestre-geral ou do navio – a maior autoridade da estiva a bordo, a quem cabe
coordenar os trabalhos em todos os porões do navio, de acordo com as instruções do
operador portuário e do comandante do navio, dirigindo e orientando todos os
estivadores a bordo.
Contramestre de terno ou de porão – o que dirige e orienta o serviço de estiva em cada
porão de acordo com as instruções do operador portuário, do comandante do navio ou
do representante no porto, do planista ou do contramestre-geral ou do navio.
Sinaleiro ou “Portaló” – o que orienta o trabalho dos operadores de aparelho de guindar,
por meio de sinais. Ele fica em uma posição em que possa ver bem tanto o local onde a
lingada é engatada como aquele em que é depositada, e onde possa ser visto pelo
guincheiro ou guindasteiro.
Guincheiro – trabalhador habilitado a operar guindaste. No porto denomina-se
genericamente os operadores dos aparelhos de guindar de terra como guindasteiros,
sendo trabalhador de capatazia. No caso do operador de aparelho de guindar de bordo,
este é comumente chamado guincheiro e é trabalhador da estiva.
Motorista – o que dirige o veículo quando esta é embarcada ou desembarcada através
de sistema roll on/roll off (ro/ro). Ressalte-se que é praxe nessa operação haver a troca
de motoristas quando o veículo toca o cais. Sai o motorista da estiva e entra o motorista
de capatazia, que conduz o mesmo até o pátio de armazenagem.
Operador de equipamentos – estivador habilitado a operar empilhadeira, pá
carregadeira ou outro equipamento de movimentação de carga a bordo.
3 Trata-se de Instrução Normativa do INSS/DC de 18 de Dezembro de 2003 e dispõe sobre normas
gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das contribuições sociais administrativas pelo INSS, sobre os procedimentos e atribuições da fiscalização do INSS e dá outras providências.
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Estivador – trabalhador que, no carregamento, desfaz as lingadas e transporta os
volumes para as posições determinadas em que vão ser estivados. No
descarregamento, traz os volumes das posições onde estão estivados e prepara as
lingadas.
Peador/despeador ou conexo – trabalhador que faz a peação/despeação. Trabalhador
com certa especialização, visto que muitos trabalhos fazem uso de técnicas de
carpintaria (escoramento da carga com madeira).
As características dos estivadores participantes na construção do trabalho no navio
Ro-Ro são apresentadas no quadro 1.
Quadro 1 - Caracterização dos estivadores do porto de Santos participantes da investigação, Santos,
São Paulo, 2014
Legendas: * a identificação dos estivadores por números foi considerada para preservar o anonimato dos estivadores.
** idade e tempo de porto referido no ano de 2014, momento da investigação.
De acordo com o quadro 1 tratou-se de abordagem grupal com estivadores com
antiguidade no trabalho no porto de Santos e idades entre 40 e 56 anos, com experiência
no trabalho de estiva, entre 21 e 31 anos de trabalho no porto de Santos. Os três
estivadores que atuam como instrutores de cursos portuários possuem experiências
internacionais, sendo instrutores habilitados pela Diretoria de Portos e Costas – DPC –
Marinha do Brasil. Um estivador ocupava o cargo de presidente da Comissão de
Prevenção de Acidentes de Trabalho Portuário-CPATP no momento da investigação. A
realização das oficinas é apresentada no quadro 2.
Quadro 2 - Apresentação das oficinas com os estivadores do porto de Santos participantes da investigação, Santos, São Paulo, 2014
Oficinas Dias/duração Temática abordada
1ª Oficina 08/05/2014 14:00 às 17:00 horas
Apresentação dos objetivos das oficinas, compromissos e início da construção do trabalho a partir da análise ergonômica desenvolvida
2ª Oficina 22/05/2014 14:00 às 17:00 horas
Construção do trabalho continuando a oficina anterior
3ª Oficina 06/06/2014 14:00 às 17:00 horas
Construção do trabalho continuando a oficina anterior
4ª Oficina 20/05/2014 14:00 às 17:00 horas
Validação da construção do trabalho e proposição de ações transformadoras do trabalho no navio Ro-Ro
Estiva-
dores*
Idade
(anos) ** Função realizada com frequência
Tempo de trabalho no
porto de Santos (anos) **
1 40 Operador de guincho, operador de ponte rolante, tratorista, instrutor de curso portuário
22 (início em 1992)
2 45 Operador de guincho, operador de ponte rolante, tratorista, parqueador, instrutor de curso portuário
23 (início em 1991)
3 51 Estivador de porão, mestria 25 (início em 1989)
4 40 Supervisor da faina de celulose, mestria, estivador 22 (início em 1992)
5 40 Estivador de porão, mestria, tratorista, instrutor de curso portuário
21 (início em 1993)
6 56 Operador de guincho, operador de ponte rolante, tratorista
31 (início em 1983)
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A lógica da construção do trabalho, nas oficinas, contou com o relato dos
estivadores em todos os aspectos do trabalho: a faina, a jornada, as variabilidades, as
intercorrências, a remuneração, a organização do trabalho, as facilidades e dificuldades
em realizar o trabalho. Enquanto o trabalho era descrito a pesquisadora escrevia a
trajetória do trabalho e aspectos e dúvidas observados durante a descrição. Ao final da
oficina as dúvidas eram discutidas no conjunto de participantes. No espaçamento de uma
semana a pesquisadora construía o relato e enviava aos estivadores para leitura e
correções, inclusões, e preparação para aproxima semana. Na próxima oficina o relato
era objeto de leitura e procedia-se a inclusão de novos aspectos, novas fainas, novas
dificuldades, que não foram contempladas na oficina anterior. A escrita preliminar sobre o
trabalho foi objeto da última oficina. A dinâmica da construção do trabalho é descrita na
continuidade de apresentação das etapas metodológicas:
(1) A primeira oficina desenvolveu-se com a leitura da análise ergonômica no embarque e
desembarque de veículos contidos no relatório da pesquisa “Processo de Modernização
Portuária em Santos: implicações na saúde e no adoecimento dos trabalhadores”
(Queiróz et al., 2011). Vários aspectos sobre o trabalho surgiram das falas dos
trabalhadores indicando que uma descrição mais detalhada deveria acontecer
promovendo o aprofundamento do conhecimento do modo operatório nesta faina
específica que permitisse configurar a complexidade das atividades de trabalho. No início,
as falas dos trabalhadores se distanciavam das descrições especificas e discutiam outros
aspectos de seu trabalho, não menos relevantes, e apresentavam dificuldades em manter
uma linha de pensamento para descrição exclusiva do trabalho proposto.
(2) As segunda e terceira oficinas centraram na construção do trabalho no navio Ro-Ro.
Os trabalhadores descreviam seu trabalho com detalhes. As falas completavam o trabalho
contado, ou seja, um estivador contava o trabalho, outro complementava, outro discutia os
problemas da atividade e assim construía-se a atividade de trabalho. Um dos estivadores
do grupo era um especialista neste tipo de navio com tempo de prática de parqueador.
Com a continuidade das descrições e o entendimento sobre a proposta de “contar” a faina
neste tipo de navio, roll-on/roll-of, as falas se tornaram mais direcionadas e a
sistematização foi sendo adotada por todos. As falas se completaram. Neste momento
produziu-se uma primeira escrita com a atividade de trabalho no navio Ro-Ro.
(3) Na quarta e última oficina a proposição temática se amparou na validação da
construção do trabalho e nas propostas de transformação do trabalho, ou seja, como deve
ser o trabalho? quais mecanismos devem ser mudados?, como proteger a saúde do
trabalhador? A finalização dos encontros ocorreu com a definição e apresentação de
propostas concretas de transformações no trabalho.
4. Resultados e discussão
4.1. O Trabalho no Navio Ro-Ro
O embarque de veículos envolve uma logística específica, e ocorre de forma regular
no porto de Santos. Os navios que transportam veículos são muito altos, dotados de uma
rampa de acesso pela qual são movimentados os bens. Diferente de outras cargas, os
veículos não são içados, e sim entram e sai com seus motores, daí a sigla: roll-on, roll-off
entra rolando sai rolando, nos navios Ro-Ro.
O trabalho no navio Ro-Ro contempla várias cargas e várias fainas, pois este tipo de
navio comporta carros, tratores, ônibus, contêineres, caminhões, máquinas (em geral) e
carga geral. O conceito de navio Ro-Ro se refere aquele que embarca carga apoiada em
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uma base rolante. No porto de Santos as fainas que mais empregam trabalhadores
portuários avulsos são a descarga de sal, o trabalho no navio Ro-Ro, o desembarque de
adubo e o carregamento de pá eólica. Os negócios referentes à importação e exportação
de carros no porto de Santos são firmados com maior intensidade com a Argentina e o
México, sendo o primeiro com maior movimentação.
Como as cargas são diferentes em um navio Ro-Ro o trabalho também se apresenta
diferente em três fundamentais aspectos: na composição da equipe de trabalho (terno), no
modo operacional e nos valores da remuneração. Diferem ainda os modos como a carga
é estivada (colocação de carga no lugar determinado) e peada (fixada). No trabalho
portuário em Santos, e em outros portos, quem realiza a peação/despeação de carga é o
conexo. De acordo com a explanação inicial dos trabalhadores a peação/despeação e
estivagem/desestivagem de carro no navio Ro-Ro é a faina que exige maior desempenho
e provoca maior desgaste aos trabalhadores. A movimentação de trabalhadores e carros
é muito rápida e o planejamento da logística em terra é feito de forma a garantir esta
rapidez, nem sempre alcançada. Neste contexto optou-se por especificar e discutir o
trabalho com embarque e desembarque de carro leve neste tipo de navio.
4.2. Embarque e Desembarque de Carros Leves
O trabalho requisitado, no caso dos trabalhadores avulsos do porto de Santos, inicia-
se pela distribuição de trabalho nos postos de escalação do OGMO4. Neste espaço,
quando o trabalho é requisitado já se apresenta quantos ternos (equipes de trabalho) são
necessários para o embarque/desembarque de carros, bem como é informado a
quantidade de carros a ser movimentada.
No geral, num navio Ro-Ro, o embarque/desembarque de carga requisita a seguinte
composição de ternos de trabalho de estiva (e trabalhador do bloco): 12 motoristas (no
mínimo com habilitação B-autorizado para carro leve5), 1 geral do navio (que é requisitado
para o navio como um todo), 1 contramestre de produção, 1 contramestre de conexo, 10
conexos (5 estivadores e 5 trabalhadores do bloco que fazem a peação/despeação), 2
sinaleiros (sinalizam nas rampas de acesso onde deve-se dirigir o carro) e 2
parqueadores (orienta a correta estivagem através de sinais). O sinaleiro tem de ter uma
visão geral do porão e o lugar onde se coloca é na rampa do navio. Total de 29
trabalhadores em um terno.
O comum é a requisição de dois ternos por jornada de trabalho para a faina no
embarque e desembarque de carro no navio Ro-Ro, ou seja, 46 estivadores, 10
trabalhadores do Bloco e 1 mestre geral do navio, compondo equipe de 57 trabalhadores
no porão do navio.
No porto de Santos os navios Ro-Ro atracam em três pontos de cais: Cais 1
(localizado no Saboó), Terminal de Veículos (na operadora portuária Santos Brasil) e com
menos frequência em outros cais, por exemplo no Cais 31 (ao lado do terminal da
Citrosuco). Após o trabalhador engajar-se no trabalho ele se apresenta no cais onde será
desenvolvida a faina. Neste recinto o responsável da empresa, denominado supervisor
4 OGMO é o Órgão Gestor de Mão de Obra, criado pela Lei 8.630, Brasil, que normatizou o
processo denominado “modernização dos portos”, e delegou ao OGMO a gestão da mão de obra.
5 Para exercer o trabalho com veículos leves o estivador deve possuir no mínimo a habilitação B e
curso operacional de veículos leves. O que vem acontecendo no trabalho, segundo os estivadores, que motoristas que não sabem dirigir e se escala para trabalhos no Ro-Ro.
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(um estivador) passa o trabalho para o geral do navio e este repassa para o contramestre
de produção que vai enfim repassar o trabalho para os estivadores motoristas, sinaleiros,
parqueadores e conexos (incluído o trabalhador do bloco). Passar o trabalho que dizer
que se explica a quantidade de carro a ser movimentada (embarque e desembarque, ou
apenas uma das situações de trabalho), em qual (is) deck (s)6 será embarcado e/ou
desembarcado, se vai precisar fazer remoção7, a rota do carro até o deck, ou seja, é
detalhada a operação.
No momento de início da faina o estivador motorista tem que estar ao pé da rampa
do navio para receber o carro, enquanto o sinaleiro e o parqueador já se encontram
dentro do navio. Para o carro chegar até a rampa uma sequência de trabalhadores atuam
para que se posicione a carga de modo a ser manobrada pelo estivador. Esta sequência
contempla o funcionário do terminal que traz o carro do pátio da empresa até o costado e
do rodoviário (trabalhador de capatazia8) que dirige o carro até a rampa. Na rampa, o
mestre do terno acompanha o processo da estivagem, que se desenrola como se fosse
um carrossel. Os estivadores tomam o volante, entram com o carro no navio, estacionam
e voltam a pé utilizando a rampa ou a escada, pegam outro veículo e reinicia-se o
carrossel.
Uma vez dentro do carro o motorista (estivador) segue a rota especificada e as
indicações do sinaleiro para o deck no qual o carro será estivado. O trabalho do sinaleiro
é indicar para os trabalhadores aqueles decks onde tem espaços de difícil manobra, por
exemplo, na beira da rampa, pois apresenta risco de queda de carros e homens que os
dirigem. No navio Ro-Ro que tem fainas simultâneas, pois como explicado transporta
vários tipos de carga, o sinaleiro também ajuda na orientação do fluxo do trabalho, das
rotas no sentido de evitar colisões e atropelamentos no embarque e desembarque de
cargas.
Uma vez embarcado o carro o estivador tem que retornar à rampa para dirigir outro
carro até o deck destino. O deck pode se localizar no plano inferior ou superior do navio.
O navio Ro-Ro pode ser comparado a um prédio de 12 andares e dentro do navio os
decks se localizam acima e abaixo, ou seja, mais alto na embarcação ou mais abaixo.
Geralmente a contagem de deck acima e abaixo é feita a partir de um deck marco zero.
Os trabalhadores denominam este deck marco zero de deck 6 (deck principal). Ele divide
os decks acima e abaixo, e os porões do navio Ro-Ro são contados de 1 a 4 a partir da
vante para a ré9. Em média cada deck comporta 500 carros e os navios Ro-Ro
comportam, no geral, 3.000 carros leves, podendo chegar a 5.000. Os navios Ro-Ro ao
atracar em um porto podem estar com toda sua capacidade de carga, ou em transito, ou
com carga parcial.
6 Deck é o equivalente a pavimento onde será estivado/desestivado, apeado/desapeado o carro.
7 Remoção e tirar a carga de um lado do porão e coloca-la em outro lado. Pode haver a
necessidade de remover a carga para fora do navio e depois embarcá-la de novamente. Acontece a remoção quando uma carga do navio que se encontra estivada no espaço em que os trabalhadores necessitam trabalhar.
8 No porto de Santos o trabalho ainda é dividido entre o cais e o navio. Os estivadores trabalham
dentro do navio e os trabalhadores da capatazia trabalham no cais. A polivalência não foi ainda estabelecida no porto de Santos.
9 Vante é a parte da frente, em direção ao bico de proa; ré e a parte de trás ou na direção da polpa
do navio
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A quantidade de veículos imprime a demanda de trabalhadores e de trabalho a ser
realizado. Como exemplo, e visando entendimento, apresenta-se na Figura 1 uma foto de
um navio Ro-Ro por dentro onde se apresentam os decks.
Figura 1 - Navio Ro-Ro com cortes transversais para visualização interior da embarcação
Fonte: http://site.nykline.com.br/pagina.aspx?page=roro
O trabalho do estivador motorista é variado dependendo da localização dos decks.
Por exemplo, no embarque, se a estivagem do carro acontece no deck superior o
trabalhador tem que descer até o nível de acesso a rampa principal para poder embarcar
outro carro. Se o carro é estivado no deck inferior ocorre movimento contrário, pois o
trabalhador ao deixar o carro no deck ele tem que subir a escada ou a rampa para
novamente acessar a rampa principal de entrada dos carros no navio para proceder à
estivagem de outro carro. Nos dois tipos de acesso ao deck principal e rampa de entrada
a exigência é de esforço físico e atenção. O esforço físico é relatado pelos trabalhadores
como determinante de dores e torções em joelho ao ter que se contorcer para acessar a
escada. Ou se preferir acessar o deck principal pela rampa encontra resistência e
desequilíbrio, pois estas rampas são gradeadas, possuem elos para fixação de carga, ou
seja, não têm um piso uniforme.
A justificativa do gradeamento está relacionada ao carro. O tipo de gradeamento
oferece resistência com o objetivo de adesão do carro ao piso visando estabilidade no
transporte marítimo deste tipo de carga. As “arranhuras” deste tipo de piso podem
favorecer o desequilíbrio levando a queda (piso em falso) ou torção de pé/tornozelo.
Soma-se ainda a esta situação os acessos entre os decks que são íngremes. Os navios
Ro-Ro possuem elevadores para locomoção entre os decks em seu interior, porém estes
não são liberados para os trabalhadores estivadores, de acordo com os relatos.
4.3. A Variabilidade do Trabalho de Embarque e Desembarque de Carros Leves
Existem navios que possuem decks baixos, 1.60 metros de altura o que dificulta o
trabalho. Quando o estivador é mais alto, este é obrigado a curvar-se entre os decks para
desenvolver sua faina. Resultados de pesquisa, com usuários de companhias aéreas,
realizada por Silva (2009) evidenciou que a estatura média do brasileiro era de 173,1 cm
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com desvio padrão de 7,3 cm. Iida (2005:102) apresenta, pesquisas nos anos de
1951,1957 e 1976, que a estatura média do brasileiro encontrava-se em 167,0 cm. Para o
branco americano era 174,cm, o negro americano com 173,0 cm e o indivíduo de
nacionalidade japonesa com 161,0 cm. Outro estudo de Martínez-Carrión (2011, p.24)
sobre o tamanho dos europeus desde 1700 cita, em 1990, que a estatura média do
homem norueguês era de 179, 0 cm, do suíço com 176,0 cm e do espanhol em 170,0 cm.
As médias das populações pesquisadas, apresentam estaturas acima de 1,60m. Portanto,
a construção do espaço dos decks no navio Ro-Ro não leva em consideração o tamanho
médio das populações, e não só a brasileira mas a de outras sociedades. Os navios
transportam cargas para vários portos mundiais e no mesmo espaço pode-se trabalhar
tanto o brasileiro como o trabalhador de outra nacionalidade. Percebe-se que a lógica da
construção de um navio está centrada na carga, desconsiderando o homem que irá
trabalhar no ambiente construído, pois o espaço do deck não corresponde às estaturas
dos homens.
A proximidade dos decks também permite a propagação de ruídos vindo dos pneus
dos carros em movimentos para estivagem/desestivagem. Os decks oferecem cantos
vivos. Nestes casos os cantos vivos são sinalizados com material emborrachado zebrado.
Outro problema são os navios que ainda possuem em seus decks as argolas ou elos de
apeação. Elas devem estar sinalizadas com pintura própria informativa para que não haja
tropeços do trabalhador sobre estas e não ocorram quedas no mesmo nível. Segundo
relatos dos trabalhadores as vezes acontece de não haver tais sinalizações nas argolas.
Estas condições da estrutura do navio são chamadas de “obras vivas”.
Dependendo da característica do veículo a ser transportado os decks são móveis e
neste caso oferecem acentuado risco de queda por desnível. A movimentação neste tipo
de navio é intensa, com vai-e-vem de carros e homens, além de estarem ocorrendo outras
fainas no mesmo espaço. O sistema de trabalho lembra um carrossel com 12 estivadores
motoristas (em média) movimentando veículos de forma continua. Esta condição oferece
o risco de atropelamento quando os trabalhadores estão subindo ou descendo as rampas
dos decks. O movimento de descer e subir rampas/escadas é repetido várias vezes
durante a faina. Neste caso o trabalho dos sinaleiros é fundamental e problemático porque
são requisitados só 2 sinaleiros para compor o terno de trabalho, e estes desenvolvem
atenção redobrada sobre a faina de carregamento e/ou descarregamento de veículos e as
outras fainas que ocorrem simultaneamente a estas. Os trabalhadores preferem a rampa
à escada, pois a escada oferece mais esforço na subida e atenção redobrada na descida.
Outra variabilidade do trabalho, no que se refere ao ambiente de trabalho, é a
diferença de luminosidade fora e dentro do navio. Quando a faina é realizada no período
diurno a diferença de nível de iluminamento entre o ambiente externo e o porão do navio
cria dificuldades de adaptação do sistema visual. A fisiologia do sistema visual aponta um
tempo maior de adaptação quando se passa de um ambiente claro para um escuro, o que
é o caso quando se entra com o veículo no porão. Segundo Grandjean e Kroemer (2005,
p.221) “a adaptação ao escuro ou ao claro leva tempo. A adaptação ao escuro é muito
rápida nos primeiros 5 minutos, tornando-se progressivamente mais lenta depois. Oitenta
por cento da adaptação demora cerca de 25 minutos e a adaptação completa leva até
uma hora. Portanto, deve ser dado tempo suficiente para a adaptação ao escuro; são
necessários no mínimo 30 minutos para adquirir uma boa visão à noite”. Os autores
descrevem que a adaptação ao claro é mais rápida do que o escuro. Em uma situação de
trabalho, como nos navios Ro-Ro, que detalhes do porão tem que ser observados, e a
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atenção e cuidado são requeridos com intensidade, a mudança abrupta de luminosidade
apresenta-se como um fator de exposição, principalmente quando se locomove da rampa
do navio para dentro dos porões, ou seja, do claro para o escuro. Por este aspecto. os
trabalhadores relatam preferência de embarque no período noturno, mas acrescentam
que o trabalho diurno tende a ser melhor, pois nestes períodos (manhã/tarde) todos os
instrumentos e tomadas de decisão relacionados a operação estará à disposição caso
aconteça algum imprevisto. A preferência pelo trabalho noturno tem ainda relação com o
adicional noturno.
As dificuldades de visualização não representam apenas um risco de dano aos
veículos, e sim também aos trabalhadores que se deslocam naquele local, seja na faina
de veículos ou em outras fainas. De acordo com a Funespor (2003), manter os locais em
um nível aceitável de segurança significa que o trabalhador não estará exposto a riscos
devidos a condições de iluminação deficiente.
A demanda da faina conta também com a diversidade de veículos e suas modernas
tecnologias. Uma preocupação referida pelos trabalhadores é a integridade dos veículos e
sua segurança em relação aos acidentes dentro do navio. Os trabalhadores têm pouco
tempo para se adaptar ao carro, além de ter que desenvolver o trabalho com rapidez,
porém a velocidade não pode provocar danos por colisões. Garantir esta condição nem
sempre é fácil, por várias razões. Uma delas está relacionada aos estereótipos de
acionamento dos comandos de veículos. Há uma grande variedade de modelos
embarcados – com transmissão mecânica ou automática, por exemplo – bem como
caminhões, tratores e ônibus.
Os estivadores, que fazem este trabalho esporadicamente, devido ao rodízio das
equipes ao longo dos cais de atracação10, devem adaptar-se imediatamente ao veículo
que estão manobrando, correndo o risco de confundir-se se houver contraste entre os
comandos e os estereótipos de movimento por eles desenvolvidos ao longo de seu
aprendizado, principalmente quando ocorre operação com veículos de mão inglesa.
4.4. Aspectos de Exposição no Ambiente de trabalho
Um aspecto do trabalho relacionado ao veículo diz respeito ao ruído no ambiente de
trabalho e a descarga de dióxido de carbono (CO2) que ocorre na movimentação do
mesmo dentro dos porões do navio. Apesar da modernidade introduzida nos veículos
automotores na atualidade a emissão de CO2 ainda não se encontra totalmente
eliminada. Os veículos automotores são uma importante fonte de emissão direta de
dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), pela combustão (Borsani
e Assunção, 2013). Os trabalhadores referem que sofrem mais exposição quando o
embarque/desembarque é realizado perto de contêineres (lembrando que esta carga pode
estar presente no navio Ro-Ro), pois ocorre a presença de caminhões (que transportam
os contêineres), as vezes “velhos” e empilhadeiras aumentando a presença de gases no
ambiente de trabalho. Soma-se a este aspecto que o caminhão “velho” não tem controle
de emissão de gases e frequentemente exige mais movimentação no porão, além de
10
Os trabalhadores avulsos são selecionados para o trabalho demandado por 4 vezes ao dia, jornadas de seis horas, e estão estruturados em turmas de trabalho. A requisição depende de ter navio, e esses podem estar em terminais portuários variados, tanto pelo tipo de carga como pela localização. Assim podem estar a cada dia em um terminal diferente trabalhando com cargas diversas que podem ser a granel solido, ou liquido, contentorizada ou carga solta.
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contribuir para o aumento do ruído ambiental. O trabalho, nos porões do navio Ro-Ro, é
realizado em espaço confinado.
O ruído nos porões do navio é presente devido ao movimento de veículos e este se
soma ao ruído próprio do navio que se mantém em funcionamento com seus motores e
exaustores ligados enquanto estão atracados no cais. Além deste aspecto ainda tem o
acionamento da buzina do carro, quando necessário, em espaço fechado (porão).
4.5. A Produção/Produtividade no Processo de Trabalho
Os estivadores motoristas, em um terno de trabalho, movimentam em média 400
carros em uma jornada de 6 horas. Considerando um terno compostos por 12 estivadores
nesta função de motorista, cada trabalhador movimenta em média 34 carros em uma
jornada. Considerando que 6 horas equivalem a 360 minutos um estivador motorista tem
um tempo de 10,6 minutos para pegar o carro na rampa e deixá-lo posicionado no deck
destino no porão do navio.
Este tempo conta ainda com a variação da localização do deck, se superior ou
inferior, se está iniciando ou terminando a faina. Geralmente o navio Ro-Ro é talhado11
em 15 horas de permanência no porto de Santos, o que equivale a duas jornadas e meia
de trabalho. O tempo despendido ainda conta com as distancias percorridas tanto para
estivagem do veículo, que são de difícil medição, pois variam de acordo com a localização
do deck, como para retorno à rampa para movimentar outro veículo.
O trabalho é realizado com a inclusão de ganho por produtividade. É estabelecido
pela organização do trabalho (leia-se prerrogativa da operadora portuária) através de
acordo coletivo com a categoria de trabalhadores, o ganho de uma produção mínima de
R$ 39,00 (salário dia). O embarque de cada carro tem um valor de R$0,40. Se o
embarque dos carros ultrapassa 100 unidades acrescenta-se o ganho por produção.
A condição de ganho por produtividade por si só leva a uma aceleração do trabalho,
pois deseja-se alcançar remuneração que permita melhor sobrevida. Com as
transformações no porto de Santos, representada pela diminuição de ternos de trabalho,
redução de ganhos, redução da oferta de trabalho e efetiva divisão do trabalho entre
avulsos e vinculados às operadoras portuárias, o ganho por produtividade impulsiona o
trabalhador a realizar seu trabalho com maior velocidade possível. Intensifica e acelera o
trabalho. De acordo com Rosso (2008:21) falamos de intensificação quando os resultados
são quantitativamente ou qualitativamente superiores, razão pela qual se exige um
consumo maior de energias do trabalhador.
No caso do embarque de carro leve o trabalhador quer produzir e embarcar o
máximo de carro possível, assim estando a dirigir o carro o estivador motorista acelera as
vezes impacientemente e buzina com frequência para que a rota a seguir seja
desimpedida por outros que por ventura ainda estejam no caminho entre ele e o deck
destino. Adota, portanto a mesma condução que o cidadão comum tem no trânsito nas
ruas da cidade.
A Funespor (2003) considera que dois importantes fatores induzem os trabalhadores
a circular em alta velocidade: “ (1) a influência negativa do resto dos condutores dirigindo
a maior velocidade e (2) o trabalhador vê-se condicionado a realizar maior número de
11
Talhado quer dizer que o navio está totalmente carregado ou descarregado, ou seja, pronto para desatracar e a faina terminada.
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operações de carga e descarga, estiva e desestiva, já que se incentiva à produtividade
economicamente”.
No trabalho do conexo em veículos leves, há aspectos fundamentais que se
pretende apontar. O conexo fica com o trabalho de pear os veículos deixados no deck
pelos estivadores motoristas.
A peação é efetuada de acordo com o lay out do navio que podem possuir argolas
ou orifícios presentes nos decks. Algumas montadoras disponibilizam argolas instaladas
no chassis do veículo para peação e outras autorizam a peação pelas rodas.
Nos dois casos, a faina exige que os trabalhadores se mantenham agachados ou
ajoelhados, em espaços limitados entre os carros, para fazer a peação (fixar o veículo no
deck). O embarque de veículos leves, conforme já apontado, é em média 800 unidades
por jornada (com dois ternos trabalhando). Considerando 20 trabalhadores no conexo,
cada trabalhador faz a peação de 40 veículos em média, por jornada de trabalho. Se a
faina exige a peação das quatro rodas (esta condição pode variar) cada trabalhador no
conexo desenvolve 160 fixações em uma jornada de 6 horas, o que corresponde a 2,25
minutos para cada peação, e consequentemente repete o mesmo movimento de esticar a
fita, agachar e levantar por 160 vezes durante a jornada, contribuindo para a repetição de
movimentos em curto espaço de tempo.
5. Considerações Finais
O trabalho no navio roll-on,roll-of (Ro-Ro) apresenta-se como um trabalho
desgastante uma vez que exige do trabalhador a constante adoção de posturas
antinaturais12, a permanência na postura sentada durante grande parte do tempo da
jornada, a exigência de atenção constante, a habilidade na direção do veículo e a
adaptação imediata aos vários modelos de veículos. No ambiente de trabalho o ruído
constante permeia a atividade.
Os estivadores são reconhecidos como indivíduos que falam alto, quase aos gritos.
Quando se observa o trabalho este fato é compreendido, pois o ruído do navio e o ruído
do desenvolvimento do trabalho “abafa” a fala em tom normal além de se contar apenas
com luz artificial para desenvolvimento da faina. Neste ponto a mudança de ambiente,
interno/externo e vice-versa, pode gerar desconforto visual. O trabalho é realizado em
ritmo intenso, com exigência de concentração e atenção.
O processo de construção do trabalho foi permeado por falas que durante a própria
analise já propunham transformações. Os trabalhadores necessitam que seu trabalho seja
transformado, quer no aspecto tecnológico, quer no aspecto organizacional.
A oportunidade de vivenciar um espaço comum proporcionou a troca de experiências
e conhecimentos compartilhados sobre o trabalho e apontou perspectiva de proposições
interdisciplinares.
Em relação às propostas do trabalho centrou-se foco em transformações que
abordaram tecnologia, avaliação preventiva de exposição e modelo de organização do
trabalho.
12
De acordo com Queiróz (1998) a postura é uma atitude adotada pelo corpo; disposição do corpo no espaço. Uma postura natural deve ser aquela onde, segundo os princípios da biomecânica, as articulações ocupem posição neutra, ou seja, sem movimentos, por exemplo, de extensão ou flexão ou inclinação. Deve ser uma postura que não se requeira grande esforço para mantê-la e assim não prejudique o organismo, não crie sobrecargas funcionais ou condições em que a longo ou curto prazo possam originar processos patológicos.
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Quanto aos aspectos referentes à tecnologia os trabalhadores referem-se à
necessidade do uso de elevadores entre os decks e rampa principal evitando o uso da
escada ou das próprias rampas. Indicam a necessária colocação de um “carro mãe”
(perua) dentro do navio que transporte os estivadores para a faina de estivagem ou
desestivagem de veículos. Este é um recurso que está em uso em portos internacionais,
como os japoneses, europeus e americanos. No processo de trabalho com o “carro mãe”
este se localiza ao lado da rampa no costado. Por exemplo, no caso de descarga os
trabalhadores entram no “carro mãe” que os deixa no deck onde o carro será desestivado
(deck de descarga) e retorna à posição ao lado da rampa no costado. Trabalhadores
trazem os carros e quando o último carro é descarregado novamente o carro mãe os leva
ao deck de descarga. No movimento contrário o carro mãe espera os estivadores no deck
de carregamento e após o último carro embarcado retornam ao costado.
A iluminação do navio deve ser melhorada. Oferecer uma maior luminosidade nos
porões dos navios Ro-Ro possibilita a realização das fainas com mais segurança e
minimiza o contraste de luminosidade entre a rampa de acesso (luz do dia) e o escuro dos
porões. Além disso, na construção de navios cargueiros deve-se considerar as questões
antropométricas e planejar espaços que se adaptem ao homem
Ainda sobre questões de tecnologia considera-se que exaustores eficientes e menos
ruidosos devem ser pensados para navios de carga que podem, por seu ambiente
confinado, expor os trabalhadores a partículas em suspensão e/ou gases emitidos pelos
veículos, sejam de transporte de outras cargas presentes no navio Ro-Ro, seja o próprio
veículo embarcado/desembarcado.
Em relação à prevenção os trabalhadores indicam que as avalições de exposição
dos trabalhadores a agentes físicos/químicos devem ser efetivadas. Os trabalhadores
relatam desconhecer quais condições de exposição, no ambiente de trabalho, a que estão
submetidos. Portanto, deve-se proceder a medições e avaliação da exposição ao ruído
ambiental nos porões dos navios, avaliação da concentração de CO2 e nível de
iluminação no interior dos porões. Conhecer as informações sobre estas exposições é
procedente tanto para eliminação, ou minimização da exposição quando não for possível
eliminar, quanto para o domínio do trabalhador sobre a real condição de exposição a que
está submetido.
As avaliações devem ser desenvolvidas por instituições idôneas que ofereçam
garantia e fidedignidade dos dados de exposição, pois este é um procedimento
recomendado para este tipo de avaliação onde se apresenta o interesse dos
trabalhadores de um lado e das operadoras portuárias de outro, ou seja, a relação entre o
capital e o trabalho.
Os estivadores que estão na função de Sinaleiro, Parqueador e Conexo
permanecem durante toda a jornada de trabalho no interior do navio, assim são os que
estão expostos continuadamente durante a jornada de trabalho.
O modelo de organização do trabalho pautado na produtividade gera aceleração no
trabalho levando a falta de atenção, o cansaço e o sono. O tipo de trabalho realizado no
porto, com engajamentos diários em trabalhos e na busca de compor a remuneração
levam a poucos e insuficientes momentos de descanso. Esta condição provoca em muitas
ocasiões, condições físicas precárias aos condutores para poderem realizar, com a
máxima segurança, uma atividade tão complexa como a de conduzir em meio que exige a
plenitude das condições mentais, como é condução no Porto (Funespor, 2003).
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Neste contexto, a organização do trabalho, ou seja, como o trabalho é estruturado,
planejado, avaliado, deve ser repensada pelas operadoras portuárias prevendo a
participação dos trabalhadores.
O trabalho por produtividade deve ser revisto: qual o melhor “modelo” de
remuneração? Sabe-se que a organização dos trabalhadores enquanto categoria deve
colocar na pauta de negociações as discussões que abordem como o trabalho deve ser
realizado no seu processo e na sua valoração.
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