Introdução Thiago Queiroz Costa HIvaiporã, Ivaiporã, PR, Brasil E-mail: thiago.costa@ifpr.edu.br...

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73Física na Escola, v. 16, n. 2, 2018

Introdução

Há algum tempo, discussõesrelacionadas à matriz energéticabrasileira permeiam as discussões

nos mais variados setores da sociedade,principalmente nos diversos momentos decrise energética que atingiram e impactama vida da população. Nesse sentido, dentrode tal temática, sobretudo relacionado àsenergias renováveis, a proposta deste tra-balho é desenvolver um kit experimentalde baixo custo para se medir a eficiênciade uma fotocélula ou célula fotovoltaicaou simplesmente célula para fins didáticoscom foco na educação básica.

O kit é composto então por uma foto-célula conectada a um potenciômetro,cabos elétricos e um suporte articulado afim de variar parâmetros luminosos quechegam até o dispositivo [1]. O materialbase desse kit foi aproveitado de luminá-rias comumente empregadas em jardinscomo iluminação decorativa (Fig. 1). Essesdispositivos possuem como materialsemicondutor de suas células geralmentefilmes finos de Silício amorfo (a-Si) outambém policristais como cobre, índio,gálio e seleneto (CIS/CIGS).

Embora existam opções de menorpreço em diversos sítios eletrônicos,

optou-se pela escolha dessa luminária poisa célula é fixada a um vidro que tem afunção de sustentação e proteção e tam-bém a parte interna e traseira dessa célulaacondiciona perfeitamente o potenciô-metro a ser utilizado (Fig. 2).

Objetivo

Desenvolver um kit experimental debaixo custo para se medir a eficiência deuma fotocélula ou célula fotovoltaica ousimplesmente célula para fins didáticos

Faça V

ocê

MESMO

Faça V

ocê

MESMO

Thiago Queiroz CostaInstituto Federal do Paraná, CampusIvaiporã, Ivaiporã, PR, BrasilE-mail: thiago.costa@ifpr.edu.br

Usley da Silva CherpinskiInstituto Federal do Paraná, CampusIvaiporã, Ivaiporã, PR, Brasil

A proposta desse trabalho consistiu em desen-volver um kit experimental de baixo custo, rela-cionado a alguns conceitos de Física Modernae Contemporânea (FMC) dentro de um projetode pesquisa/extensão voltado para professoresde física da rede estadual. Ao longo deste, fo-ram buscadas atividades relacionadas com apli-cações da FMC por se acreditar na maior abran-gência dessa opção frente ao público-alvo. Nes-se sentido chegamos ao kit aqui apresentado,composto então por uma fotocélula conectadaa um potenciômetro, cabos elétricos e um su-porte articulado com o objetivo principal de semedir a eficiência de tal dispositivo quando ex-posto à radiação luminosa ou artificial,onde épossível se utilizar tal aparato com diversosenfoques metodológicos, podendo contribuircom a área de ensino de física e ciências.

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Eficiência de uma célula fotovoltaica

Figura 1: Exemplo de luminária de jardimdo tipo “solar”. Fonte:www.blogdaengenharia.com, acesso emJunho de 2018.

Figura 2: Aspecto da célula fotovoltaica (frente e verso).

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com foco na educação básica.

Materiais e equipamentos

Para a confecção do kit foram usadosos seguintes materiais e equipamentos:

Materiais

• 1 Luminária de jardim solar;• 1 potenciômetro linear ou logarítmi-

co com valores entre 1 kΩ a 5 Ω;• 4 pinos banana (2 vermelhos e 2 pre-

tos);• Espaguete termo-retrátil ou fita iso-

lante;• Estanho para solda;• Fios elétricos coloridos e finos;• Madeira para a base do kit;• Suporte articulado de alarme.

Equipamentos e ferramentas:

• Alicate de corte;• Chave de fenda cruzada (chave “Phi-

lips”);• Estilete;• Ferro de Solda;• 2 Multímetros digitais.

Metodologia /procedimentosexperimentais

A proposta deste trabalho é a monta-gem de um kit experimental baseado emuma célula fotovoltaica aproveitada deluminárias decorativas de jardim e, comtal dispositivo, medir a eficiência energé-tica do mesmo ao expô-la à radiação so-lar. Para tanto, com o auxílio de uma cargaconectada à célula, variam-se duas gran-dezas físicas, tensão (V) e corrente (i) ecom tais variações plotam-se duas curvas:corrente (i) em função da tensão (V) e po-

tência (P) em função da tensão (V).A curva i vs.V é característica para

uma célula fotovoltaica (Fig. 3), pois umacélula fotovoltaica não se comporta comouma fonte elétrica convencional. A célulanão apresenta uma tensão de saída cons-tante nos seus terminais. A tensão elétricadepende de sua corrente e vice-versa [3].

A partir da curva potência P vs. V ge-rada pela célula, é possível medir a efi-ciência da célula fotovoltaica por meio daseguinte relação

(1)

em que Pu é a potência útil “fornecida”pela célula e Pa é a potência absorvida pelacélula em W/m2.

É possível empregar a Eq. (1), pois umacélula como a utilizada neste trabalho com-porta-se tecnicamente como um geradorde corrente contínua; logo, podemos aplicara fórmula do rendimento de uma máquinaem regime de corrente contínua [2]. Aindarelacionado com a expressão, a potência útilé obtida a partir da identificação do pontode pico (potência máxima) na curvaapresentada na Fig. 4. [3].

Para se obter a potência absorvidapela célula, deve-se conhecer a intensidadeda radiação solar, irradiação ou irradiânciaem W/m2 que atinge o dispositivomultiplicada pelo valor da área da célulaem m2. Para se medir a irradiância de for-ma precisa, é necessário o uso de aparelhosdenominados solarímetros; contudo, devi-do a esta proposta ser voltada para o ensi-no, sugere-se o uso de estimativas paraessa grandeza, em acordo com as condi-ções atmosféricas locais no momento de

realização da atividade experimental. Paratais estimativas, empregou-se o gráficoda Fig. 5.

A depender da condição climática dolocal, usa-se um dos valores indicados naFig. 5, ou seja, 1000 W/m2 com o dia enso-larado e sem nuvens, cerca de 700 W/m2

para o dia com sol entre nuvens, aproxima-damente 400 W/m2 para os dias nubladose nos dias de chuva cerca de 100 W/m2 –mesmo que nesta proposta não seja pos-sível realizar a atividade em dias chuvosos,os demais são plausíveis.

Montagem do kit experimental

Para o desenvolvimento desse kit ex-perimental, iremos conectar uma carga àcélula; no caso, usaremos um potenciô-metro linear ou logarítmico com valoresentre 1 kΩ a 5 kΩ, de acordo com o circuitoelétrico representado na Fig. 6. Em termosde realização do procedimento experimen-tal, a variação da resistência no potenciô-metro provocará alterações nos valores datensão elétrica e na intensidade da correnteelétrica gerados pela célula. Com essesvalores, iremos construir as curvas carac-terísticas da célula e também propor a me-dição da eficiência desse dispositivo.

A partir do diagrama apresentado naFig. 6 partimos para a montagem dessekit experimental de forma detalhada.Passo 1:

Vamos nos concentrar em utilizar aparte de trás da célula, onde é possível

Eficiência de uma célula fotovoltaica

Figura 3: Curva característica i vs. V paraa célula fotovoltaica. Fonte: Ref. [2].

Figura 4: Curva característica P vs. V paraa célula fotovoltaica. Fonte: Ref. [2].

Figura 5: Influência da radiação solar naoperação da célula fotovoltaica. Fonte:Ref. [3].

Figura 6: Diagrama da ligação elétrica dacélula fotovoltaica.

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observar os parafusos que mantém oscomponentes internos fixos e também oLED usado para a iluminação decorativado jardim. Com o auxílio de uma chavede fenda cruzada, ou chave Philips, retireesses parafusos e essa tampa com cuidadopara não arrebentar os fios que estarãopresos aos LED e também à pilha que vemcom o conjunto (Fig. 7).Passo 2:

Retiramos cuidadosamente a pilha, oLED, uma pequena placa de circuito im-presso e em alguns modelos também umachave liga/desliga. Com o auxílio de umalicate, corte os dois fios que se conectamà célula, deixando-os com o maior com-primento possível, conforme ilustra afigura. O fio de coloração azul nesse mo-delo de célula é o negativo, mas em casode dúvida, o uso de um multímetro resol-ve facilmente a questão, pois, dependendodo fabricante, esse padrão de cores mudaconsideravelmente. Aproveitando ainda oalicate de corte, descasque as pontas dosfios internos da célula (Fig. 8).

Passo 3:O próximo passo é preparar os cabos

elétricos de medição; para isso deve-se cor-tar 4 cabos de cores variadas e comaproximadamente 40 cm de comprimento(neste manual usamos azul, preto, mar-rom e amarelo, mas poderão ser usadasquaisquer outras cores). Com o auxíliodo ferro de solda e estanho solde esses ca-bos nos plugues banana de modo que fi-quem dois cabos com ponta vermelha eos demais com a ponta preta. (Nesta pro-posta, os cabos de coloração amarela eazul ficaram com os plugues banana ver-melhos) (Fig. 9).Passo 4:

Com os cabos preparados, partimospara abrir espaço suficiente a fim de encai-xarmos o potenciômetro na parte de trásda célula. Com a ajuda de alicate de corteou estilete, retire o excesso de plástico,conforme necessário para o encaixe no po-tenciômetro. Na sequência, encaixe opotenciômetro no orifício central datampa que anteriormente era ocupado pe-

lo LED, de modo a deixar o botão de ajustepara o lado externo da célula (Fig. 10).Passo 5:

Após preparação dos cabos elétricos,vamos conectar esses cabos com o pluguepreto (marrom e preto neste trabalho) aopolo negativo da célula, neste exemplo re-presentado pelo fio de cor azul. Usando osorifícios da tampa da célula, deixe os plu-gues banana para o lado externo (Fig. 8).Após a conexão, solde esses cabos elétricosque foram unidos anteriormente e isole esseponto (Fig. 11).Passo 6:

Vamos continuar a conexão dos caboselétricos, aqueles com os plugues na colo-ração vermelha. Assim como para osoutros, estes devem ser passados pelos ori-fícios da tampa. Na sequência, em acordocom o circuito elétrico da Fig. 3, parte-separa a soldagem do cabo positivo da célula(vermelho nessa célula) no pino central dopotenciômetro e, seguindo a coloração dessekit, solda-se o cabo amarelo (será o quemedirá a tensão elétrica da célula) ao pinoesquerdo do potenciômetro. Na sequência,com a solda ou com o auxílio de um gram-po metálico faça um “jump” nesses doispinos, deixando-os unidos. Solde o caborestante (aqui na coloração azul) ao pinolivre do potenciômetro (Fig. 12).

Eficiência de uma célula fotovoltaica

Figura 7: Retirada da tampa traseira da célula.

Figura 8: Retirada dos componentes eletrônicos e preparação dos fios da célula.Figura 9: Soldagem dos cabos elétricospara medição de grandezas elétricas.

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Passo 7:Com os cabos soldados e isolados, fe-

che a tampa com o auxílio dos parafusos ea chave fenda cruzada, de modo que emnossa montagem o cabo amarelo será liga-

Figura 10: Encaixe do potenciômetro na tampa da célula fotovoltaica.

Figura 11: Conexão dos cabos elétricos ao polo negativo da célula fotovoltaica.

Figura 12: Conexão dos cabos elétricos ao polo negativo da célula fotovoltaica.

do ao voltímetro e o azul ao amperímetro.O último passo dessa montagem é ainserção de um suporte articulado, da-queles usados em alarmes, entre a célula euma base de madeira ou plástico (Fig. 13).

Procedimento experimental

Essa proposta é voltada para que aatividade experimental seja realizada aoar livre sob iluminação solar ou mesmoiluminação difusa ambiente, pois a célulacapta tanto a radiação solar direta comoa radiação difusa. É possível tambémrealizar a prática em ambiente internocom iluminação artificial, sendo necessá-rio para isso estimar/calcular ou medir airradiação que chega até a célula.

O procedimento experimental consis-te em deixar a célula com uma inclinação,conectá-la ao voltímetro e ao amperíme-tro, rotacionar o potenciômetro até que ovalor da tensão seja o máximo observado(para essa célula, em torno de 2 V), demodo que consideramos esse estado comoinicial. Em seguida, deve-se rotacionar opotenciômetro no sentido contrário aoponto inicial e anotar os valores apresen-tados no voltímetro e amperímetro deforma a ter no mínimo vinte pontos ex-perimentais (V; i).

Com tais dados, plota-se a curva ougráfico i vs. V e também a curva P vs. Vdessa célula, utilizando-se qualquer soft-ware de edição de planilha ou softwarespróprios para construção de gráficoscomo SciDAVis, que é livre e voltado tam-bém para fins educacionais. Um cuidadoao se realizar o procedimento é monitorara temperatura da célula, a fim de que nãose eleve muito, pois esse parâmetro influ-encia o rendimento de tal dispositivo

Resultados e discussões

Aqui, apresenta-se um exemplo de

Figura 13: Célula conectada ao voltímetroe amperímetro e célula finalizada.

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Tabela 1: Parâmetros experimentais da célula exemplo desta proposta.

Parâmetros experimentais

Área da célula 9 × 10-4 m2

Condição ambiental Dia ensolarado sem nuvensHorário 11:00 hIrradiação estimada 800 W/m2

Temperatura no local 22 °C

dados experimentais (Tabela 1) coletadosem diversos momentos na região do cam-pus em que o kit foi desenvolvido, comas principais grandezas relevantes para aatividade experimental.

Com conhecimento desses dados (Ta-bela 1) e realizando a variação da resistên-cia no potenciômetro conectado a essa cé-lula, foram obtidos os correspondentespontos experimentais de tensão e corrente(V; i) medidos com o auxílio de dois multí-metros digitais, um na função voltímetroe outro como amperímetro. Primeira-mente, com tais dados, apresenta-se o grá-fico ou curva experimental i vs. V (Fig. 14).

Ao comparar essa curva experimen-tal com a da Fig. 3, é possível observarque o comportamento está dentro do espe-rado para uma célula fotovoltaica, comuma escala em que se apresentam valorespequenos tanto para tensão quanto paraa corrente, devido ao tamanho ou área dodispositivo empregado, mas ressalta-se aobtenção de uma curva experimentaladequada aos propósitos educativos dessetrabalho. Na sequência, ainda com essesdados experimentais, foi obtida a curva Pvs. V (Fig. 15), de modo que a potênciafornecida pela fotocélula é calculada me-diante a multiplicação dos valores da cor-rente pela tensão.

A curva experimental da potência emfunção da tensão (P vs. V) também apre-sentou um comportamento em acordo como esperado para uma célula fotovoltaica. Apartir dessa curva e seguindo a metodo-logia adequada [3], foi empregado o pontode máxima potência na Eq. (1) e, com osvalores da irradiação e área da célula, foiobtida uma eficiência de aproximadamente6% para o dispositivo empregado nestaproposta. Para as tecnologias possíveis paraessas fotocélulas de jardim, as eficiênciasficam numa faixa de 7,5% para a tecnologiade silício amorfo e em torno de 10% paraas células de CIS/CIGS [3].

Considerações finais

Dentro da proposta inicial, foi possívelconstruir um kit experimental didáticocom custo aproximado de R$ 15,00 porunidade, sendo então factível de se usarem diversas realidades e contextos educa-cionais. É possível ainda utilizá-lo em va-riados níveis de ensino e com variadas pro-postas metodológicas, desde o laboratóriotradicional até uma abordagem com en-foque CTSA (Ciência, Tecnologia, Socie-dade e Ambiente).

A depender dos conhecimentos téc-nicos e disponibilidade do professor, épossível tornar tal kit ainda mais barato,com a compra da célula em quantidadeem sítios diversos na internet, sendo

Figura 14: Curva experimental i vs. V para a célula empregada neste trabalho.

Figura 15: Curva experimental P vs. V para a célula empregada neste trabalho.

necessárias algumas adaptações à pro-posta aqui apresentada. Outro ponto adestacar foram as curvas experimentaisobtidas, que se aproximam do que eraesperado para as células fotovoltaicas;

portanto, dentro dos objetivos, acredita-se que a proposta aqui apresentada podecontribuir no sentido de promover ati-vidades experimentais no ensino de ciên-cias como um todo.

Referências

[1] D.O. Toginho Filho e E. Laureto, in: Catálogo de Experimentos do Laboratório Integrado deFísica Geral, Departamento de Física, editado por D.O. Toginho Filho e E. Laureto(Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010).

[2] F.A.S. Pereira e M.A.S De Oliveira, Laboratórios de Energia Solar Fotovoltaica (Publindústria,Porto, 2011).

[3] M.G. Villalva, Energia Solar Fotovoltaica: Conceitos e Aplicações (Erica, São Paulo, 2013).

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