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J o o D a n i e l R a s s i
I M P U T A O D A S A E S N E U T R A S E O D E V E R D E
S O L I D A R I E D A D E N O D I R E I T O P E N A L B R A S I L E I R O
FACULDADE DE DIREITO DA USP
So Paulo
2012
J o o D a n i e l R a s s i
I M P U T A O D A S A E S N E U T R A S E O D E V E R D E
S O L I D A R I E D A D E N O D I R E I T O P E N A L B R A S I L E I R O
Tese sob orientao do professor titular
Vicente Greco Filho, do Departamento de
Direito Penal, Medicina Forense e
Criminologia, da Faculdade de Direito da
Universidade de So Paulo, como requisito
parcial obteno do ttulo de Doutor em
Direito.
FACULDADE DE DIREITO DA USP
So Paulo
2012
B A N C A E X A M I N A D O R A
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
Ao professor Vicente Greco Filho, por tudo.
Ao professor Paulo Jos da Costa Jr. cujas mos sensveis
me conduziram vida acadmica
Ao professor Antonio Luis Chaves Camargo (in memoriam)
porque, ao democratizar o ensino do direito
penal, acabou me ensinando tambm.
(...) porque nenhum segue mais leis, que as da
convenincia prpria. Imaginar o contrrio, querer
emendar o mundo, negar a experincia, e esperar
impossveis (Padre Antonio Vieira. Obras inditas.
Tomo I, Lisboa: Editores, J.M.C. Seabra & T. Q.
Antunes, 1856, p. 21).
RESUMO
A presente tese se prope a analisar os limites entre a participao criminal e a
conduta impune, com o objetivo de enfrentar a problemtica das chamadas aes neutras,
a partir do fundamento do injusto da participao criminal.
Para tanto, so expostas as diversas teorias que explicam o injusto do partcipe,
entre as quais feita opo pela mais adequada sistemtica brasileira do concurso de
pessoas, a qual servir de base para a apresentao do prprio ponto de vista para resolver
a questo da punibilidade das condutas a priori neutras.
A teoria da imputao objetiva foi considerada como um instituto essencial na
anlise da participao criminal, o que permitiu a abordagem sobre o desvalor da conduta
do partcipe como objeto de imputao.
O desvalor da conduta do partcipe, por sua vez, foi entendido como uma violao
do dever de solidariedade, o que implicou no tratamento da solidariedade humana objetiva
como elemento imprescindvel para a existncia social coesa, a partir do pensamento de
Durkheim e Giddens.
Por fim, aceitando o pressuposto de que nem todos so responsveis pelo
comportamento alheio, a omisso penalmente relevante foi estudada como critrio capaz
de limitar a responsabilidade penal no caso em que h concurso de pessoas para a prtica
de crime, na discusso do seu limite mnimo.
Palavras chave: limites da participao criminal aes neutras ou cotidianas dever de
solidariedade
ABSTRACT
The present work aims to analyze the boundaries between the criminal participation
and non-punishable conducts, with the intention of addressing the question of the so-called
neutral or daily actions, from the standpoint of the unjust of the criminal participation.
To this effect, the work begins by exposing the numerous theories that explain the
unjust of the criminal participation. The study is then limited to the one that best fits the
Brazilian law regarding concerted actions, which will then be used as grounds to the
authors point of view to address the issue of the punishment of the actions that a priori are
daily or neutral.
The theory of objective imputation was considered essential to the analysis of the
criminal participation, thus allowing the study of the social disapproval of the conduct of
the accessory as the object of criminal imputation.
The social disapproval of the conduct of the accessory, on the other hand, was seen
as a breach in the obligation of solidarity, which resulted in objective human solidarity
being considered a fundamental element to a cohesive social existence, as stated by
Durkheim and Giddens.
Finally, according to the assumption that not everyone is responsible for other
peoples behavior, relevant criminal omission was studied as a criteria to restrict criminal
liability in concerted actions, when debating its minimal limit.
Keywords: limits of criminal participation neutral or daily actions - obligation of
solidarity
RIASSUNTO
La presente tesi si propone di analizzare i limiti tra la partecipazione criminale e la
condotta impune, con lobbiettivo di affrontare la problematica delle chiamate azioni
neutre, a partire dal fondamento della fattispecie delittuosa della partecipazione criminale.
A tal fine, sono esposte le diverse teorie che spiegano la fattispecie delittuosa del
compartecipe, tra le quali si predilige, come pi confacente, la sistematica brasiliana del
concorso di persone, la quale servir come base per proporre il proprio punto di vista, al
fine di dirimere la questione della punibilit delle condotte a priori neutre.
La teoria dellimputazione oggettiva stata qualificata come unun istituto
essenziale allanalisi della partecipazione criminale, il che ha permesso di discutere circa la
svalutazione della condotta del compartecipe come oggetto dimputazione.
La svalutazione della condotta del compartecipe, a sua volta, stata intesa come
una violazione del dovere di solidariet, il che ha implicato, nel trattamento della
solidariet umana obbiettiva, come elemento imprescindibile per lesistenza sociale coesa,
a partire dalla concezione di Durkheim e Giddens.
Infine, accogliendo il presupposto secondo il quale non tutti sono responsabili per il
comportamento altrui, lomissione penalmente rilevante stata considerata come criterio
capace di limitare la responsabilit penale nel caso in cui esista un concorso di persone
nella commissione di un reato, nelle discussione del suo limite minimo.
Parole chiave: limiti della partecipazione criminale - azioni neutri o quotidiane - dovere di
solidariet
SUMRIO
1. CONSTELAO DE CASOS ....................................................................................... 12
1.1. Casos da jurisprudncia brasileira ............................................................................... 13
1.2. Casos da jurisprudncia espanhola: ............................................................................. 16
2. INTRODUO: .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.1. Abordagem do tema: justificativa para a escolha e importncia do tema. .................. 18
2.2. Contribuio original da tese cincia jurdica brasileira .......................................... 21
3 . A S C O N D U T A S N E U T R A S O U L A B O R A I S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 2
3.1. Colocao do problema ............................................................................................... 22
3.2. Conceito de conduta neutra ......................................................................................... 25
3.2.1. As aes neutras como um problema da participao criminal ........................... 28
3.2.2. O problema das aes neutras a ttulo de autoria ................................................. 30
3.3. Aes neutras na perspectiva criminolgica: .............................................................. 31
3.4. Teorias clssicas .......................................................................................................... 32
a) Adequao social ................................................................................................... 32
b) Princpio da insignificncia ................................................................................... 35
c) Proibio de regresso ............................................................................................ 35
4. A PARTICIPAO DELITIVA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO:
FUNDAMENTOS E LIMITES ....................................................................................... 39
4.1. Posio do problema: pressupostos tericos ............................................................... 39
4.2. Delimitao conceitual (necessria) entre autoria e participao: o sistema legal
brasileiro ...................................................................................................................... 43 4.2.1. Anotaes sobre os modelos de concurso de pessoas.......................................... 43
4.2.2. O contexto legal brasileiro ................................................................................... 46
4.2.2.1. O Cdigo Penal de 1940 ................................................................................. 46
4.2.2.2. A reforma da parte geral de 1984: o polmico art. 29 .................................... 49
4.2.2.3. Nossa posio.................................................................................................. 54
4.3. O princpio da acessoriedade ....................................................................................... 57
4.3.1. A acessoriedade e o modelo de concurso de pessoas .......................................... 57
4.3.2. A dependncia do grau de realizao do iter criminis: acessoriedade
quantitativa ........................................................................................................... 59
4.3.3. A dependncia dos elementos do fato punvel: acessoriedade qualitativa........... 59
4.3.4. O tratamento dado acessoriedade no direito brasileiro ..................................... 61
4.3.5. Acessoriedade versus fundamento da punio da participao ........................... 63
4.4. A participao criminal no direito brasileiro: esclarecimento terminolgico ............. 64
4.5. Fundamento do injusto da participao: o limite mnimo da participao .................. 68
4.5.1. A corrupo do autor como fundamento da punibilidade da participao:
teorias ................................................................................................................... 71
4.5.2. A fundamentao da pena do partcipe e sua contribuio a leso do bem
jurdico ................................................................................................................. 75
4.5.2.1. Teoria da participao independente ou teoria pura da causao (Die reine Verursachungstheorie) ......................................................................... 76
4.5.2.1.1. A posio de Lderssen: a negao da acessoriedade .................................. 77
4.5.2.1.2. Outras verses da teoria pura da causao ................................................... 80
4.5.2.1.3. Consequncias prticas da compatibilidade da teoria pura da causao e
o princpio da acessoriedade, entendido como pressuposto (e no como
fundamento) da pena do partcipe. ............................................................... 83
4.5.2.2. Teoria da causao orientada acessoriedade ou teoria da participao no
injusto ou teoria da causao ou do favorecimento ........................................ 86
4.5.2.2.1. A dependncia absoluta do injusto do partcipe em relao ao injusto do
autor .............................................................................................................. 87
4.5.2.2.2. Teoria do ataque acessrio ao bem jurdico protegido ................................. 88
4.5.2.3. Tendncias modernas ...................................................................................... 92
4.5.2.3.1. Solidarizao com o injusto alheio ............................................................... 92
4.5.2.3.2. Teoria da participao no injusto referida ao resultado ................................ 95
4.6. Teorias de autores nacionais que explicam a problemtica das aes neutras sem,
necessariamente, se posicionarem sobre o fundamento do injusto da participao ... 100
4.7. A participao criminal e a imputao objetiva ......................................................... 102
4.7.1. A causalidade da contribuio delitiva do partcipe ........................................... 102
4.7.2. A imputao objetiva do partcipe ..................................................................... 103
4.8. A misso do direito penal e o direito penal como um sistema aberto ........................ 104
5. DO DEVER DE SOLIDARIEDADE ............................................................................ 107
5.1. As cincias sociais como sistema necessrio de anlise ............................................ 107
5.2. A expanso do direito penal frente s transformaes sociais: aspectos crticos ....... 109
5.3. O dever de solidariedade e a expanso do direito penal............................................. 111
5.4. O conceito de solidariedade de E. Durkheim e o direito penal. ................................. 113
5.4.1. Os fatos sociais" ................................................................................................ 114 5.4.2. A diviso de trabalho .......................................................................................... 116
5.4.3. Conceito objetivo de solidariedade e o direito (penal) ....................................... 117
5.4.4. A solidariedade (objetiva) mecnica e o direito penal ........................................ 118
5.4.5. A solidariedade (objetiva) orgnica .................................................................... 120
5.5. A. Giddens e a nova modernidade ............................................................................. 122
5.6. A solidariedade social ................................................................................................ 128
5.7. Sistema peritos ........................................................................................................ 129 5.8. Cultura do controle: a contribuio de D. Garland para o debate atual do direito
penal. .......................................................................................................................... 130
5.9. A finalidade da pena para Garland. ............................................................................ 131
5.10. Dever de solidariedade e aes neutras ................................................................... 135
6. CONSTRUO DO FUNDAMENTO DO INJUSTO DA
PARTICIPAO EM SEU LIMITE MNIMO: A TESE .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
6.1. Pressupostos tericos ................................................................................................. 142
6.2. Tipicidade substancial, a imputao das aes neutras e o dever de
solidariedade144
6.3. Possveis crticas ao nosso posicionamento ............................................................... 152
a) posicionamento ad hoc .......................................................................................... 152
b) a aplicao de uma norma de extenso construda para crimes omissivos (art.
13 2, CP) tambm para crimes comissivos ........................................................ 152
c) Todo interveniente neutro no fato do autor converte-se em garante de sua evitao? ............................................................................................................... 154
7. A OMISSO PENALMENTE RELEVANTE .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155
7.1. Consideraes iniciais ................................................................................................ 155
7.2. Escolas penais e a distino entre ao e omisso: observaes crticas ................... 157
7.2.1. Causalismo .......................................................................................................... 157
7.2.2. Neokantismo ....................................................................................................... 159
7.2.3. Finalismo ............................................................................................................ 159
7.3. O pensamento de Armin Kaufmann ........................................................................... 160
7.3.1. Crticas ao pensamento de Armin Kaufmann ..................................................... 162
7.3.2. Outras propostas de diferenciao a partir do pensamento de Armin
Kaufmann............................................................................................................ 163
7.4. Concluses preliminares ............................................................................................ 168
7.5. Aproximao conceitual: delitos de omisso imprpria ............................................ 168
7.6. A posio de garante: as teorias do dever jurdico e das posies de garantia .......... 171
7.6.1. Teorias do dever jurdico: o dever de garantia.................................................... 171
7.6.2. Crtica positivao de todas as fontes de garantia ............................................ 175
7.6.3. Garantidor em razo de lei e do contrato ............................................................ 176
7.6.4. De outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado .................. 180
7.6.5. Garantidor em funo do comportamento anterior ............................................. 182
7.6.6. Ingerncia em Gnther Jakobs ............................................................................ 182
7.6.7. Tomada de postura .............................................................................................. 184
7.7. A questo da participao por omisso ...................................................................... 188
7.7.1. O problema da infrao do dever para justificar a interveno punvel ............. 188
7.7.2. Da possibilidade de participao por omisso .................................................... 190
7.7.3. A participao por omisso segundo a teoria do domnio do fato ...................... 191
7.7.4. A participao por omisso segundo a teoria diferenciadora ............................. 192
7.7.5. Requisitos para a participao por omisso ........................................................ 195
7.7.6 Aes neutras e participao por omisso .......................................................... 200
8. SOLUO DOS CASOS .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
8.1. Julgados 1 e 2. ............................................................................................................ 203
8.1.1. Do contexto legal da criminalizao da advocacia ............................................. 204
8.1.2. Crime de lavagem de dinheiro ............................................................................ 205
8.1.3. Responsabilidade Penal do Advogado e o Crime de Lavagem de Dinheiro ...... 208
8.1.4. Responsabilidade Penal do Advogado Parecerista ............................................. 215
8.1.5. Posicionamento ................................................................................................... 217
8.2. Julgado 3. ................................................................................................................... 218
8.3. Julgado 4. ................................................................................................................... 219
8.4. Julgado 5. ................................................................................................................... 219
8.5. Julgado 6. ................................................................................................................... 220
8.6. Julgado 7 e 8. .............................................................................................................. 220
8.7. Julgado 9. ................................................................................................................... 224
8.8. Julgado 10. ................................................................................................................. 224
8.10. Julgado 11. ............................................................................................................... 224
8.11. Outras hipteses ....................................................................................................... 225
8.11.1. O contador ........................................................................................................ 225
8.12.1. Criminal compliance ............................................................................................. 226
8.12.1.1. Esclarecimentos terminolgicos .................................................................... 226
8.12.1.2. Compliance e outros cargos coorporativos .................................................... 227
8.12.1.3. A exigncia tica no mbito coorporativo ..................................................... 228
8.12.1.4. Arcabouo legal das regras ticas dos programas de compliance ................. 229
8.12.1.5. Compliance e direito penal ............................................................................ 230
9 . C O N C L U S E S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 3 2
1 0 . R E F E R N C I A S B I B L I O G R F I C A S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 3 6
12
1. CONSTELAO DE CASOS
Diversos so os exemplos de contribuio ao delito apresentados pela doutrina
como paradigmas da dita ao neutra (cotidiana ou laboral). Em todos os estudos sobre o
tema, proliferam exemplos doutrinrios que pretendem ilustrar o carter social ou
profissionalmente adequado dessas contribuies ao delito perpetrado (como autor) por
outrem.
De outra banda, no apenas a doutrina que lida com o tema. A
jurisprudncia estrangeira, primordialmente a alem, tambm tem enfrentado a questo
em julgamentos, aos quais no raro oferece solues com base nos critrios de imputao
ou de excluso da imputao preconizados pelas diversas teorias das aes neutras.
Especialmente de relevo para o presente trabalho so os julgados brasileiros
que, apesar de expressamente no utilizarem teorias especficas sobre a participao nas
aes neutras, tratam do problema, que est no contexto da participao delitiva cada um
a sua maneira, ou, como preferem alguns, com solues ad hoc.
Exemplos desses casos jurisprudenciais, alguns emblemticos, so
encontrados a seguir e servem como hipteses sobre a relevncia e amplitude do
problema que se pretende enfrentar.
Nessa seleo optou-se por indicar casos relacionados a crimes que ofendem
bens jurdicos individuais ou coletivos, previstos no Cdigo Penal ou leis especiais
brasileiras. Optou-se, tambm, por indicar casos da jurisprudncia espanhola, pela sua
acessibilidade.
Ao final da tese, apresentaremos nossa soluo a todos eles.
Por fim, os casos aventados pela doutrina sero referidos indiretamente, a
ttulo exemplificativo, nem sempre nos posicionando a respeito, quando tratarmos das
teorias dos diversos autores que enfrentaram o problema.
13
1.1. Casos da jurisprudncia brasileira
Julgado 1 : C.S.L.S., Procuradora do Municpio de Santo Andr SP, foi
denunciada pela prtica do crime previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/90 (fraude em
licitao), por ter, no exerccio de sua funo, emitido pareceres opinando pela legalidade
de aditamentos contratuais celebrados entre a empresa X e a Prefeitura de Santo Andr,
os quais foram, posteriormente, considerados como ilegais pelo Ministrio Pblico.
Recebida a denncia pela 2 Vara Criminal de Santo Andr, a defesa de C.S.L.S.
impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justia do Estado de So Paulo,
postulando o trancamento da ao penal por falta de justa causa, tendo em vista a
atipicidade da conduta, por se tratar de advogada no exerccio de funo opinativa, e por
no estar o Estado vinculado a opinio emitida pelo parecerista. A ordem, contudo, foi
denegada; o que impulsionou a defesa da denunciada a ingressar com o remdio
constitucional perante o Superior Tribunal de Justia, pelos mesmos argumentos.1
Julgado 2: M.B., C F. e O. R., advogados, prestam assistncia tributria que
consiste na elaborao de defesas e pareceres jurdicos, bem como na formulao de
planejamento tributrio para a empresa X, de propriedade de J.P. e A.S., os quais foram
denunciados como incursos nas penas do art. 1, II, da Lei n. 8.137/90. Em aditamento
denncia, M.B., C F. e O. R. tambm foram denunciados pelos mesmos crimes, na forma
prevista pelo art. 11 da mesma Lei, por entender que os advogados participaram da
consumao dos delitos na medida em que, atravs de seu servio de consultoria fiscal,
aconselharam os donos da empresa a adotar prticas que sabiam ser ilcitas, com vistas a
assegurar a reduo ou supresso de impostos.2
1 STJ, HC n. 78.553-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6 Turma, data de julgamento:
09/10/2007, DJ 29/10/2007. 2 Julgado trazido colao por Maria Elizabeth Queijo na obra Responsabilidade penal do advogado
parecerista em matria tributria. In: Coord. Davi de Paiva Costa Tangerino e Denise Nunes Garcia
(coord.). Direito penal tributrio.. So Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 274 e tambm utilizado por Matias
Illg. Planejamento tributrio: estamos diante de uma conduta neutra? In: Alberto Silva Franco e Rafael Lira
(coord.). Direito penal econmico questes atuais.. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 277-297.
14
Julgado 3: R.A., funcionria do Banco X, prestava assessoria financeira a
C.P., correntista daquele banco e funcionrio pblico. Ocorre que C.P., durante o
exerccio da funo pblica, recebeu vantagens ilcitas decorrentes de desvio de recursos
pblicos, e fez depsitos em bancos estrangeiros sem os declarar ao Banco Central do
Brasil (Bacen) ou Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRF). Por tais condutas, C.P.
foi denunciado pelos crimes previstos no art. 317, 1, c/c o art. 327, 2, ambos do Cdigo
Penal; art. 22, pargrafo nico, da Lei n. 7.492/86; art. 1, V e VII, art. 1, II, c/c art. 1,
4, da Lei n. 9.613/98; e art. 288, do Cdigo Penal. Por ter auxiliado C.P. na lavagem de
ativos e na manuteno de depsitos no exterior de maneira irregular, R.A. tambm foi
denunciada como incursa nos crimes previstos no art. 22, pargrafo nico, da Lei n.
7.492/86; no art. 1, V e VII, c/c art. 1, 4, da Lei n. 9.613/98; art. 1, 2, II, da Lei n.
9.613/98; e art. 288 do Cdigo Penal. C.P. veio a falecer antes da prolao da sentena.
Julgado 4: A empresa X utilizou os servios da empresa Y para comercializar
os ttulos de capitalizao por ela emitidos. No entanto, enquanto a empresa X possua a
devida autorizao para funcionar como sociedade de capitalizao, o mesmo no ocorria
com a empresa Y. Por outro lado, a venda de tais ttulos, na modalidade compra
programada, foi marcada por diversas irregularidades e acabou por lesionar inmeros
adquirentes as quais jamais receberam de volta os valores investidos. Em decorrncia
de tais fatos, E.D.F. e R.F.S.S. representantes legais da empresa X foram denunciados
pela prtica dos crimes previstos nos arts. 5, caput e pargrafo nico, 7, 8 e 16, todos
da Lei n. 7.492/1986.3
Julgado 5: Os scios da empresa X, especializada na importao e comrcio
de artigos de luxo, foram denunciados pela prtica dos crimes previstos nos arts. 288, 299
e 334 do Cdigo Penal, c/c o artigo 1 da Lei 9.034/95, c/c o artigo 2, a, da Conveno
das Naes Unidas Contra o Crime Organizado, c/c o arts. 21, pargrafo nico, e 22,
pargrafo nico, primeira figura, da Lei n. 7.492/86, todos estes c/c os artigos 29 e 69,
do Cdigo Penal por ter, em conjunto, e por vrias vezes, falsificado a documentao que
instrua a Declarao de Importao de diversos bens; bem como simulado a interposio
de importadores e exportadores fraudulentos entre os reais contratantes (fornecedor e
3 Autos n. 2004.61.81.000329-1, 6 Vara Federal de So Paulo SP.
15
adquirente destes bens), com o fim de ocultar a identidade deste ltimo perante os
sistemas de dados da Receita Federal e do Banco Central do Brasil relativos ao comrcio
exterior e cmbio, visando ao subfaturamento de inmeras operaes. M.B., funcionria
da empresa X, era encarregada de funes administrativas de pouca complexidade, e seu
poder decisrio era bastante limitado. No entanto, era responsvel pela traduo, para o
idioma ptrio, dos pedidos de fornecedores estrangeiros que seus chefes traziam consigo
aps realizarem viagens ao exterior; e tinha conhecimento de que o esquema que ajudava
a alimentar era fraudulento. Por isso, foi denunciada pelo cometimento dos mesmos
crimes que os demais scios da empresa4.
Julgado 6: A.A.C., motorista de txi da cidade de Palmital, conduziu X e Y
at determinados endereos, onde estes praticaram assaltos. Aps, transportou-os de volta
e recebeu pela corrida feita; sem, no entanto, ter cincia das atividades delituosas de seus
passageiros. Em primeira instncia, foi condenado como coautor dos crimes praticados
por X e Y. Inconformado, apelou.5
Julgado 7: O.J.V., proprietrio de uma madeireira da cidade de Prudentpolis,
emprestou trator e moto-serra para P.M.M. para que este cortasse rvores da espcie
Araucria angustiflia, considerada de preservao permanente, sem permisso da
autoridade competente. Em troca do emprstimo, recebeu metade da quantidade de
madeira cortada.6
4 Autos n. 0009015-40.2009.403.6181, em trmite perante a 6 Vara Criminal Federal de So Paulo SP.
5 A deciso tambm foi utilizada por Lus Greco. Cumplicidade atravs de aes neutras a imputao
objetiva da participao. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. Segue ementa do acrdo citado: CO-AUTORIA Falta de participao consciente e voluntria do acusado no crime Mera conduo do co-ru em que aquele se verificou Absolvio Inteligncia do art. 25 do CP. No basta para configurar a co-autoria o simples auxlio material, sendo necessrio demonstrar-se um acordo de vontade, no sentido de uma participao
ciente e consciente na obteno do resultado visado pela prtica do ato ilcito. (TACr. Apelao n. 235.631, Rel. Des. Camargo Sampaio, data de julgamento 23.12.1980, JTACrSP LEX
70, p. 199-200). 6 CRIME AMBIENTAL VIOLAO DO ARTIGO 45 DA LEI 9.605/98 CORTAR OU TRANSFORMAR
EM CARVO MADEIRA DE LEI, EM DESACORDO COM AS DETERMINAES LEGAIS APELAO QUE COLIMA COM ABSOLVIO, A PRETEXTO DE INEXISTIR PROVA DE ENVOLVIMENTO DO
APELANTE NO ILCITO IMPROCEDNCIA DO ARGUMENTO EM FACE DA CONDENAO ESTAR ANCORADA EM CONVINCENTE PROCA, MATERIAL E TESTEMUNHAL, ALM DE RESULTAR DE
EXPRESSA CONFISSO. SENTENA ESCORREITA ALEGAO DE QUE TERIA SIDO A EMPRESA A FORNECER O EQUIPAMENTO DELA NO PARTICIPANDO O ACUSADO NO COMPROVAO EM RAZO DE NO TER SIDO JUNTADO O CONTRATO SOCIAL DA FIRMA AUTOAO FEITA NA PESSOA DO RU DESPROVIMENTO RECURSAL. (TJ/PR, Apelao n. 296129-5, Rel. Des. Joo Domingos Kster Puppi, data de publicao 26/01/2007).
16
Julgado 8: Indivduos no identificados cortaram quatro rvores em bosque
protegido pela legislao ambiental, dentro de um condomnio de casas de campo.
A.A.F., Presidente do Conselho de Administrao do condomnio, foi processado
criminalmente e condenado pelas condutas tipificadas nos arts. 38 e 39 da Lei n.
9.605/987.
Julgado 9: E., esposa de A., era frequentemente agredida fisicamente por seu
marido. Relatou este fato a seu irmo B. e seu primo C., os quais decidiram procurar
vingana. Certa noite, quando A. j estava dormindo, B. e C. foram casa de E., armados
com facas, e bateram porta. E., ao verificar que seu marido j estava dormindo, abriu a
porta para seu irmo e primo, e lhes franqueou a entrada. Estes, ento, amarraram A. e o
carregaram at um terreno baldio, onde o violentaram com facadas e o jogaram em um
poo, no qual veio a falecer. B., C. e E. foram pronunciados e levados a jri popular, pelo
cometimento do homicdio duplamente qualificado. O jri de E., no entanto, no se
realizou, devido a um habeas corpus impetrado em seu favor, que acabou por anular sua
sentena de pronncia por falta de fundamentao8.
1.2. Casos da jurisprudncia espanhola:
Julgado 10: Membros do grupo terrorista espanhol ETA sequestraram o
empresrio J.C. e o mantiveram em cativeiro por quase um ano. Durante este perodo, um
dos membros do grupo responsvel pela manuteno do cativeiro, F., levava as roupas do
sequestrado para que sua esposa, T. a qual estava ciente das atividades ilcitas de seu
7 HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. ALEGAO DE INPCIA DA
DENNCIA. INOCORRNCIA. RESPONSABILIZAO DO PRESIDENTE DO CONSELHO DE
ADMINISTRAO. POSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. Os tipos penais que descrevem as condutas tidas como ilcitas destruir ou danificar floresta considerada de preservao permanente e cortar rvores em florestas consideradas de preservao permanente (arts. 38
e 39 da Lei 9.605/98) no impem a aplicao da sanso penal apenas quele que fisicamente executou a atividade criminosa; aquele que, na qualidade de partcipe, presta suporte moral ou material ao agente,
concorrendo, de qualquer forma, para a realizao do ilcito penal, por bvio, tambm deve ser
responsabilizado, nos termos do art. 29 do CPB e do art. 2 da Lei 9.605/98.
2. A conduta omissiva no deve ser tida como irrelevante para o crime ambiental, devendo da mesma forma
ser penalizado aquele que, na condio de diretor, administrador, membro do conselho e de rgo tcnico,
auditor, gerente, preposto ou mandatrio da pessoa jurdica, tenha conhecimento da conduta criminosa e,
tendo poder para impedi-la, no o fez.
3. Ordem denegada. (STJ, HC 92822/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, data de julgamento 17 de junho de 2008). 8 Autos n. 827/92, em trmite no Terceiro Tribunal do Jri de So Paulo SP.
17
marido as lavasse. Ao final do sequestro, os sequestradores utilizaram o carro de T.
para levar J.C. at o local combinado para sua libertao. T. foi processada e condenada
como cmplice do delito de crcere privado e, inconformada com a sentena, apelou ao
Tribunal Supremo espanhol9.
Julgado 11: F.J.V.S., jornalista, escreveu e publicou, em um peridico
espanhol, uma matria na qual fornecia dados pessoais inclusive fotografias de
indivduos que, segundo ele, estavam envolvidos em atividades terroristas de carter
ultradireitista, que tinham por finalidade principal combater o grupo organizado rival,
conhecido como ETA. Aps a referida publicao, duas das pessoas nela citadas foram
assassinadas; tendo sido o jornalista processado por participao em tais assassinatos.10
9 N. de recurso: 773/2004 N. de resolucin: 185/2005 Tribunal Supremo
10 Recurso de amparo n. 107/1983 Tribunal Constitucional Espanhol
18
2. INTRODUO
Que razes de ordem especulativa e prtica podero justificar a feitura de um trabalho sobre a co-delinquncia no moderno direito penal brasileiro? No estar, acaso, o problema da participao criminosa suficientemente esclarecido
pelos juristas, tantas so as controvrsias que suscitou, as
doutrinas que fez nascer, to rica e variada a literatura
especializada a que deu origem? Ser ainda oportuna e,
principalmente, apresentar alguma utilidade uma tese versando
matria to ventilada, debatida, praticamente esgotada?11
2.1. Abordagem do tema: justificativa para a escolha e importncia do
tema.
O tema Imputao das aes neutras e o dever de solidariedade no direito
brasileiro foi escolhido pela sua relevncia ao estudo do tema concurso de pessoas.
Com ele se pretende estudar os limites e fundamentos da participao criminal
por meio de casos especiais, as aes neutras, cuja caracterstica principal (ainda a
definir) reside no fato de se tratar de aes cotidianas que de alguma forma acabam
favorecendo a prtica de um crime. Nesses casos surge a necessidade de se esclarecer se
tais condutas podem ser punidas a ttulo de participao ou no. No obstante, a prpria
qualidade de uma ao neutra tambm ser um problema a ser enfrentado.
Ao que consta, as aes neutras no mbito da participao delitiva tm sido
um dos temas mais intensamente discutidos na doutrina jurdico-penal nos ltimos dez
anos, principalmente na Alemanha, no sendo objeto de maiores estudos na doutrina
penal brasileira.12
A grande maioria dos penalistas alemes atuais tem se posicionado a
11
So questes levantadas em 1947 por Esther de Figueiredo Ferraz na introduo da sua obra para, na
sequncia, responder todas as perguntas de modo a justificar a importncia do estudo do tema, que teve o
ttulo A codelinquncia no moderno direito penal brasileiro. So Paulo: Dissertao para concurso livre-
docncia de Direito Penal, da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, 1947, p. 5. 12
Exceo feita ao livro Cumplicidade atravs de aes neutras: a imputao objetiva na participao, de
Lus Greco (Rio de Janeiro: Renovar, 2004), que tambm noticia, em prefcio da citada obra, linhas de
Miguel Reale Jr. sobre o tema, em seu livro Instituies de direito penal (p. 322-323), e um artigo de Flvio
Cardoso Pereira (As aes cotidianas no mbito da participao delitiva. Revista Sntese de Direito Penal e Processual Penal, n. 16, out. nov. de 2002, p. 37-41, out./nov. 2002). Recentemente foi publicado um livro
especfico, fruto de mestrado, por Jos Danilo Tavares Lobato enfrentando a temtica (Teoria geral da
participao criminal e aes neutras: uma questo nica de imputao objetiva. Curitiba: Juru, 2009).
19
respeito.13
tambm identificada como o tema da moda na discusso da participao
delitiva.14
No que o tema seja novo, no . Na verdade, o debate foi reacendido diante
do chamado direito penal econmico em que se passou a questionar a punio de agentes
participantes da atividade empresarial, cuja caracterstica nos dias de hoje a
complexidade da diviso funcional do trabalho.
O problema das aes neutras e sua possvel punio quanto formas de
cumplicidade sero estudados no seu aspecto doutrinrio em duas etapas: primeiramente
analisando as teorias apontadas pela doutrina que, de algum modo, tradicionalmente
apresentavam sua soluo e, depois, as teorias modernas que tem cuidado
especificamente sobre o tema.
Como o ponto nuclear de qualquer debate a respeito dos limites da
participao mximos e mnimos, incluindo nesses ltimos o problema das aes
neutras o estudo do seu fundamento de punio, dedicaremos um captulo especfico a
respeito.
Assim, quando determinado autor alm de defender sua teoria moderna sobre
as aes neutras, tambm se posicionar sobre o fundamento da participao, os dois
assuntos sero tratados conjuntamente, j que o primeiro corolrio do segundo. Os
demais casos, as teorias sero tratadas em um tpico prprio e separado.
De qualquer forma, o referido estudo terico desenvolvido servir de pano de
fundo para se demonstrar que as solues esto longe de serem uniformes, muitas vezes
apresentando frmulas esquemticas ad hoc para resolver somente a questo das aes
neutras e, algumas vezes, casos concretos de aes neutras, e no da imputao da
participao, da qual ela se insere.
Tambm foram feitos comentrios por Paulo Queiroz em seu Direito penal: parte geral, 5 ed., Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 256-257, e por Renato Jorge da Silveira, em sua tese a concurso de Professor
Titular da Fadusp, publicada como Fundamentos da adequao social em direito penal. So Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 345-352, alm de esparsos artigos especficos sobre a incriminao do exerccio da advocacia
pela lavagem de dinheiro e por crime tributrio. 13
Conforme afirma Ricardo Robles Planas. La participacin en el delito: fundamento y lmites. Madrid:
Marcial Pons, 2006, p. 15. 14
Por autores como Claus Roxin, Wolfgang Frisch etc., conforme lembra Jos Antonio Caro John.
Normativismo e imputacin jurdico-penal: estudios de derecho penal funcionalista. Lima: Ara, 2010, p. 190,
nota de rodap 3.
20
Segundo alguns autores, tal postura acaba atingindo a uniformidade do
sistema do direito penal. Para ns, a soluo ser especfica sem, contudo, estar
desassociada do fundamento do injusto da participao.
Ligada diretamente ao problema est a questo do concurso de pessoas,
previsto, na legislao brasileira, no art. 29 do Cdigo Penal brasileiro. Necessrio se faz,
dessa forma, realizar uma releitura das diversas formas de participao, inclusive com
opo terminolgica, dada a discrepncia em que tratada pela doutrina.
A tipicidade ser estudada como o fundamento terico no qual se buscar a
afirmao de critrios jurdicos penais propostos para resolver o problema de
cumplicidade. Em outras palavras, numa tentativa de solucionar o problema, dever ser
investigado de quais pressupostos de que se deve partir para deixar de declarar tpicas (ou
antijurdicas; ou culpveis) aquelas aes no manifestamente punveis.15
Nesse sentido, partir o trabalho da aplicao da teoria da imputao objetiva
aos casos de participao criminal.
Questo de complexidade, antecedente a qualquer proposta, porm, saber o
fundamento ou a razo que justifica excluir a punio dessas aes que, a sua maneira,
contribuem para o resultado criminoso. o contedo do injusto punvel. Nesse sentido,
acompanhando as modernas tendncias do direito penal em consider-lo um sistema
aberto, suscetvel a influncias de outras cincias, buscaremos na sociologia, no
pensamento formulado por mile Durkheim sobre o dever de solidariedade, o substrato
terico para soluo encontrada.
Fornecer uma soluo ao fenmeno da imputao das aes neutras na
participao criminal , em outras palavras, assumir um instrumento terico sistemtico
capaz de fixar os limites da punio da participao criminal.
Assim, o presente trabalho ter por principal objetivo apresentar uma soluo
sistemtica para enfrentar a questo das aes neutras no mbito da participao,
apontando um critrio sistemtico previsto no prprio Cdigo Penal brasileiro,
considerando-a como um problema de imputao, a partir de um fundamento sociolgico.
15
V. Lus Greco, Op. Cit., p. 113-114.
21
2.2. Contribuio original da tese cincia jurdica brasileira
O objetivo da presente tese analisar, de forma indita na literatura jurdica
brasileira, a temtica das condutas neutras no mbito da participao criminal luz da
tenso entre os deveres especiais de garantia extrapenais, inferidos da omisso
penalmente relevante (art. 13, 2, Cdigo Penal brasileiro), e o dever genrico de
solidariedade.
Igualmente de forma inovadora, buscar-se- um fundamento sociolgico do
dever de solidariedade em mile Durkheim para se identificar a legitimidade da punio
ou no no mbito da participao no direito brasileiro.
A contribuio ser, portanto, a apresentao de um novo critrio limitador da
participao, de fundamento sistemtico, com base nas cincias sociais.
22
3 . A S C O N D U T A S N E U T R A S O U L A B O R A I S
Parece, primeira vista, que o melhor caminho o da definio precisa at porque uma das crticas que mais comumente se formulam a qualquer construo o fato de ser
vaga, de modo que vaguez, impreciso, nunca podem ser tidas
como virtudes, mxime em direito penal, onde a segurana
jurdica de tamanha importncia. Uma anlise mais detida,
porm, far com que hesitemos, mostrar que a situao no
simples assim. Porque se por um lado verdade que, em
princpio, a preciso melhor do que a vaguez, tal nem sempre
precisa ser o caso. Tudo depende de qual a funo da definio
no sistema da teoria.16
3.1. Colocao do problema
A maior interao e diviso de tarefas entre os cidados no desempenho de
suas atividades cotidianas acabam por permitir que aes lcitas e juridicamente
orientadas passem a integrar o desenvolvimento do delito, com ou sem o conhecimento
daquele que desempenha a atividade.
Para estes casos de interveno que, ainda que, embora indiretamente, acabam
favorecendo o cometimento de crimes, no h uma soluo doutrinria formada. As
teorias tradicionais de participao e autoria, como ser visto a seguir, no so
suficientemente explicativas para lidar com este tipo de participao mais sutil, em que
no h o envolvimento direto do interveniente no planejamento ou execuo do delito.
Isto porque o contexto histrico e social em que foram formuladas diverge, em muito,
daquele em que se aplica o direito penal contemporneo.
Fez-se necessrio, assim, que a doutrina passasse a reavaliar os critrios de
imputao de responsabilidade de todos aqueles que intervm no curso de delito, os
fundamentos da punio do partcipe, e a delimitar com critrios mais precisos a
possibilidade de punio daquelas condutas cotidianas que, por facilitarem ou
contriburem indiretamente para a execuo do crime, sejam ou no merecedoras de pena.
16
Lus Greco. Cumplicidade atravs das aes neutras: a imputao objetiva na participao. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 108.
23
neste contexto que surgem as primeiras discusses acerca das condutas
neutras. Trata-se ainda de uma teoria embrionria,17
que aporta contribuies
especialmente de estudiosos alemes e espanhis.
As condutas neutras podem ser identificadas como aquele grupo de casos em
que ocorre uma ao en s no equvocamente delictiva, que acaba favoreciendo
conscientemente un delito, mediante aportaciones social o profesionalmente adecuadas,
estndar, o en fin, conforme al desempeo de actividades o negocios normales de la vida
cotidiana.18 Trata-se de condutas de eventual cumplicidade no delito.
O objetivo do estudo de tais aes mostra-se relevante para a delimitao das
condutas de interveno, com vistas a fornecer parmetros garantistas e legais para
orientao do tratamento destas aes, especialmente pela jurisprudncia, que ainda no
conta com um arcabouo terico desenvolvido sobre o tema.
As condutas neutras de cumplicidade so observadas especialmente na
realizao de atividades profissionais cotidianas, por isso se trata al parecer de un
problema principalmente de delimitacin de algunos supuestos lmites que por
desarrollarse como contribuciones en el marco de la actividad laboral, cotidiana,
habitual, suscitan dudas sobre su calificacin en el caso concreto como cooperacin
punible.19
A discusso sobre as condutas neutras torna-se ainda mais importante nos dias
atuais, em virtude dos crimes econmicos, pois como indicado no grupo de casos,20
estas
so as atividades laborais em que se exige intenso dever de cuidado, chegando a doutrina
a mencionar inclusive a possibilidade de punio dos agentes financeiros (bancrios,
fiscais, funcionrios do mercado de capitais etc.) por omisso deste dever especial de
cautela.
17
Como afirma Landa Gorostiza, nos encontramos, en trminos dramticos, en el ojo del huracn y en un estadio de confusin e inflacin de contribuciones doctrinales con alusin a problemas tan diversos y de tanto
calado (alcance, criterios y funcin de la imputacin objetiva; conveniencia de ampliar las posiciones de
garanta; concepcin del dolo y su relacin con el aspecto subjetivo, relacin entre las conductas de
complicidad y los delitos de peligro abstracto, teoras de la participacin, lmites y fundamentos da
accesoriedad (La complicidad delictiva en la actividad laboral cotidiana: contribucin al lmite mnimo de la participacin frente a los actos neutros. Granada: Comares, 2002, p. 4). 18
Ricardo Robles Planas. La participacin en el delito: fundamento y lmites. Madrid: Marcial Pons, 2006, p.
15. 19
Jon-Mirena Lana Gorostiza. Op. Cit., p. 56. 20
Conforme captulo anterior.
24
Esta possibilidade de imputao de pena, como veremos, mostra-se altamente
problemtica diante da falta de delimitao dos limites da punibilidade nestes casos de
aes cotidianas: la irrupcin en la moderna dogmtica de la criminalidad econmica ha
comportado que, en muchos casos, las reglas de imputacin construidas sobre la base de
los delitos contra la vida condujeran a castigar conductas de dudoso merecimiento de
pena.21
Dentro da seara dos crimes econmicos, as aes cotidianas que podem gerar
responsabilidade pelo crime podem ser resultado de dois tipos de interao laboral:
interao vertical e horizontal.22
Na primeira (interao vertical), a responsabilidade pode
decorrer da organizao hierrquica das competncias, repartio de funes (em
empresas, na administrao pblica, ou em uma organizao criminosa).
Os principais problemas relacionados interveno no delito, nesta forma de
interao profissional, decorrem de irregularidades na delegao de funes, tomada de
decises que favoream um delito, ou da no evitao de resultados pelos subordinados.
Estes configuram os casos mais frequentes de responsabilidade do agente por comisso
por omisso, como indicamos acima, ou tambm pela considerao de autoria mediata.
Conforme indica Robles Planas: Es en el terreno de la interaccin vertical
donde con mayor frecuencia tienen lugar los casos de intervencin actuando en el marco
de las competencias atribuidas a un individuo (conductas neutras o profesionalmente
adecuadas`). [] La cuestin se plantea con especial intensidad en los casos en que el
sujeto se comporta de acuerdo a su mbito de competencia en el seno de la estructura
organizada y llega a conocer de forma completamente ajena a esa competencia (p.e.,
casualmente) las intenciones delictivas de terceros.23
No segundo grupo, as intervenes no delito podem ser originadas em
relaes de interao horizontal, quando a associao de sujeitos se d no mesmo nvel
hierrquico, dentro da esfera de diviso do trabalho. Muitos desses casos so imputados,
hoje, como delitos imprudentes, em caso de desdobramento da ao em ilcito penal.
Sob outra perspectiva, como abordaremos no captulo 5, o que passou por
transformao algo muito mais amplo e fundamental do que as relaes laborais. a
prpria organizao contempornea da sociedade que coloca em evidncia a problemtica
21
Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 16. 22
Idem, Ibidem, pp. 27 e ss. 23
Idem, Ibidem, p. 27.
25
das aes neutras (predomnio da solidariedade orgnica como o previsto por Durkheim e
centralidade dos sistemas peritos como apreendido por Giddens).
Anlise dessas hipteses e utilizao de um instrumento de imputao o que
se pretende com o presente trabalho, no sem antes identificar exatamente o que significa
ao neutra.
3.2. Conceito de conduta neutra
A definio prvia do objeto de estudo apesar das dificuldades de abstrao
e simplificao se faz necessria para a compreenso da teoria que se apresenta, e que
ser problematizada ao longo desta pesquisa.
A coletnea de casos apresentados no incio tambm tem como meta a melhor
abordagem das aes neutras, mediante a aceitao de que se trata de um problema
emprico, independente da elaborao doutrinria que se pretenda construir. O objetivo
desta definio , portanto, buscar um denominador comum a permear todas as atividades
cotidianas que possam integrar o delito.24
Por meio de alguns conceitos, j elaborados pela doutrina, pode-se aos poucos
assentar as bases para a indicao deste mnimo comum caracterstico s intervenes no
delito, atravs das condutas neutras, ou atividades cotidianas.25
Hassemer, por exemplo,
denomina neutras as condutas que desde la perspectiva de un observador imparcial no
tienen ninguna tendencia objetiva hacia el injusto, aunque pueden llegar a recibir esa
tendencia mediante informaciones adicionales especialmente sobre el lado interno del
que presta la ayuda.26
Wohlleben, por sua vez, define aes neutras como aquelas que quien las
ejecuta las hubiera realizado frente a todo e que se hallara en la situacin del autor,
porque l, con su accin, persigue fines propios jurdicamente no desaprobados que son
24
O problema da definio para Robles Planas que todo intento de definicin de conductas neutrales debe relativizarse si de lo que se trata es nicamente de delimitar un grupo de casos sin que aquella definicin
prejuzgue la solucin a la que deba llegarse. Por lo acertado es buscar el mnimo comn denominador de este
grupo de supuestos y analizar su relevancia penal (Idem, Ibidem, p. 41). 25
Autores nos quais a nica obra seja na lngua alem, usaremos as referncias indicadas na doutrina
espanhola. 26
Apud Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 33.
26
independientes del hecho del autor.27 Wohlleben baseia a sua concepo de aes
neutras na necessidade de conhecimentos especiais por parte do interveniente,
conhecimentos estes relacionados inteno delitiva do autor, ou ao menos quando o
desdobramento de sua ao em um delito for altamente previsvel.28
Um conceito mais acabado para as aes neutras nos fornecido por Robles
Planas: son conductas en s lcitas e intercambiables (conforme a un estndar) realizadas
por un primer sujeto con el conocimiento de que un segundo sujeto (autor) les dar una
aplicacin delictiva, de manera que revelan al mismo tiempo una apariencia delictiva y
no delictiva. () Por un lado, externamente se presentan como inocuas e
intercambiables, lo que fundamenta su apariencia de legalidad, pero, por otro lado, en la
existencia del conocimiento de la posterior utilizacin delictiva tambin se argumenta su
apariencia de antijuridicidad.29
possvel identificar a presena de alguns elementos em comum nas
definies acima, de carter objetivo, enquanto condutas realizadas de maneira adequada
a um padro, e subjetivo, pelo conhecimento por parte do agente neutro de que a sua ao
pode direta ou indiretamente produzir um resultado lesivo.
Trata-se de condutas lcitas, realizadas conforme ao direito: a venda de um
bem, a prestao de informaes profissionais, auxlio na diviso do trabalho, pagamento
de uma dvida etc. So normalmente condutas altamente reguladas, nas quais os
indivduos agem de acordo com um padro ou esteretipo, e que no acarretam nenhuma
infrao jurdica.30
Conforme indica Blanco Cordero, a estas aes les falta un sentido
delictivo indudable, puesto que quien las realiza no tiene como objetivo principal el
favorecimiento de un delito ajeno, pese a que reconoce como efecto secundario de su
accin dirigida a sus propios intereses que contribuye al hecho antijurdico del
autor31.
27
Idem, ibidem. 28
Isidoro Blanco Cordero. Lmites de la participacin delictiva: las acciones neutrales y la cooperacin en
el delito. Granada: Comares, 2008, p. 93. 29
Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 38. 30
esta intercambialidad observa claramente en los mbitos socioeconmicos en los que se producen habitualmente las conductas neutrales. Se trata siempre de transacciones, compra-ventas, prestaciones
profesionales, obligaciones civiles o laborales, etc. () Idem, Ibidem, p. 34. 31
Op. Cit., p. 3.
27
Greco define as condutas neutras como aquelas contribuies a fato ilcito
alheio que, primeira vista, paream completamente normais []. Contribuies a fato
ilcito alheio no manifestamente punveis.32
Para ns, conduta neutra pode ser entendida como uma ao rotineira prpria
do exerccio profissional ou funcional, dentro do risco permitido, e que seja utilizada para
a prtica de infrao penal alheia.
Outro trao caracterstico das aes neutras a sua ubiquidade: so aes que
acontecem a qualquer hora, em qualquer lugar, praticadas por qualquer pessoa. O que
diferencia uma ao neutra o conhecimento, pelo agente, de que a sua ao cotidiana
poder levar a um resultado tido como crime. O que lhes confere aparncia de
antijuridicidade o elemento subjetivo, como afirma Landa Gorostiza: La frontera entre
la contribucin neutra y a complicidad punible exige, con otra palabras, una toma en
consideracin de todas las circunstancias del caso y un reajuste permanente de juicio de
peligrosidad que no puede ser sustituido aunque s facilitado por otros criterios a un
nivel de abstraccin superior.33
A doutrina tem focado o estudo das aes neutras no campo de causao
indireta de um resultado lesivo", observando as condutas neutras de cumplicidade ou de
participao, de pessoas que facilitam as condutas delitivas. Entretanto, seu estudo no
pode dispensar a lembrana de que a ao neutra s contribuir para um resultado lesivo
quando o autor efetivamente der incio ao delito, ou seja, ser sempre dependente da
destinao que o autor conferir contribuio (por meio do fornecimento de mercadorias
ou prestao de servios).
Assim, la presencia de un segundo sujeto autorresponsable,34 de cuya
decisin, en ltima instancia, depender la realizacin del peligro. Tal circunstancia
deber ser tenida esencialmente en cuenta a la hora de decidir sobre la prohibicin penal
de la conducta del primer sujeto .35
O contexto atual de elevado grau de interao entre os sujeitos, conforme
indicamos acima e explicaremos melhor no captulo do dever de solidariedade, exige
32
Lus Greco. Cumplicidade atravs das aes neutras: a imputao objetiva na participao. Rio de
Janeiro: Renovar, 2004, p. 110. 33
Gorostiza. Op. cit., p. 45. 34
A noo de autorresponsabilidade cunhada por Schumman, conforme noticia Greco, e pode ser
sucintamente descrita como: a ideia e que cada qual , em princpio, responsvel por suas prprias aes, e no pelo que feito pelos demais. Greco, Op. Cit., p. 42. 35
Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 39.
28
nova compreenso das teorias de autoria e participao, pois a teoria da participao foi
pensada tendo-se por base o autor individual, que realiza sozinho o ncleo do tipo, o que
no se adapta mais sociedade contempornea.
Nos casos em que o interveniente conhece as intenes do autor do delito, e
compactua com este, h suficiente discusso doutrinria a respeito do tema. Passamos a
nos deparar com insuficincia hermenutica. No entanto, como indica Robles Planas, a
produo mais escassa quando se trata de causao direta do resultado, como no caso de
um funcionrio que abre as comportas da indstria para lanar poluentes no rio. Este est
realizando uma ao cotidiana (abrir as comportas da indstria), decorrente da diviso do
trabalho dentro da empresa, mas a cada vez que o faz, est diretamente praticando um
crime ambiental.36
3.2.1. As aes neutras como um problema da participao criminal
Conforme indicado acima, no estudo dos grupos de casos de condutas neutras,
h a possibilidade de se deparar com condutas diretamente causadoras do resultado
(como o funcionrio que abre as comportas), ou que indiretamente favoream o plano do
autor.
Para o estudo destas aes, relevante demarcar em que medida estas
condutas constituiriam ou no uma participao no delito e, por concluso, quais
caracteres mnimos devem possuir para caracterizar a culpabilidade punvel.
O Cdigo Penal brasileiro prev, em seu artigo 29, assim como os Cdigos
penais espanhol e alemo, possibilidades de participao muito amplas, que permitem
responsabilizar de forma abrangente todos os que cooperam, direta ou indiretamente para
a execuo do delito, o que, em tese, inclui tambm as aes neutras. No existen
limitaciones ni en la forma, ni en los medios en que se debe prestarse la colaboracin para
ser tpica.37
36
Como afirma Robles Planas: si las notas distintivas de toda conducta neutral son, por un lado, la configuracin externa que obedece a un estndar de conducta (inocua e intercambiavel) y, por otro, desde el
lado interno, el conocimiento de su idoneidad para producir un delicto, entonces no parece haber obstculos
para construir grupos de casos en los que exista una conducta neutral que directamente causa un resultado
lesivo (Idem, Ibidem, p. 40). 37
Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 43.
29
O citado artigo, da mesma forma, no estabelece limitao temporal para
interromper-se o nexo da participao, e por estas razes, dada a amplitude da norma, a
doutrina interpreta que esta tem de adotar intensidade tal que sem ela o delito no teria
sido executado.38
justamente por esta amplitude interpretativa permitida pelo artigo em
comento que a doutrina comeou a buscar princpios ou critrios para fundamentar a no
incriminao dos intervenientes (ainda que no o consiga fazer na totalidade dos casos),
pois muitas vezes a sua punio pode se mostrar desarrazoada.39
No faltam crticas, no entanto, formulao das aes neutras como limite
para a punibilidade do interveniente. Parte da doutrina sustenta que a legislao no
limita a participao por determinados meios, e tudo o que contribuir para a realizao do
delito pode ser considerado cumplicidade, a no ser que a ao no tenha absolutamente
colocado em risco o bem jurdico. Nesse sentido, se uma conduta foi capaz de facilitar o
cometimento do crime, ento ela no seria neutra, mas configuraria uma leso objetiva,
ainda que acessria, ao bem jurdico. Esta , por exemplo, a posio de Roxin, para
quem:
Ante todo no existen acciones cotidianas per se, sino que el carcter de una
accin se determina por la finalidad a que sirve. As, por ejemplo, explicar o
funcionamiento de una arma de fuego es una accin cotidiana neutral si ella le sigue la
prctica de deporte en un club de tiro; por el contrario, es complicidad en el homicidio si
con ello se ayuda al autor a hacer blanco en la vctima.40
Na posio de Robles Planas, no se trata de desenvolver critrios distintos de
imputao para os casos de participao mediante condutas neutras, mas de precisamente
estabelecer uma fronteira daquilo que objetivamente imputvel a ttulo de participao,
pois entende que una eventual exclusin de la imputacin no slo tiene como
38
Conforme indica Nilo Batista: 1 deve-se prescindir da considerao do que teria ocorrido sem a colaborao em exame, 2 toma-se como princpio orientador, e nada mais (face insegurana do enunciado) que a colaborao deva ter especial importncia, 3 tambm na linguagem do leigo, da vida cotidiana, fala-se em prestaes de servios ou coisas sem as quais no se teria podido fazer isso ou aquilo. (Concurso de agentes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 187). 39
Nesse sentido sugere Batista que se estabelea, na sentena condenatria, a diferena dos diversos graus de
participao (autoria direta, co-autoria, autoria mediata, instigao ou cumplicidade) e que se valore as penas
com critrios atenuantes mais abrangentes. Op. cit., p. 188-9. 40
Was istBeihilfe?,p. 515, apud Ricardo Robles Planas. Op cit., p. 43.
30
fundamento el mero dato del contexto en el que se enmarca, sino la creacin de un riesgo
tpicamente relevante.41
3.2.2. O problema das aes neutras a ttulo de autoria
A doutrina aponta que o problema das aes neutras tambm de autoria
de determinados crimes (causao direta do resultado), e no somente aos tipos de
participao criminal (causao indireta do resultado),42
apesar da questo no se colocar
com a mesma intensidade no primeiro caso.43
Nos casos em que a relevncia penal das aes neutras so analisados sob
a perspectiva da participao criminal onde a doutrina em regra tem limitado seu estudo
a problemtica reside na investigao da responsabilidade do interveniente, geralmente
sobre a base da realizao de sua contribuio na fase prvia ao incio da tentativa, que
facilita a execuo de um crime alheio mediante uma conduta neutral.44
Assim, a responsabilidade da conduta cotidiana avaliada desde o ponto
de vista externo ou objetivo e interno ou subjetivo. Sob o aspecto objetivo, as condutas
neutras so consideradas em si incuas e intercambiveis. Incuas porque se executam
seguindo um padro ou esteretipo de negcios normais da vida cotidiana e, quando se
trata de uma indireta causao do resultado, entre esta e a produo do resultado, se
interpe um segundo sujeito que transforma a contribuio at o crime, circunstncia
particular essencial destas hipteses.45
Sob o ponto de vista interno, caracterstica da
conduta neutral o conhecimento do uso posterior delitivo que o terceiro far da
contribuio.46
Por outro lado, como afirma Robles Planas, se a nota distintiva de toda
conduta neutra , por um lado, a configurao externa que obedece a um padro de
comportamento (incuo e intercambivel) e, por outro, o conhecimento de sua idoneidade
41
Ricardo Robles Planas. Op. cit., p. 45. 42
Isidoro Blanco Cordero. Lmites a la participacin delictiva Las acciones neutrales y la cooperacin en el delito. Granada: Comares, 2001, p. 9. 43
Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 40. 44
Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 39. 45
Idem, Ibidem. 46
Idem, Ibidem, p. 39-40.
31
para produzir o delito, no parece haver obstculos para construir grupos de casos em
que exista uma conduta neutral que diretamente cause um resultado lesivo.47
Assim, por exemplo, o caso do empregado de uma indstria, cuja misso
unicamente abrir e fechar as comportas que permitem o envio dos resduos at o rio,
sem ter que verificar a composio dos resduos, tarefa de seu companheiro de produo.
No entanto, se sabendo que os resduos contm produtos txicos poluidores meio
ambiente nos termos da legislao e, mesmo assim, abre as comportas como sempre faz,
a aparncia externa da licitude se une a aparncia interna da antijuridicidade, tratando-se
de uma conduta neutra de causao direta ao resultado.48
3.3. Aes neutras na perspectiva criminolgica:
A este ponto, faz-se relevante uma considerao de ordem criminolgica. Isto
porque, dada a abertura dos tipos de participao nos cdigos penais, e a consequente
possibilidade de imposio de pena por aes cotidianas fossem punidas, ento
encontraramos na jurisprudncia uma grande quantidade de casos, exemplificativo do
desvalor das aes neutras. No entanto, no o que se observa.
Apesar do grande nmero de transaes comerciais de objetos que podem ser
utilizados para cometer crimes, da prestao de servios que pode contribuir para a ao
delitiva, no so muitos os casos de taxistas condenados por levar o autor ao local do
delito etc. Um argumento para a escassez destes casos poderia ser a dificuldade
probatria, devido ao necessrio elemento subjetivo.
Uma explicao interessante dada por Robles Planas para a pouca incidncia
de condenaes por aes neutras o prprio trmite processual pelo qual passa o fato at
que possa ser julgado, desde a comunicao do fato pela vtima, a investigao
processual, oferecimento da denncia, juntando-se a isso o fato de que muitas pessoas,
por meio de aes neutras ou no, tomam contato com o autor no curso da realizao do
delito, de forma que, ao longo do processo investigatrio, a relevncia das participaes
vai sendo depurada, at que restem somente aquelas aes fundamentais para a realizao
do crime.
47
Idem, Ibidem, p. 40 48
Idem, Ibidem, p. 40.
32
H um processo de seleo das aes que merecem a persecuo penal. Para
Robles Planas las conductas neutrales, cotidianas o socialmente adecuadas son en su
gran mayora filtradas antes de llegar al nivel judicial porque no contribuyen a la
explicacin social-comunicativa del hecho delictivo49
Por fim, de considerar, tambm, que as condutas cotidianas no fazem parte
da explicao habitual do delito, por isso a sua investigao muitas vezes no
necessria, j que todas as aes para a realizao do tipo penal foram integralmente
praticadas pelo autor, como veremos no estudo acerca da teoria da proibio do regresso.
3.4. Teorias clssicas
A problemtica das aes neutras est presente h tempos na doutrina, ainda
que no tenha sido trazida sob esta denominao.50
Sendo assim, j foram tratadas pela doutrina tradicional do delito solues
para os casos de participao na forma das aes cotidianas, cada qual com pontos de
vista e fundamentao distintos, mas com aplicaes prticas prximas, visando construir
critrios limitadores da incidncia da norma penal.
a) Adequao social
A adequao social apresentada como uma primeira soluo lgica ou
natural resolver o problema das aes neutras, por serem condutas integradas na vida
comunitria,51
sendo muito utilizada neste contexto.52
A idealizao da teoria da adequao social atribuda a Welzel pela primeira
vez em 1939, sofrendo reformulaes nas edies seguintes de seu Manual.53
Na ideia
49
Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 48. 50
Segundo Greco, a discusso tornou-se um dos temas centrais, significa dizer debatida de forma autnoma,
somente na dcada de 90. Antes, era tratado mais ou menos en passant, no marco das teorias mais conhecidas
(Lus Greco. Op. Cit., p. 20) 51
Cf. Lus Greco. Op. Cit., p. 21 e Jos Danilo Tavares Lobato. Teoria geral da participao criminal e
aes neutras uma questo nica de imputao objetiva. Curitiba: Juru, 2009, p. 33. 52
Ricardo Robles Blancas. Las condutas neutrales em direito penal. La discussin sobre los lmites de la cumplicidade punible. Revista Brasileira de Cincias Criminais, ano: 2008, vol. 16, num. 70, p. 197.
33
original, propunha sua teoria a no incidncia de tipicidade a certas condutas assim
consideradas como aceitveis dentro da perspectiva social-histrica desenvolvida por
uma comunidade.54
Do contrrio, o comportamento constituiria um injusto penal.55
Para desenvolver seu conceito, Welzel partiu de duas consideraes
fundamentais: por um lado criticou a concepo naturalista-causal da ao e do bem
jurdico por partir de uma realidade prpria das cincias naturais, sendo por esta razo
inadequada para abarcar o objeto do direito penal; por outro lado, afirmou que os tipos
penais so tipificaes de comportamentos antijurdicos.56
Assim, da sua crtica ao dogma
causal, ideia de leso o bem jurdico e a absolutizao do desvalor o resultado, Welzel
conclui que no podero ser tpicas certas condutas que, apesar de causais para a
destruio de um bem jurdico, realizam a verdadeira vocao deste, sua funo na vida
social.57
Como alguns exemplos comumente citados por Welzel de casos de aes
socialmente adequadas so bem prximos dos casos das aes neutras, como o da venda
de bebida alcolica a um motorista pelo taberneiro, houve quem, para resolver os casos
destas ltimas aes, utilizou-se dessa teoria.58
53
V., a respeito, entre outros: Maria Paula Bonifcio Ribeiro Faria. A adequao social da conduta no direito
penal ou o valor dos sentidos sociais na interpretao da lei penal. Porto: Publicaes Universidade Catlica, 2005, p. 31 e s.; e Silveira, lembrando que certo que a teoria da adequao social traduz a noo
geral de adequao, essa ltima de origem anterior e no necessariamente vinculada ideia Welzeliana, se
remontando prpria noo do problema causal em direito penal (Renato de Mello Jorge da Silveira.
Fundamentos da adequao social em direito penal. So Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 89). 54
Cf. Maria Paula Bonifcio Ribeiro Faria. A adequao social da conduta no direito penal ou o valor dos sentidos sociais na interpretao da lei penal. Porto: Publicaes Universidade Catlica, 2005, p. 31 e s. e
Renato de Mello Jorge da Silveira. Fundamentos da adequao social em direito penal. So Paulo: Quartier
Latin, 2010, p. 24 e s. 55
Manuel Cancio Meli. La teora de la adecuacin social en Welzel. Anuario de derecho penal y ciencias
penales, Madrid, Centro de Publicaciones, Tomo XLVI, fascculo II, maio/agosto de 1993, p. 697. 56
Idem, Ibidem, p. 700. 57
Na concluso de Lus Greco. Imputao objetiva: uma introduo. In: Roxin, Funcionalismo e imputao objetiva. Rio de Janeiro: Renovar 2001, p. 31-32. 58
Lus Greco. Op. Cit., p. 22. Como lembra John, uma primeira repercusso da proposta de Welzel foi na
jurisprudncia, quando o Tribunal Federal Supremo mudou sua soluo doutrinria jurisprudencial na
soluo dos casos de venda de lcool em restaurantes. Tradicionalmente, mantinha o entendimento de que o
dono do restaurante que servisse bebida alcolica a motorista causador de acidente tambm deveria ser
condenado pelo evento. Assim decidiu ao condenar um dono de restaurante que vendeu bebida alcolica a
um caminhoneiro que, conduzindo seu veculo embriagado, causou a morde um pedestre e leses a outro.
Igualmente, condenou um dono de restaurante por homicdio e leses culposas por no haver impedido um
cantoneiro a conduo de um veculo. Anos depois, experimentou a Corte uma mudana de posio ao
absolver, em hiptese semelhante, o dono de restaurante por ter vendido lcool a trs pessoas que depois de
embriagadas, deixaram o estabelecimento e perderam a conduo do veculo sofrendo leses corporais
culposas, sob o argumento de que a venda de bebidas alcolicas nos restaurantes pertencem de um modo geral as formas de atividades reconhecidas como socialmente cotidianas (Jos Antonio Caro John. La
34
o caso de Rueda Martin, na Espanha, que apostou pelo uso deste critrio, em
sua verso mais tipicamente welzeliana,59 para explicitamente resolver a questo de
quando a prestao de uma ajuda em uma ao dolosa de um terceiro supe uma forma
de conduta tipicamente desaprovada.60
Assim, segundo a autora, para determinar a
adequao social de uma conduta com carter geral ou em particular das aes cotidianas,
leva-se em jogo uma sria de consideraes, como a utilidade da conduta em virtude da
qual se toleram esses comportamentos.61
Vrios so os pontos negativos apontados pela doutrina para rechaar a
utilizao da adequao social como teoria apta para resolver os casos de imputao das
aes neutras. O primeiro surge como crtica a prpria teoria da adequao social, em
geral, e no particularmente no caso dela no ser apta ao aplicar-se as aes neutras.
Acusa-se que o criador da teoria mudou vrias vezes de posicionamento tanto no que se
refere funo do conceito de adequao social, como problema de tipo ou de
antijuridicidade, como no que toca a seu contedo, enquanto verdadeira causa de
excluso (seja do tipo ou da antijuridicidade) ou como mero princpio de interpretao,
mximo status lhe concedido pela doutrina amplamente majoritria de hoje.62
Nesse sentido, considera-se a teoria da adequao social imprecisa ou vaga,
uma vez que no permite saber ao certo o que socialmente adequado,63
e nem o que
impunidad de las conductas neutrales. A la vez, sobre el deber de solidaridad mnima en el derecho penal. Nueva doctrina penal, 2005, Buenos Aires: Editores del Puerto, p. 433-434). 59
A qualificao da postura da citada autora de Robles Planas (Op. Cit., 94). 60
Mara ngeles Rueda Martn. Cumplicidad a travs de las denominadas acciones cotidianas. Derecho
penal contemporneo Revista Internacional, Bogot: Legis, abril-junho de 2003, p. 104. 61
Idem, Ibidem, p. 114. Na Alemanha Greco revela que, ainda recorrendo-se da teoria da adequao social,
os autores como Philipowski ou Lohmar utilizam deste princpio para resolver o problema da contribuio
prestada por funcionrios de banco a delitos de sonegao fiscal (Lus Greco. Op. Cit., p. 21-22). A principal
crtica a postura de Rueda Martn, afora aquelas de ordem geral prpria teoria de adequao social que
adiante sero mencionadas, que acaba a autora utilizando-se do critrio subjetivo para modificar o
significado social das condutas (Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 96). 62
Tudo conforme Lus Greco. Op. Cit., p. 22; e Cezar Roberto Bitencourt. Teoria geral do delito uma viso panormica da dogmtica penal brasileira. Coimbra: Almedina, 2007, p. 186. 63
Na viso de Greco, o erro fundamental desta teoria no deixar claro se ela se trata de uma descrio ou
de uma prescrio, noutras palavras, se ela deve ser compreendida em sentido sociolgico-descritivo
(referindo-se quilo que socialmente adequado, quilo que realmente se faz em determinada sociedade) ou
em sentido tico-normativo (referindo-se quilo que socialmente adequado, quilo que, em determinada
sociedade, se considera correto fazer). A teoria no pode ser compreendida no primeiro sentido, porque seno
se veria obrigada a declarar certas prticas habituais absolutamente inaceitveis, como, p. ex., a tortura de
presos por policiais, ou a execuo de X-9s pelo crime organizado, algo permitido, atpico. Mas se a
compreendermos em sentido normativo, ento ela se torna vazia, porque ser necessrio um parmetro para
descobrir o que tido por correto em determinada sociedade (Lus Greco. Op. Cit, p. 22-23).
35
constitua uma conduta tipicamente desaprovada, ou seja, sob quais condies pode-se
afirmar que uma ao est dentro das valoraes sociais positivas.64
Outro motivo apontado para o abandono ou no utilizao da adequao social
como critrio de imputao que a doutrina j dispe de teorias mais apropriadas e
abrangentes para resolver outros problemas que no s aqueles que motivaram a teoria da
adequao, segundo sustenta Greco, citando como teorias alternativas, em primeiro lugar,
a imputao objetiva; e, sem segundo lugar, o princpio da insignificncia.65
No obstante, digno de nota que a teoria da adequao social, em que pese
suas vacilaes e estar hoje reduzida, quando adotada, a um princpio geral de
interpretao, certo que a partir dela outras teorias foram desenvolvidas para aplicao
nas aes neutras. o caso da teoria da adequao profissional.
b) Princpio da insignificncia
Considerado pela doutrina como mxima geral de interpretao, o princpio da
insignificncia afasta a tipicidade na media em que, apesar da conduta, sob o ponto de
vista formal, apresentar adequao tpica, no apresenta ela relevncia material quando a
ofensa ao bem jurdico, ou ao grau de sua intensidade, isto , pela extenso da leso
produzida66
.
Referido critrio de interpretao tem sido rechaado para resolver o problema
das aes neutras por pelo menos dois motivos. Primeiro pela sua impreciso, depois
porque no pode ser aplicado para os casos em que, p.ex., em que a relevncia do bem
jurdico ntida como no caso de conduta dolosa contra a vida67
.
c) Proibio de regresso
64
Ricardo Robles Planas. Op. Cit., p. 95-96. 65
Lus Greco. Op. Cit., p. 23-24. 66
BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito uma viso panormica da dogmtica penal brasileira. Coimbra: Almedina, p. 187-189. 67
Lus Greco. Op. Cit., p. 30-32.
36
A ideia tradicional da proibio do regresso indicava, em linhas gerais, que
poderia haver uma conduta culpvel anterior ao delito, seguida de uma ao dolosamente
voltada para o resultado, executada de forma exauriente, de modo que restaria sem
sentido a punio da conduta precedente, de muito menor relevncia. De acordo com esta
teoria tradicional da proibio do regresso, haveria uma conduta dolosa precedida de uma
conduta culposa, que restaria impunvel pelo fato de a nova ao dolosa provocar a
interrupo do nexo causal, e o recomeo do delito.68
Atualmente esta teoria foi reformulada por Jakobs, no mbito da imputao
objetiva, abandonando-se a ideia de interrupo do nexo causal. Assim, a proibio do
regresso trata de contribuciones dolosas o imprudentes al hecho de otro que
objetivamente realizan el tipo penal, pero que tiene un carcter incuo y cotidiano.69 Ou
seja, algumas aes cotidianas, que podem ser consideradas incuas, proporcionam o
incio de uma cadeia delitiva que ser realizada pelo autor direto do delito, como o caso
de um devedor que paga a sua dvida, e este dinheiro usado pelo credor para cometer
um crime.
A diferenciao entre uma conduta de pequeno potencial lesivo, incua, e a
interveno punvel no delito se d, segundo Crdoba, quando el comportamiento
tambin es razonable sin la accin del ejecutor.70
A atuao deste terceiro interveniente pode se dar, ento, de duas formas,
segundo Jakobs: procedendo independentemente da vontade do autor, sem a conscincia
de que este incluir sua ao na execuo do delito, ou ento agindo conjuntamente ele
(vendendo regularmente uma arma, ou po que poder ser envenenado), no desempenho
habitual de suas funes, sem que haja auxlio proativo para o delito, ao fornecer uma
informao ou um objeto. Isto pois, por se tratar de um servio cotidiano, compreende-se
que o autor poderia obt-lo de qualquer outra pessoa, de forma que o interveniente no
cria ou incrementa nenhum risco proibido:
En un primer conjunto de supuestos niega que
la actuacin comn pueda configurarse por pura arbitrariedad
(conjuncin arbitraria): esto es, habr prohibicin de regreso si el
autor se liga arbitrariamente a un comportamiento de un tercero
68
Idem, Ibidem, p. 25. 69
Isidoro Blanco Cordero. Op. Cit., p. 42 (itlico nosso). 70
Idem, Ibidem, p. 44.
37
que sea estereotpicamente adecuado desde un punto de vista
social. [] tambin niega Jakobs la responsabilidad penal en
casos de actuacin en comn pero en las que la conjuncin
parcial no tiene por objetivo especfico la realizacin
delictiva.71
Sendo assim, s haver punio do interveniente, neste ltimo caso, que a
ao praticada for perigosa em si, como no caso de venda de arma a pessoa no
autorizada72
.
Segundo Greco,73
no entanto, o principio da proibio do regresso no
adequado para a interpretao das aes neutras, pois este trata da iseno da
responsabilidade daquele que age com culpa anteriormente ao dolosa posterior de
outro sujeito ativo, e no caso das aes neutras a interveno no delito nunca se d de
forma culposa, visto que o interveniente age sempre dolosamente.
Outros doutrinadores, como Roxin, tambm tecem crticas formulao de
Jakobs, por entenderem que a ao do interveniente, quando conhece os objetivos para os
quais o autor adquire seus prstimos, no pode ser considerada neutra, mesmo quando se
tratar de uma ao cotidiana, acessvel em qualquer lugar, obtida de qualquer
profissional,74
pois, na viso do autor, o interveniente que age consciente da inteno
criminosa do autor aumenta o risco da ocorrncia de um fato antijurdico, toma o delito
tambm como seu, e passa a ser responsvel tambm pelo resultado, no podendo negar
seu dolo na participao
Puppe entende que a proibio do regresso, da forma como modernamente
elaborada por Jakobs, no tem o condo de romper o nexo de imputao, mas to-
somente de melhor delimitar o dever de cuidado. Em sua interpretao, alguns servios
especficos, por possurem um risco intrnseco (como a venda de armas, remdios, ou de
venenos) precisam ser revestidas de um dever especial de cuidado e de regulamentao75
.
71
Jon-Mirena Landa Gorostiza. Op. Cit., p. 91. As menes a Jakobs so retiradas da referencia indicada pois
a obra original est disponvel somente em alemo. 72
Idem, Ibidem, p. 46. 73
Op. Cit., p. 26. 74
Como dice Roxin, se recurre aqu de forma inadmissible a um curso causal hipottico (el hecho que osiblemente tambin se puede adquirir um destorillador em outro lugar) para lenar la complicidad . Isidoro Blanco Cordero. Op. Cit., p. 49. 75
Grec
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