View
589
Download
1
Category
Preview:
Citation preview
O LIVRO DAS CITAÇÕESEDUARDO GIANNETTI
“
”O LIVRO DAS CITAÇÕESUm breviário de idéias replicantes
EDUARDO GIANNETTI
Autores são atores, livros são teatros.
wallace stevens
Sumário
Da inutilidade dos prefácios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
I. LER, ESCREVER, SER COMPREENDIDO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1. A mania de citar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2. A leitura dos leitores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3. Contra o excesso de leitura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
4. A sedução das palavras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
5. O feitiço da linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
6. Os mal-entendidos governam o mundo . . . . . . . . . . . . . . . . 40
7. A interpretação dos clássicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
8. O aplauso da multidão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
9. Monumentos mais duradouros que o bronze . . . . . . . . . . . 65
II. FORMAÇÃO DE CRENÇAS E BUSCA DO CONHECIMENTO . . . . 77
1. Com o saber cresce a dúvida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
2. A força do acreditar como critério de verdade . . . . . . . . . . 85
3. Os erros dos que nos precederam . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
4. Familiaridade, assombro e conhecimento . . . . . . . . . . . . . . 97
5. O encanto da simplicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
6. Os meios e os fins da ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
7. Verdades, mentiras, erros, ilusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
8. As idéias governam o mundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
9. O ponto de vista cósmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141
III. ÉTICA PESSOAL: VÍCIOS, VIRTUDES, VALORES . . . . . . . . . . . . . 149
1. Autoconhecimento e auto-engano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151
2. O desconhecimento do outro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162
3. A vida desde o início versus a vida desde o fim . . . . . . . . . . 168
4. A ansiedade do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
5. O bálsamo da inconsciência e o elogio do sono . . . . . . . . . 190
6. Amor, sexo, amizade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199
7. A vida plena e o medo de ser feliz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
8. Vanitas vanitatum, et omnia vanitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224
9. A inconstância dos homens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 234
IV. ÉTICA CÍVICA: ECONOMIA, SOCIEDADE, IDENTIDADES . . . . . . 243
1. Auri sacra fames . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245
2. Ricos, pobres e remediados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 255
3. Trabalho alienado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269
4. Consumo, lazer e tempo livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 280
5. Tecnologias de comunicação: meios e fins . . . . . . . . . . . . . . 296
6. Identidades nacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306
7. Efeitos morais e intelectuais dos trópicos . . . . . . . . . . . . . . 318
8. A civilização entristece . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 334
9. O neolítico moral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 346
Coda: a arte de terminar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 356
Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359
Glossário de nomes de pessoas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433
Índice onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 449
Sobre o autor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457
Da inutilidade dos prefácios
Um livro que ninguém espera, que não responde a nenhuma pergun -
ta formulada, que o autor não teria escrito se tivesse seguido sua lição
ao pé da letra, eis enfim a excentricidade que hoje proponho ao leitor.
georges bataille (1949)
Quem organiza uma antologia escreve sempre um prefácio em que
declara o critério adotado. O que sucede de ordinário é que a maio-
ria dos leitores não faz caso do prefácio. Agora sei que os prefácios são
inúteis, e entre apanhar e apanhar, antes apanhar sem prefácio.
manuel bandeira (1954)
Ainda na juventude, tornei-me ciente de que um vasto abismo separa
os autores de seu público, embora, felizmente para ambos os lados,
nenhum deles se dê conta disso. Logo percebi também quão inúteis
são todos os prefácios, pois, quanto mais tentamos explicar os nossos
propósitos, mais confusão criamos. Além disso, um autor pode escre-
ver um prefácio tão longo quanto desejar, que o público continuará
a dirigir-lhe as mesmas cobranças que ele havia procurado afastar.
goethe (1830)
9
DA INUTILIDADE DOS PREFÁCIOS
10
Este prefácio, apesar de interessante, inútil. Alguns dados. Nem
todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são inúteis ambos. Os
curiosos terão prazer em descobrir minhas conclusões, confron-
tando obra e dados. Para quem me rejeita trabalho perdido expli-
car o que, antes de ler, já não aceitou. […] Prefácio: rojão do meu
eu superior. Versos: paisagem do meu eu profundo. […] Mas todo
este prefácio, com todo o disparate das teorias que contém, não
vale coisíssima nenhuma.
mário de andrade (1922)
Também o prefácio é um sutil medidor de livros. Por isso os mais
espertos costumam agora deixar de lado esse traiçoeiro indicador de
conteúdo, e os comodistas o fazem porque um bom prefácio é mais
difícil que o livro. [...] O prefácio é ao mesmo tempo a raiz e o qua-
drado do livro e, por conseguinte, acrescento eu, nada outro, senão
sua genuína resenha.
novalis (1798)
O meu editor dá a entender que poderia haver alguma utilidade,
tanto para mim como para ele, caso eu tratasse de explicar como e
por que compus este livro, quais foram os meus objetivos e meios,
propósitos e métodos. Um semelhante trabalho crítico teria sem
dúvida a possibilidade de deleitar os espíritos apaixonados pela
retórica profunda. […] Porém, analisando melhor as coisas, inda-
guei: não parece evidente que tal trabalho seria um esforço comple-
tamente supérfluo, tanto para uns como para outros, uma vez que
os primeiros já sabem ou suspeitam o que tenho a dizer, ao passo
que os demais não me compreenderiam jamais?
baudelaire (1865)*
O autor tem direito ao prefácio; mas ao leitor pertence o posfácio.
nietzsche (1877)
* Prefácio descartado para a terceira edição de Flores do mal.
DA INUTILIDADE DOS PREFÁCIOS
11
ILER, ESCREVER, SER COMPREENDIDO
1. A mania de citar
Não importa qual fosse o livro que eu estivesse lendo, adquiri o hábito
de anotar por escrito sentenças isoladas ou passagens curtas que me
parecessem dignas de atenção. Fazia isso tendo em vista o meu pró-
prio uso ou para simples desfrute, como dizem os advogados, sem
intenção alguma de publicar. Até que mais recentemente me ocorreu
que pelo menos uma parte dessas citações — já na casa dos milhares
— poderia despertar o interesse de outras pessoas. Daí este livro.
viscount samuel (1947)
Não me inspiro nas citações; valho-me delas para corroborar o que
digo e que não sei tão bem expressar, ou por insuficiência da língua
ou por fraqueza do intelecto. Não me preocupo com a quantidade e
sim com a qualidade das citações. Se houvesse desejado que fossem
avaliadas pela quantidade teria podido reunir o dobro.
montaigne (1592)
Alguns, em nome da fama, com farrapos de erudição se besuntam, e
imortais se crêem tornar à medida que citam.
edward young (1728)
15
Um autor aparece com mais vantagem nas páginas de outro livro, dis-
tinto do seu. No seu próprio, ele é apenas um candidato à espera da
aprovação do leitor; no livro de outro autor ele tem a autoridade de
quem legisla.
emerson (1876)
As citações em meu trabalho são como bandidos de beira da estrada
que repentinamente surgem armados e tomam de assalto as convic-
ções dos passantes.
walter benjamin (1928)
De um modo geral, quando lemos um estudo crítico erudito, tiramos
melhor proveito das citações que dos seus comentários.
w. h. auden (1962)
A autoridade dos mortos não aflige, e é definitiva.
machado de assis (1897)
antônio: O demônio pode citar as Escrituras para o seu propósito.
Um espírito maligno que invoca testemunho sagrado é como um
vilão com bochechas sorridentes.
shakespeare (1596)
A mania de citações e de comentário dos filólogos mais antigos, o que
era, senão filha da pobreza de livros e do excesso de espírito literário.
novalis (1798)
i.1. A MANIA DE CITAR
16
Bem ao lado do criador de uma grande frase figura aquele a quem
primeiro ocorre citá-la. Muitos lerão um livro antes que alguém pense
em citar certa passagem. Mas, assim que isso é feito, aquela linha será
citada de leste a oeste. [...] De fato, é tão difícil se apropriar dos pensa-
mentos de outros como inventá-los. Pois sempre alguma transição
abrupta, alguma mudança repentina de temperatura ou de ponto de
vista trai a inserção do alheio.
emerson (1876)
O que quer que um outro disser bem, é meu.
sêneca (século i d.c.)
O efeito de uma estrada campestre não é o mesmo quando se cami-
nha por ela ou quando a sobrevoamos de avião. De igual modo, o
efeito de um texto não é o mesmo quando ele é lido ou copiado. O
passageiro do avião vê apenas como a estrada abre caminho pela pai-
sagem, como ela se desenrola de acordo com o padrão do terreno
adjacente. Somente aquele que percorre a estrada a pé se dá conta dos
efeitos que ela produz e de como daquela mesma paisagem, que aos
olhos de quem a sobrevoa não passa de um terreno indiferenciado,
afloram distâncias, belvederes, clareiras, perspectivas a cada nova
curva […]. Apenas o texto copiado produz esse poderoso efeito na
alma daquele que dele se ocupa, ao passo que o mero leitor jamais
descobre os novos aspectos de seu ser profundo que são abertos pelo
texto como uma estrada talhada na sua floresta interior, sempre a se
fechar atrás de si. Pois o leitor segue os movimentos de sua mente no
vôo livre do devaneio, ao passo que o copiador os submete ao seu
i.1. A MANIA DE CITAR
17
comando. A prática chinesa de copiar livros era assim uma incompa-
rável garantia de cultura literária, e a arte de fazer transcrições, uma
chave para os enigmas da China.
walter benjamin (1928)
Ah, o quanto me repugna impingir a outro meus pensamentos! Como
me alegro de todo estado de ânimo e secreta mudança dentro de mim,
em que os pensamentos de outros prevalecem diante dos meus! De vez
em quando, porém, há uma festa ainda maior, quando é permitido
distribuir seus bens espirituais, à maneira do confessor que se acha
sentado no canto, ávido de que um necessitado venha e fale da misé-
ria de seus pensamentos, para que ele possa lhe encher a mão e o
coração e aliviar a alma inquieta!
nietzsche (1881)
Que outros se jactem das páginas que escreveram; a mim me orgu-
lham as que tenho lido.
jorge luis borges (1969)
i.1. A MANIA DE CITAR
18
2. A leitura dos leitores
Leia não para contradizer nem para acreditar, mas para ponderar e
considerar. Alguns livros são para serem degustados, outros para
serem engolidos, e alguns poucos para serem mastigados e digeridos.
A leitura torna o homem completo, as preleções dão a ele prontidão, e
a escrita torna-o exato.
francis bacon (1597)
Os leitores podem ser divididos em três classes: o superficial, o igno-
rante e o erudito. Quanto a mim, adapto minha pena com muita feli-
cidade em prol do gênio e das vantagens de cada um. O leitor super-
ficial será curiosamente levado a gargalhar, o que limpa o peito e os
pulmões, combate o mau humor e é o mais inocente dos diuréticos. O
leitor ignorante (cuja diferença do primeiro é sutil em extremo) vai
se descobrir inclinado a olhar fixamente, o que é um remédio admirá-
vel para olhos cansados, serve para elevar e avivar o espírito, e ajuda
de maneira maravilhosa na transpiração. Mas o leitor verdadeira-
mente erudito, aquele para cujo benefício permaneço acordado
enquanto os outros dormem, e adormeço quando eles acordam,
encontrará aqui material suficiente para exercitar as suas faculdades
19
especulativas para o resto da vida. Seria muito desejável, e eu aqui
humildemente proponho como um experimento, que cada príncipe
do mundo cristão selecionasse sete dos mais profundos eruditos dos
seus domínios e os trancafiasse por sete anos em sete gabinetes, com a
ordem de escrever sete alentados comentários sobre este abrangente
discurso. Aventuro-me a afirmar que, quaisquer que sejam as diferen-
ças encontradas em suas diversas conjecturas, serão todas, sem a
menor distorção, manifestamente dedutíveis do texto.
jonathan swift (1702)
Muitos autores são ao mesmo tempo seus próprios leitores — à
medida que escrevem —, e é por isso que tantos vestígios do leitor
aparecem em seus escritos — tantas observações críticas — tanto que
pertence à província do leitor e não à do autor. Travessões — pala-
vras em maiúsculas — passagens grifadas — tudo isso pertence à
esfera do leitor. O leitor põe a ênfase como tem vontade — ele de fato
faz de um livro o que deseja. Não é todo leitor um filólogo? Não existe
uma única leitura válida somente, no sentido usual. A leitura é uma
operação livre. Ninguém pode me prescrever como e o que lerei.
novalis (1798)
Aquele que explica uma passagem de um autor “mais profunda-
mente” do que era a intenção da passagem não explica o autor, apenas
o torna mais obscuro.
nietzsche (1886)
i.2. A LEITURA DOS LEITORES
20
Estamos sempre dispostos a atribuir aos escritos dos outros sentidos
que favoreçam as nossas opiniões sedimentadas: um ateu se orgulha
de fazer com que todos os autores reforcem a causa do ateísmo. Ele
envenena com sua própria peçonha o mais inocente pensamento.
montaigne (1592)
A maioria não tem apreço pelo que entende, e o que não compreen-
dem, veneram. Para serem estimadas, as coisas têm de custar: será
celebrado tudo o que não for entendido.
baltasar gracián (1647)
O infortúnio dos escritores lúcidos e claros é que os consideramos
pouco profundos e, por isso, pouco esforço é empregado na sua lei-
tura; e a boa fortuna dos escritores obscuros é que o leitor se ocupa
bastante deles e lhes credita o prazer que obtém por meio de sua pró-
pria diligência.
nietzsche (1878)
Quanto mais bem formuladas estejam as idéias, quanto mais explíci-
tas elas forem, menor será sua eficácia: uma idéia clara é uma idéia
sem futuro.
e. m. cioran (1957)
Foi pela obscuridade de sua linguagem que Heráclito conquistou a
veneração dos ignorantes. Os tolos, com efeito, só estimam e admi-
ram o que se lhes apresenta em termos enigmáticos.
lucrécio (século i a.c.)
i.2. A LEITURA DOS LEITORES
21
Um romance é como o arco, e a alma do leitor é como o corpo do vio-
lino que emite o som.
stendhal (1835)
Penso que em toda biblioteca há espíritos. Esses são os espíritos dos
mortos que só despertam quando o leitor os busca. Assim, o ato esté-
tico não corresponde a um livro. Um livro é um cubo de papel, uma
coisa entre coisas. O ato estético ocorre muito poucas vezes, e cada vez
em situações inteiramente diferentes e sempre de modo preciso. […]
Detenhamo-nos nesta idéia: onde está a fé do leitor? Por que, para ler
um livro, devemos acreditar nele? Se não acreditamos no livro, não
acreditamos no prazer da leitura. […] Acompanhamos a ficção como
acontece, de alguma maneira, no sonho.
jorge luis borges (1981)
A crença derradeira é acreditar numa ficção, que você sabe ser ficção,
nada mais havendo além disso; a espantosa verdade é saber que se
trata de uma ficção, e que você acredita nela por vontade própria.
wallace stevens (1940)
Um em cada dois franceses, ao que parece, não lê; metade da França
se encontra em estado de privação — priva-se do prazer do texto. […]
Melhor seria escrever a história penosa, estúpida, trágica de todos os
prazeres a que as sociedades fazem objeção ou a que renunciam:
existe um obscurantismo do prazer.
roland barthes (1973)
i.2. A LEITURA DOS LEITORES
22
Para alguém que provou de modo profundo a ocupação da escrita, o
prazer da leitura é apenas secundário.
stendhal (1832)
O prazer de escrever como contrapeso do [prazer] de ler.
nietzsche (1874)
Embora tenha sido um leitor voraz e ardente, não me lembro contudo
de nenhum livro que tenha lido, a tal ponto eram minhas leituras
estados de minha própria mente, sonhos meus, e mais ainda provoca-
ções de sonhos.
fernando pessoa (1910)
Tu conheces, leitor, o monstro delicado. — Hipócrita leitor, meu
igual, meu irmão!
baudelaire (1857)
i.2. A LEITURA DOS LEITORES
23
3. Contra o excesso de leitura
Existem dois modos distintos de ler os autores: um deles é muito bom
e útil, o outro, inútil e até mesmo perigoso. É muito útil ler quando se
medita sobre o que é lido; quando se procura, pelo esforço da mente,
resolver as questões que os títulos dos capítulos propõem, mesmo antes
de se começar a lê-los; quando se ordenam e comparam as idéias umas
com as outras; em suma, quando se usa a razão. Ao contrário, é inútil
ler quando não entendemos o que lemos, e perigoso ler e formar concei-
tos daquilo que lemos quando não examinamos suficientemente o que
foi lido para julgar com cuidado, sobretudo se temos memória bastante
para reter os conceitos firmados e imprudência bastante para concordar
com eles. O primeiro modo de ler ilumina e fortifica a mente, aumen-
tando o seu entendimento. O segundo diminui o entendimento e gra-
dualmente o torna fraco, obscuro e confuso. Ocorre que a maior parte
daqueles que se vangloriam de conhecer as opiniões dos outros estuda
apenas do segundo modo. Quanto mais lêem, portanto, mais fracas e
mais confusas se tornam suas mentes.
malebranche (1674)
24
Recommended