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LOJAS DE BRINQUEDOS:
ESPAÇOS ALINHADOS À LÓGICA DA CULTURA DE CONSUMO
Michelle Chagas de Farias1
Universidade Luterana do Brasil – Unidade Canoas
Primeiramente, destaco que este artigo faz parte dos estudos que venho desenvolvendo
no Programa de Pós-Graduação em Educação da Ulbra, unidade de Canoas, para minha
dissertação de mestrado. Tenho aqui, como objetivo, analisar espaços internos de lojas de
brinquedos da cidade de Porto Alegre e Canoas, como mecanismos que captam sujeitos para o
consumo. Para isso, parto do pressuposto de que os espaços internos das lojas de brinquedos
não são unicamente destinados ao armazenamento de produtos a serem vendidos e à circulação
de consumidores. Mais do que isso, esses espaços estão alinhados à lógica da cultura do
consumo e, portanto, podem ser analisados como mecanismos componentes do dispositivo de
consumo. Os principais autores através dos quais problematizo essas questões são Michel
Foucault, Gilles Deleuze e Zygmunt Bauman. Esse artigo está organizado em duas seções. Na
primeira, são expostos brevemente os referenciais teóricos que embasam as análises, a partir do
modo como Foucault e Deleuze relacionam espaço e poder, e também sobre os conceitos de
dispositivo e de cultura do consumo por Bauman. Na segunda seção, serão realizadas as
análises, para tanto, o material empírico será composto por fotografias tiradas nos espaços das
lojas de brinquedos, assim como de registros de um diário de bordo, elaborados no momento
das visitas. Serão 3 os eixos de análise: disposição do mobiliário; espaços exclusivos das marcas
e espaços interativos.
ESPAÇO E PODER
Iniciarei esta seção demonstrando como podem ser estabelecidas relações entre a
materialidade dos espaços e o poder. Para isso, buscarei, em Michel Foucault e Gilles Deleuze,
os argumentos.
Nas reflexões que desenvolve no texto O Panoptismo, Foucault nos mostra como o
espaço se torna útil para o regimento do poder. Expõe a forma como a configuração
arquitetônica do Panóptico, construção em formato de anel toda dividida em celas, com uma
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU/ULBRA), Canoas/RS,
Brasil. Bolsista Capes/Prosup. E-mail: mchagasfarias@gmail.com.
torre ao centro, impõe certos comportamentos e “assegura o funcionamento automático do
poder” (2014, p. 195). Os indivíduos alojados na região periférica são vistos/vigiados pelo
indivíduo no centro, em contrapartida, este não pode ser visto pelos demais. Esses indivíduos,
citados por Foucault, têm, portanto, sua conduta moldada pela materialidade arquitetônica do
Panóptico, porque esta impede a visualização permanente da pessoa que os vigia. Nesse sentido,
ressaltamos a forma como o espaço pode se configurar como uma maquinaria/tecnologia de
poder, que age sobre os corpos, a partir de sua conformação arquitetônica, conforme teorizações
do autor também sobre espaços como os manicômios, escolas e prisões.
Para o propósito deste texto, tomo como diretriz o que diz o autor sobre o Panóptico
dever ser “compreendido como um modelo generalizável de funcionamento; uma maneira de
definir as relações do poder com a vida cotidiana dos homens” (2014, p. 198). Foucault indica
que o Panóptico seria um “esquema” possível de funcionar em outras configurações espaciais,
presentes em nossas vidas, ou seja, que os demais espaços, assim como o Panóptico, poderiam
sugerir determinados comportamentos.
A organização do espaço produz assim, efeitos de poder, poder de modificar o
comportamento. Para uma compreensão das relações entre espaço e poder, é preciso buscar
também em Foucault (2000 apud Marcello 2004, p. 200) o conceito de dispositivo:
um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito
e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer
entre estes elementos.
Conforme o autor, dispositivo é um conjunto de mecanismos ou estratégias que operam
com um mesmo propósito. O dispositivo, desse modo, seria maior e composto por vários feixes
de mecanismos e tecnologias. Para o contexto desta pesquisa, o espaço das lojas de brinquedos
seria um mecanismo ou tecnologia que estaria operando em favor do dispositivo de consumo,
sendo esse dispositivo composto por diversos outros mecanismos, como a publicidade na
televisão, na internet, nas ruas, a mídia impressa, etc.
Compreendo, dessa forma, que os espaços das lojas de brinquedos seriam assim como
o Panóptico, um mecanismo através do qual os comportamentos são governados, dirigidos para
o consumo, se constituindo, portanto, numa fração do dispositivo do consumo. Nesse ponto,
para esta análise, se faz necessária uma contextualização histórica, considerando o contexto
social concebido por Foucault, chamado sociedade disciplinar, e o contexto proposto por Gilles
Deleuze e nomeado por ele, de sociedade de controle, pois, embora o espaço seja um
mecanismo de poder em ambos, este opera de diferentes formas nesses contextos.
Foucault mostra, em Vigiar e Punir, uma sociedade disciplinar, em que "as disciplinas
são técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades humanas" (2014, p. 210), através
da submissão das forças e dos corpos em espaços fechados, para uma adequação à emergência
do sistema capitalista, tornando os corpos mais úteis a essa nova configuração social. Os corpos
eram "enquadrados", fixados, classificados, hierarquizados, esquadrinhados nos espaços das
fábricas, prisões, escolas. A delimitação dos espaços nesses lugares operava, sobretudo, como
um mecanismo de controle sobre os corpos, automatizando e desindividualizando o poder
(Foucault, 2014, p. 196). Esses mecanismos agem em favor do poder, não concentrados num
determinado indivíduo, mas sim em mecanismos internos, como na configuração dos espaços,
os quais causam, no caso dos indivíduos do Panóptico, a consciência de estarem sendo
observados, e com isso produzindo efeitos de poder sobre esses corpos. Para Foucault, portanto,
o espaço cumpria a função de disciplinar os corpos.
Para citar outro exemplo, considerando o disciplinamento produzido pelos espaços,
podemos tomar as salas de aula. Nesses locais, geralmente até os dias atuais, a área tida como
principal é o espaço reservado ao professor, e que fica, geralmente à frente. O objetivo desse
projeto é, entre outros, o de demonstrar o lugar que cada um deve ocupar, e que a atenção deve
estar direcionada ao professor, pois todos os assentos ali existentes são voltados para ele. Nas
palavras de Foucault, o espaço escolar seria uma "máquina de ensinar, mas também de vigiar,
de hierarquizar, de recompensar" (2014, p. 144), em suma, de disciplinar.
Gilles Deleuze (1972-1992, p. 1) propõe uma nova configuração social a partir da
Segunda Guerra Mundial. Atenta para a "crise generalizada de todos os meios de confinamento,
prisão, hospital, fábrica, escola, família", anunciando a sociedade de controle, ou seja, o
surgimento de um novo "regime de dominação" (1972-1992, p. 4). O autor apresenta a formação
de uma nova lógica, em que os confinamentos são moldes, e não mais fixos, em que os
indivíduos não mais compõem a massa, mas são em sua essência individuais. O poder de
controle é exercido ao "ar livre" sem a necessidade de confinamento, operando entre outros
fatores, pela sedução.
Acredito que posso me valer tanto das teorizações de Foucault, como das de Deleuze,
para a temática aqui em tela, pois os espaços das lojas de brinquedos operam como mecanismos
do dispositivo de consumo, a partir de suas configurações, contudo, não podemos atribuir a eles
um poder unicamente disciplinar, mas principalmente, podemos lhes atribuir o poder de
sedução, conforme será mostrado na seção das análises.
CULTURA DO CONSUMO
Outra importante referência para a composição dessa seção são as reflexões de Zygmunt
Bauman acerca do consumo. Trazer para este trabalho as contribuições desse autor nos conduz
a uma possibilidade de compreensão das relações existentes entre a sociedade e os processos
que envolvem o consumo.
Inicio pontuando as distinções entre consumo e consumismo. Para o autor, o consumo
é uma condição inerente da sobrevivência biológica dos seres humanos, “uma característica e
uma ocupação dos seres humanos como indivíduos” (2008, p. 41). Praticamos o ato de consumir
desde a existência da humanidade, sendo essa prática atrelada às nossas vidas, já que precisamos
nos alimentar, nos vestir, nos locomover, entre outras muitas necessidades que ainda nem
existem, mas passarão a existir. Afinal, precisamos consumir para viver.
O consumo foi um atributo da sociedade sólido-moderna, assim nominada por Bauman,
um tempo em que “a satisfação parecia de fato residir, acima de tudo, na promessa de segurança
a longo prazo, não no desfrute imediato de prazeres.” (2008, p. 43). O autor nos mostra como
a prática do consumo visava uma “estocagem” que garantiria a estabilidade e também a
demonstração da solidez da riqueza, portanto, consumi-la de imediato seria um risco fatal. O
consumo, nesse período histórico, cumpria a função de garantir as reservas para que um futuro
pudesse ser planejado, portanto, os bens não eram desfrutados, mas reservados para uma
necessidade futura.
É preciso salientar que, atualmente, o consumo é cada vez mais intensamente praticado,
afinal, possuímos muitas necessidades, das quais depende não apenas a nossa sobrevivência,
mas, também, de nossas relações sociais atuais. No entanto, começa a entrar em cena uma nova
configuração social, o consumismo. Atualmente, vivemos a era do consumismo, que se instaura
em uma sociedade não mais sólida, mas líquido-moderna. O consumo cedeu espaço a um novo
“arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros”
(2008, p. 41). As práticas de consumo agora excedem as necessidades de sobrevivência, de
garantias de segurança, fixando seus valores na satisfação de desejos que nunca cessam. O
prazer está na tentativa de se alcançar a felicidade através de uma nova aquisição, mas se trata
de uma “economia do engano” (2008, p. 65), porque a satisfação dura até o ponto de se desejar
novamente, e isso não finda, porque a promessa de felicidade, trazida pelas potentes campanhas
de marketing, logo é frustrada, mas, muito rapidamente refeita, levando a um novo desejo e a
uma nova aquisição.
A sociedade de consumidores busca a felicidade, e esta seria uma boa justificativa para
os incessantes atos de consumo. As promessas de felicidade justificam o consumismo, no
entanto, a felicidade perdura até o breve momento em que os bens oferecidos pelo mercado são
considerados obsoletos, em suma, “A sociedade de consumo prospera enquanto consegue tornar
perpétua a não satisfação de seus membros” (2008, p. 64). Do consumo ao consumismo, da
estocagem ao descarte, nada mais se acumula, tudo se substitui. Para os “cidadãos da era
consumista o motivo da pressa é, em parte, o impulso de adquirir e juntar. Mas o motivo mais
premente que torna a pressa de fato imperativa é a necessidade de descartar e substituir” (2008,
p. 50).
E é neste cenário de relações líquidas, promessas de felicidade e consumismo que está
inscrita esta pesquisa, sendo através das lentes dos Estudos Culturais que buscaremos propor
uma possibilidade de perspectiva para as relações de consumo que se estabelecem nas lojas de
brinquedos.
ANÁLISES
Para esta seção, considerando o referencial teórico exposto, serão três os eixos de
análise: o primeiro tratará da disposição do mobiliário nas lojas de brinquedos; o segundo dos
espaços exclusivos ocupados nessas lojas, estrategicamente pelas marcas mais famosas; e o
último, abordará o tópico sobre a criação de espaços interativos no interior dessas lojas.
Para realizar este estudo, primeiramente precisei definir que perfil de loja iria investigar,
considerando que brinquedos são comercializados em uma certa variedade de estabelecimentos
comerciais, como mercados, lojas de utilidades domésticas, de móveis, de eletroeletrônicos.
Optei por investigar as lojas que se detêm unicamente na venda de brinquedos. Essa escolha se
apoia no fato de que essas lojas se direcionam a um público-alvo específico, recorrendo a
estratégias de publicidade e de vendas também específicas para esse segmento de mercado. A
partir dessa escolha, coletei registros escritos e de imagens de 6 lojas de brinquedos de
shoppings centers da cidade de Porto Alegre e de 2 lojas da cidade de Canoas, sendo uma de
shopping e outra não, ambas cidades situadas no Rio Grande do Sul.
DISPOSIÇÃO DO MOBILIÁRIO
Para este tópico, utilizarei a análise do Panóptico, desenvolvida por Foucault (2014),
que nos mostra como a organização dos espaços são escolhas que, intencionais ou não,
produzem efeitos no interior de sua relação com os seres humanos.
As lojas de brinquedos que visitei, na cidade de Porto Alegre e Canoas, em sua maioria,
pertencem a redes de franquias, situadas em shopping centers. A partir das visitas, pude elencar
alguns aspectos recorrentes e alguns peculiares. Inicialmente, o aspecto mais marcante foi a
aparência, em termos de layout de loja, muito semelhante à organização dos espaços de
supermercados, tamanha a quantidade de prateleiras (semelhantes às gôndolas dos
supermercados) e de produtos expostos. A diferença fica por conta da altura dessas prateleiras,
que é menor, em função da baixa estatura do público alvo, que são as crianças, e da disposição
desses móveis no espaço da loja, que algumas vezes não segue uma organização em linhas
paralelas, mas uma distribuição de maneira mais informal e lúdica.
Esse estilo de layout, com a disposição de prateleiras, paralelas ou não, possibilita a
acomodação de uma grande quantidade de produtos, promovendo, portanto, uma relação de
superexposição com o consumidor, sendo este estimulado a consumir além do que talvez
pretendesse, assim como recorrentemente acontece em redes supermercadistas. Entre outras,
uma razão para a escolha desse layout é, sem dúvida, a possibilidade de expor uma enorme
quantidade de produtos.
O ritmo de circulação dos consumidores entre as prateleiras/gôndolas de uma loja impõe
um ritmo de consumo, o mesmo que se vê em um supermercado. Raras vezes, um consumidor
mediano sai de um estabelecimento como esse com menos de meia dúzia de itens, mesmo que
desnecessários no momento e, nesse sentido, parece que a organização semelhante do espaço
de uma loja de brinquedos se propõe a essa mesma finalidade. Aproximando essa descrição,
das reflexões de Foucault, em O Panoptismo, podemos perceber o quanto o espaço se torna útil
para o regimento do poder, pois, programar, através do layout dos espaços, as reações e
comportamentos dos consumidores, é, certamente, uma prática de poder. Nesse caso, um poder
que atua no sentido de contribuir com o dispositivo de consumo, afinal, não devem faltar opções
nas prateleiras para que se possa saciar seu mais recente desejo.
A materialidade desses espaços, com layouts que permitem uma farta exposição de
produtos, juntamente com outras estratégias, como a organização da exposição das mercadorias
em pontos específicos, o colorido do ambiente, a iluminação, tudo isso não nos deixa passar
imunes, conduzindo não somente nossos corpos, mas também nossa maneira de pensar e agir.
Figura 1: Saturação dos espaços em loja de brinquedos no Shopping Canoas
Em uma das lojas fotografadas (Fig. 1), as gôndolas posicionadas de maneira transversal
à parede da esquerda são tantas, que se fundem no registro fotográfico. Visivelmente, a altura
não ultrapassa 1,4 m, o que permite uma ótima visualização e acesso aos brinquedos, pelas
crianças. Como se pode perceber, a quantidade de itens expostos é muito grande.
Figura 2: Corredores e gôndolas em loja de brinquedos no Shopping Iguatemi
Nesta imagem (Fig. 2), podemos observar um corredor formado por
prateleiras/gôndolas, assim como os que encontramos nas redes de supermercados. Percebe-se
também, nesta loja, a baixa altura das prateleiras, o que facilita o acesso aos brinquedos, por
parte das crianças.
Além da disposição das gôndolas nessas lojas, se observa também uma estratégia de
vendas já consolidada e muito praticada em outros estabelecimentos, como supermercados ou
lojas de departamentos, que são os mobiliários, que ficam logo ao lado dos caixas. Geralmente
são dispostos em fileira de modo a formar um corredor que define o sentido da fila que se forma
próximo aos caixas. Essa estratégia é muito eficaz para o incremento das vendas e se insere na
classificação de vendas por impulso. Segundo Mendes
A venda por impulso tem o objetivo de fisgar o cliente quando ele pensa que já
terminou suas compras naquela loja. É justamente nesse percurso até os caixas que os
equipamentos, conhecidos como check-stands ou basket opportunity, são
posicionados estrategicamente, recheados de produtos atrativos e de baixo custo,
assim o cliente acaba comprando sem muita reflexão, simplesmente porque estão ali
ao alcance de suas mãos e parecem uma boa oportunidade. (2015)
Figura 3: Check-stands em loja de brinquedos no Shopping Bourbon Country
As prateleiras com as laterais arredondadas que aparecem em outra loja fotografada
(Fig. 3) estão posicionadas paralelamente ao balcão do caixa, de forma que a fila se organiza
de um lado e do outro delas. Os itens expostos geralmente são pequenos e de baixo valor
unitário, e estão bem ao alcance das mãos, o que também contribui para a venda por impulso.
Em relação à disposição do mobiliário nas lojas de brinquedos, podemos afirmar que o
espaço se torna, dentro dessas lojas, mais um mecanismo do dispositivo de consumo, pois
conduz, de maneira muito sutil, o consumidor ao ato de compra. A respeito dessa sutileza,
Foucault declara sobre a importância do dispositivo do Panóptico ser um mecanismo de
controle dos corpos, que automatiza e desindividualiza o poder (1987, p. 167), isso indica o
quão poderoso pode se tornar um mecanismo de poder, quando age com sutileza.
ESPAÇOS EXCLUSIVOS DAS MARCAS
Neste eixo de análise, buscarei demonstrar como os espaços organizados de maneira a
evidenciar uma determinada marca se constituem em poderosos mecanismos de sedução a favor
do dispositivo de consumo.
A proliferação de produtos disponíveis para compra, impulsionada pela intensificação
do intercâmbio comercial que vivemos a partir dos anos 1990, juntamente com o
desenvolvimento da indústria, resultou em um cenário de concorrência acirrada no mercado.
Desde então, são introduzidas cada vez mais estratégias a fim de manter ou elevar as vendas.
Atualmente, o consumo de qualquer produto está fortemente ligado aos valores
simbólicos a ele agregados. Canclini (2007, p. 40) descreve quatro tipos de valores: valor de
uso e valor de troca, que referem-se principalmente à materialidade do objeto, e valor signo e
valor símbolo, que se referem aos processos de significação. Valor de uso tem a ver com a
dimensão funcional do objeto, e valor de troca com o preço do item no mercado. Para esta
análise, serão úteis as considerações acerca dos valores relacionados aos processos de
significação, que são o valor signo, que decorre das conotações simbólicas associadas ao objeto,
e o valor símbolo que está associado aos rituais ou atos sociais particulares ou à afetividade.
É importante ressaltar que os produtos não são consumidos somente em sua
materialidade, mas também, ou principalmente, em suas significações. Canclini (2007, p. 41)
explica: “a sociedade está estruturada com dois tipos de relações: as de força, correspondentes
ao valor de uso e ao de troca; e, dentro delas, entrelaçadas com estas relações de força, há
relações de sentido, que organizam a vida social, as relações de significação”.
Dessa maneira, é compreensível que cada vez mais se busque evidenciar esses símbolos
nos espaços das lojas, como uma estratégia de sedução para o consumo. Símbolos, que são
construídos muito eficazmente em campanhas de marketing e de branding2.
2 Branding ou Brand management (do inglês, em português também Gestão de Marcas). Brand é uma coleção de
imagens e ideias que ilustram um produtor econômico; para ser mais específico, refere-se aos atributos descritivos
verbais e símbolos concretos, como o nome, logo, slogan e identidade visual que representam a essência de uma
empresa, produto ou serviço. Branding pode ser definido como o ato de administrar a marca de uma empresa.
Ele também pode ser considerado como o trabalho de construção e gerenciamento de uma marca junto ao mercado.
A construção de uma marca forte para um produto, uma linha de produtos ou serviços é consequência de um
relacionamento satisfatório com o mercado-alvo. Quando esta identificação positiva se torna forte o bastante, a
marca passa a valer mais do que o próprio produto oferecido. Branding é o conjunto de práticas e técnicas que
Podemos visualizar uma demarcação do espaço interno das lojas de brinquedos, através
do posicionamento de displays expositores, produzidos especialmente para produtos de
determinadas marcas. Sendo um expositor ou mostruário, o display não é utilizado somente
para expor determinados produtos, mas principalmente para que fiquem em destaque no ponto
de venda. Geralmente, esses móveis são prateleiras em formatos diversos que não chegam a um
metro de largura. Mas, em uma das lojas de brinquedos recém inaugurada, observei que os
pequenos displays foram quase totalmente substituídos por espaços exclusivos com displays
bem maiores, que concentram praticamente toda a linha de produtos da marca, atribuindo assim,
uma maior visibilidade para a imagem da marca.
Além desses móveis personalizados, há também outras formas de demarcação de
espaços, como arcos, tapetes ou banners, pendurados ou fixados nas paredes. É muito evidente
a superexposição das marcas nesses espaços. Essa organização, além de demarcar espaço,
garante que a marca ou o produto seja lembrado, pela beleza e criatividade ali empregados.
Figura 4: Display da marca Baby Alive em loja de brinquedos no Shopping Iguatemi
visam a construção e o fortalecimento de uma marca. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Branding>.
Acessado em: 3 jan. 2017.
Figura 5: Display em formato de arco da marca Lego em loja de brinquedos no Shopping Iguatemi
Figura 6: Banners e gôndolas personalizadas da marca Barbie em loja de brinquedos no Shopping Iguatemi
Figura 7: Espaço da marca Disney em loja de brinquedos no Shopping Iguatemi
O que se vê é uma espécie de setorização, em que determinadas marcas reclamam para
si um espaço exclusivo e único. É evidente que a ampla área da loja permite essa setorização,
pois as gôndolas e os enormes displays demandam muito espaço, além de precisarem de um
certo distanciamento das demais marcas. Observando esses espaços através das Figuras 4, 5, 6
e 7, e tomando uma visão panorâmica da loja, essa estratégia, além de promover a visibilidade,
favorece também sua valorização, pois cada espaço é muito bem elaborado, de forma criativa e
com materiais diferenciados e que produzem um distinto efeito visual. Todos esses elementos
contribuem para a fixação do valor signo da marca, conforme Canclini (2007), funcionando
como um forte recurso de sedução, que impulsiona e leva ao consumo, tornando os produtos
altamente desejáveis.
ESPAÇOS INTERATIVOS
Outra recorrência em três lojas de brinquedos recém-inauguradas é a inserção de
espaços destinados à atividades e experimentação, ou seja, locais, no interior dessas lojas, em
que as crianças podem realizar atividades ou brincadeiras, de forma orientada ou não. Dessa
forma, pretendo mostrar como o alto investimento nessa nova configuração de loja é ao final
mais uma estratégia direcionada ao consumo, um aprimoramento das táticas de vendas que
acaba por transformar esses espaços em “templos do consumo”.
Uma das lojas, situada em um shopping na cidade de Porto Alegre, construiu uma
passarela, cheia de bifurcações, próxima ao teto (Fig. 8), havendo em sua extensão várias
possibilidades de atividades, como uma piscina de bolinhas (Fig. 9), uma grande televisão em
frente à uma pequena arquibancada, banquinhos e uma mesa com peças de montar, uma
sequência de pequenos cômodos, com telas de jogos interativos e ainda um foguete, que vai da
passarela suspensa até o chão do térreo da loja.
Figura 8: Escada e passarela em loja de brinquedos no Shopping Iguatemi
Por questões de segurança, toda a passarela, inclusive a escada, são prolongadas no
sentido da altura com telas de nylon. Percebe-se um cuidado também com o projeto visual. O
espaço é todo colorido e iluminado e o teto preto realça as cores utilizadas e a iluminação,
tornando o espaço muito convidativo. Essa estratégia, certamente, também tem como objetivo,
aumentar o tempo de permanência dos clientes na loja. Uma evidência disso são alguns bancos
colocados próximos à escada que conduz à passarela, assim, os pais das crianças que lá sobem
para brincar podem esperá-las confortavelmente. É sabido, nesse meio, que, para determinados
segmentos de lojas, o maior tempo de permanência dos clientes nesses espaços pode também
aumentar as possibilidades de consumo, portanto, novamente, identificamos o espaço como um
mecanismo do dispositivo de consumo, já que é capaz de governar nosso comportamento.
Figura 9: Piscina de bolinhas em loja de brinquedos no Shopping Iguatemi
Figura 10: Espaço para experimentação em loja de brinquedos no Shopping Iguatemi
Outra loja inaugurada em agosto do ano 2016, na cidade de Canoas, apresenta também
dois espaços que oportunizam atividades dentro da loja: um tapete no chão destinado à
experimentação dos brinquedos e um escorregador em formato de foguete. Toda a loja foi
cuidadosamente projetada com elementos muito coloridos e que exploram os sentidos,
conformando um grande apelo visual. Essa estratégia de espaços com atividades, certamente
tem como objetivo atrair as crianças para o interior da loja, como também aumentar o tempo de
permanência dos clientes ali, afinal o brincar dentro da loja pode suscitar novos desejos.
Aparentemente, a oferta de espaços como esses apresentam grande aceitação por parte
das crianças e até pelos adultos, pois, somada à estratégia das brincadeiras, se tem no interior
dessas lojas, um banquete visual que mexe com nossos sentidos. Certamente, somos seduzidos
e levados a comportamentos condizentes com a sociedade do consumo, já que a “felicidade” de
nossos filhos está em jogo.
Uma loja de brinquedos repleta de crianças brincando e se divertindo, talvez seja a
imagem que nos venha à mente, quando pensamos nesse segmento de mercado. Essa imagem
romantizada e construída, provavelmente, é o resultado de inúmeras campanhas de marketing
e filmes que, mesmo não intencionalmente, desfocam a atenção do objetivo primeiro das lojas,
que é o consumo. Nesse sentido, essa estratégia de novos espaços com oferta de atividades,
além de funcionar como um atrativo, pode também desviar a atenção da frieza do ato de
consumo, que é afinal o objetivo central desses estabelecimentos.
Creio portanto, que todas essas estratégias acabam mesmo por desviar o foco do ato de
consumo e nos levam a consumir, sem muito julgamento sobre o que estamos fazendo.
Trazendo as reflexões de Bauman (2008) sobre o consumo, conseguimos compreender as
razões para tamanho esforço desse mercado em promover o consumo, e mais do que isso, o
nosso consentimento sobre essa nova forma de vida pautada na necessidade incansável de
satisfazer desejos que nunca cessam.
REFERÊNCIAS
CANCLINI, Nestor García. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da interculturalidade.
2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007.
DELEUZE, Gilles. “Post-Scriptum sobre as sociedades de controle”. Conversações 1972-1990.
RJ: Ed. 34, 1992, pp. 219-226. Disponível em: <http://historiacultural.mpbnet.com.br/pos-
modernismo/Post-Scriptum_sobre_as_Sociedades_de_Controle.pdf>. Acessado em 18 dez.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 42. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2014.
MARCELLO, Fabiana de Amorim. O conceito de dispositivo em Foucault: mídia e produção
agonística de sujeitos-maternos. Educação & Realidade, 29(1): 199-213 jan/jun 2004.
Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/25426/14752>. Acessado em
20 dez. 2016.
MENDES, Cristiane. Venda mais, venda por impulso. Disponível em:
<http://www.mmdamoda.com.br/venda-mais-venda-por-impulso/>. Acessado em 18 dez.
2016.
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