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Prticas colaborativas e positivas na
INTERVENO SOCIAL
ficha tcnica
ttuloManual - Prticas Colaborativas e Positivas na Inter-veno Social.
autoresCatarina Rivero, Liliana Sousa, Patrcia Grilo e Sofia Rodrigues
edioEAPN Portugal / Ncleo Distrital de LeiriaRua Miguel Franco, lote 8, 1022400-191 LeiriaTel 244 837 228 | Fax. 244 837 229E-mail. leiria@eapn.ptSite: www.eapn.pt
Este Manual surje no mbito do Projeto Para alm da crise:
otimismo, criatividade e capacitao
design grfico e paginaoRain Design
isbn978-989-8304-30-8
data de edioDezembro de 2013
NDICE
Introduo
Parte I
A complexidade na interveno com famlias socialmente
vulnerveis
Patrcia Grilo
Emergncia de abordagens colaborativas na interveno
com famlias vulnerveis
Sofia Rodrigues & Liliana Sousa
Interveno positiva com famlias socialmente vulnerveis
Catarina Rivero
Parte II
Enquadramento ao projeto Para alm da crise: otimismo,
criatividade e capacitao
Patrcia Grilo
Materiais das atividades realizadas no mbito do projeto
Para alm da crise: otimismo, criatividade e capacitao
Anexos
2
6
16
30
54
60
94
O Manual que aqui apresentamos, resulta do projeto Para alm
da crise: otimismo, criatividade e capacitao, desenvolvido
durante o ano de 2012, e pretende ser um instrumento de
apoio aos/s profissionais da rea social que intervm, sobre-
tudo, com famlias em situao socialmente vulnervel.
Tal como a literatura e a investigao nesta rea nos referem, a interveno
para ter sucesso dever passar, cada vez mais, por uma postura colaborativa e
positiva para e com as famlias em situao socialmente vulnervel.
INTRO
DUO
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
S assim os/as profissionais conseguiro envolver eficaz-
mente as famlias na resoluo dos desafios que diaria-
mente as assolam e no caminho da mudana.
Assim, para o referido projeto foram desenhados dois
grandes desafios. Um dos primeiros desafios foi, precisa-
mente, a criao de espaos de participao e interao
entre os diferentes atores que trabalham na luta contra a
pobreza e a excluso social dirigentes e profissionais - e
os/as prprios/as cidados/s em situao socialmente vul-
nervel. Atravs da potenciao destes espaos de partici-
pao e interao, acreditamos que podemos fomentar o
intra e inter-conhecimento, bem como a autorreflexo sobre
as prticas, com o intuito de (re)pensar a interveno social.
Tambm acreditamos que possam nascer daqui projetos
ino vadores e sustentveis, baseados numa nova abordagem
que se distancia do modelo tradicional, centrado nos prob-
lemas e nos dfices e preocupado com a correo dess-
es mesmos problemas e dfices. Assim, a relao profis-
sional/famlia deve, cada vez mais, desfocar as lentes do
dfices e dos problemas, que parecem, muitas das vezes
serem insolveis, e colocar a nfase nas solues, nas ca-
pacidades, nas competncias, naquilo que funciona melhor.
Alm disso, a confiana e proximidade estabelecida entre
os/as profissionais e as famlias, resultante da adoo desta
abordagem, permite dar voz a todos, potencia a autonomia
e contribui para uma maior integrao. A criatividade e a
inovao nascem tambm destas premissas.
Acreditamos, ainda, que a partir destas experincias, os es-
teretipos e preconceitos que, muitas das vezes, so gera-
dos a partir de falsas generalizaes e de percees infun-
dadas, se possam, de facto, diluir.
O segundo desafio deste projeto consistiu no desenvolvi-
mento de aes formativas destinadas a dirigentes, profis-
sionais e cidados/s em situao socialmente vulnervel,
com a finalidade de promover a reflexo sobre as suas prti-
cas e, simultaneamente, fornecer instrumentos de trabalho
para uma interveno social mais colaborativa e positiva.
O referido projeto foi promovido pelo Ncleo Distrital de
Leiria da EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza, em
parceria com um conjunto de organizaes e entidades que
passamos a citar: Academia Cultural e Social da Maceira;
ADESBA Associao para o Desenvolvimento e Bem Estar
Social da Barreira; APEPI Associao de Pais e Educa-
dores para a Infncia de Pombal; Associao para o Desen-
volvimento Social da Loureira; Cmara Municipal de Leiria;
Critas Diocesana de Leiria; Centro Distrital de Leiria do ISS,
I.P.; Cruz Vermelha Portuguesa Delegao de Leiria; Inter-
mediar Associao de Mediadores do Oeste; IDT, I.P.; In-
stituto Portugus do Desporto e Juventude, I.P.; Mulher Scu-
lo XXI e Vida Plena Associao de Solidariedade de Leiria.
Foi o contributo dos/as dirigentes e profissionais destas enti-
dades que permitiram que o projeto se concretizasse, ao se
envol verem e envolverem os/as cidados/s em situao de
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
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vulnerabilidade social com quem trabalham. Teve, ainda,
a parceria da APEIPP - Associao Portuguesa de Estudos
e Interveno em Psicologia Positiva, no desenvolvimento
dos contedos e dinamizao das aes. Cabe, assim, ao
Ncleo Distrital de Leiria da EAPN Portugal/ Rede Euro-
peia Anti-Pobreza agradecer o envolvimento de todos/as.
E agradecer, igualmente, s duas principais dinami zadoras
que permitiram, em termos formativos, o desenvolvimento
deste projeto, Catarina Rivero, da APEIPP - Associao Por-
tuguesa de Estudos e Interveno em Psicologia Positiva e
Sofia Rodrigues, da Universidade de Aveiro.
Para finalizar esta parte introdutria do manual, importa
referir que este se encontra estruturado em duas partes: uma
primeira parte de enquadramento terico, com trs artigos
da autoria de Patrcia Grilo, Sofia Rodrigues & Liliana Sousa
e Catarina Rivero. A ltima parte apresenta um breve enqua-
dramento ao projeto, bem como materiais, dinmicas de
grupo e alguns exerccios que foram sendo utilizados nas
sesses e que podem constituir instrumentos teis para os/
as profissionais que queiram aprofundar e trabalhar estas
temticas com famlias em situao socialmente vulnervel.
Dezembro 2013
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
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PARTE IA complexidade na
interveno com famlias socialmente
vulnerveis
frequente os/as profissionais da rea social se referirem complexi-
dade na interveno com famlias socialmente vulnerveis. O que ,
ento, a complexidade? Que estratgias complexas podemos utilizar
para trabalhar com famlias que se apresentam como sistemas com-
plexos? O presente artigo pretende, embora de forma sucinta, procurar res-
ponder a estas duas questes.
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
H alguns sculos atrs, Descartes (1596-1650) e Newton (1642-
1727) influenciaram de tal forma a viso do mundo, que ainda hoje
esta viso persiste, no apenas nas cincias, mas igualmente na vida
social e poltica ocidental. Estamos, assim, a falar do paradigma
linear, caracterizado pela ordem, reducionismo, previsibilidade e
determinismo (Geyer e Rihani, 2010). Tal como refere Santos, este
paradigma assentava na reduo da complexidade, sendo que, para
conhecer era necessrio dividir e classificar para depois poder de-
terminar as relaes sistemticas entre o que se separou (1988:50).
, portanto continua o autor um conhecimento causal que as-
pira formulao de leis, luz de regularidades observadas, com
vista a prever o comportamento dos fenmenos (ibidem:51). Nesta
perspetiva, Geyer e Rihani salientam que, A estratgia para com-
preender e controlar o corpo (corrigindo os seus erros) foi reduzi-lo
aos seus componentes e encontrar ferramentas para compreender e
medir os seus movimentos.(2010:92-93)1.
Todavia, a mesma cincia - a fsica -, que legitimou este paradig-
ma, mostrou-nos, mais tarde, que existe um outro paradigma, o da
complexidade, que nos veio mostrar que nem todos os fenmenos
podem ser explicados com base na ordem, reducionismo, previsibi-
lidade e determinismo. O princpio da incerteza de Heisenberg con-
tribuiu, em grande parte, para alterar esta viso dogmtica. A partir
daqui, outros contributos foram dados pela cincia. Deste modo, a
universalidade aplicada a todos os fenmenos, a linearidade das
causas e efeitos, o todo como simples soma das partes, foram postos
1 Verso original: The trick to understanding and controlling the body (correcting its mistakes) was to reduce it to its componentes parts and find tools for understanding and measuring its motions. (Geyer e Rihani, 2010:92-93).
Licenciada e mestre em Sociologia
pela Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra (FEUC).
Tcnica Superior no Ncleo Dis-
trital de Leiria da EAPN Portugal /
Rede Europeia Anti-Pobreza. Co-
autora do livro: Famlias Pobres:
Desafios Interveno Social,
publicado em 2007, pela Editora
Climepsi.
PatrciaGrilo
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
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em causa (Geyer e Rihani, 2010). Outros autores vieram,
igualmente, contribuir para o aprofundamento desta abord-
agem, destacando-se o qumico russo Ilya Prigogine. Este
autor refere que a eternidade, o determinismo, a reversabi-
lidade, a ordem e a necessidade marcaram a cincia mod-
erna e vm agora dar lugar histria, imprevisibilidade,
espontaneidade e auto-organizao, irreversibilidade e
evoluo, desordem e criatividade (Santos, 1988:56).
O futuro deixa, assim, de ser previsvel e passa a uma mera
possibilidade (Neves e Neves apud Curvello e Scroferneker,
2008:3).
Assim, aos fenmenos que no podem ser explicados de
forma reducionista, linear, hierrquica e mecnica, chama-
ram-se de complexos, cabendo aqui os fenmenos naturais,
mas igualmente sociais. Neste sentido, uma famlia e uma
organizao constituem sistemas complexos, pelo que de-
vero ser compreendidos e explicados atravs da teoria da
complexidade. Parte-se, assim, da premissa que s podemos
responder complexidade com complexidade. No pos-
svel responder eficazmente a um sistema complexo, como
a famlia, adotando uma abordagem linear, baseada em
pressupostos de causa-efeito (Se fizermos isto, acontece
isto), uma vez que lidar com sistemas complexos, lidar
com a imprevisibilidade e a no linearidade, dois conceitos
centrais na teoria da complexidade.
Assim, com este meu contributo, procuro evidenciar que
h uma outra abordagem, baseada na teoria da complexi-
dade, que no anula a perspetiva da linearidade, mas que,
tal como refere Byrne, essencialmente um quadro de
referncia uma forma de compreender como que as
coisas so, como funcionam e como podem ser postas a
funcionar (2001:8). Ainda segundo este autor, a teoria da
complexidade pode ajudar-nos a compreender como que
as transformaes acontecem e como que podemos, dia-
logicamente, envolvermo-nos para fazer acontecer (Byrne,
2005:101). A utilizao desta abordagem revela-se, assim,
pertinente em contextos de interveno social, na medida
em que estamos a lidar com relaes sociais que se con-
stituem como complexas.
Byrne define a teoria da complexidade como A compreen-
so interdisciplinar da realidade, composta por sistemas ab-
ertos complexos, com propriedades emergentes e potencial
de transformao. (2005: 97)2 [traduo minha]. A comple-
xidade no sinnimo de completude. A complexidade diz
respeito impossibilidade de se chegar a um conhecimento
completo. Desta forma, ela no traz certezas sobre o que
incerto, no entanto, pode reconhecer a incerteza e dialogar
com ela (Bauer 1999 apud Silva e Rebelo, 2003). Desta
forma, o pensamento complexo no tem como ambio, ao
contrrio do pensamento linear, controlar e dominar o real,
mas sim dialogar e negociar com ele (Morin, 2008).
2 Verso original: The interdisciplinary understanding of reality as composed of complex open systems with emergent properties and transformational potencial. (2005: 97).
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
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Cilliers (1998), referindo-se aos sistemas complexos, salien-
ta que estes devem ser compreendidos atravs da interao
entre os seus elementos, bem como entre estes e o am-
biente que os rodeia, permitindo assim que o sistema mude,
atravs da auto-organizao:
Num sistema complexo () a interao entre os
elementos do sistema e a interao entre o sis-
tema e o seu ambiente, so de tal natureza que
o sistema no pode ser totalmente compreendido
como um todo analisando apenas os seus elemen-
tos. Alm disso, as relaes no so estticas,
alteram-se e mudam, muitas vezes, como resultado
de auto-organizao. Tal pode resultar em novas
caractersticas, geralmente referidas em termos de
propriedades emergentes. O crebro, a linguagem
e os sistemas sociais so complexos (1998: xiii-ix).3
[traduo minha]
Stevens e Cox, referindo-se ao comportamento de um sis-
tema, como o da famlia, salientam que o comportamento,
mais um produto de interaes entre os agentes
e o seu ambiente, do que o resultado de aes in-
dividuais. Assim, o comportamento de uma pessoa
afeta o comportamento de outras -, mas essa pes-
3 Verso original: In a complex system () the interaction among constituents of the system, and the interaction between the system and its environment, are of such a nature that the system as a whole cannot be fully understood simply by analising its components. Moreover, these relationships are not fixed, but shift and change, often as a result of self-organization. This can result in novel features, usually referred to in terms of emergent properties. The brain, natural language and social systems are complex (1998: xiii-ix).
soa , por sua vez, afetada pelo comportamento de
outra e pelo seu ambiente. nessas interaes que
a famlia se auto-organiza (2008: 1324) [traduo
minha].4
Desta forma, o conceito de interao assume uma dimenso
fulcral quando falamos em sistemas complexos. A intera-
o definida, por Morin, como aces recprocas que
modificam o comportamento ou a natureza dos elementos,
corpos, objetos, fenmenos em presena ou em influncia
(2002:72 apud Curvello e Scroferneker, 2008:8). Guerra
defende que,
() num contexto complexo, deve deslocar-se a
ateno, do paradigma da resoluo dos proble-
mas (problem solving) para a ateno aos prob-
lemas dos processos de interaco mltipla ()
aceitando que os problemas so uma construo
social permanente (problema setting) num con-
texto complexo, de grande incerteza, cuja ori-
entao pertence a um colectivo de actores em
interaco (2006:9).
Passamos, de seguida, a apresentar dois dos conceitos cen-
trais da teoria da complexidade.
4 Verso original: is as much a product of interactions between agents and their envi-ronment as it is a result of individual actions. So, one persons behavior affects others but that person is, in turn, affected by the behavior of the other and by their environment. It is in these interactions that the family self organizes (2008: 1324).
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
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No linearidade
A complexidade enfatiza a interao contnua entre siste-
mas, num processo dinmico, em que um sistema afeta o
outro de forma cclica e no linear. Geyer e Rihani refe-
rem que, quando estamos a lidar com sistemas complexos,
como o caso das famlias e organizaes devemos ter em
conta que estes se movem de forma no linear e, por isso,
de forma imprevisvel ao longo do tempo. No existe um
endpoint, o principal objetivo e estratgia a adaptao
e o equilbrio na mudana. O principal ator o/a cliente,
em que as escolhas, as opinies pessoais, as experincias e
aprendizagens so importantes. Os profissionais tm o pa-
pel de ajudar nesse caminho (2010: 108).
As famlias que se encontram em situao socialmente vul-
nervel, deparam-se, na maioria das vezes, com mltiplos
problemas (ex: a mulher encontra-se desempregada e em
estado depressivo, o pai alcolico, o filho tem tido dificul-
dades de aprendizagem). A abordagem ancorada num pen-
samento linear, mecnico e determinista, no conseguir
responder eficazmente ao entrelaar destes problemas - em
que uns so causas e consequncias de outros, estando,
desta forma, perante causalidades circulares -, na medida
em que para a abordagem linear, para cada problema se
traa uma soluo, invisibilizando, assim, a dimenso rela-
cional e interacional entre estes mesmos problemas. Assim,
precisamos de uma interveno que consiga compreender:
as ligaes entre os vrios fatores que desencadeiam os
problemas; as relaes e interaes que se estabelecem en-
tre os vrios elementos da famlia; que a interveno no
pode ser realizada de forma isolada (indivduo a indivduo;
problema a problema); que a interveno ter que ter sem-
pre em conta o contexto onde a famlia se insere mas, igual-
mente, o contexto meso e macro, sendo que a abordagem
complexa tem em conta todos estes elementos.
Reeler (2007) refere que a interveno a partir da causali-
dade linear incapaz de lidar com a complexidade dos sis-
temas, propondo, desta forma, que se olhe para a teoria
da mudana social nos sistemas complexos, a partir da 1)
mudana emergente, que se opera, sobretudo, a partir da
aprendizagem pela experincia e, nomeadamente, a partir
da aprendizagem horizontal; 2) mudana transformativa,
que se opera a partir das crises e a 3) mudana projetvel,
que tende a ser mais bem sucedida quando os problemas,
as necessidades e as possibilidades so mais visveis e se
encontram sob condies e relaes estveis.
Autopoiese
Alarco refere que a famlia um sistema, na medida em
que 1) composta por objectos e respectivos atributos e
relaes, 2) contm subsistemas e contida por diversos
outros sistemas, ou supra-sistemas, todos eles ligados de
forma hierarquicamente organizada e 3) possui limites ou
fronteiras que a distinguem do seu meio. (2000: 38). A
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
10
interao que a famlia estabelece com o meio, faz dela um
sistema aberto, uma vez que recebe do meio um conjunto
de influncias, influenciando-o simultaneamente. Mas a esta
abertura ao exterior, sucedem momentos de fechamento
(Alarco, 2000: 46). Ou seja, Sousa e Ribeiro referem que
os sistemas no so comandados do exterior, pois a troca
comunicacional (abertura informacional) acompanhada
por autonomia organizativa (fecho operacional). (2005a:
3). Neste olhar est inscrito o conceito de autopoiese de
Maturana e Varela (1997 apud Sousa, 2005b). Neste sen-
tido, a famlia um sistema autopotico na medida em que,
() aceita um conjunto finito de transformaes
estruturais, conservando sempre a sua organi-
zao. As dificuldades das famlias face s crises e
os pedidos de interveno surgem quando aquela
sente ameaada a sua organizao. As implicaes
prticas desta nova formulao so extraordinrias
pois permitem compreender as razes pelas quais
as famlias no aceitam todas as propostas de
transformao, mesmo que elas paream adequa-
das a sua prpria evoluo (Alarco, 2000: 26).
Um sistema autopoitico autnomo em relao ao seu
ambiente, o que significa que o ambiente no pode in-
fluenciar um sistema autopoitico seno causalmente e a
menos que o sistema tenha vontade de cooperar com ele
(Vos, 2003: 6). Assim, a resistncia que, por vezes, os/as
profissionais referem como motivo para a no mudana das
famlias , na tica da complexidade, o resultado da au-
topoiese da famlia. Desta forma, a acoplao do sistema
famlia com o sistema organizao/profissional, poder ac-
ontecer quando as comunicaes do sistema organizao/
profissional deixa rem de ser compreendidas como irri-
taes ou barulho pelo sistema famlia, transformando-
se em informao. Assim, a utilizao de estratgias compl-
exas por parte dos/das profi ssionais, como a construo e
manuteno de relaes de confiana; a promoo da re-
flexividade nas famlias, atravs do dilogo; a flexibilizao
da interveno e a articulao com as redes formais e infor-
mais, so algumas das estratgias que podero constituir-se
como elementos-chave, de forma a facilitar o processo de
mudana nas famlias.
A este propsito, Melo defende que,
Se a interaco profissional-famlia for colaborativa,
se para ela conflurem diferentes saberes e discipli-
nas, tidos como diferentes facetas de uma s vida
e concebidos como parte de um todo unificado, se
se respeitar a sabedoria do sistema familiar e as
exigncias do encaixe com o seu meio, talvez mais
facilmente se crie uma rede que impulsione os mov-
imentos da famlia para a mudana (2011: 19).
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
11
Estratgias complexas na interveno com
famlias complexas
Tal como referido no incio deste artigo, s podemos res-
ponder complexidade com complexidade. Neste sentido,
intervir com famlias socialmente vulnerveis exige uma in-
terveno baseada, sobretudo, em estratgias complexas,
de forma a ultrapassar a anlise simplista causa-efeito, to
caracterstica da abordagem linear. Referenciamos, desta
forma, algumas das estratgias que podero ser utilizadas.
Construo e manuteno das relaes de
confiana
Tal como refere Sousa et al. (2007), a confiana estabele-
cida entre profissional e cliente fundamental no sucesso
da interveno, constituindo-se, como salientado por Reeler
(2007), um caminho para a mudana. Assim, parece-nos
til destacar a construo de confiana que, segundo Al-
len, se faz a trs nveis: 1) trabalho face a face (facework),
envol vendo visitas regulares aos/s clientes; 2) trabalho
emocional (emotional labor), na medida em que permite
estabelecer relaes interpessoais com os/as clientes, val-
orizadas por estes/as, acabando por se manterem em
contato, quase como que uma friendship obligation e 3)
construo de relaes envolvendo a manuteno de uma
forte relao interpessoal com os/as clientes, procurando
responder s diversas necessidades que estes/as apresen-
tam (2003: 22).
As visitas domicilirias s famlias sem aviso prvio, por ex-
emplo, constituem uma estratgia linear e no complexa,
na medida em que assumem mais uma perspetiva de con-
trolo. Esta estratgia , assim, contraditria com a estratgia
de conquistar a confiana, uma vez que a famlia percebe
este ato como desconfiana por parte do/a profissional em
relao si.
Flexibilidade na interveno
Reconhecer a singularidade de cada famlia (cada caso
um caso), flexibilizando, assim, a interveno, torna-se fun-
damental, contribuindo para o sucesso na interveno. A
negociao que se estabelece entre o/a profissional e a
famlia, por exemplo, constitui um bom indicador que nos
permite compreender a flexibilidade junto das famlias com
quem se trabalha. A este propsito, Andersen, salienta que
as polticas sociais tm deslocado a contratualizao, entre
organizao e cliente, do plano de ao, onde o/a profi-
ssional agia em resposta aos problemas do/a cliente intro-
duzindo dicotomias entre: problema/soluo; trabalhador/a
social/cliente; sujeito/objeto para o conceito de contrato
com o/a cidado/a, onde o foco est na forma como o
plano usado para organizar o dilogo. Os elementos pro-
cessuais tornam-se mais importantes do que os puramente
substanciais e os planos de ao comeam a ter caracters-
ticas de acordo (2007: 136).
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
12
Promover a reflexo na famlia
A promoo do pensamento reflexivo junto das famlias, tem
o dilogo como principal instrumento de mudana, envol-
vendo, desta forma, as prprias famlias no processo de mu-
dana. Reeler (2007) defende que, para alm da construo
e manuteno das relaes de confiana, fundamental
conversar sobre as histrias e biografias destas famlias, que
nos remetem para a experincia, conhecimento e recursos e
que podero ser utilizados na prpria interveno.
Articulao com as redes formais e informais
A articulao com as redes formais e informais uma outra
estratgia complexa utilizada na tentativa de responder
complexidade dos problemas das famlias. A articulao
com as redes formais (sejam organizaes e/ou servios)
permitem ao/ profissional obter uma viso multidimen-
sional da famlia e, por outro lado, contribui para a no du-
plicao da interveno, pese embora possa existir o risco
de multiassistncia (Sousa et al., 2007). Por outro lado, o
recurso a redes informais, tais como amigos, familiares e
vizi nhos, constituem um outro recurso a ter em conta e, mui-
tas das vezes, determinante na eficcia da interveno. As-
sim, e de forma a evitar a multiassistncia, torna-se funda-
mental a existncia de um intermedirio. Os intermedirios
desempenham um papel ativo na constituio das relaes
que medeiam (Medd et al., 2005:4). Segundo Allen, o in-
termedirio algum que desempenha um papel entre um
conjunto de relaes profissionais, bem como entre esses
profissionais, as organizaes e os clientes (2003:6). O
intermedirio pode atuar a diferentes nveis: bilateral (en-
volvendo duas partes), multilateral (envolvendo trs ou mais
partes) ou sistmico (envolvendo uma rede ou sistema), pelo
que deve ter a capacidade de permitir a comunicao, co-
ordenar diversos setores, criar, desenvolver ou disseminar
conhecimento e prestar servios (ibidem:27).
Desta forma, o desafio que se coloca na interveno com
sistemas complexos, como o caso das famlias, a atu-
ao a partir das lentes analticas da complexidade e no
da linearidade/controlo. Tal como j referido por Geyer e
Rihani, os mtodos de controlo e comando so inteis para
situaes complexas: They might succeed temporarily when
applied with sufficient force but they are not sustainable as
long-term policies. (2010: 51).
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
13
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Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
15
Emergncia de abordagens
colaborativas na interveno com
famlias vulnerveis
Nos ltimos anos, tm sido assumidos srios compromissos para
promover o bem-estar das famlias vulnerveis, principalmente
para as elevar alm da condio de pobreza. Esta determinao
reclama uma interveno mais colaborativa e participativa, so-
bretudo atravs do estabelecimento de relaes de maior proximidade entre
profissionais, famlias e suas redes in/formais.
intro/duo
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
Andolfi (2000) argumenta que o atual sistema de apoio social s
famlias vive um momento entre paradigmas: ainda com um p
nos modelos deficitrios ou centrados nos problemas (assente na
expertise do profissional que constri solues para as famlias); mas
j com outro p nas abordagens colaborativas (assente na co-ex-
pertise e co-construo de caminhos de mudana entre profissionais
e famlias). Assim, assistimos hoje a transformaes conceptuais no
modo de olhar as famlias e os seus problemas e, consequentemente,
na forma de conceber a interveno.
Este momento de transio torna-se mais visvel e relevante na inter-
veno em sistemas mais complexos, como as famlias socialmente
muito vulnerveis. Estas famlias deparam-se com mltiplas necessi-
dades, experienciam sucessivas situaes de crise, vivem em con-
dies de pobreza e esto envolvidas rotas de excluso social, que
com frequncia apresentam reproduo geracional (Sousa, 2005).
Os modelos deficitrios (tradicionais) tm-se revelado pouco efica-
zes na interveno com estas famlias, apesar da perseverana de
instituies e profissionais, acabando por gerar sentimentos de fra-
casso e impotncia em todos os envolvidos - famlias, profissionais
e instituies - reduzindo as expectativas de sucesso futuro (Sousa,
Ribeiro & Rodrigues, 2006). Por sua vez, as abordagens colaborati-
vas (centradas nas competncias e nas solues) esto numa fase de
desenvolvimento terico sustentado e de progressiva incorporao
na prtica com bons resultados (e.g. Saleebey, 2001).
Famlias vulnerveis: um olhar colaborativo
Caracterizar as famlias como vulnerveis reconhecer que no res-
Psicloga, Terapeuta Familiar,
Doutorada em Cincias da Edu-
cao. Pr-Reitora (2010 - ) na
Universidade de Aveiro na rea de
desenvolvimento social. Professora
Auxiliar com Agregao do Depar-
tamento de Cincias da Sade da
Universidade de Aveiro.
Doutoranda em Psicologia na
Universidade de Aveiro; Licenciada
em Psicologia, ramo Psicologia
Clnica Dinmica; Ps-graduada
em Anlise e Interveno Familiar;
Especializao em Interveno Sis-
tmica e Familiar pela Sociedade
Portuguesa de Terapia Familiar;
Integra a equipa do Gabinete de
Investigao em Sade Familiar e
Comunitria da Universidade de
Aveiro; Co-Autora do livro Faml-
ias pobres: desafios interveno
social
SousaLiliana
SofiaRodrigues
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
17
pondem de forma eficaz s suas necessidades (relacionais,
materiais e organizacionais) com os recursos familiares e/
ou ambientais que lhes esto disponveis. So famlias que
agregam um conjunto de desvantagens e condies que
lhes impem desafios capazes de debilitar as suas foras e
recursos, colocando-as numa posio de maior suscetibi-
lidade (Carrilio, 2007). Estas famlias parecem viver imer-
sas num crculo de desvantagem: as suas circunstncias de
vida expem-nas a mais stressores, enquanto os seus insu-
ficientes recursos materiais as impendem de os enfrentar,
aumentando a sua vulnerabilidade ao stresse e fragilizan-
do-as cada vez mais (Murali & Oyebode, 2004). No nosso
pas, o Portugal 2020 - Programa Nacional de Reformas
[PNR 2020], indica como grupos vulnerveis as famlias de
educador nico, as pessoas idosas, os jovens desemprega-
dos ou que abandonaram os sistemas de ensino ou de for-
mao, as pessoas com deficincia, as pessoas sem-abrigo
e os beneficirios de Rendimento Social de Insero.
Recentemente, a literatura tem sublinhado a importncia
de conhecer as caractersticas das famlias mais vulnerveis
para obter uma compreenso dos seus padres de funcio-
namento; isto , as formas de operar das famlias perante
os seus contextos de vida. Ao invs de centrar o processo
de ajuda na identificao e descrio de cada problema
ou dfice, passa-se a procurar reconhecer padres de fun-
cionamento e a identificar tambm as capacidades e re-
cursos das famlias. Alm disso, sublinha-se a necessidade
de compreender melhor as redes de relacionamento destas
famlias e a forma como ativam, combinam e gerem os di-
versos apoios in/formais para responder s suas necessi-
dades (Sousa et al., 2006; Sousa & Rodrigues, 2009).
As seguintes caractersticas das famlias vulnerveis tm sido
apontadas como fundamentais para auxiliar a definio de
estratgias colaborativas de interveno: i) enfrentar mlti-
plos desafios; ii) a vivncia de sucessivas crises; iii) dificul-
dade em confiar nos outros; iv) sentimentos de incapacidade
aprendida; e v) resilincia (e.g., Carrilio, 2007; Madsen,
1999; Sousa & Rodrigues, 2008; Summers, Templeton &
Fuger, 1997).
Mltiplos Desafios
As famlias vulnerveis so sistemas complexos que enfren-
tam mltiplos problemas/desafios severos e de longa du-
rao. Alguns desafios so internos e intrasistmicos, como
o abuso de substncias e a violncia familiar; outros so
externos ou intersistmicos, tais como a pobreza de longa
durao (Kaplan, 1986). Isto significa que estas famlias
vivenciam diversos desafios em simultneo: frequentemente
sobrevivem com rendimentos insuficientes ou instveis; ten-
dem a ter a cargo familiares dependentes ou com graves
doenas crnicas ; apresentam baixos nveis educacionais;
habitam em casas com condies precrias; encontram-
se desempregados ou tm emprego precrio; apresentam
gastos elevados, por exemplo com medicamentos, devido
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
18
s necessidades dos seus membros e esto envolvidas em
situaes de conflito familiar e/ou com vizinhos (Sousa &
Rodrigues, 2009). Com efeito, vivem uma intrincada teia
de problemas, que tende a assumir uma elevada taxa de
manuteno ao longo do tempo (ainda que com perodos
cclicos de alguma melhoria ou de baixa resoluo) que, em
muitos casos, assume um carter transgeracional.
Crises Sucessivas
As famlias vulnerveis experimentam mais episdios impre-
visveis e estressantes nas suas vidas do que a maioria da
populao. So comuns os conflitos nas relaes interpes-
soais, o agravamento cclico das condies precrias da
habitao (por exemplo, no inverno abrem-se fissuras no
telhado podendo tornar algumas divises inabitveis), e a
instabilidade nos rendimentos fruto de oscilaes no mer-
cado de trabalho que as coloca, com frequncia, no limite
da capacidade de resposta s necessidades bsicas (Demi
& Warren, 1995; Ennis, Hobfoll & Schroder, 2000; Gordon
et al., 2000; Sousa, Hespanha, Rodrigues & Grilo, 2007;
Summers et al., 1997). Estas crises sucessivas criam rotinas
e interaes que reforam a condio de vulnerabilidade
dos agregados e geram ansiedade e sofrimento individual
e familiar. Neste contexto, at os eventos mais comuns po-
dem ser experienciados como esmagadores (por exemplo,
as doenas sazonais dos filhos), pois sobrecarregam as ca-
pacidades para resolver problemas e geram tenso (por ex-
emplo, decidir quem acompanha os filhos ao mdico ou
como se adquire a medicao). Viver em permanente crise
ou com crises sucessivas, torna a crise um padro normal
e previsvel para estas famlias, ainda que gerador de eleva-
dos nveis de stress.
Dificuldade em confiar
Os elementos destas famlias tendem a exibir falta de confi-
ana nos outros, provavelmente decorrente do seu histrico
familiar. Alguns autores descrevem esta dificuldade como
um sentimento de alienao (Summers et al., 1997). A vida
das pessoas que vivem em condies de vulnerabilidade
durante vrios anos frequentemente pautada por uma
longa srie de rejeies, abandonos, promessas quebra-
das e traies; em primeiro lugar, por pessoas significati-
vas (como pais, familiares e amigos) e, mais tarde, tambm
por elementos pertencentes aos servios de apoio (Summers
et al., 1997). A frgil experincia de acontecimentos posi-
tivos permite compreender as dificuldades em confiar que
os servios lhes podem ser teis ou podero reconhecer as
suas necessidades, dificultando o envolvimento e reteno
das famlias nos programas de apoio.
Incapacidade Aprendida
As famlias vulnerveis tendem a demonstrar passividade e
incapacidade aprendida. A vivncia de crises persistentes,
o stress acumulado e a presso podem desencadear um
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
19
sentimento de incapacidade aprendida, manifestado por
uma extrema dificuldade em identificar as prprias foras
e na passividade perante os servios e profissionais e para
agir sobre a mudana. Os recursos materiais e emocio-
nais desgastados raramente permitem que os seus esfor-
os dirios culminem numa resoluo substancial dos seus
problemas e na mudana significativa das suas condies
de vida. O resultado das suas aes excecionalmente acar-
reta os efeitos desejados. Assim, as famlias parecem no
sentir poder ou capacidade para influenciar o mundo sua
volta, desenvolvendo-se sentimentos de incapacidade que,
por vezes, se manifestam atravs da passividade para agir
ou at mesmo para ponderar as consequncias das suas
aes (Summers et al., 1997).
Resilincia
No obstante, as famlias vulnerveis so entidades resili-
entes que mostram uma notvel capacidade para usar es-
tratgias de enfrentamento criativas (Edin & Lein, 1997;
Zedlewski et al., 2003). Reconhece-se que possuem com-
petncias e recursos, todavia frequentemente desgastados
pelos contextos de sobrevivncia em que vivem. Estas famli-
as resistem por muitos anos em habitaes degradadas,
com rendimentos instveis e insuficientes, enfrentando crises
persistentes e sendo alvo de discriminao e estigmatizao.
Perante as adversidades, pem as suas foras e recursos
em ao para superar os obstculos, tomam decises (por
exemplo, como, onde e a quem pedir ajuda), no entan-
to, as suas condies empobrecidas e fragilizadas tornam
difcil reconhecer e valorizar as suas competncias (Probst,
2009; Silberberg, 2001). Para as identificar fundamental
conside rar o contexto em que vivem (todas as barreiras e
foras do ambiente) e olhar estas famlias considerando a
sua inteno de fazer o melhor por si e pelos seus membros
(Walsh, 2003).
Modelo de interveno tradicional (centrado
nos problemas)
O modelo tradicional descreve as famlias vulnerveis atravs
de uma lente deficitria, definindo-as pelos problemas fa-
miliares e individuais, e caracterizando-as como caticas,
disfuncionais e difceis na relao com os servios for-
mais. Neste contexto, a interveno desenrola-se assente na
expertise do profissional, que desencadeia um processo de
diagnstico exaustivo e criterioso para encontrar todos os
problemas da famlia e dos seus membros. A partir do dia-
gnstico desenvolve-se o plano de interveno, atravs da
definio de objetivos e estratgias. Para tal, o profissional
interveno com famlias vulnerveis:dos modelos tradicionais s abordagens colaborativas
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
20
dispe de critrios normativos atravs dos quais analisa e
compara o funcionamento da famlia/pessoa, procurando
identificar, corrigir ou minimizar desvios norma que pos-
sam afetar o seu bem-estar. Aos clientes, destitudos de ex-
pertise, cabe cumprir as instrues do perito. Este modelo
exerce uma funo de regulao e controlo; a sua focali-
zao e escrutnio dos diversos problemas, torna necessrio
o envolvimento de vrios especialistas, resultando numa
acumulao de intervenes (famlias multiassistidas).
Apesar de todo o esforo e at correo tcnica deste pro-
cesso, esta abordagem tem demonstrado pouca eficcia
para aumentar o bem-estar destas famlias e coloc-las
acima da pobreza. Os servios e os profissionais, apesar
dos esforos, a maior parte das vezes, apenas remedeiam
problemas pontuais, fazendo com que a interveno no
se traduza numa melhoria efetiva da qualidade de vida das
famlias (e.g. Kagan & Schlosberg, 1989; Sharlin, Shamai &
Sharlin, 2000; Sousa, Ribeiro & Rodrigues, 2006; Rodrigues
& Sousa, 2008).
A literatura tem indicado que este tipo de abordagem tem
efeitos secundrios negativos a nvel individual, familiar e
na prpria interveno: a situao familiar mantm-se vul-
nervel potenciando o acentuar ou o emergir de novos
problemas; o processo de interveno decorre de forma
fragmentada (e.g., por rea de problema) e/ou descoorde-
nada colocando a famlia a gerir apoios, informaes e
solues de diversas fontes, com frequncia, contraditrias;
o processo familiar tende a diluir-se, com enfraquecimento
das fronteiras e da coeso familiar, decorrentes da crescente
dependncia das famlias dos sistemas de apoio; as mltip-
las intervenes de diversos profissionais em simultneo in-
troduzem stress adicional na vida das famlias, contribuindo
para a sua incapacitao (e.g. Boyd-Franklin, 2003; Colap-
into, 2005; Elizur & Minuchin, 1989; Madsen, 1999; Rodri-
gues & Sousa, 2008).
Madsen (1999) destaca as dificuldades relacionais que
podem ser desenvolvidas entre clientes e profissionais, su-
blinhando os seus efeitos no trabalho com estas famlias:
i) perda de ligao aos clientes (as histrias de vida destas
pessoas podem despertar diferentes reaes nos profission-
ais, desde crtica, medo, repulsa, desespero, resignao e
interferir na relao estabelecida); ii) perda de sentimentos
de competncia (a natureza dramtica dos problemas des-
tas famlias e a inadequao dos servios podem gerar sen-
timentos de incompetncia nos profissionais, pois no con-
seguem ajudar as famlias a resolver os seus problemas); iii)
perda de viso (os profissionais sentem-se frequentemente
esmagados com a natureza e severidade dos problemas das
pessoas e tm dificuldade em saber por onde comear a in-
terveno); e iv) perda de esperana (na mudana, ou seja,
que a vida das famlias possa vir a ser diferente).
neste contexto de ineficcia dos modelos de interveno
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
21
tradicionais que as abordagens colaborativas tm vindo a
emergir (Sousa, 2005; Rodrigues & Sousa, 2008).
Emergncia das abordagens colaborativas
As abordagens colaborativas so melhor descritas como
um estilo de interveno, caracterizado por uma postura
no-hierrquica e no-confrontacional entre profissionais e
famlias (e.g, Madsen, 2007; Monk & Gehart, 2003). Ali-
ceradas em diferentes contributos terico-prticos da era
ps-moderna (ver Tabela 1), estas abordagens emergem
como uma resposta ao desejo de providenciar servios mais
adequados s necessidades das famlias.
Nas abordagens colaborativas, o profissional veste o pa-
pel de um aliado apreciado - do ingls appreciative ally -
(Madsen, 1999), assumindo perante os clientes uma postu-
ra de respeito, abertura e esperana, enfatizando ligaes
e relaes positivas entre os sistemas formais de apoio,
Abordagens Colaborativas (AC)
Correntes/Abordagens Orientao Contributos para as AC
Construtivismo e Construccionismo Social
Perspetiva epistemolgica: o conhecimento e a realidade so socialmente construdos, podem variar historicamente ao longo do tempo e entre os diferentes grupos culturais.
Respeitar e incorporar a viso do mundo do cliente no processo de interveno; incentivar a colaborao e evitar o uso de uma linguagem patologizante.
Abordagem centrada no empowerment
Abordagem/orientao prtica: os problemas dos clientes so o resultado da insuficincia ou fraco uso de recursos (pessoais, interpessoais e ambi-entais), o que impede os clientes de controlar de forma satisfatria as suas vidas.
Aumentar o poder (capacitar) dos clientes ao nvel pes-soal, interpessoal e/ou poltico, para que eles possam tomar medidas para melhorar as suas vidas.Redefinir o Self do cliente como empoderado
Abordagem centrada nas competncias
Abordagem/orientao prtica: todas as pessoas e todos os ambientes tm foras e recursos que so necessrios para lidar de forma bem-sucedida com os desafios. Muitas vezes esses recursos e foras no so usados, so subaproveitados ou encontram-se esquecidos.
Ativar (identificar e amplificar) as foras e recursos do cliente, construir e manter uma relao positiva com os clientes; conversar com os clientes ao invs de os interrogar.
Abordagem centrada nas solues
Prtica Clnica: a soluo para o problema de um cliente assenta na sua perceo acerca do mes-mo; no h apenas uma nica soluo para um determinado problema.
Envolver os clientes no dilogo centrado nas solues (vivel e adequado ao contexto cultural do cliente)
Teoria da Resilincia
Enfoque terico: As famlias tm o poder de se recuperar e crescer a partir das adversidades; os momentos de crise so uma oportunidade para descobrir recursos do cliente/famlia, repensar pri-oridades e incentivar novos objetivos de vida.
Anlise das reaes/padres de funcionamento do cliente/famlia perante circunstncias adversas e das estratgias utilizadas para super-las.
tabela 1 | abordagens colaborativas: pressupostos tericos e prticos
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002.
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
22
profissionais e clientes. De forma genrica e simples, ser co-
laborativo significa que cada um dos intervenientes (profis-
sionais e clientes) conhece o seu lugar e sabe que os pa-
pis so interdependentes: o profissional especialista nos
caminhos de mudana (na criao de clima interaccional
propcio mudana), apoiando os clientes na ativao das
competncias e capacidades; e o cliente especialista na
sua experincia de vida (dor, sofrimento, memrias, preo-
cupaes, objetivos) e forma de construir a sua mudana.
Reconhece-se que clientes e profissionais so parceiros no
processo de mudana, colaborando na deciso sobre o ob-
jetivo da interveno.
Assim, a interveno ocorre como um compromisso no pro-
cesso de empowerment entre o profissional e a famlia, num
contexto de respeito e curiosidade cultural. Note-se que es-
tas famlias so microculturas que tm a sua forma singular
de funcionar e de operar num determinado sistema (Mad-
sen, 1999). Usando uma metfora: o profissional colabora-
tivo opera como um astronauta, que ao aproximar-se de
outro planeta (famlia), deseja acoplar a sua nave (ins-
trumentos de interveno) para poder explorar e conhecer
novas realidades, podendo dessa forma dispor de conheci-
mento para apoiar os clientes a atingirem o seu potencial.
O profissional trabalha em parceria para conhecer os mem-
bros da famlia, suas necessidades e desejos, compreender
como vivem e se organizam, que recursos usam, como ope-
ram no seu sistema (meio, comunidade) e como resolvem
problemas. A negociao dos objetivos deve promover o
equilbrio entre a garantia de segurana familiar e o respeito
pelos seus valores e cultura. Os profissionais (e os gestores
nesta rea social) tm de aceitar que no so fornecedores
de solues (pois a mudana no acontece do exterior para
o interior, ou seja, por prescrio de comportamentos e es-
tilos de vida); o seu papel de facilitadores de caminhos
para solues atravs da mobilizao das competncias das
famlias (Seikkula, Arnkil & Eriksson, 2003).
As prticas colaborativas no so intervencionistas no sen-
tido tradicional do termo em que a interveno tem predeter-
minados os efeitos a obter nos clientes. Apresentam-se antes
como possveis prticas ou sugestes que podem (ou no)
ser teis com determinado cliente (Monk & Gehart, 2003).
Os profissionais continuam especialistas na conduo dos
processos de ajuda, no entanto o poder e a certeza (conhe-
cimento convencional) so substitudas por curiosidade (so-
bre o que o outro faz e como faz) e co-expertise pois am-
bos (profissionais e clientes) trazem para a interveno as
suas competncias (Amundson, Stewart & Valentine, 1993).
Intervir colaborativamente implica assumir uma atitude de
abertura e de incerteza que leva o profissional a questio-
nar (mesmo quando supe saber a resposta) e a ouvir para
saber mais sobre a histria do cliente, convidando-o a par-
ticipar numa conversa que respeita e honra a sua histria e
saber e incita o cliente a assumir-se como proprietrio do
seu plano de interveno.
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
23
O termo colaborao (do latim collabrre, que significa
trabalhar em conjunto) expe a mudana relacional entre
profissionais e clientes, capaz de gerar maior ativao dos
clientes no controlo das suas vidas. Trata-se de um processo
contnuo, em que os profissionais trabalham para encontrar
formas de cooperar com os clientes, em vez de os olhar
apenas como recetores passivos de solues pensadas por
profissionais/servios, quase sempre estandardizadas, i.e.,
iguais para todas as famlias (Madsen, 1999).
Resumindo, intervir de forma colaborativa significa que os
profissionais devem (Anderson & Goolishian, 1992; Mad-
sen, 2007, 2009; Monk & Gehart, 2003):
Adotar uma postura de curiosidade cultural e honrar o
conhecimento dos clientes;
Acreditar nas possibilidades e focar-se nas mudanas
desejadas (futuro);
Envolver-se em processos de capacitao, ajudando os
clientes a experimentar e a desenvolver sentimentos de
autoeficcia;
Trabalhar em parceria, ajustando os servios e tornan-
do o trabalho dos profissionais mais til e adaptado s
carac tersticas das famlias.
Foras das abordagens colaborativas
Um dos principais pontos fortes das prticas colaborativas
o seu contributo para a melhoria dos resultados com todos
os envolvidos no processo de ajuda: famlias, profissionais,
servios e comunidades. No caso das famlias, os ganhos
tm sido associados ao aumento da participao e moti-
vao das famlias na interveno, pois ficam com o poder
de conduzir o curso das suas vidas; e ao incremento de uma
atitude de abertura mudana e de maior compromisso
por parte das famlias na resoluo dos seus problemas (De
Jong & Berg, 2001; Madsen, 2009; Mireault & Duchesne,
2001; Turcotte & Simard, 1992). No caso dos profissionais,
destaca-se o respeito e a sensibilidade na relao com os
clientes, dado que a abordagem colaborativa contribui para
transformar a forma como os profissionais interagem com
as famlias. De Jong & Berg (2001) acreditam que o modo
como esta abordagem envolve os clientes na interveno
pode ser mais tica, pois respeita a autodeterminao dos
clientes e perceciona-os como seres humanos que detm
conhecimento, competncias e fazem escolhas.
Constrangimentos implementao das
abordagens colaborativas
Os constrangimentos implementao das abordagens
colaborativas prendem-se com a forma como as polticas,
servios e instituies esto estruturadas, ainda impregna-
das das perspetivas tradicionais. A interveno social foi
edificada considerando que os clientes apresentam proble-
mas, dfices, patologias e so incapazes de resolver os seus
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
24
problemas sem ajuda profissional. Esta perspetiva centrada
no dfice ainda dominante na cultura organizacional, nas
premissas e prticas profissionais, assim como na perceo
dos clientes sobre o processo de ajuda (Madsen, 1999;
Saleebey, 2009).
Outro obstculo sua implementao centra-se nas carac-
tersticas do prprio processo de ajuda colaborativa que
acarreta a mobilizao dos envolvidos na interveno, exi-
gindo tempo de negociao entre profissional e cliente (na
definio dos objetivos e estratgias para a mudana) e
compromisso para manter relaes estendidas no tempo.
Adicionalmente promover mudanas a longo prazo, apesar
de desejvel, assume-se como uma meta pouco popular em
termos polticos, podendo ser vista como mais dispendiosa e
morosa do que o desejado (McMillen, Morris & Sherraden,
2004).
Rumo a uma prtica colaborativa
Ir alm das abordagens tradicionais pode tornar mais exi-
gente o papel dos profissionais, mas constitui um estmulo
ao permitir experimentar formas de ajuda potencialmente
mais bem-sucedidas (Wang & Pies, 2004). Importa com-
preender que este apelo reorientao para um modelo
de apoio mais colaborativo constitui uma resposta s falhas
do sistema atual. O papel tradicional do profissional de-
safiado e emerge a necessidade de discutir as suas funes
e de reorganizar os seus papis. Os profissionais envolvidos
na interveno reconhecem a necessidade de concretizar
esta transio, mas trata-se de uma mudana que exige
tempo e adaptao (Rodrigues & Sousa, 2008). Colocar as
abordagens colaborativas em marcha um esforo a lon-
go prazo que envolve mltiplas etapas, desde a formao
dos profissionais a transformaes contextuais e estruturais
(Probst, 2009; Rodrigues & Sousa, 2008).
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
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Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
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Interveno Positiva com FamliasSocialmente Vulnerveis
Nas ltimas dcadas, uma mudana de paradigma tem-se feito no-
tar em diversos campos das cincias sociais e humanas no geral
e na psicologia em particular. Hoje, intervir ao nvel dos sistemas
humanos ser mais do que detetar falhas e resolver problemas.
Quando falamos de famlias socialmente vulnerveis somos desafiados a pen-
sar mais alm, a considerar o todo: a carncia e o potencial, as limitaes e
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
possibilidades, as famlias, mas tambm cada um dos seus elemen-
tos e relaes que estabelecem entre si, e naturalmente a comuni-
dade envolvente e sociedade que integram. As intervenes positivas
passam, assim, por procurar promover bem-estar ao nvel individual
e coletivo, considerando todos os atores, e respetivas inter-relaes,
que direta ou indiretamente contribuem para o desenvolvimento dos
sistemas humanos implicados, com um foco nas solues e possibi-
lidades.
No presente artigo, sero apresentadas as abordagens da Psicologia
Positiva e do Inqurito Apreciativo, que nos permitem trabalhar no
sentido de identificar e potenciar o melhor de cada indivduo, famlia
ou comunidade, numa perspetiva de preveno e/ou superao,
rumo a uma Sociedade onde o bem-estar e a equidade social so
prioridades. Ser feita uma descrio histrica e princpios tericos
de base, seguindo-se a sua aplicabilidade na interveno especfica
com famlias socialmente vulnerveis.
Psicologia Positiva
Durante muitos anos tivemos uma cultura da sade psicolgica dedi-
cada ao que no funciona ou considerado patolgico (Gable &
Haidt, 2005). Profissionais e investigadores desta rea trabalhavam
ento com vista a diagnosticar e tratar, e no tanto para prevenir e/
ou promover bem-estar individual e coletivo. Se bem que ao longo
dos anos houve alguns autores a procurarem compreender o bem-
estar, tratava-se de casos pontuais e fora daquilo que era o main-
stream (Delle Fave, Massimi & Bassi, 2011). Sobretudo depois da II
Guerra Mundial, esta necessidade de tratar foi fortalecida pelos evi-
Master em Terapia Familiar e Siste-
mas pela Universidade de Sevilha.
Mestrado Executivo em Psicolo-
gia Positiva Aplicada pelo ISCSP,
Universidade de Lisboa. Licenciada
em Psicologia Clnica pela Univer-
sidade de Lisboa. Co-fundadora e
formadora da Associao Portu-
guesa de Estudos e Interveno
em Psicologia Positiva (APEIPP).
Coordenadora do Ncleo de
Formao Sistmica da Associao
Portuguesa de Terapia Familiar e
Comunitria (APTEFC). Co-autora
do livro Positiva-Mente: Viva
o seu dia-a-dia com equilbrio,
bem-estar e otimismo publicado
em 2011, pela editora Esfera dos
Livros.
RiveroCatarina
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
31
dentes desafios do momento - a interveno e investigao
foram ento muito dirigidas aos processos de resoluo de
problemas decorrentes do perodo que ento se vivia, nas
diferentes reas das cincias sociais e humanas (Gable &
Haidt, 2005; Fredrickson & Kurtz, 2011). Tal ter tido um
impacto positivo ao nvel de conhecimento e estratgias
desenvolvidas e que hoje nos permitem tratar e intervir em
mltiplas situaes problemticas ao nvel da sade men-
tal e da interveno social. Contudo, como referem Gable
& Haidt (2005), como se tivssemos aprendido a passar
de oito negativos para zero, mas nos faltasse compreender
como ir de zero a oito positivos.
no ano 2000 que a Psicologia Positiva surge formalmente,
com o lanamento de uma edio especial da revista
American Psychologist inteiramente dedicada ao tema da
Felicidade. Seligman, o ento presidente da APA (American
Psychologist Association ), juntamente com Csickzentmihaly,
afirmavam nesta publicao a importncia de melhor con-
hecer o que faz com que a vida merea a pena ser vivida.
Na perspetiva dos autores, teramos vasto conhecimento so-
bre o que traz mal-estar, mas muito por conhecer no tocante
ao que potencia o florescimento humano. Neste sentido, o
movimento da Psicologia Positiva vem afirmar-se como o
estudo das condies e processos que contribuem para o
florescimento e funcionamento timo de pessoas, grupos e
instituies (Gable & Haidt, 2005:104).
Bem-estar Individual e Coletivo
Nos ltimos treze anos a rea da Psicologia Positiva tem
crescido exponencialmente, com investigao e interven-
es um pouco por todo o mundo, em domnios diversos
como a clnica, educao, sade, comunitria ou organiza-
cional. Integra atualmente no apenas profissionais da rea
da Psicologia, como da Economia, Sociologia, Gesto,
Educao, Filosofia, que se unem em torno da misso da
promoo do florescimento humano. assumido como um
imperativo tico pela comunidade da Psicologia Positiva
o repensar das vivncias individuais e relacionais (Rivero,
dArajo & Marujo, 2013), bem como das vivncias coleti-
vas no que toca s comunidades e naes (Marujo & Neto,
2013).
A promoo de bem-estar ter assim de considerar difer-
entes nveis de atuao, do individual ao coletivo. De acor-
do com o socilogo Veenhoven (2011), autor da maior base
de dados mundial de investigao sobre felicidade1, intervir
para o aumento de felicidade ter de passar pelo nvel so-
cial (livability das sociedades), organizacional (livability das
instituies) e individual (life-ability dos indivduos).
Livability das Sociedades
Ao nvel das sociedades, procura-se compreender a difer-
ena entre naes, no tocante aos nveis de felicidade dos
seus cidados. Veenhoven (2011) considera que 80% da
1 http://worlddatabaseofhappiness.eur.nl, acedido em 02 de Dezembro de 2013
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
32
variao da felicidade mdia explicada pela qualidade da
sociedade. Neste sentido, intervir para a promoo de bem-
estar passar pela conhecimento dos fatores facilitadores
de bem-estar identificados nos pases onde a populao se
considera mais feliz.
A riqueza das naes um dos fatores muito considerados,
pese embora o crescimento econmico tenha um impacto
mais evidente nos pases pobres (Veenhoven, 2011). Frey
(2009) considera a felicidade numa perspetiva multifato-
rial, na medida em que haver fatores concorrentes ao PIB,
como a qualidade da democracia - de modo geral, nos
pases mais ricos que encontramos mais democracia. Mais
importante do que considerarmos a riqueza das naes,
porm, ser a diferena de rendimentos que a encontra-
mos (Wilkinson & Picket, 2011; Frey, 2009). A desigualdade
dentro das naes poder comprometer o bem-estar e a
qualidade de vida, encontrando-se uma relao significa-
tiva com problemas sociais e de sade, tais como o nvel
de confiana, doena mental, esperana de vida, mortali-
dade infantil, obesidade, desempenho escolar das crianas,
parentalidade adolescente, homicdios, taxa de reclusos ou
mobilidade social (Wilkinson e Picket, 2011). H, assim, que
considerar a posio relativa dos indivduos no seu contexto
e no apenas o rendimento absoluto auferido.
Considerar apenas o PIB (Produto Interno Bruto) quando
queremos compreender o bem-estar de uma nao insufi-
ciente. De facto, nem todos os fatores que potenciam o PIB
tero benefcios para o bem-estar, e at podem, pelo con-
trrio, ter um impacto negativo - ser o caso do terrorismo
ou acidentes de viao que, mesmo tendo um impacto posi-
tivo nas transaes econmicas de um pas, comprometem
naturalmente o bem-estar dos seus cidados (Lopes, Jardim
e Alves, 2013). O inverso tambm pode acontecer: dinmi-
cas sociais e comunitrias de generosidade e suporte social
(quando, por exemplo, h doao ou trocas de bens numa
comunidade) ir influenciar positivamente o bem-estar de
uma dada populao, mas penalizar o consumo e, conse-
quentemente o PIB (Lopes et al., 2013).
De acordo com Veenhoven (2011), a felicidade facilitada
pela justia, um governo de qualidade, direitos humanos,
igualdade de gnero, existncia de um estado de direito e
baixo nvel de corrupo. Uma perspetiva de maior facili-
tao de condies ou oportunidades sociais para que os
indivduos, a nvel individual e coletivo, possam realizar as
suas aspiraes a proposta de vrios autores do campo
da Economia, no sentido de possibilitar a Felicidade Pblica
(Porta & Scazzieri, 2007; Bruni, 2008). Ser fundamental,
segundo Bruni (2008), conseguirmos uma harmoniosa co-
existncia entre mercado e bens relacionais, em que se ul-
trapassa uma suposta tenso ou competio entre ambas,
numa filosofia de exclusividade de uma em detrimento de
outra. Nesta perspetiva, apenas quando integrarmos estas
duas formas de reciprocidade - o contrato e a ddiva -, en-
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
33
contraremos as condies necessrias para um verdadeiro
florescimento da sociedade civil (Bruni, 2008).
Livability das Instituies
nas Instituies que passamos grande parte do tempo das
nossas vidas: nas escolas, empresas, associaes, centros
comunitrios ou lares. Que instituies promovem mais
felicidade? Que dinmicas relacionais encontramos nestas
instituies? Esto ligadas aos resultados efetivos? Ligam-
se s notas da escola? Aos rendimentos auferidos? s bol-
sas ou subsdios atribudos? O que faz que nos sintamos
melhor em algumas instituies, e menos noutras, enquanto
alunos, colaboradores ou utentes?
De acordo com Seligman (2002), as Instituies Positi-
vas sero o terceiro pilar da Felicidade Autntica (sendo o
primeiro as Emoes Positivas, seguido do pilar das Carac-
tersticas ou Traos Positivos). Garcea e Linley (2011) defen-
dem que transformar positivamente as nossas organizaes
ser uma forma de transformar positivamente a sociedade,
na medida em que poderemos tocar milhares de pessoas
por todo o mundo, tendo em conta o seu bem-estar, mas
tambm das suas relaes, potenciando um maior envolvi-
mento com a organizao e sociedade, numa dinmica
participativa e inclusiva em que todos ganham valor e sen-
tido individual e coletivo.
No mbito dos estudos organizacionais, vrias correntes
tm emergido, entre as quais a Psicologia Organizacion-
al Positiva (POP) enquanto estudo cientfico dos traos e
experincias positivas subjetivas no local de trabalho e or-
ganizaes positivas, e a sua aplicao para melhorar a
eficcia e qualidade de vida nas organizaes (Donaldson,
2010:178). Da investigao e prticas desenvolvidas, h
dados bastante inspiradores sobre como promover organi-
zaes felizes:
Numa interveno a nvel individual, consideram-se a
promoo de foras humanas e capacidades psicolgicas
como a auto-eficcia, esperana, otimismo e resilincia
(estudadas de forma individualizada no Comportamento
Organizacional Positivo (ou Positive Organizational Be-
havior POB , que integra a rea de estudo da POP) ou
na relao entre estas dimenses (estudadas na rea do
PsyCap) (Luthans & Youssef, 2007);
Numa interveno a nvel organizacional e coletiva (am-
plamente estudada pela rea do Positive Organizational
Scholarship (igualmente integrado na POP)), potencian-
do e transformando o contexto organizacional, e respe-
tivas dinmicas interpessoais e estruturais dentro e entre
organizaes (Cameron & Caza, 2003). Foca-se nas
dinmicas que podem levar a uma performance indi-
vidual e organizacional excecional como desenvolver as
foras humanas, produzir resilincia e restabelecimento,
e promover vitalidade, a par do aumento da satisfa-
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
34
o/reteno de empregados e aumento da felicidade
dos funcionrios (Lopes, Cunha, Kaiser & Mller-Seitz,
2008: 281).
O conceito de Virtuosidade Organizacional (integrados no
mbito do POS) tem ganho terreno, considerando-se que
integra aes individuais, e atividades coletivas, atributos
culturais ou processos que potenciem a disseminao e per-
petuao de virtuosidade numa organizao (Cameron,
Bright & Caza, 2004), sendo associada bondade moral,
florescimento humano, foras de carter, e enriquecimento
social (no sentido de ir alm de benefcios ou vantagens
prprias), sendo vrios autores a sugerirem o impacto da
virtuosidade ao nvel do aumento de emoes positivas,
capital social e comportamento pro-social (Cameron, Bright
& Caza, 2004).
Temos hoje conhecimentos que nos permitem co-criar cul-
turas organizacionais de abundncia, social e capital, pro-
motoras de florescimento humano. So considerados trs
pontos essenciais no desenvolvimento de uma cultura de
abundncia (Cameron, 2009; apud Lewis, 2011):
1. Desvio Positivo, isto , uma organizao onde o floresci-
mento, a benevolncia, a generosidade acontecem, e
que honra as pessoas e seus contributos; orientada para
a criao de uma abundncia de coisas boas e positi-
vas (Lewis, 2011:15);
2. Aes Virtuosas, numa cultura orientada para a entrea-
juda, o perdo e a benevolncia, com prticas organiza-
cionais como uma avaliao de desempenho baseada
nas foras, e formas apreciativas de trabalhar (Lewis,
2011);
3. Vis Afirmativo, havendo um foco no melhor, mais do
que no pior. No nega as ocorrncias negativas, mas
integra-as numa narrativa, de modo flexvel e orientando
a sua ao sobretudo para a potenciao de foras, ca-
pacidades e possibilidades, e menos para o que no
funciona ou ameaa (Lewis, 2011).
Promover uma organizao positiva passa, assim, por trans-
formar uma linguagem baseada nas fraquezas, para uma
outra forma, mais positiva, assente nas foras e possibili-
dades. A co-construo comea com dilogos generativos
e apreciativos que permitam a todos os envolvidos partilhar
aspiraes e sonhos, em que consideram onde a organi-
zao deveria estar, para ento poder desenhar um percur-
so. A mudana acontecer como que por contgio social,
atravs do dilogo e de movimentos que chamem todos a
participar e mobilizarem-se na mesma direo (Garcea &
Linley, 2011). Nesse sentido, ser importante considerar o
nvel individual (estratgias de promoo de positividade in-
dividual), interpessoal (potenciando a partilha, cooperao
e colaborao entre colaboradores, parceiros e/ou clientes/
utentes), grupal (promover o humor positivo, postura apre-
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
35
ciativa, integrando divergncias ou conflitos que tm de ser
trabalhados em equipa), e organizacional (numa mudana
participada por todos os elementos do sistema, com di
logos generativos e especial sensibilizao dos lderes, cujo
papel ser de grande importncia em todo o processo, na
inspirao para o comportamento positivo e tico, e valo
rizao das foras de todos e cada um) (Garcea & Linley,
2011).
Life-ability dos Indivduos
Se a forma como a sociedade e instituies tm impacto no
bem-estar dos indivduos, a forma como cada pessoa gere
a sua vida dar um contributo fundamental. Ser nas aes
de todos os dias - a capacidade de apreciar o que de bom
e belo acontece, alimentar a esperana e otimismo, desen-
volver um sentido de vida, cuidar das relaes interpessoais
e/ou das suas atividades de cada dia que cada um ter
um potencial decisivo no seu prprio florescimento. A inves-
tigao sugere que, sobretudo nos pases mais igualitrios
e previsveis em termos sociais e/ou polticos, h uma per-
centagem considervel de bem-estar que explicada pela
arte de gerir a vida de cada um2 (life-ability).
Esta capacidade torna-se ainda mais evidente, quando fala-
mos de populaes socialmente vulnerveis. A investigao
sobre bem-estar em contextos de pobreza, no raras vezes
nos surpreende, pela valorizao de relaes positivas ao
2 Heady e Wearing (1990, apud Veenhoven, 2011) referem 30% da varincia de bem-estar ser explicada pela life-ability, j Sheldon e Lyubomirsky (2007) referem 40%.
nvel da famlia e comunidade um exemplo estar no tra-
balho de investigao desenvolvido por Balancho (2013)
em Rabo de Peixe (Aores), onde encontrou uma populao
muito vulnervel e carenciada materialmente, mas com nar-
rativas de vida que valorizavam fortemente a forma como
olhavam para a vida e as relaes familiares.
Florescimento Humano
Se queremos promover bem-estar e felicidade, torna-se
essencial definir sobre o que falamos. Irei considerar aqui
o conceito j abordado de Florescimento Humano. Duas
abordagens h que se evidenciaram em termos de estudo
e interveno para a promoo de florescimento: o hedo-
nismo e a eudaimonia.
Ao nvel do hedonismo, h um enfoque na promoo de
prazer e minimizao da dor, sendo fortemente influenciado
pela obra de Epicuro (Delle Fave et al., 2011). Neste m-
bito, tem vindo a ser desenvolvido o estudo das emoes
positivas ao nvel das respetivas condies facilitadoras e
impacto no bem-estar. Integra assim uma dimenso emo-
cional - presena de emoes positivas e ausncia de dor
ou sofrimento -, e uma dimenso cognitiva - julgamento/
avaliao sobre a sua satisfao com a vida no geral ou
em reas de vida especficas (Delle Fave et al., 2011). Con-
sidera-se que o hedonismo estar mais relacionado com
o momento presente, e objetivos a curto prazo. Ao nvel
da Eudaimonia, procuram-se os processos inerentes a uma
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
36
vida boa, tal como proposto por Aristteles no seu livro
Etica a Nicmano: uma vida virtuosa com vista poten-
ciao do daimon, a efetivao da verdadeira natureza de
cada pessoa (Deci & Ryan, 2008). Enquadrado naquilo que
se considera a felicidade eudaimnica esto o estudo e as
intervenes ao nvel do sentido de vida, foras de carter
e virtudes humanas, bem como a
autodeterminao. No obstante se
tratarem de tradies distintas, he-
donismo e eudaimonia tm vindo a
ser consideradas enquanto dimen-
ses interligadas na explicao do
bem-estar e florescimento humano
(Huta & Ryan, 2010; Keyes, Shmot-
kin & Ryff, 2002).
Podemos, assim, considerar a exi-
stncia de processos de compen-
sao e complementaridade en-
tre as duas dimenses, tal como
proposto por Keyes, Shmotkin e Ryff
(2002): se co-existirem em nveis
equivalentes traro um maior nvel
de auto-congruncia mas, mesmo
quando uma das dimenses est de
algum modo diminuda, pode haver
algum bem-estar. De facto, quando
um indivduo sente a sua felicidade
eudaimnica comprometida, em
termos de valores ou sentido de vida
(seja por falta de recursos, oportu-
Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social
37
nidades ou sade) poder haver um complemento por um
bem-estar hednico elevado. Por outro lado, em momentos
de maior dor emocional, ser a eudaimonia que poder
vir a trazer um complemento (reforando o sentido para a
vida, por exemplo) que permite ao indivduo manter algum
bem-estar e continuar a gerir a sua vida de forma eficaz tal
ocorre frequentemente em processos de resilincia. Assim,
no florescimento humano h uma relao dinmica entre o
prazer (e ausncia de dor) e o propsito de vida, cujo equil-
brio ser mais ou menos estvel de acordo com caracters-
ticas pessoais, aes individuais e circunstncias de vida.
Seligman (2011), prope um modelo de bem-estar resu l
tante de investigao em diferentes domnios da vida, e in-
tegrando hedonismo e eudaimonia. Considera, assim, que
o florescimento humano
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