View
220
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Universidade do MinhoEscola de Direito
Maria da Assunção Pinhal Raimundo
abril de 2016
RELATÓRIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL
O exercício das responsabilidades parentais
Mar
ia d
a As
sunç
ão P
inha
l Rai
mun
doR
EL
AT
ÓR
IO D
E A
TIV
IDA
DE
PR
OF
ISS
ION
AL
O e
xerc
ício
das
res
pons
abili
dade
s pa
rent
ais
UM
inho
|201
6
Maria da Assunção Pinhal Raimundo
abril de 2016
RELATÓRIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL
O exercício das responsabilidades parentais
Trabalho efetuado sob a orientação daProfessora Doutora Cristina Manuela Araújo Dias
Mestrado em Direito das Crianças, Família e Sucessões
Universidade do MinhoEscola de Direito
II
RELATÓRIO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL
O exercício das responsabilidades parentais
RESUMO
O Estado de Direito moderno afirma-se pela garantia dos deveres
fundamentais; pelo primado da lei; pela transparência como valor de relação
entre o Estado e o cidadão; e pela eficácia, como ética de resultado no
funcionamento do Estado face ao cidadão materialmente considerado.
O cidadão é agora reconhecido como titular originário da justiça enquanto
valor, assumindo-se, por isso, como tópico em torno do qual há-de arquitetar-se o
sistema e controlar-se o seu funcionamento.
Numa sociedade cada vez mais complexa e numa Europa em profunda
transformação, a justiça reganha hoje um papel decisivo e, nela, os tribunais um
lugar último de reserva essencial.
E aqui surgem questões tão fundamentais como o da independência dos
tribunais, independência que se manifesta também não como um instrumento de
conformação de um poder, mas como instrumento de conformação de um dever
de resposta face aos cidadãos.
Por isso constitui um dos princípios constitucionais que os cidadãos,
menores ou maiores, são iguais perante a lei e como iguais devem ser tratados
pelas instituições, incluindo desde logo os tribunais.
Importa à luz de tal princípio relevar o “superior interesse da criança ou
jovem” no preciso momento em que a análise é feita, seguindo os paradigmas
valorativos, sociais e jurídicos, que nesse momento vigorem.
III
ABSTRACT
The modern constitutional state stands out for the assurance of
fundamental rights; for the rule of law; for the transparency as the value of the
relationship between the State and the citizen; and for the efficacy, as the ethic
result of the State’s functioning before the physical citizen at stake.
The citizen is now recognized as the primary holder of justice as a value,
therefore establishing itself as the topic around which the system shall be build
and its functioning controlled.
In an increasingly complex society and in a deeply changing Europe,
justice regains today a decisive role and, in it, the courts regain an essential last
reserved place.
And here questions are raised, questions as fundamental as the courts’
independence, an independence which also expresses itself not as the shaping
tool of a power, but as a shaping tool of the duty to answer before the citizens.
For that reason, it constitutes one of the constitutional principles that
citizens, children or adults, are equal before the law and should be treated as
equal by the institutions, including the courts.
In light of such principle, it is key to prioritize the “best interest of the
child or young person” in the precise moment in which the analysis is done,
following the paradigm of values, social and legal, that are in force at that moment
in time.
IV
INDICE
RESUMO…………………………………………………………………………………………………..II
ABSTRACT……………………………………………………………………………………………….III
ÍNDICE……………………………………………………………………………………………………IV
ABREVIATURAS…………………………………………………………………………………………VI
Introdução ……………………………………………………………………………………………8
1. Os tribunais na hierarquia dos órgãos de soberania do Estado…………..11
2. Percurso profissional………………………………………………………………………14
2.1 A magistratura judicial e o seu exercício nos tribunais comuns………..14
2.1.1 Tribunal de Vouzela…………………………………………………………………..16
2.1.2 Tribunal de Coruche………………………………………………………………….21
2.1.3 Tribunal de Celorico de Basto…………………………………………………….22
2.1.4 Tribunal das Caldas da Rainha…………………………………………………...25
2.1.4.1 tribunal singular……………………………………………………………………26
2.1.4.2 tribunal coletivo……………………………………………………………………33
2.1.5 Tribunal de Alcobaça…………………………………………………………………34
2.1.6 Tribunal da Relação de Évora…………………………………………………….35
2.2 A formação de juízes e o Centro de Estudos Judiciários……………….37
2.2.1 As ações de formação e os seus objetivos…………………………………...41
2.2.2 A formação externa a outros operadores judiciários…………………...45
2.2.3 A formação na cooperação com os PALOPS………………………………...47
2.3 A inspeção Judicial e seus objetivos……………………………………………49
2.3.1 A avaliação de magistrados….…………………………………………………….50
2.3.2 A responsabilidade disciplinar dos magistrados…………………………54
3. Mestrado em direito das crianças, família e sucessões……………………..57
3.1 O exercício das responsabilidades parentais…………………………………..57
3.2 As vertentes a observar na fixação do exercício das
responsabilidades parentais………………………………………………………….62
V
3.3 Três casos apreciados pela jurisprudência……………………………………...75
3.3.1 Tribunal da Relação do Porto, Ac. de 1-2-2016…………………..76
3.3.2 Tribunal da Relação de Lisboa, Ac. de 28-6-2012……………….80
3.3.3 Tribunal da Relação do Porto, Ac. de 23-4-2012………………...87
BIBLIOGRAFIA…………………….………………………………………………………...91
ANEXOS .........................................................................................................................93
VI
ABREVIATURAS
A. Autor
AA. Autores
AC. Acórdão
AL. Alínea
ALS. Alíneas
ART. Artigo
ARTS. Artigos
CC Código Civil
CRP Constituição da República Portuguesa
CSM Conselho Superior da Magistratura
EMJ Estatuto dos Magistrados Judicias
EUA Estados Unidos da América
FSE Fundo Social Europeu
FGADM Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores
HA Hectares
KM2 Quilómetros quadrados
IAS Indexante dos Apoios Sociais
LOSJ Lei da Organização do Sistemas Judiciário
LOTJ Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais
Nº Número
Nºs Números
OTM Organização Tutelar de Menores
PALOP Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PROC. Processo
R. Réu
RGPTC Regime Geral dos Processos Tutelares Cíveis
RIJ Regulamento das Inspeções Judiciais
8
INTRODUÇÃO
O presente Relatório sendo um “Relatório de Atividade Profissional”, iniciámos
o nosso trabalho com uma abordagem sobre os tribunais enquanto órgãos de
soberania, com competência para administrar a justiça em nome do povo e com a
tarefa de dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
A magistratura judicial, com um papel determinante naquele exercício, é
composta por um corpo de juízes que procedem ao julgamento das questões
submetidas à apreciação desses mesmos tribunais
Juízes que, não sendo eles próprios órgãos de soberania, julgam apenas
segundo a Constituição e a lei, não estando sujeitos a ordens ou instruções, salvo o
dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de
recurso, pelos tribunais superiores.
Feito o enquadramento geral sobre a representatividade dos tribunais e o
exercício da função jurisdicional dos juízes, considerámos ser relevante demonstrar
como ao longo da nossa carreira profissional foi desempenhada a função jurisdicional
que abraçámos, sem deixar de referenciar outras prestações para as quais apenas a
magistratura judicial pode ser convocada.
Iniciámos este trajeto no Ponto2. do nosso trabalho, sob o título “Percurso
profissional”, abordando-o em três vertentes: “A magistratura judicial e o seu
exercício nos tribunais comuns”; “A formação de juízes e o Centro de Estudos
Judiciários”; e “A inspeção judicial e os seus objetivos”.
No primeiro tema fizemos um trajeto pelos tribunais onde exercemos funções,
tentando distinguir as suas especificidades e experiências.
No segundo tema abordámos a formação dos juízes, fazendo um breve
historial sobre a forma como aquela formação se processou até aos nossos dias.
Evidenciámos a necessidade da formação contínua dos magistrados e, nesta vertente,
as ações que levámos a cabo com vista à promoção e à atualização da informação
jurídica dos magistrados e ao debate de novas problemáticas da vida judiciária.
9
Falámos também da nossa experiência na formação de outros operadores judiciários
e ainda na colaboração que tivemos na cooperação com os PALOP no âmbito da
formação de magistrados.
No terceiro tema, referimo-nos à avaliação de magistrados e à
responsabilidade disciplinar dos mesmos.
Os juízes independentemente da dignidade da sua função e de
estatutariamente gozarem de independência, de irresponsabilidade e de
inamovibilidade, estão sujeitos a responsabilidade civil, criminal e disciplinar nos
casos especialmente previstos na lei. Por outro lado o seu desempenho é também
regularmente avaliado. Estas duas funções estão a cargo do Conselho Superior da
Magistratura que dispõe para o efeito de um serviço de inspeções, que tem como
principal função facultar-lhe o perfeito conhecimento do estado, necessidades e
deficiências dos serviços, bem como colher informações sobre o serviço e o mérito
dos juízes.
Finalmente destinámos o Ponto 3. do nosso Relatório ao tratamento de um
tema diretamente ligado ao tema do nosso mestrado em Direito das Crianças, Família
e Sucessões: “O exercício das responsabilidades parentais”.
Tratámos este tema apenas sob a vertente da “fixação do exercício das
responsabilidades parentais”, com a noção clara de que o fizemos de forma muito
genérica.
Com efeito, como referimos no Projeto de Relatório da Atividade Profissional
que apresentámos, não escolhemos apresentar uma dissertação sobre o tema do
mestrado, por a nossa atividade profissional não permitir um dispêndio de tempo
adequado à prossecução de um trabalho de pesquisa, apreciação e estudo, que uma
dissertação temática exige, bem como à teorização de uma posição pessoal sobre a
mesma.
Com o presente Relatório de Atividade Profissional tentámos trazer à colação
atividades intrínsecas à carreira da magistratura, sem descuidar a função que lhe é
indissociável, a jurisdicional, terminando o nosso trabalho com a análise de três
10
acórdãos que abordaram situações sobre o exercício das responsabilidades parentais,
atuais e repetidas na nossa sociedade, mas que nem sempre têm um tratamento
linear dos nossos tribunais.
11
1. OS TRIBUNAIS NA HIERARQUIA DOS ÓRGÃOS DE SOBERANIA DO
ESTADO
Portugal, como Estado de direito democrático consagrado no art. 2º da
Constituição da República Portuguesa, integrou os tribunais na hierarquia dos órgãos
de soberania do Estado, definindo-lhes a formação, composição, competência e
funcionamento nos termos da Constituição, mais propriamente nos arts. 202º e 203º,
dos quais é possível extrair a definição de que os tribunais são órgãos de soberania,
dotados de independência, aos quais compete “administrar a justiça em nome do povo”.
Esta “independência”, consagrada no art. 203º da Constituição da República
Portuguesa, tem sido alvo de várias interpretações.
CASTRO MENDES entendia que da norma constitucional na qual se achava
plasmada a independência dos tribunais resultava ser na independência dos juízes
que o legislador pensava. Tanto mais que o art. 4º do Estatuto do Magistrados
Judiciais tratava dessa matéria a propósito dos juízes, porque “a independência é, na
verdade uma característica dos juízes e não mais propriamente dos tribunais”. 1
ALFREDO SOVERAL MARTINS, entende que a “independência dos tribunais” deve
ser entendida, em primeira linha, como uma concretização do princípio da separação
de poderes entre os órgãos de soberania consagrado no art. 111º nº1 da Constituição
da República Portuguesa. Sustenta este autor que a “independência” é concebida
“como garantia orgânica institucional da imparcialidade heterocompositiva judicial”, e
não é mais do que “ uma tradução do principio da separação de poderes, garantindo
aos magistrados a sua inserção em tribunais enquanto órgãos de soberania, portanto,
enquanto órgãos de um poder separado dos restantes poderes estaduais”.2
J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA não diferem do entendimento referido.
Afirmam que “o princípio da independência visa defender os tribunais dos demais
poderes do Estado, nomeadamente do governo e da administração, pondo-os a coberto
1 JOÃO DE CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, I, (Lisboa 1980), págs. 379-380.
2 ALFREDO SOVERAL MARTINS, A organização dos tribunais judiciais portugueses, vol. I (Coimbra, 1990), pág. 16.
12
das suas ingerências ou pressões e garantindo, assim, a defesa dos direitos e interesses
legítimos dos cidadãos perante o Estado”3.
Acompanhamos estes últimos autores.
Efetivamente não há verdadeiro poder judicial sem independência. E não se
poderá falar de poder judicial, se não estiver assegurada a independência dos
tribunais face aos demais poderes do Estado e a quaisquer outros poderes ou forças
de pressão.
E a independência dos juízes, consagrado no art. 4º do Estatuto dos
Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de julho) está, a nosso ver, implícita na
independência dos tribunais, na medida em que são juízes que procedem ao
julgamento das questões submetidas à apreciação dos tribunais, julgando apenas
segundo a Constituição e a lei, não estando sujeitos a ordens ou instruções, salvo o
dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de
recurso, pelos tribunais superiores.
Outro elemento caracterizador dos tribunais que gostaríamos de abordar
prende-se com a função jurisdicional, até porque será ela o tema principal deste
relatório face ao nosso desempenho de juiz durante toda a carreira profissional.
Nos termos do art. 202º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, “os
tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em
nome do povo”. O seu exercício, segundo tal formulação, concretiza-se na defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cfr. nº2 da mesma norma) e
em dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. E, segundo também a
formulação do nº2 do art. 202º da Constituição da República Portuguesa, esse mesmo
exercício é feito em “nome do povo”, referência que encontra justificação, como acima
defendemos, no facto de não serem os juízes os titulares da soberania, mas os
tribunais.
3 CANOTILHO, J. J. GOMES / VITAL MORREIRA, Constituição da República Portuguesa, Anotada, vol. II, 4ª edição
revista, pág. 513.
13
Nesta vertente os tribunais articulam a sua soberania não em termos de
imediação popular, mas de forma mediata “em nome do povo”4.
Por isso, o poder jurisdicional pertence aos tribunais e a função jurisdicional
pertence aos juízes. A atribuição da função jurisdicional aos tribunais, nos termos do
nº1 do art. 202º da Constituição da República Portuguesa, radica no facto de as
decisões judiciais serem sempre imputadas a um tribunal (“o tribunal decidiu…”, “o
tribunal deliberou…”) e não a um determinado juiz.
Feita esta integração constitucional dos tribunais e da função jurisdicional
vamos começar a reportar-nos ao nosso exercício efetivo de funções, todo ele passado
em tribunais judiciais comuns, também eles com consagração particular na
Constituição, a qual dispensa um capítulo à Organização dos Tribunais, definindo as
suas categorias e competência.5
4 Como referem J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 508.
5 Constituição da República Portuguesa, capítulo II, arts. 209 a 214.
14
2. - PERCURSO PROFISSIONAL
2.1 - A MAGISTRATURA JUDICIAL E O SEU EXERCÍCIO NOS TRIBUNAIS COMUNS
No sistema português os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único
e regem-se por um só estatuto – art. 215º, nº1, da CRP.
Até 1975 a magistratura do Ministério Público constituía uma carreira
vestibular relativamente à magistratura judicial: os delegados do Procurador da
República de 1ª classe com classificação de serviço não inferior a “Bom” que
ocupavam a metade superior na escala de antiguidade eram convocados, segundo a
necessidade de preenchimento de vagas de lugares de juiz, como concorrentes
obrigatórios, a concurso para “juiz de direito”. E os quadros superiores e intermédios
daquela magistratura eram recrutados, mediante convite, entre os juízes.
As duas magistraturas foram separadas pela Constituição de 1976.
A Constituição da República Portuguesa dedica o seu Capítulo III ao Estatuto
dos juízes, sendo constituído por três grupos de normas: i) as relativas a todos os
juízes – art. 216º; ii) as que se ocupam em especial dos juízes dos tribunais judiciais –
arts. 215º, 216º, nº4, 217º, nº1, e 218º; e as que se referem aos juízes dos restantes
tribunais – art. 217º, nº2.
Os juízes dos tribunais judiciais (nos quais sempre nos integrámos) como
“corpo único” que são (nos termos da citada norma constitucional), é-lhes confiada a
função jurisdicional articulada em dois escalões de acordo com a hierarquia dos
tribunais judiciais – arts. 209º e 210º da CRP.
A carreira da magistratura dos tribunais judiciais inicia-se com o ingresso na
magistratura dos Tribunais de 1ª Instância (tribunais de comarca), seguindo-se-lhes
os Tribunais de 2ª Instância (tribunais da relação) e o Supremo Tribunal de Justiça –
arts. 201º e 211º da CRP.
A magistratura judicial é constituída pelos juízes, pelos desembargadores e
pelos conselheiros. Os juízes são os magistrados judiciais junto dos tribunais da 1ª
15
instância; os desembargadores são os magistrados judiciais junto dos tribunais da
relação e os conselheiros são os magistrados judiciais junto do STJ.
Entre as três categorias não existe qualquer relação hierárquica.
Quanto à sua atividade funcional, o Estatuto dos Magistrados Judiciais é muito
mais prosaico na fixação das funções do juiz.
Assim dispõe o nº1 do art. 3º do EMJ, regulado pela Lei 21/85 de 30 de julho,
que: 1 - É função da magistratura judicial administrar a justiça de acordo com as fontes a que,
segundo a lei, deva recorrer e fazer executar as suas decisões.
Quer isto dizer que a função do juiz é decidir. Encontrar a solução do litígio
com o apoio da lei e, depois, fazer executar as suas decisões, com o apoio da lei. É
evidente que este apelo à lei não pode ser entendido em sentido restrito, existem
outras fontes do direito a que podem recorrer, mas este poder é-lhos também
concedido nos termos da lei.
O Juiz não deve ter nenhum interesse, nem geral nem particular, na solução do
litígio que tem de resolver uma vez que o seu papel é decidir qual das soluções é
verdadeira e qual é a falsa. Por outro lado não representa nada nem ninguém, senão a
tutela dos direitos subjetivos violados.
Nenhuma vontade, nenhum interesse pode condicionar o seu julgamento, nem
mesmo o interesse da maioria. Dispondo ainda aquele art. 3º do EMJ: 2 - Os magistrados
judiciais não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade ou ambiguidade da
lei, ou em dúvida insanável sobre o caso em litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado.
Traçadas estas linhas muito gerais do exercício da magistratura judicial nos
tribunais comuns, abordaremos de seguida o nosso trajeto funcional ao longo dos
tribunais.
16
2.1.1 - Tribunal Judicial de Vouzela
A nossa formação de magistrada iniciou-se imediatamente à nossa
licenciatura, com o ingresso no Centro de Estudos Judiciários em 11-3-1982.
Frequentámos o II Curso Especial de Formação de Magistrados e, em 17-5-
1983, fomos colocada em regime de estágio no 2º juízo do Tribunal Judicial de Aveiro,
sob a orientação do Exmº Juiz Desembargador Jubilado Dr. José Maio Macário, então
Juiz titular do referido juízo.
Iniciámos aí a nossa função de julgar e de decidir, devendo assinalar a especial
importância que este ciclo teve na nossa carreira, mercê do acompanhamento e
ensinamentos transmitidos pelo formador e ainda dos exemplos recolhidos da sua
experiência e competência.
Em 12 julho de 1984, com parecer especial favorável do Centro de Estudos
Judiciários e do Conselho Superior da Magistratura, tomámos posse como Juiz de
Direito, titular, no Tribunal Judicial de Vouzela, tribunal de ingresso, com
competência genérica e com competência na área do direito de trabalho.
Vouzela, fazendo parte da região denominada Lafões, era uma região
genuinamente rural, apresentando uma configuração irregular onde toda a sua
agricultura se desenvolvia ao longo de socalcos, de propriedade espartilhada e
cuidadosamente administrada.
No concelho de Vouzela predominavam as atividades essencialmente ligadas
ao setor primário.
No que se refere à atividade agrícola, predominavam os cultivos de cereais
para grão, leguminosas secas para grão, prados para pastagens permanentes e vinha.
A pecuária tinha também alguma importância, nomeadamente na criação de suínos,
coelhos e aves. Praticamente 46% (2653 ha) do seu território estava coberto de
floresta.
Perante as referidas características, os direitos reais assumiam a maioria da
litigância desenvolvida no tribunal.
17
As causas de pedir desenvolviam-se em torno das relações de vizinhança, dos
conflitos derivados do exercício da posse e/ou do direito de propriedade ou dos
direitos de servidão. O incumprimento da divisão das águas de rega era o mote não só
para a litigância cível como para litigância crime, onde avultavam os danos, as
injúrias, as ofensas corporais e, num plano mais grave e de ultima consequência, os
homicídios.
Eram frequentes pedidos como:
“ … a condenação da ré a reconhecer à autora o direito às águas do
Ribeiro Farvinho, no período estival e nos giros que especifica na petição
inicial; a abster-se de atalhar as águas da autora no período e giros
referidos; e a indemnizar a autora na quantia de 12.000$00 e, bem assim,
na quantia anual de 4.000$00, se, por hipótese, a data da sentença
ultrapassasse o período de rega referido”6 .
“… a condenação dos réus a restituírem aos autores a servidão de
passagem que alegaram”7.
“ … a extinção da servidão a pé e carro ou trator agrícola que sobre o
prédio dos AA. Impende a favor do prédio dos RR. por desnecessária.8”
“ … que o R. seja condenado a reconhecer e ser declarado judicialmente
que o terreno que identificou no articulado é baldio da A. para uso dos
moradores de Cercosa, abstendo-se de cortar ou de se aproveitar de
quaisquer árvores que nela vegetem”.9
“ … que os RR. sejam condenados a reconhecerem que a partir da janela
da parede dos AA. têm estes uma servidão de vistas; que o seu prédio está
onerado com uma servidão de estilicídio a favor do prédio dos AA.; a
recuarem a construção para os limites que a lei e o direito lhes impõe; a
6 Ação Sumária nº 78/83.
7 Ação Especial de Restituição de Posse nº 44/85. 8 Ação Especial de Extinção de Servidão nº 22/84.
9 Ação Sumária nº 64/85. Nesta ação a autora era a Junta de Freguesia de Campia.
18
retirar a parte do “WC” que entra no prédio dos AA. e reconstruindo o
beirado destruído; não utilizarem por qualquer forma o terraço,
destruindo as escadas de acesso; recuarem o barracão, deixando entre a
parede deles e a parede dos AA. interstício que permita o escoamento
normal – sem possibilidade de infiltrações das águas do telhado dos AA. e,
em alternativa a colocarem a cobertura do barracão nas condições
exigidas pelo art. 1360 do Código Civil10.”
No que se refere ao Direito de Família, tratando-se de uma região de gente
mais envelhecida, as questões derivadas da separação de facto dos casais e dos
divórcios, eram reduzidas e pouco problemáticas.
Eram raros os processos tutelares e os processos de Regulação do Poder
Paternal não envolviam situações preocupantes sobre o bem estar do menor.
A maior dificuldade passava pelo apuramento da capacidade económica do
progenitor que não ficava com o menor à sua guarda e que, com grande regularidade,
não cumpria a prestação alimentar.
Na verdade sendo raro o trabalho assalariado e desenvolvendo-se a
subsistência familiar em torno da pequena agricultura praticada em propriedade
pessoal e/ou familiar, o rendimento mensal dos progenitores era tida como
inexistente e/ou sem apuramento contabilístico.
Assumiam então um grande relevo os Relatório solicitados ao Centro Regional
de Segurança Social do distrito (Viseu), que dispondo de pessoal para o efeito,
indagavam sobre as condições sociais, morais e económicas dos pais dos menores.
Também a colaboração da Guarda Nacional Republicana, fixada na sede do
concelho, era inestimável, prestando aos processos informações de grande utilidade e
muito credíveis.
10 Ação Sumária nº 80/83.
19
Assim, na posse de informações precisas, nunca deixámos de fixar um
montante a título de prestação alimentar ao menor, que, caso a caso, fosse compatível
com a situação pessoal (modus vivendi) e económica do obrigado e satisfizesse as
necessidades e bem estar do menor.
Referimos um caso concreto11:
- Menor de 3 anos de idade
- Os pais, solteiros, nunca viveram em comunhão, habitando o menor com a
sua mãe em casa dos avós maternos.
- O pai do menor não revelava por ele qualquer sentimento afetivo e quando
abordado sobre o filho, evidenciava ser a sua paternidade um assunto sem qualquer
significado.
- Os avós maternos do menor mostravam-se renitentes quanto ao sustento do
menor, o que levava a mãe do menor a aceitar dádivas das pessoas da localidade.
- O pai do menor auferia um salário de 12.000$00 por mês, mas abandonou o
emprego e passou a viver com a sua mãe, agricultora e dona de “uma grande casa”.12
Decidimos com estes factos entregar o menor à guarda da mãe e estabelecer
um regime de visitas para o pai, querendo, poder dispor dele caso viesse a assumir a
sua paternidades de facto e a atingir a maturidade que ainda não tinha revelado
possuir.
Quanto à prestação alimentar a atribuir ao menor, fixámo-la, em concreto, em
2.500$00 por mês com a seguinte fundamentação:
“O pai do menor, segundo o ofício de fls. 9, auferia um salário de 12.000$00 que,
segundo o inquérito junto pelo Centro Regional de Segurança Social de Viseu, já não
auferirá.
Contudo resulta do mesmo que o pai do menor vive com a sua mãe, agricultora e
dona de “uma grande casa”.
11 Regulação do Poder Paternal nº 1/85.
12 Na região a referida expressão significava ser dona de uma grande exploração agrícola.
20
Há pois, para além do mais, uma situação abastada na qual o pai do menor se
integra.
O facto de o pai do menor não auferir atualmente qualquer ordenado, tudo leva
a crer que terá dinheiro quer pelo meio onde está integrado, quer porque é de presumir
que pelo menos trabalhará as terras juntamente com a mãe, delas tirando proventos.
Não nos parece pois ser de eximir o pai de qualquer obrigação alimentar para
com o menor.”
Na verdade sempre entendemos que a obrigação dos progenitores de prestar
alimentos aos filhos, prevista nos artigos 1878º, 2003º e 2004º do Código Civil
provém de princípios constitucionais consagrados nos artigos 35º, nº5, e 69º da CRP,
os quais impõem o dever dos pais de sustentar os filhos e o direito das crianças ao seu
desenvolvimento, sendo que tais princípios constitucionais têm primazia sobre
qualquer dificuldade que os pais possam ter no cumprimento deste dever, pelo que
este só é afastado pela total impossibilidade física de providenciarem tal sustento.
Na situação descrita, o pai do menor não estava impossibilitado (por qualquer
afeção física) de cumprir o seu dever legal de sustentar o filho e, embora se colocasse
numa situação de não assalariado, usufruía de uma conhecida situação socio
económica abastada, que lhe permitia contribuir para o sustento do filho.13
Depois, para a situação de falta de cumprimento da referida prestação, a
sanção penal que lhe era então aplicável, constituía também uma razão dissuasora
para determinadas classes sociais que não queriam ficar ligadas a questões de índole
criminal.14
13 A necessidade da fixação de uma prestação alimentar ao progenitor do menor tem atualmente um enquadramento
de imprescindibilidade. Não se fixando a pensão de alimentos, o Fundo Garantia de Alimentos a Menores – cuja função decorre
dos mesmos preceitos constitucionais de proteção à criança e de garantia do seu desenvolvimento – não poderá garantir o
respetivo pagamento, pois, de harmonia com as disposições previstas na Lei 75/98 de 19/11 e DL 164/99 de 13/5, tal garantia
tem como pressuposto a existência prévia de uma decisão judicial que fixe a prestação.
14 O Código Penal de 1982 (versão anterior a 1995) dispunha no seu artigo 197.º, sob a epígrafe “Omissão de
assistência material à família”, o seguinte: 1 - Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer,
não cumprir essa obrigação de maneira a independentemente de auxílio de terceiros, pôr em perigo a satisfação das
necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, será punido com prisão até 2 anos ou multa até 180 dias.
21
2.1.2 – Tribunal Judicial de Coruche
Tribunal de ingresso com competência genérica e com competência na área do
trabalho, tomámos posse no mesmo em 8 de novembro de 1987.
Coruche situado no Ribatejo, o seu concelho, com uma área de cerca de 1120
km2, torna-o o concelho mais extenso do distrito de Santarém.
Quando exercemos funções no tribunal de Coruche, a comarca abrangia 8
freguesias, agora distribuídas da seguinte forma: Biscainho, Branca, Couço, Lamarosa,
Santana do Mato e União de Freguesias Coruche, Fajarda e Erra sendo que esta última
freguesia surge na sequência da Agregação das freguesias de Coruche, Fajarda e Erra
resultado da reorganização administrativa do território das freguesias por aplicação
das Leis nºs 56/2012, de 8 novembro /Lei de Lisboa; e 11-A/2013, de 28 de janeiro.
Tratava-se mais uma vez de uma comarca essencialmente rural, mas formada
de planície, fertilizada pelo rio Sorraia, afluente do rio Tejo, onde se desenvolvia uma
extensa lezíria. O concelho abrangia ainda uma vasta zona florestal constituída
principalmente por montado de sobro, com elevada importância para o
abastecimento da indústria da cortiça.
Mercê da revolução de Abril de 1974, o concelho de Coruche foi bastante
atingido pelas expropriações preconizadas pelo Decreto-lei n° 406-A/75, de 29 de
julho, (Lei da Reforma Agrária) e nele foram instaladas várias unidades de produção,
sob a forma de cooperativas agrícolas.
Portanto à data em que tomámos posse, os processos de expropriação tinham
já uma expressão muito ténue e já se estava no virar de página com a regularização de
situações ocorridas “oportunisticamente” e que a Lei 68/78, de 16 de outubro, quis
por termo.
2 - No caso de alimentos a filho menor ou à mulher que se encontre grávida, sendo a gravidez conhecida do marido, a
pena será de prisão até 3 anos ou multa até 200 dias.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
22
Encontrámos por isso uma pendência enorme de processos movidos pelos
proprietários das empresas ou estabelecimentos em autogestão que os
reivindicavam, movidos contra o coletivo de trabalhadores, representado pela
comissão de gestão em exercício.
Estes processos, tinham natureza urgente e assumiam por isso prioridade em
relação aos demais.
Estivemos nesta comarca cerca de 3 meses, por ter ocorrido o movimento
judicial que, além do mais, deslocava, por antiguidade, os juízes colocados em
comarcas de ingresso para as comarcas de acesso e que nos abrangeu.
Não temos memória nem registo de decisões sobre situações relevantes
atinentes à família e menores, o que imputamos ao facto de termos estado tão pouco
tempo no referido tribunal, incluindo-se no mesmo período as férias judiciais de
Natal.
Seguimos, por força do referido movimento judicial, para o Tribunal Judicial de
Celorico de Basto, então tribunal de acesso.
2.1.3 – Tribunal Judicial de Celorico de Basto
Também a comarca de Celorico de Basto era uma comarca essencialmente
rural.
O concelho Celorico de Basto na altura em que lá exercemos funções era
marcadamente rural e a sua população dedicava-se essencialmente à atividade
agrícola,15 assente na exploração da pequena propriedade e com contornos físicos e
populacionais idênticos aos do concelho de Vouzela.
15 “Celorico de Basto está hoje num processo de profundas mudanças. O aparelho económico tradicional está em profunda
transformação. O sector primário, outrora dominante, é hoje praticamente residual. A produção de vinho verde ao longo do Vale do
Tâmega e a pecuária nas freguesias de montanha, marcam a atividade agrícola. A construção civil, o comércio e os serviços são hoje
os sectores empregadores do concelho” – cfr. https://pt.wikipedia.org/wiki/Celorico_de_Basto (15-4-2016).
23
Pertenciam ao concelho de Celorico de Basto as freguesias de Agilde, Arnoia
Borba de Montanha, Britelo, Caçarilhe, Canedo de Basto, Carvalho, Codeçoso,
Fervença, Moreira do Castelo, Rego, Ribas, São Clemente de Basto, Vale de Bouro,
Veade, hoje com outra configuração por força da reorganização administrativa do
território das freguesias ditada pelas Leis n.º 11-A/2013 de 28, de janeiro, e n.º
22/2012, de 30 de maio.
Pertencente ao distrito de Braga, o concelho de Celorico de Basto, juntamente
com os concelhos vizinhos de Mondim de Basto, Cabeceiras de Basto e Ribeira de
Pena formavam uma vasta área conhecida por “Terras de Basto”, zona marcada por
uma paisagem verdejante e com construções graníticas de várias gerações.
Celorico de Basto possuía uma população também envelhecida, com uma
litigiosidade própria das regiões rurais.
Exercemos funções no tribunal de Celorico de Basto apenas no período de um
ano judicial, repartindo o nosso exercício com o Tribunal judicial de Mondim de Basto
em substituição da sua juiz titular, na altura em licença de parto, e deslocávamo-nos
ao Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto para constituir o tribunal coletivo daquele
tribunal.
Pela primeira vez tivemos um processo em que estava em causa um
fideicomisso.
Tratava-se de uma ação especial de autorização judicial para a venda de uma
fração que havia sido adquirida com o produto da venda de bens deixados por
testamento mas sujeitos a fideicomisso.
O testador deixara ao requerente marido e a outro prédios com a menção
expressa de que “os não podia alienar, isto é, vender ou empenhar, por serem
considerados património da família, podendo todavia serem partidos ou negociados
entre os dois”.
Havia já uma sentença, transitada em julgado que havia autorizado a venda de
tais prédios para aquisição de outros de melhor e maior utilidade para os fiduciários e
fideicomissários e, pela presente ação, os requerentes pediam agora autorização para
24
alienar um imóvel já adquirido com o produto da venda dos bens legados pelo
testador.
Os requeridos na nossa ação eram os filhos dos requerentes (estes casados
entre si no regime de comunhão geral de bens) e figuravam na ação como
fideicomissários (como sucessores dos requerentes), assegurando-lhe a legitimidade
(art. 2288º do Código Civil).
Foi feita prova dos valores atribuídos às duas frações; de que a fração para
venda se encontrava em estado de deterioração; com valor patrimonial diminuído; e
sem utilidade para os requerentes; e que aqueles se propunham comprar nova fração,
de boa construção, situado no local onde os fideicomissários exerciam a sua atividade
profissional e com valor monetário superior.
A decisão foi a seguinte: “… ao abrigo do disposto nos artigos 2291º do Código
Civil e 1438º, nºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, autorizo os requerentes a vender a
fração identificada na petição inicial e sita no Porto, pela quantia de 4.200.000$00, e
autorizo a compra do andar igualmente identificado na petição inicial, sito na vila de
Celorico de Basto, pela quantia de 4.250.000$00, o qual não poderá depois ser onerado,
isto é, vendido ou empenhado.
Concede-se o prazo de 6 meses para os requerentes fazerem prova nos autos da
outorga da escritura de compra do andar referido” (...) Celorico de Basto, 5-5-88.
Definindo o art. 2286º do Código Civil o fideicomisso como sendo a disposição
pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança,
para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem, pareceu-nos que no caso em
apreço o testador impunha que “aquele património”, e não outro, se mantivesse na
família, muito embora o art. 2291º do Código Civil permita a alienação ou oneração
dos bens sujeitos a fideicomisso.
Defendemos que a interpretação daquelas duas normas deve ser restrita e a
prova da “necessidade ou utilidade” para a alienação ou oneração dos bens sujeitos ao
fideicomisso deve ser muito exigente, sob pena de se desvirtuar/desrespeitar a
vontade expressa do de cujus através do fideicomisso.
25
Acontece que a nossa decisão foi já uma autorização de alienação de um bem
obtido por força de uma autorização de alienação anterior de um bem que pertencera
ao testador e fora deixado ao fiduciário.
É evidente que neste contexto, a nossa apreciação/decisão ficara com um ónus
diminuído sobre a interpretação do encargo imposto ao fiduciário, limitando-nos a
seguir as exigências do art. 1438º do Código de Processo Civil, com a observância de
“cautelas” adequadas que, no caso, enveredámos pela prova de que o património do
fiduciário e fideicomissários mantinha a consistência material legada.
2.1.4 – Tribunal judicial de Caldas da Rainha
No tribunal de Caldas da Rainha tivemos três exercícios:
- Juiz de Direito auxiliar com posse em 9-1-1989, exercendo funções no 1º
juízo em substituição do seu titular que se encontrava de baixa médica prolongada.
- Juiz de Direito efetiva no 2º juízo do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha,
com posse em 5-10-1990.
- Juiz de Direito auxiliar no Círculo Judicial das Caldas da Rainha, com posse em
8-5-1992.
O Círculo de Caladas da Rainha era à data constituído por sete comarcas:
Caldas da Rainha (que integrava a atual comarca do Bombarral), Peniche, Cadaval,
Lourinhã, Rio Maior e Torres Vedras.
Assim, enquanto juiz de círculo (auxiliar) e em combinação com o juiz de
círculo efetivo, tínhamos a nosso cargo as comarcas de Caldas da Rainha, Rio Maior e
Peniche (apenas processos com numeração par), cujo movimento processual se
equiparava às restantes comarcas.
Entre 9-1-1989 e 8-5-1992 desempenhámos funções como juiz de comarca,
tendo a nosso cargo um juízo de competência genérica, com duas secções de
processos.
26
Caldas da Rainha era a sede de comarca e a sede do círculo judicial, dispondo à
data apenas de dois juízos de competência genérica, um Tribunal do Trabalho e um
Tribunal de Instrução Criminal, ambos com competência territorial em toda a área do
círculo.
A sua população era, em 1991, 43.205 habitantes, integrando este número
8.037 menores16.
A pendencia processual era elevada e apresentava uma diversidade maior,
assumindo uma maior relevância as ações de dívida e incumprimento de contratos;
ações de despejo; e ações de execução de títulos de crédito, litigâncias muito
caraterísticas de zonas urbanas.
Os direitos reais e os conflitos deles decorrentes tinham ainda uma expressão
relevante, devido ao facto de algumas freguesias do município de Caldas da Rainha
subsistirem ainda da exploração agrícola, muito embora já ligada a um comércio de
escoamento da sua produção.
Em matéria criminal assumiam maior relevância os crimes contra o
património e, na decorrência destes, os crimes contra as pessoas. Os crimes de posse
e tráfico de estupefacientes ocupavam a população mais jovem, principalmente a
masculina.
No que se refere ao Direito de Família e Sucessões era relevante a pendência
de ações de divórcio e de processos de inventário (sobretudo obrigatórios), estes
quase sempre acompanhados por advogado.
2.1.4.1 – Em tribunal singular17
Como juiz de comarca, portanto em tribunal singular, tínhamos a seguinte
competência:
16 Cfr. https://pt.wikipedia.org/wiki/Caldas_da_Rainha (15-4-2016)
17 Lei 38/87, de 23 de dezembro (Lei Orgânica dos tribunais Judiciais), então em vigor.
27
Preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro
tribunal; preparar os processos relativos a causas que devessem ser julgadas pelos
tribunais referidos no artigo 54.º da LOTJ fora dos casos previstos no n.º 1 do artigo
81.º do mesmo diploma legal; julgar os processos de natureza penal relativos a crimes
a que fosse abstratamente aplicável pena de prisão superior a três anos, nos casos em
que a lei de processo deferir a competência para o processo ao juiz singular; decidir
quanto à pronúncia18; Cumprir os mandados, cartas, ofícios e telegramas
dirigidos/solicitados pelos tribunais ou autoridades competentes; julgar os recursos
das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação,
salvo o disposto nos artigos 66.º e 76.º da LOTJ; executar as respetivas decisões;
exercer as demais atribuições conferidas por lei.
Sendo elevada a pendencia de ações de divórcio, era elevada, por
arrastamento, a pendencia dos processos relativos a menores, em particular, as ações
de regulação do poder paternal.
Independentemente da sua urgência ou não, demos sempre prioridade aos
processos da jurisdição tutelar, porque sempre tivemos o entendimento que a
celeridade das medidas a tomar em relação aos menores, era a primeira manifestação
judicial da tutela do “superior interesse da criança”.
Eram recorrentes os processos de regulação do poder paternal e, com alguma
facilidade, era obtido acordo sobre o seu exercício. A desarmonia vinha contudo logo
a seguir, devido ao incumprimento das suas obrigações.
Foi possível concluir que os processos em que os progenitores dos menores
eram socialmente mais evoluídos, com formação universitária e/ou até licenciados
eram mais longos e normalmente terminavam em julgamento.
Havia uma clara dificuldade em chegar a consenso sobre o exercício do poder
paternal, principalmente por discordância em relação à prestação alimentar.
18 Em Caldas da Rainha havia tribunal de instrução criminal pelo que as matérias referentes à instrução criminal e às
funções jurisdicionais relativas ao inquérito, estavam afastadas da competência genérica.
28
Trazemos à colação duas situações, para nós marcantes, com comportamentos
de progenitores que, na regulação do poder paternal e no seu exercício, jamais
protegeram ou ponderaram o equilíbrio emocional e físico dos filhos.
-A-
Regulação do exercício do poder paternal:
- dois menores (uma menina e um menino) com idades de 5 e 3 anos;
- os pais eram, ele cirurgião e ela médica anestesista;
- tiveram uma relação conjugal de cerca de 8 anos;
- estavam separados há cerca de um ano e os menores viviam com a mãe;
- ambos residiam em Caldas da Rainha e aí desenvolviam a sua atividade
profissional;
- o pai dos menores teimava que não dispunha de meios financeiros para
prestar a prestação alimentar “reivindicada” pela mãe dos menores;
- a mãe dos menores alegava grandes dificuldades económicas, referindo que o
outro progenitor se movimentava com grande folga financeira.
Fixámos um regime provisório em que atribuímos a guarda dos menores à
mãe; estabelecemos um regime flexível de visitas do pai aos menores; e fixámos uma
prestação alimentar ao pai, compatível com o vencimento de um cirurgião.
Os progenitores dos menores, ambos patrocinados por advogado, traziam ao
processo numerosa documentação de despesas e remunerações pessoais (estas
absolutamente irrisórias para a sua classe profissional) e com cada requerimento
arrolavam numerosas testemunhas.
O processo foi a julgamento e após sentença final, que fixou o exercício do
poder paternal, o pai nunca cumpriu a prestação alimentar e a mãe, como retaliação
daquele procedimento, nunca respeitou o regime de visitas dos menores ao pai,
dando origem a sucessivas queixas de incumprimento das obrigações fixadas.
Atualmente esta situação, mercê da alteração introduzida pelo art. 7º da Lei
61/2008, de 31 de outubro, nos arts. 249º, nº1, al. c), e 250º, nºs 1 e 2, do Código
Penal, talvez não tivesse atingido as referidas dimensões.
29
Com efeito discordamos das vozes mais negativistas acerca desta incursão do
Estado no âmbito das relações familiares, que consideram que a referida alteração da
Lei 61/2008 colocou na mão de ambos os pais “uma nova arma”, pois passam a dispor
de mais situações em que podem apresentar uma queixa crime contra o outro.19
Acreditamos no efeito preventivo das penas e, no que respeitam a situações do
foro pessoal, a nossa experiência tem-nos mostrado que quando se trata de uma
exposição criminal surge da parte de muitos agentes a vergonha e o decoro sobre essa
exposição e evitam-na.
- B –
Incumprimento da regulação poder paternal:
Iniciado o respetivo processo por um requerimento do pai do menor a dar
conta ao tribunal de que a mãe do menor, a quem o mesmo havia sido confiado, não
cumpria o regime de visitas, foi apurado o seguinte:
- menor de 9 anos, frequentava o quarto ano de escolaridade;
- o poder paternal estava confiado à mãe, com quem o menor residia;
- a mãe do menor era assistente social num Centro de Emprego e residia em
Caldas da Rainha;
- o pai do menor era engenheiro informático, residia em Lisboa e vivia já com
uma companheira;
- o regime de visitas estipulava, além do mais, que o menor passasse dois fins
de semana por mês (alternados) com o pai em Lisboa. O pai propunha-se (obrigara-
se) a vir buscar e trazer o menor a Caldas da Rainha à casa da mãe;
- a mãe do menor não proporcionava ao pai do menor o cumprimento da
referida visita, argumentando que o menor não queria ir com o pai.
- o pai do menor alegava que tinha com o menor a melhor relação, sentindo o
menor feliz quando estava consigo. Mas a mãe, logo na 4ª feira anterior à ida do
menor com o pai, “… já estava a telefonar a dizer-lhe que o menor ou estava doente; ou
19 Neste sentido HELENA GOMES DE MELO, “Poder Paternal e Responsabilidades Parentais”, 2ª Edição, pág. 130.
30
tinha uma festa que não podia faltar; ou que tinha teste na 2ª feira seguinte; ou
simplesmente dizia que ele não queria ir para Lisboa…”.
- quando o pai do menor tentava telefonar ao mesmo, nunca lhe passava o
telefone, evitando qualquer conversa entre pai e filho.
Marcámos uma conferência com os progenitores do menor e apercebemo-nos
que a mãe do menor não estava ainda amadurecida sobre a separação conjugal e
evidenciava muitos ressentimentos em relação ao ex-companheiro, nomeadamente o
ter refeito a sua vida com outra mulher, que à data já se encontrava grávida.
As informações que recolhemos junto do Instituto de Reinserção Social de
Caldas da Rainha deram-nos conta que o pai do menor era muito dedicado ao filho,
mantinha boa relação com o mesmo, partilhando com ele jogos e desportos quando se
encontravam juntos, comparecia nas reuniões escolares do menor e que nunca faltara
ao cumprimento da prestação alimentada fixada ao menor.
Decidimos, face à situação configurada nos autos, ouvir o menor para nos
apercebermos da relação pessoal do mesmo com os seus progenitores,
nomeadamente o pai, e verificarmos se haveria alguma reserva do menor em não
querer estar com o pai.
No dia da audição, solicitámos a presença do MºPº e mandámos entrar o
menor.
Ao chegar à porta do gabinete saudámos o menor com um simpático “olá” e
dissemos-lhe que entrasse para nos conhecermos (…) O menor dá uns passos e cai
desmaiado no chão (!).
As situações relatadas evidenciam uma violação clara do “superior interesse
da criança”, princípio já então tão recomendado pelos instrumentos internacionais,
nomeadamente, a Declaração dos Direitos da Criança, promulgada em 20 de
novembro de 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, e a Convenção Sobre os
Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de
novembro de 1989.
31
Internamente, o princípio da não separação do menor dos seus pais
consagrado no art. 36º nº6 da CRP constituía, sem dúvida, uma decorrência daquele
princípio alertando que, mesmo no caso de separação a decisão a proferir deve
assegurar a manutenção dos laços com ambos os progenitores, a menos que,
excecionalmente, o interesse do filho o desaconselhe.
Este direito do menor ganha tanto mais importância quanto, não tendo ele
capacidade bastante para avaliar e se decidir perante a diversidade de situações e
exigências que lhe são feitas, se torna terreno fácil da manipulação ideológica.
Na segunda situação relatada foi notória, a nosso ver, esta manipulação
ideológica junto do menor. O menor vinha de tal modo pressionado sobre como se
deveria comportar e/ou responder sobre a sua interligação ao pai, que cedeu
emocionalmente.
O referido princípio constitucional atribui ao menor o direito a crescer no seu
meio familiar, atenta a importância do papel do pai e da mãe no seu desenvolvimento.
E mutilado de qualquer daqueles papéis ou contributos, o menor não faz um
desenvolvimento harmonioso da sua personalidade.
Uma separação dos pais não tem de ser naturalmente traumática para os
filhos, estes têm é de crescer num clima de carinho, amor e compreensão, para que
possam expressar-se livremente aumentando a sua capacidade de dádiva e convívio
com as pessoas que os rodeiam.
A experiência tem-nos mostrado que a desunião da família é, à partida, fonte
de desequilíbrios para as crianças. Por isso depende essencialmente dos pais a
interiorização junto do filho que ele continua a ser amado e é muito importante para
ambos os progenitores.
Contudo, descuidando este papel, verificamos que na maioria dos casos os
menores são usados como marionetas para as “revanches” dos ressentimentos dos
pais separados, vedando-lhes o direito ao desenvolvimento harmonioso da sua
personalidade.
32
Esta violação ocorria essencialmente no exercício do direito do pai (ou do
progenitor a quem o menor não ficasse entregue20) às visitas e ao normal convívio do
menor com o mesmo.
Dispensámos sempre muita atenção a esta realidade e chegámos, em casos de
evidente sofrimento do menor com a perda do convívio com o pai, a alterar a
confiança do menor e a entrega-lo ao pai, depois de apurarmos as condições de vida
em que o mesmo se inseria e que este era possuidor de equilíbrio emocional e
educacional para respeitar aquele direito à mãe.
Achámos também sempre muito importante a audição do menor e fizemo-lo
sempre que verificava-mos que havia discernimento, vontade própria e maturidade
do menor.
Aliás um dos princípios normativos da Convenção Sobre os Direitos da Criança
era já o princípio do respeito pelas opiniões da criança, o qual se reconduzia ao
direito de que a criança era titular, de exprimir livremente a sua opinião sobre as
questões que a ela respeitassem e de as suas opiniões serem devidamente tomadas
em consideração, de acordo com a sua idade e maturidade. Para tanto, “é assegurada à
criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem,
seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as
modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional. Deve ser assegurada à
criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem”
(art. 12º, nº2).
E esta atuação vem agora bem vincada (imposta) com a Lei 141/2015 de 8 de
setembro, constituindo um dos princípios orientadores dos processos tutelares cíveis
regulados no Regime Geral do Processo Tutelar Cível [art. 4º, nº1, al. c)].
20 De notar que à data em que exercemos a jurisdição de família e menores na comarca, ainda não havia a guarda
conjunta do menor, no sentido de as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância serem
exercidas por ambos os progenitores, situação que só veio a ser instituída pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, e que à frente
nos referiremos quando tratarmos do tema “O exercício das responsabilidades parentais”.
33
Para além do caso traumático que relatámos, as crianças normalmente
evidenciavam um grande à vontade e, curiosamente, sob a promessa de que o que
dissessem não era comunicado aos pais, eram de uma franqueza comovente com
relatos surpreendentes sobre a sua vida parental, muito útil para a decisão a tomar.
2.1.4.2 – Em tribunal coletivo
Como supra referimos exercemos a função de juiz de círculo no círculo judicial
de Caldas da Rainha a partir de 8-5-1992 e até 10-1-1994, data em que iniciámos
funções no Tribunal de Círculo de Alcobaça.
Como juiz de círculo tínhamos a seguinte competência:
Julgar os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal do júri ou pelo
tribunal singular, respeitassem a crimes dolosos ou agravados pelo resultado, ou cuja
pena máxima abstratamente aplicável fosse superior a três anos de prisão; as
questões de facto nas ações de natureza cível, família e trabalho de valor superior à
alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância, salvo tratando-se de ações de processo
especial cujos termos excluíssem a intervenção do tribunal coletivo, bem como as
questões da mesma natureza nos incidentes, procedimentos cautelares e execuções
que seguissem os termos do processo de declaração e excedessem a referida alçada,
sem prejuízo dos casos em que a lei de processo prescindisse da intervenção do
coletivo; as questões de direito nas ações em que a lei de processo o determinasse
(art. 79º da Lei 38/87, de 23 de dezembro).
Portanto deixámos de ter a jurisdição de menores mantendo a jurisdição de
família com ações a ela referentes dentro dos referidos parâmetros (de valor superior
à alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância) e as ações de estado.
Como referimos inicialmente, em Caldas da Rainha tinha uma grande
expressão as ações de divórcio, situação que se verificava em todas as comarcas a que
nos deslocava-mos, sendo que como juiz de círculo apenas tínhamos o encargo de
jugar e proferir decisão nas ações de divórcio litigioso.
34
2.1.5 – Tribunal de Círculo de Alcobaça
Tomámos posse neste tribunal em 10-1-1994 e nele nos mantivemos até 15-7-
2001, sendo que entre setembro de 2000 e abril de 2001 exercemos funções, a tempo
inteiro, como vogal pelo distrito de Coimbra no Conselho Superior da Magistratura.
O Tribunal de Círculo de Alcobaça foi instalado pela Portaria nº 514-A/88, de
27 de agosto, diploma que veio dar cumprimento à Lei Orgânica dos Tribunais
Judiciais e do respetivo Regulamento (Lei 38/87, de 23 de dezembro, e Decreto-Lei
214/88, de 17 de junho) que determinava a instalação de tribunais, nomeadamente
tribunais de círculo.
Assim de acordo com o art. 81.º da LTOJ cabia aos juízes do tribunal de círculo
a preparação dos processos referidos nas alíneas a) e b) do artigo 79.º21 que lhe
fossem distribuídos, bem como proferir a decisão, suprir as suas deficiências
esclarecê-las, reformá-la e sustentá-la, nos termos da lei de processo.
Nos casos em que se prescindisse da intervenção do tribunal coletivo, a lei de
processo determinava que o julgamento da matéria de facto e a decisão pertencia ao
juiz a quem tivesse sido distribuído o respetivo processo.
Nesta conformidade e no que se refere à jurisdição de menores, a mesma não
estava no âmbito da competência desde tribunal, apenas se mantinha a jurisdição de
família com as ações a ela referentes, de valor superior à alçada dos tribunais judiciais
de 1.ª instância, e as ações de estado.
21 a) Os processos que, não devendo ser julgados pelo tribunal do júri ou pelo tribunal singular, respeitassem a crimes
dolosos ou agravados pelo resultado, quando fosse elemento do tipo a morte de uma pessoa, ou cuja pena máxima
abstratamente aplicável fosse superior a três anos de prisão;
b) As questões de facto nas ações de natureza cível de valor superior à alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância,
salvo tratando-se de ações de processo especial cujos termos excluíssem a intervenção do tribunal coletivo, bem como as
questões da mesma natureza nos incidentes, procedimentos cautelares e execuções que seguissem os termos do processo de
declaração e excedessem a referida alçada, sem prejuízo dos casos em que a lei de processo prescinda da intervenção do coletivo.
35
Pertenciam ao Tribunal de Círculo de Alcobaça todas as ações que dentro das
referidas competências dessem entrada nos tribunais da Nazaré, de Alcobaça e de
Porto de Mós.
Face à natureza destas três comarcas, voltámos a ter ações ligadas aos direitos
reais e porque também se tratava de uma área bastante comercial, havia uma grande
incidência de incumprimento dos contratos.
No âmbito criminal estava no auge os crimes relativos à obtenção fraudulenta
de subsídios do FSE, crimes que tipificavam os crimes de falsificação de documento e
de burla, praticados, essencialmente, por responsáveis de empresas agrícolas e da
indústria de cerâmica.
Estas candidaturas a subsídios do FSE levaram também a tribunal
responsáveis autárquicos, que pediam esses subsídios sob as normas traçadas e de
acordo com os objetivos traçados pelos mesmos, mas depois, obtidos esses subsídios,
aplicavam-nos a estruturas não previstas para o subsídio em causa.
Por distribuição, tivemos e julgámos (presidindo ao tribunal coletivo) os
processos em foram arguidos os presidentes da Câmara Municipal da Nazaré e da
Câmara Municipal de Alcobaça, processos com grande visibilidade política e social.
2.1.6 – Tribunal da Relação de Évora
Tomámos posse no Tribunal da Relação de Évora em 14-9-2001, sendo que em
17-7-2002, aceitámos uma comissão de serviço no Centro de Estudos Judiciários,
como Diretora Adjunta, comissão que mantivemos até 18-10-2004, regressando a
Évora.
Estamos a exercer funções na secção cível desde 14-7-2004, sendo que até esta
data estivemos sempre na secção criminal do mesmo tribunal.
36
Com efeito os Tribunais da Relação, à semelhança do que sucede com o
Supremo Tribunal de Justiça, estão organizados em secções22, sendo que cabe à
secção cível as causas que não estão atribuídas às outras secções. Ou seja, não lhes
cabe julgar as causas de natureza penal e não lhes cabe julgar as causas referidas no
art. 126º da LOSJ23, isto é os recursos interpostos das decisões proferidas em
primeiro grau de jurisdição pelas secções de trabalho da instância central dos
tribunais de comarca.24
22 Secção em matéria cível, em matéria penal e em matéria social, sendo que o art. 67º, nºs 3 e 4, da LOSJ sugerem a
existência de secções em matéria de família e menores, em matéria de comércio, de propriedade intelectual e de concorrência,
regulação e supervisão, que ainda não existem.
23 A Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário, revogou a Lei n.º 3/99, de 13 de
janeiro, Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, que por sua vez havia revogado a Lei n.º 38/87, de 23 de
dezembro, Lei orgânica dos tribunais Judiciais. 24 Questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não
revistam natureza administrativa; questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com
vista à celebração de contratos de trabalho; questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais; questões de
enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de
prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de
trabalho ou doenças profissionais; ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades
responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do
trabalho; questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho; questões emergentes de contratos de
aprendizagem e de tirocínio; questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que
resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de ato ilícito praticado por
um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à
responsabilidade civil conexa com a criminal; questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus
beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem
prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais; questões entre associações sindicais e sócios ou pessoas
por eles representados, ou afetados por decisões suas, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais,
regulamentares ou estatutárias de uns ou de outros; k) processos destinados à liquidação e partilha de bens de instituições de
previdência ou de associações sindicais, quando não haja disposição legal em contrário; questões entre instituições de
previdência ou entre associações sindicais, a respeito da existência, extensão ou qualidade de poderes ou deveres legais,
regulamentares ou estatutários de um deles que afete o outro; execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos
executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais; questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou
entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por assessoriedade,
complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente; questões
reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em
que é dispensada a conexão; questões cíveis relativas à greve; questões entre comissões de trabalhadores e as respetivas
comissões coordenadoras, a empresa ou trabalhadores desta; todas as questões relativas ao controlo da legalidade da
37
Nesta conformidade, todos os recursos interpostos de decisões proferidas em
primeiro grau de jurisdição pelas secções dos tribunais de família e menores são
julgadas pela secção cível dos Tribunais das Relação (cfr. art. 185º da OTM, art. 32º do
RGPTC e arts. 303º, nºs 1 e 2, e 629º, do Código de Processo Civil).
Sendo certo que não dispomos de acórdãos suficientemente relevantes nesta
área que possamos abordar no Ponto 3. ao tratarmos do exercício das
responsabilidades parentais.
2.2 - A FORMAÇÃO DE JUÍZES E O CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS
A formação de magistrados no nosso sistema judiciário surgiu com a reforma
de 1975 e foi introduzida pelo DL. 714/75, de 20 de dezembro, como forma de
ingresso na carreira judicial ou do Ministério Público.
O acesso à judicatura até à publicação deste diploma era regulado no Estatuto
Judiciário (aprovado pelo DL. 44 278, de 14 de abril, de 1962), que definia não só os
requisitos gerais de admissão a concurso público para os cargos de juiz e de delegado
do Procurador da República, como também do funcionário de justiça e do solicitador.
Nos termos do Estatuto Judiciário, o concurso para juízes era aberto pelo
Ministro da Justiça depois do Conselho Judiciário fixar o número de vagas, e dirigia-se
a dois tipos de candidatos: os candidatos obrigatórios que eram os delegados do
Procurador da República que integrassem a metade superior da lista de antiguidade
da 1ª classe com a classificação de serviço de pelo menos “Bom”; e os candidatos
voluntários que podiam ser os licenciados em direito com nota final universitária de
“Bom com Distinção”, com um mínimo de 7 anos de exercício de funções como
delegado do Procurador da República, inspetor da polícia judiciária, advogado ou juiz
municipal.
constituição, dos estatutos e respetivas alterações, do funcionamento e da extinção das associações sindicais, associações de
empregadores e comissões de trabalhadores; demais questões que por lei lhes sejam atribuídas; recursos das decisões das
autoridades administrativas em processos de contraordenação nos domínios laboral e da segurança social.
38
Os candidatos admitidos, obrigatórios e voluntários, tinham de prestar provas
escritas e provas orais.
Prestadas estas provas, com aproveitamento, o ingresso na magistratura
judicial era direto, sem qualquer formação inicial dirigida às funções a desempenhar.
A única formação então exigida era a resultante de um trajeto judiciário
temporalmente significativo.
O citado DL. 714/75, de 20 de dezembro, inserido num conjunto de reformas
decorrentes da Revolução de Abril de 74, manifestou essencialmente a necessidade
de reformulação do sistema de ingresso nas Magistraturas Judicial e do Ministério
Público, introduzindo estágios na formação de magistrados como sistema de
recrutamento.
Depois de uma longa tradição de ingresso mediante concursos de feição
teórica e académica, a lei determinava agora que o ingresso nas magistraturas se
fizesse mediante um estágio, com a duração de uma ano, e com duas fases: uma de
formação inicial e outra de formação complementar. Mantinha-se contudo a condição
da magistratura do Ministério Público como magistratura vestibular da Magistratura
Judicial. O recrutamento continuava a fazer-se entre delegados do Procurador da
República, incluídos na primeira metade da lista de antiguidade com a classificação de
serviço de pelo menos “Bom” ou entre advogados com mais de 10 anos de serviço
contínuo.
Assim, para os juízes a formação profissional inicial tinha como patamar a
referida experiência profissional exigível para o recrutamento. A segunda fase de
formação realizava-se nas comarcas de Lisboa e Porto, e depois também em Coimbra
e Évora.
Os estagiários eram distribuídos, pelos juízos cíveis e criminais e pelo Tribunal
Tutelar Central de Menores e orientados pelo magistrado formador titular do
respetivo juízo. A formação era coordenada por um Grupo Orientador de Estágio
(GOE), existente nas comarcas onde decorriam os estágios.
39
Face à experiência recolhida e perante as dificuldades conjunturais de
preenchimento de quadros, em março de 77 a base de recrutamento de magistrados
judiciais foi alargada com o DL. 102/77, de 21 de março, e passaram a poder aceder à
carreira da magistratura judicial os conservadores e notários com o mínimo de 10
anos de atividade, sem que excedessem 1/5 do número total dos estagiários.
Porque a Constituição de 1976 já consagrava então um estatuto próprio para o
Ministério Público (art. 224º, nº2) e já consagrava a unidade da magistratura judicial
com estatuto próprio (art. 220º)25, deu-se início aos trabalhos preparatórios para um
novo diploma já articulado com as opções realizadas no âmbito da reforma judiciária.
Aprovados entretanto os estatutos do Ministério Público e dos magistrados
judiciais, ambos previram de imediato (arts. 106º e 41º, respetivamente), que os
cursos e estágios de formação para magistrados decorressem no Centro de Estudos
Judiciários em moldes “a definir pela lei que criar e estruturar o referido Centro”,
referindo expressamente o Estatuto do Ministério Público que “a magistratura do
Ministério Público era paralela à magistratura judicial e dela independente”.
Na concretização daquele desígnio, o DL. 374-A/79, de 10 de setembro, vem
criar o Centro de Estudos Judiciários e atribuir a este competência para recrutar e
formar magistrados judiciais e do Ministério Público, regulando logo os respetivos
termos.
Tal decreto-lei atribuía ao Centro de Estudos Judiciários a função da formação
profissional de magistrados judiciais e de magistrados do Ministério Público,
especificando o art. 25º daquele diploma que aquela formação compreendia as
atividades de formação inicial, de formação complementar e de formação
permanente.
25 Estatutos que tiveram consagração com a Lei 39/78, de 5 de julho, que aprovou o Estatuto do Ministério Público, e
com a Lei 85/77, de 13 de dezembro, que aprovou o Estatuto dos Magistrados Judiciais.
40
Os candidatos admitidos ao Centro de Estudos Judiciários, com o estatuto de
auditores de justiça, iniciavam a sua formação com um período de atividades teórico-
práticas, a decorrer no Centro, durante 10 meses.
Findo este período, os auditores frequentavam um estágio de iniciação junto
dos tribunais, também durante 10 meses, mas já diferenciado consoante se tratassem
de candidatos à magistratura judicial ou à do Ministério Público.
Salvaguardando ainda a formação separada das magistraturas Judicial e do
Ministério Público junto dos tribunais, seguiram-se o DL. 146-A/84, de 9 de Maio, e o
DL. 395/93, de 24 de novembro.
A este modelo sucedeu a formação consignada na Lei 16/98, de 8 de
abril,26sob a égide de que o auditor de justiça devia fazer uma opção conscienciosa da
magistratura por que queria enveredar e, revogando todos os diplomas que lhe
antecederam e que atrás citámos, fazia a apologia da formação conjunta das duas
magistraturas.
Assim, nos termos do seu art. 30º, a formação inicial compreendia apenas uma
fase teórico-prática, à qual se lhe seguia uma fase de estágio, com a duração de 10
meses, em que todos os auditores experienciavam junto dos tribunais a função de
magistrado judicial e a função de magistrado do Ministério Público.
No fim daquela fase os auditores faziam então a sua opção pela magistratura
por que queriam enveredar, sujeitando-se ao número de vagas existente para cada
uma das magistraturas.
Outra inovação daquela lei de formação de magistrados dizia respeito ao
recrutamento. A nova lei, para além dos requisitos habituais - licenciatura em direito,
cidadania portuguesa e demais requisitos para ingresso na função pública -, exigia
que o candidato, na altura de abertura do concurso, possuísse a licenciatura em
direito há pelo menos dois anos.
26 Revogada pela Lei n.º 2/2008, de 14 de janeiro, a qual regula atualmente o funcionamento e a atividade do Centro
de Estudos Judiciários com as alterações já introduzidas pela Lei n.º 60/2011, de 28 de novembro, e pela Lei n.º 45/2013, de 3
de julho.
41
Exercemos funções no Centro de Estudos Judiciários na vigência da Lei 16/98,
de 8 de abril, e concluímos que a mesma se mostrava inadequada à nossa realidade
judiciária por possuir uma carga teórica no 1º ciclo da fase teórico-prática,
desajustada à realidade social e, sobretudo, aos casos com que os magistrados se
confrontavam nos tribunais.
Digamos que a grande incongruência daquele sistema de formação de
magistrados residia no facto de haver uma formação conjunta de auditores quando as
magistraturas judiciais e do Ministério Público eram paralelas e independentes entre
si, sendo as respetivas funções nos tribunais completamente independentes.27
2.2.1 – As ações de formação e os seus objetivos
O sistema de formação de magistrados regulado pela Lei 16/98, de 8 de Abril,
previa ainda a formação complementar e a formação permanente de magistrados
(arts. 74º a 79º).
A formação complementar decorria nos dois anos subsequentes à colocação
definitiva dos magistrados, após a sua fase de estágio, e era obrigatória para os seus
destinatários.
Visava esta formação, o intercâmbio das experiências individuais dos
magistrados numa perspetiva de valorização profissional; a reflexão sobre os dados
recolhidos da prática judiciária, com vista a uma melhor definição, aperfeiçoamento e
harmonização de critérios no exercício da função; e o estudo de áreas especializadas
do direito (art. 74º).
27 A Lei 2/2008, de 14 de janeiro, veio repor o momento da opção da magistratura pelo candidato no início do curso,
dispondo o art. 29º: 1 — Os candidatos habilitados para a frequência do curso de formação para as magistraturas nos tribunais judiciais declaram
por escrito a sua opção pela magistratura judicial ou pela magistratura do Ministério Público, no prazo de cinco dias a contar da publicitação dos
candidatos habilitados. 2 — As opções manifestadas nos termos do número anterior são consideradas por ordem de graduação, tendo em conta: a) O
conjunto de vagas a preencher quer na magistratura judicial quer na magistratura do Ministério Público; (…)
42
A formação permanente, com caracter facultativo, visava promover a
atualização da informação jurídica dos magistrados e o debate de novas
problemáticas da vida judiciária (art. 76º).
Com os objetivos assim delineados cabia-nos a nós, como coordenadora
nacional dos estágios para a magistratura judicial e dando continuidade à formação
dos novos juízes, apercebermo-nos das dificuldades que aqueles sentiram na sua
primeira colocação e programarmos ações de formação que de algum forma
suprissem as dificuldades encontradas.
Com efeito, só com a abordagem de realidades diariamente vividas nos
tribunais, era (é) possível na formação complementar atingir as efetivas dificuldades
dos jovens magistrados em exercício de funções, dando-lhes respostas, quiçá,
soluções para as suas dúvidas.
Para isso solicitávamos aos diretores delegações regionais28 que junto das
comarcas de ingresso se apercebessem dos questões mais prementes que os novos
magistrados enfrentavam e, com base nesse levantamento, organizávamos as
respetivas ações de formação complementar.
E na prossecução deste objetivo, as matérias a tratar situavam-se
essencialmente em torno da jurisdição cível e da jurisdição penal, por constituírem
estas o maior fardo dos nossos tribunais, sobretudo nos tribunais de competência
genérica onde estavam colocados os magistrados destinatários desta formação.
28 Nos termos do art. 25.º da Lei 16/98, de 8 de abril, os auditores de justiça juntos dos tribunais eram ainda
acompanhados pelos diretores que representavam o Centro de Estudos Judiciários em cada distrito judicial (delegação regional),
os quais tinham a seguinte competência:
a) Colaborar com o diretor na elaboração dos planos de formação inicial junto dos tribunais;
b) Orientar e acompanhar, na área do respetivo distrito judicial, a execução dos planos de formação inicial junto dos
tribunais;
c) Organizar e dirigir, no âmbito da formação inicial junto dos tribunais, seminários, colóquios e ciclos de estudos;
d) Apoiar as ações de formação complementar e de formação permanente;
e) Prestar informação periódica sobre o aproveitamento dos auditores de justiça ao diretor do CEJ e sobre o
aproveitamento dos magistrados em estágio aos Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público;
f) Exercer as demais funções que lhes sejam atribuídas pelo diretor do CEJ.
43
Encontrando-se o jovem magistrado inserido numa vivência social instável,
caracterizada por uma constante mudança de valores e pela afirmação de novos
quadros mentais, tornava-se necessário que a formação complementar passasse
ainda por apelo à sua responsabilidade e por uma reflexão crítica sobre si, nas
relações consigo mesmo e com os outros, apurando-se, do mesmo passo, o seu
sentido de julgamento.
Assim organizámos várias ações, com tratamento das seguintes matérias:
Acão de Formação Complementar para o XVIII Curso Normal de
Formação, com o tema “O Poder Judicial e a Sociedade; Juízes e
Julgamentos – reflexão sobre a elaboração da sentença”
Acão de Formação Complementar para o XVII Curso Normal de
Formação, com o tema “A Celeridade Processual; A forma como o
legislador a consagrou; Reflexões sobre a morosidade da decisão: a
qualidade ou a quantidade”.
Acão de Formação Complementar para o XVIII Curso Normal de
Formação, com o tema atrás referido, que abordava questões, na altura,
de grande dificuldade para os Magistrados Judiciais em início de
carreira.
Acão de Formação Complementar para o XIX Curso Normal de
Formação, nos dias 22 e 23 de Abril de 2004, em Peniche, com o tema
“O Regulamento nº 1206/2001 do Conselho da Europa, de 28 de Maio
de 2001, relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados Membros
no domínio da obtenção das provas em matéria civil e comercial; A
reforma da Acão Executiva; Da aplicação das medidas de coação: dos
princípios à prática”.
44
Em todas as ações fizemos um inquérito de satisfação, não só para aferirmos
os níveis de interesse mas também para futuramente podermos apurar os temas mais
acolhidos pela formação.29
A formação permanente, visando a promoção e a atualização da informação
jurídica dos magistrados e o debate de novas problemáticas da vida judiciária era
organizada e coordenada pelo Centro de Estudos Judiciários, sendo que o respetivo
plano das atividades era precedida da audição dos Conselhos Superiores da
Magistratura e do Ministério Público.
A formação permanente, à semelhança da maioria dos países europeus, era
aberta à participação de outros profissionais não magistrados, contudo ela visava
essencialmente a formação e atualização dos magistrados.
Não sendo a nossa área dentro do Centro de Estudos Judiciários, fomos
incumbidos de organizar uma destas ações, a seguinte:
Ação de Formação Permanente, com o tema “A documentação da prova,
transcrição e reapreciação da matéria de facto”, organizando, frente a
frente, duas mesas de debate, compostas respetivamente por Juízes da
1ª instância e Juízes Desembargadores, a fim de que fossem
denunciadas por ambas as “instâncias” as questões com que se debatem
na documentação/transcrição e reapreciação da prova para efeito de
recurso.
Esta ação foi para nós muito gratificante pela eficácia que a rodeou.
Os oradores pertencentes à 2ª Instância selecionaram os procedimentos que
eram mais correntes em cada uma das instâncias e que consideravam não ser de
seguir e, os oradores da 1ª instância levaram consigo um conjunto de questões para
29 Anexo I.
45
colocarem à 2ª instância de forma a poderem futuramente harmonizar a condução
dos julgamentos e a documentação da prova.
Foi uma ação muito dinâmica e que incentivou a intervenção de todos os
presentes.
Como Diretora Adjunta do Centro de Estudos Judiciários para a fase teórico-
prática a decorrer nos tribunais junto da magistratura judicial, tivemos intervenção
na
Ação de Formação Permanente do Centro de Estudos Judiciários, em
colaboração com a Ordem dos Advogados, no Funchal, onde
apresentámos o tema “A reforma da ação executiva introduzida pelo
DL. 38/2003, de 8 de Março”.30
2.2.2 – A formação externa a outros operadores judiciários
Em representação do Centro de Estudos Judiciários, fizemos parte do Conselho
de Formação do Centro de Formação dos Oficiais de Justiça.
E no âmbito do Protocolo de Colaboração na Formação dos Oficiais da
Guarda Nacional Republicana, estabelecido entre o Centro de Estudos Judiciários e
aquela força militarizada, no ano letivo de 2002 - 2003, aceitámos dar formação à
Guarda Nacional Republicana sobre “As medidas de coação e de garantia
patrimonial”.
Tratou-se de uma formação de um semestre, com um cunho essencialmente
prático e informativo de modo que os seus recetores tivessem a noção de conjunto na
lei processual penal portuguesa, bem como a sua aplicabilidade à prática.
Neste sentido organizámos um “Power Point” para esquematizar as medidas
de coação e de garantia patrimonial, tratando cada quadro com casos que passaram
30 Anexo II.
46
pela nossa experiencia profissional para que melhor interiorizassem a aplicabilidade
das mesmas, assim como a sua razão de ser.31
Ao mesmo tempo organizámos um caderno, que distribuímos por todos, em
que situávamos no Código de Processo Penal as medidas de coação e de garantia
patrimonial e a sua aplicabilidade.
Foi um curso muito interativo com a colocação de dúvidas e que se mostrou de
grande interesse por parte dos intervenientes.
Ainda no âmbito da colaboração do Centro de Estudos Judiciários com o
exterior, tínhamos intervenção em ações e conferências organizadas pela Ordem dos
Advogados, com quem o Centro de Estudos Judiciários mantinha um protocolo, para a
colaboração na abordagem das constantes novas alterações legislativas.32
Enquanto exercemos funções no Centro de Estudos Judiciários representámos
aquele centro de formação de magistrados em ações na Faculdade de Direito da
Universidade Clássica de Lisboa, que a Associação de Estudantes daquela Faculdade
levava a efeito quando, no final de cada curso, promovia ações sobre “Carreiras e
Saídas Profissionais” onde, ao lado da carreira de magistrado, figuravam as carreias
de notariado e registos; diplomática e de advocacia.
Nestas ações focávamos essencialmente quatro itens:
- A magistratura em geral, consagração constitucional e a sua inserção na
sociedade;
- A caracterização da magistratura Judicial e da magistratura do
Ministério Público; independência e funções nos tribunais
- Como se processava o acesso àquelas magistraturas e respetivas
formações:
31 Anexo III.
32 Cfr. A título de exemplo, a já referida ação sobre “A reforma da ação executiva introduzida pelo DL. 38/2003 de 8 de
Março” que teve lugar no Funchal.
47
- E, finalmente relatávamos experiências vividas no âmbito da função
jurisdicional.
Cremos que estas intervenções foram bastante uteis para os pré e recém
licenciados, não só pelo entusiasmo que nos evidenciavam através das questões que
nos colocavam como ainda pela constatação das muitas candidaturas que mais tarde
tínhamos daqueles interlocutores.
2.2.3 – A formação na cooperação com os Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa
A Lei n.º 16/98, de 08 de abril, previa logo no seu art. 3 º que 1 - Ao CEJ pode
ainda ser atribuída a formação profissional de magistrados e candidatos à
magistratura de países estrangeiros, designadamente de expressão oficial portuguesa. 2
- As modalidades de ingresso e frequência relativas aos magistrados e candidatos à
magistratura de países estrangeiros serão definidas nos acordos de cooperação técnica
em matéria judiciária celebrados com os respetivos países.
Na prossecução desta atribuição todos os cursos de magistrados tinham uma
quota para formandos dos PALOP, os quais regressavam ao seu país de origem logo
que terminassem a fase de estágio nos tribunais.
No âmbito dos protocolos celebrados, havia ainda ações de formação naqueles
países em que o Centro de Estudos Judiciários tinha uma posição determinante na
apresentação dos temas mais prementes que então eram solicitados.
Alguns Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa tinham entretanto
encetado a formação de magistrados no seu país33, mas esta circunstância ainda não
lhes permitia fazê-lo sem um intercâmbio com Portugal para a formação dos seus
futuros magistrados.
33 Como Angola, Moçambique, Cabo Verde e Timor.
48
Dentro desta cooperação foi-nos proposto uma deslocação a Maputo para a
execução de um Seminário de duas semanas no Centro de Formação Jurídica e
Judiciária de Moçambique, no âmbito do Curso de formação Inicial para ingresso na
carreira de magistrado judicial e do Ministério Público.
Para aquele projeto deslocámo-nos com um magistrado do Ministério Publico
(Procurador da Republica e também Diretor Adjunto do Centro de Estudos Judiciários
para a magistratura do Ministério Publico) sendo da nossa responsabilidade as áreas
de direito civil e de processo civil e responsabilidade do colega do Ministério Público
as áreas de direito penal de processo penal.
Encontrámos formandos com suficiente apetrechamento técnico que, com
alguma facilidade acompanharam o programa que previamente elaborámos, de
acordo com o que nos fora solicitado pela direção da escola,34já que o tema do
seminário era “Seminário de formação sobre técnicas de interrogatório e produção de
prova, fundamentação das decisões e elaboração de sentenças e despachos nas
jurisdições civil e penal”.
Na nossa exposição associámos a teoria à prática, estabelecendo uma
calendarização dos temas que introduzimos com ajuda de um “Power Point”.
Levámos um processo declarativo fotocopiado para melhor representarmos a
tramitação processual e os seus eventuais incidentes.
O tempo programado para a apresentação do seminário, atenta a extensão dos
temas a tratar, mostrou-se muito exíguo, situação que abordámos no relatório final do
seminário.
Nesta estadia em Moçambique, mais propriamente em Maputo, tivemos ainda
participação em sessões de trabalho35 com magistrados em exercício de funções que
nos colocaram questões específicas sobre processos que tinham em mãos.
34 Anexo IV.
35 Cujo programa executado juntamos também no Anexo III.
49
2.3 – A INSPEÇÃO JUDICIAL E OS SEUS OBJETIVOS
Os Serviços de Inspeção são constituídos por inspetores judiciais e secretários
de inspeção. Compete aos serviços de inspeção facultar ao Conselho Superior da
Magistratura o perfeito conhecimento do estado, necessidades e deficiências dos
serviços, a fim de o habilitar a tomar as providências ou a propor ao Ministro da
Justiça as medidas que dependem da intervenção do Governo.
Complementarmente, os serviços de inspeção destinam-se a colher
informações sobre o serviço e o mérito dos Juízes.
Podemos assim sintetizar os serviços de inspeção em duas vertentes: a) Aos
tribunais; e b) Ao serviço dos juízes, com vista à avaliação do respetivo mérito.
A primeira vertente consubstancia-se em facultar ao Conselho Superior da
Magistratura, a solicitação deste, o conhecimento rápido e atualizado do estado dos
serviços nos tribunais, designadamente quanto à organização, preenchimento,
adequação e eficiência dos quadros, movimento processual real, produtividade e
níveis de distribuição das cargas de serviço.36
A segunda vertente constitui o principal desempenho da Inspeção Judicial,
para o qual o Conselho Superior da Magistratura regulamentou um diploma, o
Regulamento das Inspeções Judiciais37, para que os procedimentos dos inspetores
tivessem um alinhamento uniforme e sem prejuízo para os inspecionados.
O Regulamento das Inspeções Judiciais (art. 13º) salvaguardando um critério
uniforme de avaliação a todos os desempenhos, estabeleceu que a apreciação a fazer
ao desempenho dos juízes terá de assentar em fatores previamente definidos que, não
sendo taxativos, são apoiados em três grandes vertentes: i) capacidades humanas; ii)
adaptação ao serviço; e iii) preparação técnica.
36 Juntamos, a título de exemplo, um parecer que elaborámos sobre o tribunal de família e menores de Loures – Anexo
V.
37 Aprovado pela deliberação n.º55/2003, do Conselho Superior da Magistratura - D.R. n.º 12, II Série, de 15.01.2003,
atualmente já revogado pelo Conselho Superior da Magistratura, na sua reunião plenária de 13 de novembro de 2012, que
deliberou aprovar um novo Regulamento das Inspeções Judiciais.
50
Sendo importante realçar que nesta apreciação técnica a independência dos
juízes fica totalmente salvaguardada.
2.3.1 – A avaliação dos magistrados38
Sabemos que qualquer desempenho só é suscetível de ser avaliado se
comportar uma expressão minimamente objetivada ou pelo menos objetivável, muito
embora abranja, em regra, também elementos de carácter qualitativo e
comportamental.
Com efeito o Regulamento das Inspeções Judiciais, logo no seu art. 1º, alerta
que os serviços de inspeção não podem interferir com a independência dos juízes,
nomeadamente pronunciando-se quanto ao mérito substancial das decisões judiciais.
Esta independência, de consagração constitucional e estatutária (arts. 203º da
CRP e 4º do EMJ) impõe-se desde logo porque ao Conselho Superior da Magistratura
está vedada qualquer interferência no ato de julgar, já que este só por via de recurso é
sindicável e o Conselho Superior da Magistratura sendo um órgão de disciplina e de
gestão dos juízes está-lhe completamente vedada aquela interferência.
Contudo, verificando a inspeção que no seu desempenho o magistrado
necessita de implementar medidas que conduzam a uma melhoria dos serviços, deve
facultar-lhe todos os elementos (advertências) para uma reflexão quanto à correção
dos procedimentos anteriormente adotados.
Exercemos a função de inspetora judicial entre 13-3-2009 e 27-11-2013.
Durante este período, para além aferirmos a valência técnica dos juízes na
elaboração das suas peças processuais, estivemos sempre atentos aos procedimentos
38 Até à publicação da Lei 143/99, de 31 de agosto, apenas os juízes da 1ª Instancia eram sujeitos a inspeção. A partir
da entrada em vigor do referido diploma os juízes dos Tribunais de 2ª Instância ou das Relações passaram a poder ser inspecionados e classificados. O Conselho Superior da Magistratura, por sua incitativa própria, pode determinar a inspeção aos juízes das Relações e, a requerimento fundamentado dos desembargadores interessados, pode determinar a inspeção ao serviço dos mesmos que previsivelmente sejam concorrentes necessários ao acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (art. 37-A do Estatuto dos Magistrados Judiciais). De qualquer modo tais inspeções, sendo feitas por juízes conselheiros, seguem os parâmetros que referimos para os juízes da 1ª Instancia, ou seja, com as necessárias adaptações o disposto nos arts. 33º a 35º e 37º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
51
e práticas da gestão processual dos processos, vertente que pode multiplicar
desnecessariamente o trabalho dos funcionários e deles próprios, magistrados,
ocupando um tempo que poderia ser dirigido à movimentação de outros processos.
E neste âmbito apercebemo-nos como foi pernicioso para os tribunais o DL.
184/2000, de 10 de agosto,39 ao abrigo do qual a marcação das audiências de
discussão e julgamento não podia ser feita com uma antecedência superior a três
meses.
Este diploma considerando que uma das principais causas do entorpecimento
processual residia no facto de as audiências de julgamento serem marcadas com uma
antecedência de meses e até de anos, suscitando não só uma falta de confiança na
justiça, mas ainda uma indisponibilidade da agenda do tribunal, retirando-lhe a
flexibilidade necessária para eventuais adiamentos, veio regular o agendamento nos
referidos termos.
Só que a prática foi-nos mostrando que a aplicação daquele diploma em nada
contribuiu para o desentorpecimento processual. Antes, em nosso entender, teve um
efeito absolutamente perverso.
Encontrámos tribunais em que os processos aguardavam oportunidade de
marcação de julgamento de 2 e 3 anos, com despachos do Juiz a mandar concluí-los de
6 em 6 meses para marcar julgamento, sem que a sua agenda possuísse, no momento,
a disponibilidade aconselhada para o marcar (!), sendo certo que com o constante
aumento da entrada de processos em tribunal e da necessidade de efetuar diligências
noutros processos, nunca as agendas arranjariam “timing” para marcar os
julgamentos com uma antecedência máxima de 3 meses.
Aconselhámos sempre os inspecionados agendar os processos prontos para
julgamento ainda que alguns destes agendamentos, devido à necessidade de
continuação de outras audiências, viessem a ser transferidos para outra data.
39 Que só veio a ser revogado pela Lei nº 41/2013, de 26-06-2013.
52
Incentivámos sempre que não levassem a efeito procedimentos que
contribuíssem para a quebra da celeridade processual, como sejam os adiamentos de
tentativas de conciliação que à data eram marcadas ao abrigo do art. 509º do Código
de Processo Civil e o adiamento de audiências preliminares se às mesmas faltassem
um dos intervenientes, advogado ou parte. Evitarem adiar por mais que uma vez a
audiência de julgamento em processo comum ordinário e sumário, contrariando o
disposto no nº3 do art. 651 do Código de Processo Civil40, ou simplesmente adiar os
julgamentos das ações sumaríssimas e das AECOPEC (ações especiais para
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos), inobservando,
respetivamente, os arts. 796º, nº2, do Código de Processo Civil e 4º, nº2, do DL.
269/98, de 1 de setembro. E evitarem ordenar em sucessivos despachos o que seria
possível fazer num único despacho.
Quando era pedida pelas partes a suspensão da instância ao abrigo do art.
289º do Código de Processo Civil, o despacho que deferia o pedido devia designar
logo a nova data para a diligência que não se concretizou ou que iria ser agendada.
Também nunca nos pareceu correto que quando as partes pediam a suspensão
da instância por um determinado período, passado o mesmo, o juiz mandasse
aguardar o processo ao abrigo do art. 285 do Código de Processo Civil.
Com efeito se às partes cabia o impulso processual, cumpria ao juiz
providenciar pelo andamento do processo, promovendo oficiosamente as diligências
necessárias ao normal prosseguimento da ação, nos termos consignados no art. 265º
do Código de Processo Civil.
Nas ações com formas processuais simplificadas não se podia descuidar a
leitura imediata da matéria de facto provada após a produção de prova em audiência
de julgamento, devendo ditar-se a sentença para a ata.41
40 Antes da alteração introduzida pela Lei 41/2013 de 26 de junho. Aliás a nossa intervenção como inspetora
judicial teve o seu trajeto na vigência do Código de Processo Civil velho.
41 Cfr. Ações sumaríssimas e AECOPEC (ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de
contratos – DL 269/98, de 1 de Setembro) no cível; e processos sumários e abreviados no crime.
53
No crime nunca caírem na tentação de ler as sentenças por apontamento.
Para além de o Código de Processo Penal o não permitir, tal atuação era causa
de procedimento disciplinar por violação culposa dos deveres de zelo e de
administração da justiça [art.3º, nºs 2, als. a) e e), 3 e 7 do “Estatuto Disciplinar Dos
Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas”, anexo à Lei 58/2008, de 9 de
setembro, preceito aplicável “ex vi” dos arts. 32º e 131º da Lei nº 21/85, de 30 de
julho], se se descuidar o depósito da respetiva sentença.
Deixámos sempre claro que a inspeção não passa apenas pela apreciação
negativa ou positiva aos juízes inspecionados, mas que ela desempenha também um
carácter pedagógico, na transmissão de boas práticas que pode elevar
acentuadamente a celeridade processual.
Os juízes de direito são classificados em inspeção ordinária, a primeira vez
decorrido um ano sobre a sua permanência de exercício efetivo e, posteriormente,
com uma periodicidade, em regra, de 4 anos.
A inspeção ao serviço dos juízes e a avaliação do seu mérito é consubstanciada
numa notação proposta pelo inspetor ao Conselho Superior da Magistratura, que se
situa entre o Medíocre e o Muito Bom.
Os critérios a considerar para estas valorações, para além do que já
assinalámos, têm ainda em conta o modo como os juízes de direito desempenham a
função, o volume e dificuldades do serviço a seu cargo, as condições do trabalho
prestado, a preparação técnica, a categoria intelectual, os trabalhos jurídicos
publicados, a idoneidade cívica, o tempo de serviço, os resultados das inspeções
anteriores, os processos disciplinares e quaisquer outros elementos complementares
que constem do respetivo processo individual.
Após a inspeção o inspetor elabora um relatório com a proposta da notação
classificativa ao Conselho Superior da Magistratura, sendo que a mesma deve ser
concreta e situar-se de entre uma das mencionadas.
54
2.3.2 – A responsabilidade disciplinar dos magistrados
Os juízes independentemente da dignidade da sua função e de
estatutariamente gozarem de Independência42, de irresponsabilidade43 e de
inamovibilidade44, estão sujeitos a responsabilidade civil, criminal e disciplinar nos
casos especialmente previstos na lei.
Quer a Constituição da República Portuguesa, quer o Estatuto dos Magistrados
Judiciais proclamam a irresponsabilidade dos Juízes pelas suas decisões, ressalvando
porém as exceções consignadas na lei.
Dispõe o art. 5º do EMJ: 1 - Os magistrados judiciais não podem ser
responsabilizados pelas suas decisões. 2 - Só nos casos especialmente previstos na lei os
magistrados judiciais podem ser sujeitos, em razão do exercício das suas funções, a
responsabilidade civil, criminal ou disciplinar. 3 - Fora dos casos em que a falta
constitua crime, a responsabilidade civil apenas pode ser efetivada mediante ação de
regresso do Estado contra o respetivo magistrado, com fundamento em dolo ou culpa
grave.
Porém, neste “item”, apenas abordaremos a responsabilidade disciplinar dos
juízes, por a sua apreciação ser da competência do CSM através dos seus inspetores
judiciais, como passaremos a expor.45
Nos termos do art. 82º do EMJ, “Constituem infração disciplinar os factos, ainda
que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos
42 Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções,
salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores
(art. 4º do EMJ).
43 Os magistrados judiciais não podem ser responsabilizados pelas suas decisões (art. 5º do EMJ).
44 Os magistrados judiciais são nomeados vitaliciamente, não podendo ser transferidos, suspensos, promovidos,
aposentados, demitidos ou por qualquer forma mudados de situação senão nos casos previstos no seu estatuto (art. 6º do EMJ). 45 Com efeito o Conselho Superior da Magistratura é o órgão do Estado a quem estão constitucionalmente atribuídas as
competências de nomeação, colocação, transferência e promoção dos Juízes dos Tribunais Judiciais e o exercício da ação
disciplinar, sendo, simultaneamente, um órgão de salvaguarda institucional dos Juízes e da sua independência (arts. 217º e 218º
da CRP).
55
deveres profissionais e os atos ou omissões da sua vida pública ou que nela se
repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções”.
Trata-se de um conceito amplo, que abrange toda a ação ou omissão violadora
dos deveres da função ou incompatível com os interesses públicos, que a função
jurisdicional tem o dever de acautelar.
O processo disciplinar é o meio de efetivar a responsabilidade disciplinar46.
As inspeções judiciais sejam elas ordinárias ou extraordinárias não têm
finalidades disciplinares, nem constituem uma forma de exercício de ação disciplinar
sobre os juízes. Contudo, a inspeção judicial pode ter efeitos disciplinares diretos no
juiz em causa se concluir pela notação de Medíocre – art. 34º, nº2, do EMJ e art. 16º,
nº5, do RIJ.
Na verdade, sendo possível ser aplicado ao magistrado com a notação de
medíocre as penas de aposentação compulsiva ou de demissão devido à sua inaptidão
profissional, só por via de um processo disciplinar aquelas são aplicáveis [art. 95º, nº
1, al. c)], do EMJ.
Porém o procedimento inicial é o inquérito e só se se verificar a necessidade
de aplicação das referidas penas é que o inquérito é convertido em processo
disciplinar.
Compreende-se que assim seja uma vez que a atribuição de Medíocre equivale
ao reconhecimento de que o juiz teve um desempenho aquém do satisfatório, isto é,
negativo, o que não equivale necessariamente a inaptidão profissional, até porque
esse desempenho negativo pode ter incidido sobre determinados parâmetros que o
juiz pode vir a melhorar com o tempo, devendo, por isso, ser-lhe dado, em certos
casos, uma segunda oportunidade.
Para além dos deveres que vêm consignados no Estatuto dos Magistrados
Judiciais, os magistrados judiciais estão sujeitos aos deveres gerais dos funcionários e
agentes da administração central, regional e local, por aplicação subsidiária do
46 Os magistrados judiciais são disciplinarmente responsáveis nos termos dos artigos seguintes (art. 81º do EMJ).
56
Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, nos termos
das disposições conjugadas dos arts. 32º e 131º do EMJ.47
Para ilustrar a nossa intervenção no âmbito da responsabilidade dos
magistrados, anexamos uma decisão disciplinar por nós proferida e apresentada ao
Conselho Superior da Magistratura para ponderação.48
47 À data em que exercemos funções a Lei 58/2008, de 9 de Setembro, atualmente revogada pela Lei n.º 35/2014, de
20 de junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
48 Anexo VI.
57
3. – MESTRADO EM DIREITO DAS CRIANÇAS, FAMÍLIA E SUCESSÕES
Tendo sido nossa opção para, em alternativa à dissertação, apresentar um
relatório detalhado sobre a nossa atividade profissional, não quisemos terminar o
relatório proposto sem nos debruçar, em particular, sobre um tema diretamente
ligado ao mestrado que escolhemos fazer.
Trata-se do “Exercício das Responsabilidades Parentais”, matéria já muito
trabalhada e teorizada por juristas, psicólogos e pedopsiquiatras (…), mas que não
obstante nos surpreende sempre pela singularidade das situações que traz à colação e
para as quais nunca encontramos medidas padrão.
Não é nossa intenção inovar ou criar uma teoria sobre o muito que já foi dito,
tanto mais que, como referimos no nosso Projeto de Relatório, a nossa atividade
profissional não nos permite um dispêndio de tempo adequado à prossecução de um
trabalho de pesquisa, apreciação e estudo, que uma dissertação temática exige, bem
como à teorização de uma posição pessoal sobre a mesma.
Assim, valendo-nos mais uma vez a nossa da experiência profissional,
tencionamos nesta parte emitir a nossa opinião sobre a questão da parentalidade e
ilustrar a nossa exposição com a análise de três acórdãos que estudaram situações
bastante recorrentes nos tribunais da relação.
3.1 – O EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Até à publicação da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, a regulação do exercício
do poder paternal incluía a determinação do destino dos filhos e eventuais direitos de
visita, bem como a fixação dos alimentos devidos àqueles e a forma de os prestar.
Os pais podiam decidir estas questões por acordo mútuo ou recorrendo ao
tribunal.
58
Com a Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, foram introduzidas importantes
alterações às regras que estabelecem o exercício das responsabilidades parentais dos
filhos menores em caso de dissociação familiar.
Com o referido diploma legal, que entrou em vigor no dia 1 de dezembro de
2008, o exercício do poder paternal, na forma em que se tornou conhecido por toda a
sociedade civil e comunidade jurídica – quer em termos legais, quer doutrinários,
quer sobretudo a nível jurisprudencial – sofreu profundas alterações, podendo dizer-
se que o novo modelo veio criar uma rutura em relação àquele que vigorava e que foi
gerador, durante décadas, da jurisprudência que conhecemos nos Tribunais
Portugueses em todas as instâncias. Entre as alterações introduzidas salienta-se o
desaparecimento da noção tradicional do “poder paternal”.
Uma das grandes alterações consistiu na substituição da expressão “poder
paternal” por “responsabilidades parentais”,49 em consonância com a ideia de que
aquela expressão se mostrava pouco adequada a refletir a realidade jurídica
subjacente e a exprimir, com rigor, a natureza e conteúdo dos direitos e deveres
inerentes designadamente:
a) a criança como sujeito de direitos;
b) a criança como titular de uma autonomia progressiva, reconhecida em
função do desenvolvimento das suas capacidades, da sua idade e da sua maturidade
(artigos 5.º, 12.º e 14.º, n.º 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança);
c) a funcionalidade dos poderes que integram as responsabilidades parentais;
d) a vinculação do seu exercício ao interesse do menor;
e) a igualdade de direitos e de deveres de ambos os pais relativamente à
pessoa e ao património dos filhos menores;
49 Termo que já havia sido adotado, direta ou implicitamente, pela Recomendação nº R (84) 4 sobre Responsabilidades
Parentais do Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de fevereiro de 1984. Consultável na Internet,
https://rm.coe.int/CoERMPublicCommonSearchServices/DisplayDCTMContent?documentId=09000016804de2e4 (15-4-2016)
59
f) a corresponsabilidade de ambos os pais pela sua educação, desenvolvimento
e bem estar.
Esta abrangência do conceito de responsabilidades parentais é fortemente
inspirado no conceito resultante da Recomendação n.º R (84) 4, sobre as
Responsabilidades Parentais, de 28 de fevereiro de 1984, aprovada pelo Comité de
Ministros do Conselho da Europa, que considera como mais rigorosa e mais adequada
a uma evolução da realidade social e jurídica dos Estados Europeus a noção de
“responsabilidades parentais”, definindo-as como “o conjunto dos poderes e deveres
destinados a assegurar o bem-estar moral e material do filho, designadamente tomando
conta da sua pessoa, mantendo relações pessoais com ele, assegurando a sua educação,
o seu sustento, a sua representação legal e a administração dos seus bens”. Noção que
traduz melhor a ideia de que os pais, em pé de igualdade e em concertação com o filho
menor, se encontram investidos de uma missão de prossecução dos interesses deste,
sendo ambos responsáveis e implicados pelo seu bem-estar e, exercendo, para tanto,
poderes legalmente conferidos.
Também a Convenção sobre os Direitos da Criança adotada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990,
consagrou o princípio de que ambos os pais têm uma responsabilidade comum na
educação e no desenvolvimento da criança e de que constitui sua responsabilidade
prioritária a educação e o bem-estar global da criança (artigos 18.º, n.º 1 e 27.º, n.º 2),
utilizando a expressão “responsabilidades parentais” a propósito da titularidade e
exercício dos poderes-deveres que integram o poder paternal (artigos 1.º, n.º 3, 2.º,
alínea b), 4.º, n.º 1, e 6.º, alínea a), da Convenção).
Como se pode ler no Preâmbulo da Convenção, “ a família, elemento natural e
fundamental da sociedade, e meio natural para o crescimento e bem estar de todos os
membros, e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência
necessárias para desempenhar o seu papel na comunidade”. Aliás só após Convenção se
60
verificou uma transformação profunda a nível universal,50para as questões da
infância, já que aquela tornava os Estados que nela são Partes juridicamente
responsáveis pela concretização dos direitos da criança que a mesma consagra e por
todas as ações que adotem em relação às crianças.
Ora a Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, surge assim na prossecução daquele
desígnio procurando dar um maior enfoque à natureza funcional das
responsabilidades parentais, identificando melhor a realidade plural que integra o
seu exercício e a sua titularidade e centrando a atenção naqueles cujos direitos se
querem salvaguardar e que são as crianças, nas relações entre ambos os pais e os
filhos menores, de forma a facilitar a identificação de uma união parental diferenciada
da união conjugal ou da união marital.
A necessidade da manutenção de tal união parental após a eventual dissolução
da união conjugal torna-se com este novo diploma o paradigma da responsabilidade
parental, já que a realização do interesse da criança parece estar essencialmente
relacionada com a observância de dois princípios fundamentais:
a) o desenvolvimento harmónico da criança depende necessariamente
de ambos os progenitores, não podendo nenhum deles substituir a
função que ao outro cabe;
b) as relações paterno-filiais situam-se a um nível diferenciado do das
relações conjugais ou maritais.
Para tal a Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, pretendeu também implementar
uma política mais atual e de maior responsabilidade em relação à família, ou seja, teve
em vista uma família participativa e baseada em conceitos de igualdade e de
colaboração.
A decisão sobre os atos da vida corrente ficará a cargo do progenitor com
quem o menor resida ou com quem se encontre temporariamente por respeito pela
50 A Convenção sobre os Direitos da Criança foi ratificada por 194 países. Portugal ratificou-a em 1990, publicada no
Diário da República, I Serie, nº211, de 21 de setembro, de 1990.
61
estabilidade do filho, mas a liberdade de decisão do progenitor não residente fica
condicionada às orientações educativas mais relevantes, tal como se encontram
definidas pelo progenitor com quem a criança reside e a que se habituou (art. 1906.º,
n.º 3, do Código Civil).
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância
para a vida do filho passaram a ser exercidas em comum por ambos os
progenitores51, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos
progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informação ao outro logo que
possível (art. 1906.º, n.º 1, do Código Civil). Só o tribunal, através de decisão
fundamentada, pode determinar que as responsabilidades parentais sejam exercidas
apenas por um dos progenitores quando o exercício conjunto - estabelecido como o
regime regra - for julgado contrário aos interesses da criança (n.º 2 do mesmo artigo).
Abandonando o conceito de “guarda da criança”, adotou-se a ideia de
residência do filho, valorizando-se na determinação da residência do filho (ou seja,
com quem fica a viver e não em que local geográfico exato vai ele ou ela viver) a
disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações
habituais do filho com o outro progenitor (art. 1906, nº5, do Código Civil).
Com a Reforma de 201552 as fontes substantivas e adjetivas do instituto das
Responsabilidades Parentais em Portugal, na parte que nos propusemos abordar, são:
A Constituição da República Portuguesa – artigos 13º, 26º, nº1, 36º, nºs
5 e 6, 67º, 68º, 69º e 70º.
Convenção sobre os Direitos da Criança – artigos 9º, 18º e 27º.
51 Com esta alteração, pretende-se dinamizar o relacionamento das crianças com o progenitor com quem não residem
e comprometer este com a vida do filho, tomando parte ativa na mesma. Procuram-se ainda evitar como referem HELENA
BOLIEIRO e PAULO GUERRA, A Criança e a Família - Uma Questão de Direito (s), pg. 186 -187, que “os efeitos perversos da guarda
única, nomeadamente pela tendência de maior afastamento dos pais homens do exercício das suas responsabilidades parentais e
correlativa fragilização do relacionamento afetivo com os seus filhos”. 52 A publicação das Leis n.ºs 141/2015, 142/2015 e 143/2015, no dia 8 de setembro, que veio reformar a Legislação
atinente ao Direito das Crianças e Jovens em Portugal.
62
Recomendação nº R (84) 4 sobre as responsabilidades parentais, do
Comité de Ministros do Conselho da Europa.
Código Civil –
artigos 1877º a 1884º / Princípios Gerais
artigos 1885º a 1887º-A / Responsabilidades parentais
relativamente à pessoa dos filhos
artigos 1888º a 1900º / Responsabilidades parentais
relativamente aos bens dos filhos
artigos 1901º a 1912º / Exercício das responsabilidades
parentais
Regime Geral do Processo Tutelar Cível –
artigos 3º, als. c), d), f), h) e l); 4º, nº1, al. c), e nº2; 5º; 6º,
als. c), h) e l); 9º, 10º e 11º / Disposições Gerais
artigos 34º, nº1, 35º a 40º, 43º e 44º / Regulação das
responsabilidades parentais
artigos 45º a 47º / Alimentos devidos a criança
Código de Processo Civil – artigos 986º a 988º
3.2 – VERTENTES A OBSERVAR NA FIXAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES
PARENTAIS
“À supremacia de interesse da criança e à sua natureza de conceito indeterminado
a ser preenchido pelo juiz, corresponde, no plano processual, o princípio de que o processo de
regulação é um processo de jurisdição voluntária o que significa que não há, nele, um conflito de
interesses a compor, mas só um interesse a regular, embora possa haver um conflito de opiniões ou
representações acerca do mesmo interesse.”53
53MARIA CLARA SOTTOMAYOR, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio, 2014,
6.ª edição, Almedina, pg. 28 (refere MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.
72).
63
Com a reforma de 1977 operada pelo DL. 496/77, de 25 de novembro, e até à
alteração legal operada pela Lei 61/2008, de 31 de outubro, as três vertentes
essenciais da regulação do exercício do poder paternal, casuisticamente
concretizadas, eram constituídas:
Pela atribuição da guarda do filho – destino e exercício do poder
paternal – a um dos progenitores ou, excecionalmente, a terceira pessoa
ou instituição;
Pela fixação de um regime de visitas relativamente ao progenitor ao
qual não fosse atribuída a guarda;
Pela fixação de alimentos a prestar pelo progenitor “não guardião”.
A atribuição da guarda implicava, por um lado, determinar o destino do filho
(fixando a sua residência) e, por outro lado, regular o respetivo exercício do poder
paternal, os quais englobava os poderes-deveres de direção, educação e vigilância,
abrangendo todos os atributos do poder paternal. Havia como que uma vinculação
automática entre a guarda e o exercício do poder paternal que implicava que o
progenitor não guardião perdesse todos os atributos essenciais do poder paternal.
Com a alteração introduzida pela Lei 61/2008, de 31 de outubro, os arts.
1905º e 1906º do Código Civil afastaram o conceito de “guarda” nos termos referidos,
autonomizando, por um lado a residência do filho e, por outro lado, o exercício das
responsabilidades parentais.
O legislador, ao suprimir o conceito de guarda, autonomizou, definitivamente,
as duas realidades: uma coisa é fixar a residência do filho com um dos progenitores
ou, alternadamente, com ambos; outra coisa é determinar a quem cabe as
responsabilidades parentais, sendo certo que se optou pelo regime regra do exercício
em comum de tais responsabilidades.
Assim o exercício das responsabilidades parentais:
1. Incumbe a ambos os progenitores:
64
a. Se forem casados entre si – arts. 1091º e 1902º do Código Civil;
b. se viverem em situação análoga à dos cônjuges – art. 1911º nº1 do
Código Civil;
c. Se for homologado, em tribunal ou na conservatória do registo civil,
conforme os casos, um acordo que estabeleça um exercício conjuntos
das responsabilidades parentais – art. 1906º, nº1, do Código Civil;
d. Se for estabelecido pelo tribunal um regime de exercício conjunto das
responsabilidades parentais – arts. 1906º, nº1, e 1909 º do Código Civil.
2. Incumbe ao progenitor com quem o filho reside habitualmente e a quem for
confiado, nas circunstâncias excecionais do nº2 do art. 1906º do Código Civil:
a. Se os pais estiverem divorciados, separados judicialmente de pessoas e
bens ou separados de facto;
b. Se os pais tiverem vivido em situação análoga à dos cônjuges e se
encontrarem separados;
c. Se o casamento for declarado nulo ou anulado – arts. 1905º, 1906º,
1909º e 1911º, nº2, do Código Civil.
3. Incumbe ao progenitor relativamente ao qual a filiação se achar estabelecida –
art. 1910º do Código Civil.
4. Incumbe a um dos progenitores se o outro estiver ausente, incapaz ou
impedido pelo tribunal – art. 1903º -, ou tiver falecido – art. 1904º, ambos do
Código Civil.
5. Situação particular dos pais não casados e não conviventes entre si em
condições análogas às dos cônjuges – art. 1912º do Código Civil.
6. Incumbe a terceira pessoa – arts. 1907º e 1908º do Código Civil.
Todas estas incumbências são depois ajustadas tendo em conta a disposição do
art. 1906º do Código Civil.
Assim, a determinação da residência implica, necessariamente, e à semelhança
do que sucedia com a atribuição da guarda, um juízo acerca das capacidades e demais
condições do progenitor que passará a ter o filho a residir consigo, porquanto a
65
convivência e os cuidados diários com aquele são os que exigem uma maior
disponibilidade e capacidade por parte do respetivo progenitor.
E embora a respetiva concretização, conforme sucedia para a fixação da
guarda, seja deixada à doutrina e à jurisprudência, o legislador, mantendo como
“pedra toque” o interesse do menor, que a lei erigia como critério único da regulação,
deu um passo importante no que concerne a esta matéria ao indicar expressamente
no nº5 do art. 1906º do Código Civil, ainda que a título meramente exemplificativo,
dois novos aspetos a considerar pelo tribunal: i) o eventual acordo dos pais; ii) a
disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do
filho com o outro.
Quanto ao direito de visitas, o art. 1905º, nº3, do Código Civil, anterior à
revisão da Lei 84/95 de 31 de agosto, determinava e exigia o estabelecimento de um
regime de visitas ao progenitor sem guarda. Esta alteração legislativa eliminou o nº3
do referido art. 1905º, limitando-se a substituir aquela “exigência” pela referência ao
interesse da criança em manter relações de grande proximidade com o progenitor a
quem não é confiada – nº1, in fine, daquela disposição legal.
O legislador de 2008 atento à importância para o menor do estabelecimento e
manutenção de laços afetivos com ambos os progenitores, veio incentivá-los,
colocando/continuando o interesse do menor a ser determinante neste domínio.
Hoje há que relevar, neste domínio, a disposição do nº7 do art. 1906º do
Código Civil que dispõe: - O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor,
incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e
aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com
ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Qualquer decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais terá que
se nortear pelo interesse do menor, que é a parte mais fraca e em formação.
E no regime de visitas assim é.
66
O art. 180, nº2, da OTM impunha a necessidade de se fixar em sentença um
regime de visitas, a não ser que excecionalmente o interesse da criança o
desaconselhasse; e o atual RGPTC, aprovado pela Lei 141/2015, de 8 de setembro, no
seu art. 40 nº2, mantém a mesma imposição.
Antes da revisão de 2008, o direito de visitas não conferia ao seu titular
qualquer poder de decisão, o progenitor não guardião só tinha o poder de controlar
as decisões tomadas ou a tomar pelo guardião, não podendo agir diretamente.
O novo regime veio trazer ao progenitor não residente a possibilidade/direito
de tomar decisões da vida corrente do filho quando o mesmo se encontre com ele
temporariamente, devendo contudo observar as orientações educativas definidas
pelo guardião – cfr. art. 1906º, nº3, do Código Civil.
O progenitor que não exerce os direitos inerentes às responsabilidades
parentais sobre os atos da vida corrente do filho não deixa de ser titular das mesmas,
sendo sua obrigação fiscalizar e vigiar a vivência do mesmo – cfr. art. 1906º, nº6, do
Código Civil.
Com efeito dá-se ao progenitor sem guarda o poder alojar a criança durante
alguns dias em sua casa, usualmente aos fins de semana, de passar com o filho parte
das férias do mesmo e estar com ele em determinados dias festivos.54 Ficando
também claro que as questões de gestão quotidiana serão da competência do
progenitor com quem o menor se encontre e não apenas do progenitor com quem
resida.
Note-se que no exercício conjunto das responsabilidades parentais não
existem visitas “stricto sensu”, gozando ambos os pais do direito de livremente se
relacionarem com o filho. Contudo, como só um dos pais tem a guarda física do filho
(com quem reside), há sempre conveniência marcar algum tempo de convívio com o
outro para criar apenas alguma segurança na criança sobre a sua rotina no convívio
com os seus progenitores.
54 Situação que já se verificava antes da reforma de 2008, mas sem que o progenitor não guardião pudesse exercer
qualquer poder paternal ou, como hoje acontece, tomar decisões sobre a vida corrente do menor naquele período ou visita.
67
A lei deixou de regular de forma precisa o direito a visita, deixando a sua
regulação aos progenitores cordatos e ao tribunal, ponderadas as vicissitudes da
situação em concreto, sem descuidar a audição da criança.
Esta audição, com a Lei 141/2015, de 8 de setembro,55 e com a Lei 137/2015,
de 7 de setembro,56 tornou-se um direito da criança.
O art. 5º do RGPTC, sob a epígrafe “Audição da criança” veio expressamente
regular no seu nº 1 que “A criança tem direito a ser ouvida, sendo a sua opinião tida em
consideração pelas autoridades judiciárias na determinação do seu superior interesse.” E o art. 4º,
nº1, al. c), do mesmo diploma legal veio apontar como princípio orientador dos
processos tutelares cíveis a “audição e participação da criança – a criança, com capacidade de
compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre
ouvida sobre decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica
ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da
sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.”
Este direito da criança já havia sido estabelecido pela Convenção Europeia
sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, adotada em Estrasburgo em 25 de janeiro
de 1996, mas que apenas entrou em vigor no nosso ordenamento jurídico em 1 de
julho de 2014, por força da sua aprovação através da Resolução da Assembleia da
República n.º 7/2014, de 27 de janeiro, ratificada pelo Decreto do Presidente da
Republica nº3/2014 na mesma data.57
E naquele instrumento, no Capítulo II – B, “O Papel das autoridades Judiciais”,
lê-se no art. 6º, sob a epígrafe, “O processo de tomada de decisão”, o seguinte:
Nos processos que digam respeito a uma criança, a autoridade judicial antes de tomar uma
decisão deverá:
55 Que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
56 Que aditou o art. 1904º-A ao Código Civil. 57 Nos termos do art. 8º, nº2, da CRP “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou
aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado
Português.”
68
a) Verificar se dispõe de informação suficiente para tomar uma decisão no superior
interesse da criança e, se necessário, obter mais informações, nomeadamente junto dos
titulares de responsabilidades parentais;
b) Caso à luz do direito interno se considere que a criança tem discernimento suficiente:
- Assegurar que a criança recebeu toda a informação relevante;
- Consultar pessoalmente a criança nos casos apropriados, se necessário em privado,
diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, numa forma adequada à
capacidade de discernimento da criança, a menos que tal seja manifestamente contrário ao
interesse superior da criança;
- Permitir que a criança exprima a sua opinião;
c) Ter devidamente em conta as opiniões expressas pela criança.
Resulta da transcrita norma como pressuposto necessário da audição da
criança o discernimento suficiente e depois, verificado este, a realização vinculada
dessa audição em todos os processos que lhe digam respeito.
Esta audição, nos termos propostos, poderá ser direta ou indireta, através de
outras pessoas ou entidades.
Na sequência desta norma europeia, o art. 5º do RGPTC veio regular os termos
da audição da criança nos processos que lhe digam respeito, dando-lhe força de
obrigatoriedade.
Tal norma, salvaguardando o seu nº1, só traz inovação no que respeita às
regras da tomada de declarações que, em nossa opinião, poderão contribuir,
significantemente, para a inibição da criança.
Com efeito, sendo já um procedimento corrente dos juízes dos tribunais de
família e menores, ao abrigo dos seus poderes discricionários e da discricionariedade
dos processos relativos a menores, ouvir o menor quando o mesmo evidenciava
discernimento e maturidade para tal, todas recomendações ora “instituídas” eram já
postas em prática, mercê de uma sensibilidade, experiência e formação que os
magistrados possuem para os processos desta natureza.
69
Já as regras a que deve obedecer as declarações prestadas pelo menor/criança,
olhamos as mesmas como um quadro inibidor da espontaneidade que se pretende
obter daquela.
Por um lado o nº4, al. a), do art. 5º da RGPTC recomenda: “A audição da criança
respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições
adequadas para o efeito, designadamente: a) A não sujeição da criança a espaço ou ambiente
intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais”; e depois o
nº7 do mesmo artigo vem estipular que “A tomada de declarações obedece às seguintes
regras: a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a
garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser
assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu
acompanhamento, previamente designado para o efeito; b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o
Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais; c) As declarações da criança são
gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos
idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem
disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a
natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem; ambiente que pela sua
formalidade e seriedade coloca a criança em estado de inibição para se expressar.
Vejamos, durante a audição, a criança é colocada perante um microfone para
que as suas declarações sejam gravadas; vai ter à sua volta uma técnica especializada,
o juiz, o procurador adjunto do Ministério Público, o advogado da mãe, o advogado do
pai e, eventualmente, um advogado seu; e todas estas pessoas irão fazer-lhe
perguntas. Questionamo-nos onde poderá ficar a descontração da criança, por muito
discernimento que possua e por muito coloridas que sejam as paredes do gabinete,
para responder espontaneamente e sem medo de beliscar a reputação dos
progenitores perante tamanho coletivo.
As questões que colocamos, até pela experiencia que possuímos, podem-se
verificar não apenas em crianças de 6 e 7 anos como nas de 10 e 12 anos. Nestas
aquela perceção de exposição, sem reserva da sua vontade ou opinião, é ainda mais
70
lucida e da sua audição podem resultar consequências perversas devido a um
discurso que pode ser fantasiado e trabalhado para minorar a imagem do conflito
entre os seus progenitores.
A assessoria técnica a que o art. 4º do RGPTC dá tanta enfase, e a que todo o
diploma apela, nomeadamente a citada norma do art. 7º, al. a), vem, ao que parece,
dar execução à referida audição indireta sugerida pelo art. 6º da Convenção Europeia
sobre o Exercício dos Direitos das Crianças.
Dispõe o art. 20º do RGPTC:
1 - As secções de família e menores são assessoradas por equipas técnicas
multidisciplinares, funcionando, de preferência, junto daquelas.
2 - Compete às equipas técnicas multidisciplinares apoiar a instrução dos processos
tutelares cíveis e seus incidentes, apoiar as crianças que intervenham nos processos e acompanhar
a execução das decisões, nos termos previstos no RGPTC.
3 – (…)
4 – (…)
5 - Sempre que possível e adequado, a assessoria técnica prestada ao tribunal
relativamente a cada criança e respetiva família é assumida pelo mesmo técnico com a função de
gestor de processo, inclusive no que respeita a processos de promoção e proteção.
E dispõem, respetivamente, os arts. 23º e 24 do mesmo diploma legal:
1 - O juiz pode, a todo o tempo e sempre que o considere necessário, determinar audição
técnica especializada, com vista à obtenção de consensos entre as partes.
2 - A audição técnica especializada em matéria de conflito parental consiste na audição das
partes, tendo em vista a avaliação diagnóstica das competências parentais e a aferição da
disponibilidade daquelas para um acordo, designadamente em matéria de regulação do exercício
das responsabilidades parentais, que melhor salvaguarde o interesse da criança.
3 - A audição técnica especializada inclui a prestação de informação centrada na gestão do
conflito.
1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, designadamente
em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, oficiosamente com o
71
consentimento dos interessados ou a requerimento destes, pode o juiz determinar a intervenção de
serviços públicos ou privados de mediação.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, compete ao juiz informar os interessados
sobre a existência e os objetivos dos serviços de mediação familiar.
3 - O juiz homologa o acordo obtido por via de mediação se este satisfizer o interesse da
criança. Resulta claramente das transcritas normas, como novidade na instrução dos processos
relativos a menores, o recurso “obrigatório” à audição técnica especializada e à mediação.
Encaramos esta assessoria como um sinal de modernidade, útil ao processo,
não só pelo seu papel informativo sobre a relação parental e o seu contributo para a
harmonização de vontades, mas sobretudo pela interpretação especializada sobre os
comportamentos em análise, com vista à ponderação para efeitos de decisão final
(art. 40º do RGPTC).
Consideramos é que esta interação no processo o vai tornar mais demorado,
tendo em conta que a abordagem destas equipas multidisciplinares junto das famílias
irão causar nelas anticorpos com alguma regularidade, e consequentemente falta de
colaboração dos progenitores, levando a que os processos perdurem nos tribunais
sem chegarem a um termo atempado e eficaz.58
Certo que uma das tarefas do Estado consiste na administração da justiça,
prevendo o art. 202º, nº4, da CRP que “A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de
composição não jurisdicional de conflitos”.
Aliás a mediação familiar introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei
133/99, de 28 de agosto, e que aditou à OTM o art. 147-D, foi a primeira e expressiva
intervenção do Estado na criação de um instituto nos referidos moldes
constitucionais.
Na mencionada disposição legal, previa o legislador a possibilidade de o juiz,
em qualquer estado da causa e sempre que o entendesse conveniente,
58 Com efeito os prazos a que aludem os arts. 38º, al. a), e 41º, nº7, do RGPTC, podem, em nosso entender, ser
prorrogados tendo em conta que estamos na presença de processos de jurisdição voluntária e estará sempre ao alcance do juiz,
mediante fundamentação, autorizar aquela liberalidade (art. 12).
72
designadamente em processo de regulação do exercício do poder paternal,
oficiosamente, com o consentimento dos interessados, ou a requerimento destes,
poder determinar a intervenção de serviços públicos ou privados de mediação.
Assim a mediação, como meio extra judicial e informal de resolução dos
conflitos parentais, tinha por objetivo estimular a cooperação entre as partes
apresentando-se como um processo mais humano do que o sistema judicial, com Juiz,
e advogado vestidos das suas vestes institucionais.
A nossa experiência tem-nos levado a concluir que a sociedade em geral, no
âmbito dos conflitos parentais (e até conjugais), não possui ainda grande abertura
para a introdução de uma terceira pessoa na resolução de um conflito que
reivindicam como pessoal, sendo que muitas vezes a conotam como defensora da
outra parte, criando-se um clima de desconfiança.
E esta relutância nos países em que o recurso à mediação é obrigatório59 tem-
se mostrado com alguma evidencia, tendo sido a mediação obrigatória interpretada
como uma intromissão do Estado na vida privada dos cidadãos, que não têm outra
escolha senão submeterem-se a uma mediação que não querem, funcionando aquela
como um obstáculo à liberdade de poderem recorrer, em primeira mão, aos tribunais.
Encaramos por isso com algumas reservas as normas dos arts. 23º, 24º e 38º
do RGPTC ao concederem a possibilidade do juiz de, a todo o tempo e sempre que
considere necessário, determinar a audição técnica especializada, com vista à
obtenção de consensos entre as partes; e quando, em conferência e na falta de acordo
dos pais, poder remeter os mesmos para a mediação.
Muito embora tal recurso seja antecedido do consentimento dos visados, até
sob o ponto de vista prático vemos com alguma dificuldade a eficácia dessa
intervenção técnica. A possibilidade de articulação dos encontros dos progenitores
com a assessora técnica/mediação, tendo em conta que normalmente aqueles
trabalham e não podem faltar ao serviço, uma, duas e mais vezes, para se reunirem,
59 Como por exemplo nos EUA.
73
irá levar a que o prazo de suspensão do processo (art. 38º do RGPTC) se esgote sem
os resultados previstos. Sendo que findo o prazo de suspensão dos autos sem que
haja o “desejado” acordo, o processo segue termos (art. 39, nºs 3 e segs, do RGPTC)
com o mesmo processualismo que ocorria no âmbito da OTM (arts. 178º a 180º), mas
agora com uma perda de tempo considerável e um desgaste maior entre os
intervenientes.
Constitui um direito/dever constitucional dos pais a educação e a manutenção
dos filhos – art. 36º, nº5, da CRP – e, no interesse destes, compete aos pais, de acordo
com o disposto no art. 1878º nº1 do Código Civil, velar pela segurança e saúde destes,
prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar
os seus bens.
Integra o núcleo de deveres das responsabilidades parentais, o dever dos pais
proverem ao sustento dos filhos e de assumirem as despesas relativas à sua
segurança, saúde e educação. Este dever, conforme o disposto no art. art. 1879º do
Código Civil, só termina quando os filhos estejam em condições de suportar pelo
produto do seu trabalho ou outros rendimentos os referidos encargos.
Porém, se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho
não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se
refere o citado artigo, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu
cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se
complete (art. 1880º do Código Civil).
A Lei 122/2015, de 1 de setembro, veio trazer um indicador sobre o tempo
“razoável” para o prolongamento daquele dever por parte dos progenitores, ao dar a
seguinte redação ao art. 1905º, nº2, do Código Civil: “Para efeitos do disposto no artigo
1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos
de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de
educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente
74
interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da
irrazoabilidade da sua exigência.”
Dispõe o art. 2003º do Código Civil60:
1. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário.
2. Os alimentos compreendem também a instrução e educação do alimentado no caso de
este ser menor.
Como se retira da transcrita disposição legal, a expressão “Alimentos” usada
pela lei abrange, em sentido amplo, tudo aquilo que é indispensável ao sustento, à
habitação, vestuário, instrução e educação da criança.
O que está em causa é satisfação das necessidades do alimentando, não apenas
as básicas, cuja realização é indispensável para a sobrevivência deste, mas de tudo o
que a criança precisa para usufruir de uma vida conforme as suas aptidões, estado de
saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e
emocional.
O princípio 1 da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4 refere, alem
do mais que, as responsabilidades parentais são definíveis como o conjunto de
poderes e deveres destinados a assegurar o bem estar material do filho
designadamente assegurando o seu sustento; e a Convenção sobre os Direitos da
Criança adianta no seu art. 27º, nº1, que cabe principalmente aos pais a
responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades
económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança.
Na fixação de alimentos deverá então o tribunal tomar em consideração por
um lado as necessidades do alimentando e, pelo outro, as possibilidades do obrigado
a alimentos (art. 2004, nº1, do Código Civil).
Tanto os pais, na procura de um acordo do montante a suportar pelo
progenitor não guardião, como o tribunal, na falta de acordo, deverão procurar, na
medida do possível, a manutenção do nível de vida do menor, na tentativa de
60 Norma que se mantém desde a sua versão original (DL n.º 47344/66, de 25/11).
75
minimizar os efeitos decorrentes da separação dos pais, na tentativa de não
destabilizar o equilíbrio psicológico do menor.
Neste acordo ou decisão, a prestação alimentar, sendo devida por ambos os
progenitores, não tem necessariamente de ser idêntica. A medida da contribuição
dependerá dos rendimentos de cada um, interessando, acima de tudo, a manutenção
do bem estar do menor após a separação dos pais.
Estes princípios norteadores para a fixação do regime de alimentos a filhos
menores, não têm sofrido alteração. As reformas de 2008 e de 2015 não introduziram
alterações às normas do Código Civil que dispunham sobre a fixação e medida de
alimentos. Mas ao reforçarem, em termos globais o sentido do superior interesse da
criança, há também, nesta sede, que colocar acima dos outros interesses materiais
alegados pelos seus progenitores, aquele superior interesse.
3.3 – TRÊS CASOS APRECIADOS PELA JURISPRUDÊNCIA
Consciente de que as vertentes a observar na fixação do exercício das
responsabilidades parentais, recaindo embora sobre os três pontos abordados, têm
na prática uma multiplicidade de situações a considerar, resolvemos trazer à colação
três acórdãos que tratam, em particular, das situações mais correntes nos tribunais,
mas que nem sempre têm merecido o mesmo tratamento.
O primeiro decide sobre a cobrança das prestações alimentares em dívida e em
que medida deve ser feito o desconto no vencimento do progenitor faltoso; o segundo
aborda a conveniência da guarda partilhada, numa situação específica, na regulação
do exercício das responsabilidades parentais; e o terceiro aprecia a homologação de
um acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, em que não foi prevista
qualquer obrigação de prestação de alimentos pelo progenitor com o qual o menor
não residia.
São situações que ainda não nos foram colocadas no Tribunal da Relação de
Évora e que por isso decidimos emitir a nossa posição nesta sede.
76
3.3.1 - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1-2-2016, Proc. nº
897/15.0T8VNG-C.P161
Em 09 de fevereiro de 2015, com referência ao processo nº 897/15.0T8VNG,
pendente na Instância Central de Vila Nova de Gaia, Secção de Família e Menores, J3,
B… veio requerer a fixação da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia
de Alimentos Devidos a Menores, a favor de seu filho C…, em virtude de D…, mãe de
C…, nunca ter prestado a prestação alimentar no montante de cem euros que está
obrigada a pagar desde março de 2003.
Após a liquidação dos montantes em dívida por parte da progenitora do menor
C…, esta foi notificada para os termos do nº 2, do artigo 181º da Organização Tutelar
de Menores, solicitando-se informações sobre a atual situação do requerente e da
requerida junto da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.
Na sequência de promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, em 28
de maio de 2015, foi julgado procedente o incidente de incumprimento das
responsabilidades parentais, no que respeita a alimentos, fixando-se em € 16.750,04
o montante em dívida referente às prestações de alimentos devida ao menor C…, a
cargo de D… e correspondente às prestações de alimentos vencidas e não pagas desde
março de 2003 até abril de 2015.
Em 08 de outubro de 2015, proferiu-se o seguinte despacho: “Como bem
assinala o Exmº Magistrado do Ministério Público a fls. 64, do teor da informação de fls.
53 decorre que, face ao valor mensal do vencimento auferido pela
progenitora/obrigada a alimentos (€ 252,50) e tendo em conta o limite legal de
impenhorabilidade estipulado no nº 4 do art. 738º do C.P.C., não se mostra viável o
recurso ao mecanismo coercitivo previsto no art. 48º do RGPTC, para assegurar o
pagamento das pensões de alimentos vincendas e devidas ao menor C….”
Deste despacho recorreu o requerente (B).
61 Disponível em www.dgsi.pt. (15-4-2016) e corporizado no Anexo VII.
77
O Tribunal da Relação do Porto sumariou a questão a apreciar nos seguintes
termos:
- Se deve proceder-se ao desconto do vencimento da progenitora de C… para
pagamento da prestação alimentar devida a este, com salvaguarda do montante
correspondente à totalidade da pensão social do regime não contributivo.
E, a final, concluiu:
I - Não constando do artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível a
existência de qualquer limite legal aos descontos para satisfação de prestações
alimentares a menores, por uma razão de coerência normativa e a fim de não
pôr em causa a própria realização do crédito alimentar, entendemos que são no
caso em apreço aplicáveis os limites previstos no artigo 738º do Código de
Processo Civil.
II - Não obstante a amplitude da remissão legal constante do nº 4, do artigo 738º
do Código de Processo Civil, atenta a sua razão de ser e a necessidade de
concordância prática dos direitos em confronto – o direito a alimentos do credor
de alimentos, de um lado e o direito à própria subsistência do devedor de
alimentos, de outro lado –, afigura-se-nos que o nº 2, do artigo em apreço é
também aplicável à obrigação de alimentos satisfeita, total ou parcialmente
mediante descontos no vencimento.
“Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da
Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação
interposto por B… e, em consequência, em revogam a decisão recorrida proferida a 08
de Outubro de 2015 e ordenam a notificação da entidade patronal de D… para proceder
ao desconto da importância de € 23,19, mensalmente, entregando-o diretamente ao
recorrente, na qualidade de representante legal do menor C…, notificação a efetivar no
tribunal recorrido”.
Trouxemos este acórdão à colação para uma abordagem prática da efetivação
da prestação de alimentos.
78
O art. 48º, nº1, al. c), do RGPTC repete sem qualquer alteração a al. c), nº1, do
art. 189 da OTM, revogada pela Lei 141/2015, de 8 de setembro, e a norma na sua
globalidade volta a não estabelecer qualquer limite legal aos descontos para
satisfação de prestações alimentares a menores, mostrando-se com toda a atualidade
o Acórdão nº 394/2014, de 7 de maio de 2014, do Tribunal Constitucional,62 que
proferiu a seguinte decisão: “Julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 189.º,
n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico da Organização Tutelar de Menores, aprovado pelo
Decreto -Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, de acordo com a redação conferida pela Lei
n.º 32/2003, de 22 de agosto, quando interpretada no sentido de não se ter em
consideração qualquer base mínima da pensão social que possa ser afetada ao
pagamento da prestação de alimentos a filho menor, na medida em que prive o
obrigado à prestação de alimentos do mínimo indispensável à sua sobrevivência, por
violação do princípio da dignidade da pessoa humana, tal como previsto no artigo 1.º da
Constituição da República Portuguesa”.
Especificamente sobre a questão em apreço, o Tribunal Constitucional também
já fez notar que quando estão em causa obrigações alimentares, o direito do filho
menor em assegurar uma “existência condiga” pode pôr em causa o “direito
fundamental a uma existência condigna” do progenitor (…). Ou seja, os direitos do
filho menor podem entrar em colisão com os direitos fundamentais do progenitor.
Assim, «o princípio da essencial dignidade da pessoa humana impõe que tenha
de ser salvaguardado relativamente a todas as pessoas envolvidas, procurando-se a
concordância prática dos respetivos direitos» ”.63
No caso em apreço apurou-se que a mãe do menor aufere um vencimento
mensal de € 252,50, recebendo, em espécie, subsídio de alimentação no montante
global de € 42,80 e descontando, a título de taxa social única, o valor de € 27,78.
O acórdão em apreço tendo em conta o limiar mínimo imposto pelo nº4 do art.
738º do Código de Processo Civil - impenhorável a quantia equivalente à totalidade
62 Disponível em www.dgsi.pt. (15-4-2016).
63 Cfr. Acórdão n.º 306/2005 do Tribunal Constitucional, em www.dgsi.pt (15-4-2016)
79
da pensão social da pensão social do regime não contributivo – e ponderando a
disposição do nº2 do mesmo artigo, considerou, a título de desconto, a taxa social
única no valor de € 27,78, encontrando o vencimento líquido de € 224,72.
E comparando este vencimento com a pensão social do regime não
contributivo do ano de 2015 no montante de € 201,53 (artigo 7º, nº 1, da Portaria nº
286-A/2014, de 31 de Dezembro), encontrou um excedente de € 23,19, valor que
fixou como prestação dedutível para efeitos de amortização das prestações vencidas.
Foi efetivamente uma decisão modelar perante a previsão do nº4 da do art.
738 do Código de Processo Civil que estabelece um limiar para a manutenção de uma
sobrevivência condigna do progenitor faltoso.
Com efeito a interpretação literal da norma do art. 48 do RGPTC (à semelhança
do que já acontecia com a norma do art. 189 da OTM), se não nos socorrermos das
referidas normas processuais, pode levar à violação de um dos direito fundamentais
conflituantes, o “direito fundamental a uma existência condigna” do progenitor
faltoso.
A afetação do “direito fundamental a uma existência condigna” do filho menor
não deve apresentar-se desproporcionado ao “direito fundamental a uma existência
condigna” do seu progenitor.
Para acautelar este direito de igualdade de pai e filho a uma existência
condigna (art. 13, nº1, da CRP) o Estado criou um mecanismo para assegurar ao
menor as prestações a título de alimentos - o Fundo de Garantia de Alimentos
Devidos a Menores -, quando progenitor obrigado o não pode fazer por carecer de
condições económicas.
Aliás já o Acórdão n.º 306/2005 do Tribunal Constitucional havia reafirmado
que «o “direito fundamental a uma existência condigna”, de que o filho menor beneficia,
se encontra suficientemente garantido pelo mecanismo do Fundo de Garantia de
Alimentos Devidos a Menores, criado pela Lei n.º 75/98, de 19 de novembro e
regulamentada pelo Decreto –Lei n.º 164/99, de 13 de maio, que assegura o pagamento,
em substituição do progenitor incumbido do dever de prestação de alimentos
80
inadimplente, de quem não foi possível obter a prestação através dos meios previstos no
artigo 189.º do Regime Jurídico da Organização Tutelar de Menores, ainda que esse
montante possa não coincidir, integralmente, com o da prestação em falta.»
Nesta conformidade, não cabendo ao FGADM suportar as prestações
vencidas64, na execução daquelas prestações pelo progenitor guardião, o “direito
fundamental a uma existência condigna” do progenitor faltoso não deve também ser
posto em crise, privando-o daquele mínimo que a lei lhe estabeleceu para a sua
sobrevivência, só porque o RGPTC, mais propriamente o art. 48º, não estabeleceu
qualquer limite legal aos descontos para satisfação de prestações alimentares a
menores.
3.3.2 - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-6-2012, Proc.
nº 33/12.4TBBRR.L1-8.65
O Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores da comarca do
Barreiro instaurou a presente ação de Regulação do Exercício das Responsabilidades
Parentais, em representação da menor identificada nos autos, de 2 anos de idade,
contra seus pais.
No âmbito do referido processo os pais da menor vieram a estabelecer o
seguinte acordo sobre a regulação do exercício das responsabilidades parentais, o
qual foi homologado por sentença:
a) A menor, C…, fica a residir junto do pai e da mãe, com quem passará uma
semana alternadamente, uma vez que os pais vivem perto um do outro e a menor tem
um grande relacionamento de proximidade com ambos, sendo as responsabilidades
64 Conforme Assento nº 12/2009 do Supremo Tribunal de Justiça, «A obrigação de prestação de alimentos a menor,
assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos
artigos 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, e 2.º e 4.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, só nasce com a
decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respetiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao
da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.»
65 Disponível em www.dgsi.pt (15-4-2016) e corporizado no Anexo VII.
81
parentais, nas questões de particular importância, exercidas por ambos os progenitores
– art. 1906º, nº 1, do CC, com as alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008, de 31 de
Outubro;
b) Esse regime terá início de imediato, sendo que na semana de 20/02/2012 em
diante pertence à mãe e a seguinte ao pai e assim sucessivamente;
c) Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos
progenitores, uma vez que a menor reside com ambos;
d) Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos
progenitores, uma vez que a menor reside com ambos.
O Ministério Publico junto daquele tribunal recorreu da sentença
essencialmente com os seguintes fundamentos:
(…)
6. Da formulação legal respeitante à regulação das responsabilidades parentais
a lei mostra que atualmente, como antes, o legislador não quis permitir aquilo que é
vulgarmente designado por “guarda alternada”, ou seja, o facto de a criança viver com
cada um dos progenitores durante um período de tempo idêntico.
7. Atribuir duas residências ao menor, uma em cada um dos pais, tornaria a
aplicação do disposto no nº 3 do art. 1906º do CC impraticável.
8. Ao redigir o novo texto do art. 1906º do CC, o legislador da Lei nº 61/2008,
de 31 de Outubro, não admitiu a possibilidade da referida “guarda alternada”, antes
tendo em mente a tradicional “guarda única ou singular”.
9. A atual fórmula legal respeitante à regulação das responsabilidades
parentais por parte dos pais que vivem separados ou estão divorciados não admite
que à criança seja fixada mais que uma residência.
10. A não entender assim e ao homologar um acordo de regulação do exercício
das responsabilidades parentais onde se prevê que a residência do menor seja
atribuída a ambos os progenitores, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts.
1878º, 1901º, 1906º e 1911º, todos do CC.
82
O Tribunal da Relação de Lisboa confirmando a decisão recorrida, expendeu as
seguintes conclusões:
1) A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que introduziu a última reforma ao
Código Civil em matéria de Direito da Família, ficou comummente conhecida pela “Lei
do Divórcio” pelas alterações de vulgo que instituiu no domínio do regime jurídico do
divórcio – e que geraram grande polémica a nível Nacional - nomeadamente com o fim
do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e com a consagração legal da
possibilidade do divórcio ser decretado sem o consentimento do outro cônjuge.
2) Igualmente o exercício do poder paternal, na forma em que se tornou
conhecido por toda a sociedade civil e comunidade jurídica – quer em termos legais,
quer doutrinários, quer sobretudo a nível jurisprudencial – sofreu profundas alterações,
podendo dizer-se que o novo modelo veio criar uma rutura em relação àquele que
vigorava e que foi gerador, durante décadas, da jurisprudência que conhecemos nos
Tribunais Portugueses em todas as instâncias.
3) Entre as alterações introduzidas no exercício das responsabilidades parentais
salienta-se o desaparecimento da noção tradicional do poder paternal, com os
progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do menor,
seu filho, nos termos preceituados nos arts. 1901º e segs. do Código Civil.
4) Essa igualdade mostra-se vertida no próprio conceito criado pelo legislador e
denominado de exercício das responsabilidades parentais, em substituição do clássico e
imperante poder paternal. A fixar, por essa via, e sem reservas, a ideia de igualdade, e
abolindo as referências explícitas e diretas a um poder paternal/maternal nitidamente
identificador de um género predominante.
5) Devem, por isso, os Tribunais, na análise e aplicação da lei, e ao proferir a
decisão ao caso concreto, estar atentos, de modo a impedir que as alterações
consagradas, pese embora a inexistência de tradição jurídica no nosso Direito, não
sejam desvirtuadas por força de interpretações formalistas e descontextualizadas quer
do teor e sentido da lei, quer da realidade social atual que o legislador, inovando,
expressamente acolheu no ordenamento jurídico Português.
83
6) De acordo com o novo regime a regra é a do exercício em comum das
responsabilidades parentais, com a guarda conjunta, e a exceção o regime da guarda
única, com a entrega e confiança do menor a um só dos progenitores.
7) A guarda será conjunta ou compartilhada (de acordo com a terminologia
preferida de alguns Autores) consoante o modo ou a forma como são assumidas as
responsabilidades e tomadas as decisões pelos progenitores da criança. Se são conjuntas
as decisões, conjunta será a respetiva guarda. Mas em tal circunstância, porque o casal
já não vive nem reside um com o outro, a criança passará períodos ora com um, ora com
outro, nos termos em que ambos os progenitores, em conjunto e de comum acordo,
assim o decidirem.
8) Já a guarda alternada implica a alternância de residência dos pais, por certos
períodos. Mas uma alternância efetiva, sem a comunicação entre os progenitores.
9) Na guarda alternada cada progenitor decide, à sua maneira, por sua
iniciativa e independentemente do outro, o que será melhor para o filho durante esse
período em que possui a guarda do menor. Tudo se passa de acordo com a vontade de
um só dos progenitores durante esse período de tempo em que o menor está à sua
guarda. Em que um só dos progenitores concentra a autoridade parental e exerce, em
pleno, o poder de decisão.
Com o devido respeito, não tomaríamos a mesma posição.
O acórdão em referência, fazendo uma extensa análise sobre “guarda conjunta”
e “guarda partilhada”, conclui pelas vantagens da primeira, assinalando que na
mesma “ … apenas existe a mudança de um ambiente físico determinado, mas que se
mantêm os projetos e decisões em comum, com ambos os pais a partilharem e a
envolverem-se no crescimento da criança, pese embora o final da relação conjugal ou de
vida em comum.”
Porém, acaba por aplicar à menor uma “guarda partilhada” semanal,
permitindo que a mesma resida/viva “semana sim, semana não” com cada um dos
progenitores.
84
Encontramos no referido acórdão alguma amálgama entre “responsabilidade
conjunta do exercício das responsabilidades parentais” e “guarda/residência” da
menor.
Vejamos o que regulam os nºs 1 a 5 do art. 1906º do Código Civil:
1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a
vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na
constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos
progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de
particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal,
através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um
dos progenitores.
3 - O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho
cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra
temporariamente; porém, este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as
orientações educativas mais relevantes, tal como elas são definidas pelo progenitor com quem o
filho reside habitualmente.
4 - O progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos
da vida corrente pode exercê-las por si ou delegar o seu exercício.
5 - O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o
interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual
acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações
habituais do filho com o outro.
No caso em apreço os progenitores da menor entenderam que o melhor seria a
menor viver com os dois nos moldes referidos.
É evidente que o legislador da Lei 61/2008 de 31 de outubro, ao suprimir o
conceito de “guarda” dos arts. 1905º e 1906º do Código Civil, autonomizou duas
realidades: uma coisa é fixar a residência do filho, com um dos progenitores ou
alternadamente com ambos; outra coisa é determinar a quem (a um progenitor ou a
85
ambos) cabe o exercício das responsabilidades parentais, sendo certo que se optou
pelo regime regra do exercício em comum de tais responsabilidades.
Mas não se esqueceu de assinalar sempre “no interesse do menor”…
Entendemos, como já referimos, que este interesse tem sempre de ser aferido
caso a caso e de acordo com as circunstâncias em que o menor se encontra inserido.
O acórdão em análise valorizou, para este efeito, a harmonia dos progenitores
da menor, referindo, nomeadamente: “… Posto isto e reportando-nos ao caso concreto,
constatamos que no âmbito do presente processo foi obtido o acordo para o exercício
das responsabilidades parentais entre ambos os progenitores da criança. Acordo que se
firmou no sentido do exercício conjunto dessas responsabilidades, nos termos que os
autos documentam. O que denota que não existe entre os progenitores da menor um
ambiente de crispação que se projete na relação com a filha. E permite igualmente
inferir que ao privilegiarem uma solução de consenso desta natureza estão
simultaneamente a salvaguardar os interesses da menor, sendo certo que, por sua vez,
esta só beneficia em manter um contacto estreito e permanente com ambos os
progenitores. E não apenas com um deles. Acordo que obteve decisão favorável do
Tribunal “a quo” e que não colide com o preceituado no art. 1906º do CC, na redação
introduzida pela Lei nº 61/2008.”
Pensamos, com todo o respeito, é que a decisão em apreço não ponderou a
realidade física, psicológica e emocional de uma criança de 2 anos.
Quando há uma separação há que ter em relação aos filhos uma noção de
configuração de espaço e tempo consoante as suas idades.
Uma criança de 2 anos separada uma semana da mãe tem naturalmente um
impacto diferente do sentido por uma criança de 10 ou 12 anos que tem a
possibilidade de através de um simples “SMS” contactar a mãe quando sentir
necessidade. Os pequeninos, têm de regressar de muito em muito pouco tempo à sua
“base segura” e este tempo pode até ser de apenas uma simples tarde.
86
O equilíbrio emocional da criança começa desde o nascimento e colocar uma
criança com 2 anos de idade numa residência alternada, afigura-se-nos penalizadora
para o seu equilíbrio emocional, em que a sua natureza apela à presença da mãe.
Aliás o Princípio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança, provado
pela Assembleia-geral da ONU em 20/11/59, era já do seguinte teor:
"A criança precisa de amor e compreensão para o desenvolvimento harmoniosos
da sua personalidade. Deve, tanto quanto possível, crescer sob a proteção dos pais e, em
qualquer caso, numa atmosfera de afeto e segurança moral e material; a criança na
primeira infância não deve, salvo em circunstâncias excecionais, ser separada da mãe".
Certo que os pais, perante uma separação, criam também as suas expectativas
sobre a parentalidade e querem ambos exercer sobre o filho (a) a mesma
parentalidade, mas se tem de haver um esforço adaptativo na frustração dessas
expectativas, têm de ser eles a fazê-lo.
Para uma residência alternada, o juiz deverá sempre ter em atenção a idade do
menor; se o regime acordado já vigora e há quanto tempo; se a estabilidade
emocional do filho está a ser afetada; a vontade do filho na manutenção e fixação de
tal regime; as razões dos pais para a adoção de tal regime; e outros aspetos que julgar
relevantes.
No caso em apreço, apenas se refere que “ … os pais vivem perto um do outro e
a menor tem um grande relacionamento de proximidade com ambos”.
É de facto muito pouco para se homologar um acordo como o dos autos, sendo
certo que face à idade da criança não é possível sequer ouvi-la, aconselhando o bom
senso que se recorra um parecer de um pedopsiquiátrico sobre o impacto emocional
na criança com aquela vivência espartilhada na sua primeira infância.
Não homologaríamos o acordo em apreço.
87
3.3.3 - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-4-2012, Proc.
nº 1480/11.4TMPRT.P166
O Ministério Público, em representação do menor B…, veio requerer a
regulação do exercício das responsabilidades parentais que impendem sobre os
requeridos C…, seu pai, e D…, sua mãe.
Conseguido no respetivo processo o acordo entre os progenitores, o mesmo foi
fixado nos seguintes moldes, homologado por sentença:
" - Residência e exercício das responsabilidades parentais:
A guarda e a residência do menor B… ficará a cargo da mãe.
As responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor e às
questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas em exclusivo
pela progenitora, uma vez que o progenitor nunca contribuiu para o sustento do menor,
mesmo quando podia, nem nunca procurou o menor, só tendo estado uma vez com ele,
mostrando-se por essa via desinteressado pelo desenvolvimento e crescimento do
menor.
- Regime de Convívios:
O regime de visitas será livre, devendo as mesmas serem combinadas entre os
progenitores e o menor, atenta a idade do mesmo.
- Alimentos:
Atenta à condição precária do progenitor, não se fixa qualquer quantia a título
de pensão de alimentos ao menor".
Inconformado recorreu o Ministério Publico, essencialmente com os seguintes
fundamentos:
1 – Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e
igualmente, os cônjuges, têm iguais deveres quanto á capacidade civil e política e à
manutenção e educação dos filhos – 36.º, n.ºs 3 e 5 da CRP. (…)
66 Disponível em www.dgsi.pt (15-4-2016) e corporizado no Anexo VII.
88
14 – Assim, a sentença que regule o exercício das responsabilidades parentais
deve fixar a pensão de alimentos a cargo do progenitor com quem o menor não resida
ou não foi confiado, mesmo sendo desconhecido o seu paradeiro e a sua situação
económica. (…)
18 – Ora, a primeira condição para que se possa acionar o mecanismo de
acesso ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é a fixação judicial do
"quantum" de alimentos devido ao menor-credor. (…)
24 – Já que, nos termos do artigo 3.º da Convenção dos Direitos da Criança,
"todas as decisões relativas a crianças… terão primacialmente em conta o interesse
superior da criança". (…)
27 – Ao decidir como decidiu, o Mmo. Juiz violou as normas e comandos
contidos nos artigos 36.º, n.º 3 e n.º 5 e 69.º da CRP, artigo 1.º e 27.º da Convenção
dos Direitos da Criança, artigo 9.º, n.º 1, artigo 1878.º, n.º 1, 1905.º, 2004.º, todos do
CC e artigo 180.º do Regime Jurídico ou organização Quadro da lei Tutelar de
menores, introduzido pelo DL. 314/78, de 27 de outubro.
O Tribunal da Relação do Porto equacionou a seguinte questão a apreciar:
“ … se a 1.ª instância não devia, ao contrário do que fez, ter homologado o
acordo dos requeridos, no qual não foi prevista qualquer obrigação de prestação de
alimentos ao menor pelo progenitor com o qual o mesmo não reside.”
Concluiu nos seguintes termos:
1 – O tribunal deve fixar a prestação de alimentos devida pelo progenitor ao
menor, mesmo que ao obrigado se não conheçam bens, rendimentos ou modo de vida.
2 - Esse entendimento decorre da natureza do direito em causa, direito do menor
e aferido pelo superior interesse deste, mas igualmente da necessidade de, numa visão
global do sistema jurídico e no respeito constitucional pelo princípio da igualdade, ter
de se fazer uma interpretação atualista do artigo 2004.º, n.º 1 do CC, depois da entrada
em vigor da Lei n.º 75/98.
Revogando a decisão impugnada e ordenando o prosseguimento dos autos,
com o cumprimento do artigo 178º, n.º 1, parte final da OTM.
89
A situação apreciada é com alguma frequência aceite pelos tribunais, porque
resultante de um acordo dos pais.
Ou seja, porque o progenitor guardião se acomoda com a ausência de qualquer
contributo financeiro por parte do outro progenitor, suportando ele todas as
despesas com a educação e manutenção do filho, há juízes que aceitam tal decisão só
porque resultou de um acordo.
Nos termos conjugados dos arts. 36, nº5, da CRP, e 1878, nº1, do Código Civil
integra o núcleo de deveres das responsabilidades parentais, o dever dos pais
proverem ao sustento dos filhos e de assumirem as despesas relativas à sua
segurança, saúde e educação.
Este dever consta da Recomendação do Conselho da Europa R (84) 4; consta
do art. 27º da Convenção sobre os Direitos da Criança; e consta ainda do Princípio IV
da Declaração dos Direitos da Criança. Portanto qualquer decisão ou acordo sobre as
responsabilidades parentais de um menor não pode “passar” sem que tal obrigação se
mostre acautelada.
A obrigação de alimentos abrange ambos os pais e visa tutelar não só o direito
à vida e integridade física do alimentando, mas ainda beneficiar do nível de vida de
que a família gozava antes da rutura da convivência de facto.
Quid júris quando o progenitor não guardião não possui meios de subsistência
que lhe permitam cobrir/participar nessa obrigação.
Pensamos que o superior interesse da criança nem nestas condições pode ser
preterido. Aliás, como resulta do nº3 do art. 63º e nº1 do art. 69º, ambos da CRP, o
Estado assume a responsabilidade de garantir à criança um desenvolvimento integral
sempre que a sua proteção se mostre ameaçada, criando mecanismos através do
sistema de segurança social que supra a falta ou a diminuição de meios de
subsistência.
Ora o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores teve precisamente
esse objetivo, como resulta do art. 1º da Lei 75/98 de 19-10: 1 - Quando a pessoa
judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as
90
quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de
outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios
sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o
Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efetivo cumprimento da
obrigação.
Referindo-se a lei à pessoa judicialmente obrigada a alimentos, a obrigação de
alimentos tem de constar do acordo, se for este o caso, ou da sentença, pois de outro
modo, em caso de incumprimento, não é possível acionar o FGADM.
Devido a esta exigência, o tribunal deve sempre fixar alimentos, quer se
desconheça a concreta situação de vida do obrigado e até o seu paradeiro, quer ainda
se tenha apurado que não aufere qualquer rendimento.67
Acompanhamos, pelo exposto, a decisão do acórdão analisado.
67 Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-6-2007, Proc. nº 5797/2007-7; e o Acórdão do
Tribunal da Relação de Coimbra de 28-4-2010, Proc. nº 1810/05.8, ambos disponíveis em www.dgsi.pt (15-4-2016).
91
BIBLIOGRAFIA
BOLIEIRO, Helena e Paulo Guerra, A Criança e a Família - Uma Questão
de Direito(s), 2014, 2ª Edição, Coimbra Editora, p. 175-191
CARDOSO, Ofélia Boisson (1968), Problemas da Família, Biblioteca de
Educação, Edições Melhoramentos.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, “Estado de Direito”, Cadernos
Democráticos, nº7, Fevereiro/1999, Fundação Mário Soares, Gradiva
Publicações.
CANOTILHO, j. j. Gomes e Vital Morreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª edição revista, p. 503-515
DIAS, Cristina M. Araújo, “A Jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem e as Novas Formas de Família”, Revista da
Universidade Portucalense, nº15, p. 35-46.
DIAS, Cristina M. Araújo, Uma análise do novo regime jurídico do
divórcio, 2009, 2ª Edição, Almedina.
GERSÃO, Eliana, A criança, a família, e o direito, 2014, Fundação
Francisco Manuel dos Santos, p. 39-58.
GOMES, Ana Sofia, Responsabilidades Parentais, 2012, 3ª Edição, Quid
Juris Sociedade Editora, p. 125-132.
MARTINS, Alfredo Soveral, A organização dos tribunais judiciais
portugueses, vol. I (Coimbra, 1990), p. 16.
MELO, Helena Gomes, João Vasconcelos Raposo, Luis Batista Carvalho,
Manuel do Carmo Bargado, Ana Teresa Leal, Felicidade de Oliveira,
Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2010, 2ª Edição, Quid
Juris Sociedade Editora, p. 43-123.
MENDES, João de Castro, Direito Processual Civil, I, (Lisboa 1980), p.
379-380.
92
MENDES, João Castro, Miguel Teixeira de Sousa, Direito da Família,
(1990/1991) Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa.
MUCCHIELLI, Roger (1962), La Personnalité de l’enfant, Les editions
Sociales Françaises (tr. it. COSTA, Raquel Pinto, A personalidade da
criança, 5ª edição, Livraria Clássica Editora).
MUCCHIELLI, Roger, Comment ils deviennent déliquants, (1977), Les
editions Sociales Françaises, (tr. it. ABELAIRA, Rosa, MARREIROS,
Teresa, Como eles se tornam delinquentes, 1979, 1ª Edição, Moraes
Editores).
RAMIÃO, Tomé d'Almeida, Regime Geral do Processo Tutelar Cível -
Anotado e Comentado, 2015, Quid Juris Sociedade Editora.
RAMOS, Rui Manuel Moura (1998), “A proteção das crianças no plano
Internacional”, texto escrito inicialmente para integrar as Melanges
Christian Mouly, Revista Infância e Juventude, nº 2/98 – Abril/Junho.
SANCHEZ-PESCADOR, L.L.H (1991), “Tienen los ninos derechos?” –
Comentario a la convencion sobre los derechos de nino, Revista de
Educacion, 294, p. 221-233.
SOTTOMAYOR, Maria Clara, Regulação do Exercício das
Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio, 2014, 6.ª Edição,
Almedina, p. 28.
VARELA, Antunes (1982), Direito da Família, Livraria Petrony.
VASCONCELOS, Pedro Carlos da Silva Bacelar, “A Crise da Justiça em
Portugal”, Cadernos Democráticos, nº3, Junho/1998, Fundação Mário
Soares, Gradiva Publicações.
XAVIER, Maria Rita Lobo (2009), Recentes Alterações ao regime jurídico
do divórcio e das responsabilidades parentais, Coimbra, Almedina.
Tema:
O Poder Judicial e a Sociedade
Juizes e Julgamentos – reflexões sobre a
elaboração da sentença.
Conclusão sobre a ficha de avaliação da acção
Número de participantes – 67
Número de respostas recebidas – 20 (29,85%)
1. Este seminário de formação complementar correspondeu às suas expectativas?
SIM – 17 (85%)
NÃO – 3 (15%)
2. Como o avalia do ponto de vista da sua organização?
POSITIVO – 20 (100%)
NEGATIVO
INDIFERENTE
3. Pensa que os conhecimentos adquiridos durante o seminário lhe serão úteis na
prática judiciária?
MUITO ÚTEIS - 17 (85%)
POUCO ÚTEIS - 1 (5%)
NÃO ÚTEIS – 2 (10%)
ACÇÃO DE FORMAÇÃO
COMPLEMENTAR PARA O
XVIII CURSO NORMAL DE
FORMAÇÃO
Dias 13 e 14 de Março
4. Considera que a escolha e organização dos temas a tratar no Seminário foi:
MUITO SATISFATÓRIA - 6 (31,57%)
SATISFATÓRIA – 12 (63,16%)
POUCO SATISFATÓRIA – 1 (5,27%)
5. Como avalia a qualidade geral dos oradores
MUITO SATISFATÓRIO – 12 (63,15%)
SATISFATÓRIO – 5 (26,33%)
POUCO SATISFATÓRIO – 2 (10,52%)
6. Como avalia o debate havido sobre os diversos temas?
MUITO SATISFATÓRIO – 4 (21,05%)
SATISFATÓRIO – 12 (63,15%)
POUCO SATISFATÓRIO – 3 (15,80%)
7. Qual a sua opinião sobre a duração do seminário?
MUITO ADEQUADA – 4 (20%)
ADEQUADA - 14 (70%)
POUCO ADEQUADA – 2 (10%)
8. Qual a sua opinião sobre o material de apoio distribuído?
MUITO IMPORTANTE – 6 (30%)
IMPORTANTE – 13 (65%)
POUCO IMPORTANTE – 1 (5%)
Nas observações os senhores Juizes manifestaram apoio pelos temas
escolhidos, referindo que neste tipo de acções preferem sempre temas de teor
prático que se prendam com a sua actividade prática nos tribunais.
Mostraram ainda preferir oradores com uma comunicação oral e não
escrita.
Lisboa, 21 de Março de 2003
Tema:
A celeridade processual – a forma
como o legislador a consagrou. Reflexões
sobre a morosidade da decisão: a
qualidade ou a quantidade.
O Novo Regime Jurídico da
Acção Executiva.
Conclusão sobre a ficha de avaliação da acção
Número de participantes – 39
Número de respostas recebidas – 21 (53,84%)
1. Este seminário de formação complementar correspondeu às suas expectativas?
SIM – 21 (100%)
NÃO – 0
2. Como o avalia do ponto de vista da sua organização?
POSITIVO – 19 (90,476%)
NEGATIVO – 1 (4,762%)
INDIFERENTE – 1 (4,762%)
3. Pensa que os conhecimentos adquiridos durante o seminário lhe serão úteis na
prática judiciária?
MUITO ÚTEIS - 18 (85,715%)
ACÇÃO DE FORMAÇÃO
COMPLEMENTAR PARA O
XVII CURSO NORMAL DE
FORMAÇÃO
Dias 4 e 5 de Junho
ÚTEIS - 3 (14,285%)
POUCO ÚTEIS - 0
NÃO ÚTEIS – 0
4. Considera que a escolha e organização dos temas a tratar no Seminário foi:
MUITO SATISFATÓRIA - 7 (33,333%)
SATISFATÓRIA – 14 (66,666%)
POUCO SATISFATÓRIA – 0
5. Como avalia a qualidade geral dos oradores
MUITO SATISFATÓRIO – 15 (71,428%)
SATISFATÓRIO – 6 (28,572%)
POUCO SATISFATÓRIO – 0
6. Como avalia o debate havido sobre os diversos temas?
MUITO SATISFATÓRIO – 3 (14,285%)
SATISFATÓRIO – 16 (76,191%)
POUCO SATISFATÓRIO –2 (9,524%)
7. Qual a sua opinião sobre a duração do seminário?
MUITO ADEQUADA – 3 (14,286%)
ADEQUADA - 17 (80,952%)
POUCO ADEQUADA – 1 (4,762%)
8. Qual a sua opinião sobre o material de apoio distribuído?
MUITO IMPORTANTE – 6 (28,571%)
IMPORTANTE – 13 (61,905%)
POUCO IMPORTANTE – 2 (9,524%)
Nas observações, os senhores Juizes manifestaram apoio pelos temas
escolhidos, referindo que neste tipo de acções preferem sempre temas de teor
prático, que se prendam com a sua actividade prática nos tribunais.
Mostrando-se relevantes a unanimidade das respostas à pergunta 1 e o
resultado apurado na resposta à pergunta 3.
Quanto ao material distribuído, lastimaram não poderem obter as
exposições feitas, já que muito pouco existe sobre o tema do novo regime jurídico
da acção executiva.
Nas considerações finais, houve uma sugestão que reputamos merecer
ponderação. A introdução de um “intercâmbio oficial de dúvidas”, que em mesa
redonda pudessem ser apreciadas e respondidas pelos palestrantes.
Mostraram ainda grande admiração pelos oradores escolhidos, pois
preferem oradores com uma comunicação oral expontânea, tal como os
convidados. Porém, reconheceram que desse modo dificilmente conseguem as
exposições por escrito.
Lisboa, 25 de Julho de 2003
ACÇÃO DE FORMAÇÃO COMPLEMENTAR PARA JUIZES DO
XVIII CURSO NORMAL DE FORMAÇÃO
Lisboa – 13 e 14 de Maio
AVALIAÇÃO
Conclusão sobre a ficha de avaliação da acção
Número de participantes – 55
Número de respostas recebidas – 17 (30,9%)
1. Este seminário de formação complementar correspondeu às suas expectativas?
SIM – 17 (100%)
NÃO – 0
2. Como o avalia do ponto de vista da sua organização?
POSITIVO – 17 (100%)
NEGATIVO - 0
INDIFERENTE - 0
3. Pensa que os conhecimentos adquiridos durante o seminário lhe serão úteis na
prática judiciária?
MUITO ÚTEIS - 4 (23,5 %)
ÚTEIS – 13 (76,5%)
POUCO ÚTEIS - 0
NÃO ÚTEIS – 0
4. Considera que a escolha e organização dos temas a tratar no Seminário foi:
MUITO SATISFATÓRIA - 3 (17,6%)
SATISFATÓRIA – 14 (82,4%)
POUCO SATISFATÓRIA – 0
5. Como avalia a qualidade geral dos oradores
MUITO SATISFATÓRIO – 9 (53%)
SATISFATÓRIO – 8 (47%)
POUCO SATISFATÓRIO – 0
6. Como avalia o debate havido sobre os diversos temas?
MUITO SATISFATÓRIO – 2 (11,8 %)
SATISFATÓRIO – 14 (82,3%)
POUCO SATISFATÓRIO – 1 (5,9%)
7. Qual a sua opinião sobre a duração do seminário?
MUITO ADEQUADA – 0
ADEQUADA - 15 (88,2%)
POUCO ADEQUADA – 2 (11,8%)
8. Qual a sua opinião sobre o material de apoio distribuído?
MUITO IMPORTANTE – 9 (53%)
IMPORTANTE – 7 (41%)
POUCO IMPORTANTE – 1 (6%)
O valor deste estudo assume uma relevância diminuída, face ao baixo nível de
entregas do inquérito distribuído, 39,9 % dos presentes, sendo que destes 39,9% apenas
47% (8) justificaram nas “observações” as suas escolhas, enquanto 53% (9) se
limitaram apenas a um preenchimento com “cruzes” nos diversos números.
Assim, ainda que de forma dispersa, cumpre-nos transcrever algumas
observações, tendo em conta que nem todos os inquéritos que foram justificados o
foram em todas as respostas.
- Os temas foram actuais
- A escolha foi pertinente porque os temas tratados são por um lado actuais e,
por outro, polémicos. A organização destes foi metódica no modo e
repartição temporal
- O seminário devotou-se a temática com uma enorme vertente da prática
judiciária
- Muito bem organizado, sendo notória a preocupação da organização em
adequar os escassos meios disponíveis à qualidade do seminário; é louvável
a forma como fomos recebidos
- Os temas são de interesse geral, mas foi despendido pouco tempo para
alguns temas
- Houve pouco tempo o para debate
- Não foram respondidas questões concretas que foram colocadas, pese
embora o relevante interesse prático
- São desejáveis mais iniciativas deste tipo. É fundamental que todos
compareçam. Daí que se compreenda o carácter obrigatório. Ora tal implica
que os seminários decorram em dias úteis e sejam pouco frequentes, um ou
dois seminários por ano.
As respostas que enveredaram por “Pouco Adequada”, “Pouco Satisfatória” ou
“Pouco Importante”, justificaram-se com o seguinte:
- A apresentação da capa sobre “Vigilância Electrónica” possuía graves erros
ortográficos
- O debate foi pouco satisfatório porque os colegas, tal como eu, adoptaram o
comportamento de não participar nele
- A dignidade dos temas merecia mais tempo para serem abordados,
nomeadamente as custas judiciais e a reforma da acção executiva
- Às 9,30 h, o trânsito em Lisboa é muito difícil e, do Campo Pequeno ao
Limoeiro, demora muito tempo. O horário do início do dia 14 de Maio
poderia ter sido diferente.
Conclusões:
Como já referimos, o valor deste estudo assume uma relevância diminuída,
face ao baixo nível de entregas do inquérito distribuído.
Contudo, fazemos uma leitura positiva sobre a acção. Com efeito quer os
temas escolhidos quer o aproveitamento recolhido pelos participantes
apresentam níveis francamente positivos. Mostrando-se satisfatórios (com uma
percentagem superior a 80%) quer o debate, quer a duração, quer a organização
do seminário.
Propendemos a considerar as respostas recolhidas como uma “opinião por
amostragem”, afastando a leitura de que os 38 participantes que não entregaram
opinião sobre o seminário, ficaram descontentes com o mesmo.
Notámos ao longo da acção um interesse colectivo e uma preocupação em
assistir desde o início aos temas apresentados, com a colocação de questões.
A relevância do material distribuído foi amplamente apreciada, cabendo-nos,
nesta parte, esclarecer que o material distribuído sobre a Vigilância Electrónica,
foi da responsabilidade da Estrutura de Missão para o Sistema de Monitorização
Electrónica de Arguidos.
Finalmente, assinalamos mais uma vez a necessidade de agilizar as acções de
formação complementar, de forma que as mesmas não causem transtornos no
normal funcionamento dos tribunais de que os participantes são titulares,
evitando deslocações penosas e angústias pelo serviço que entretanto se
acumulou na comarca.
Mantemos nesta parte o que já se avançou nas “conclusões” da acção de
formação complementar de Peniche de 23 e 24 de Abril/2004, sobre as
alterações a introduzir nestas acções.
Lisboa, 4-6-2004
Maria da Assunção Pinhal Raimundo
Directora Adjunta
ACÇÃO DE FORMAÇÃO COMPLEMENTAR PARA JUIZES DO
XIX CURSO NORMAL DE FORMAÇÃO
PENICHE - 22 e 23 de Abril
AVALIAÇÃO
Conclusão sobre a ficha de avaliação da acção
Número de participantes – 55
Número de respostas recebidas – 26 = 47,3%
1. Este seminário de formação complementar correspondeu às suas expectativas?
SIM – 18 = 69,23%
NÃO – 8 = 30,77%
2. Como o avalia do ponto de vista da sua organização?
POSITIVO – 22 = 84,62%
NEGATIVO - 4 = 15,38%
INDIFERENTE - 0
3. Pensa que os conhecimentos adquiridos durante o seminário lhe serão úteis na
prática judiciária?
MUITO ÚTEIS - 14 = 53,85%
ÚTEIS – 7 = 26,92%
POUCO ÚTEIS - 5 = 19,23%
NÃO ÚTEIS - 0
4. Considera que a escolha e organização dos temas a tratar no Seminário foi:
MUITO SATISFATÓRIA - 5 = 19,23%
SATISFATÓRIA – 20 = 76,92%
POUCO SATISFATÓRIA – 1 = 3,85%
5. Como avalia a qualidade geral dos oradores
MUITO SATISFATÓRIO – 13 = 50%
SATISFATÓRIO – 12 = 46,15%
POUCO SATISFATÓRIO – 0
N.B. – Houve um participante que se recusou a responder à questão ora em apreço, por
entender não possuir capacidade para avaliar os oradores.
Este participante, em termos percentuais, tem uma representatividade de 3,85%
6. Como avalia o debate havido sobre os diversos temas?
MUITO SATISFATÓRIO – 6 = 23,08%
SATISFATÓRIO – 17 = 65,38%
POUCO SATISFATÓRIO – 3 = 11,54%
7. Qual a sua opinião sobre a duração do seminário?
MUITO ADEQUADA – 5 = 19,23%
ADEQUADA - 16 = 61,54%
POUCO ADEQUADA – 5 = 19,23%
8. Qual a sua opinião sobre o material de apoio distribuído?
MUITO IMPORTANTE – 5 = 19,23%
IMPORTANTE – 20 = 76,92%
POUCO IMPORTANTE – 1 = 3,85%
OBSERVAÇÕES:
No que se refere a este “item”, transcrevem-se algumas observações efectuadas
pelos participantes, por se entender que elas merecem reflexão para a organização de
futuras acções.
Assinala-se porém, que os mesmos participantes, não obstantes as críticas que
fizeram, deram respostas positivas ao inquérito, como aliás resulta da simples análise do
mesmo.
- Mais tempo para troca de ideias
- Estas acções devem ser dirigidas a grupos mais pequenos. Tratando-se de um
curso numeroso, deveriam ter sido feitas duas acções com os mesmos temas, por
forma a haver uma maior participação no debate, com troca de experiências
- Excesso de temas, implicando falta de tempo para debate
- A organização devia ter junto um croquis da localização do Hotel
- A exposição da acção executiva devia ter sido feita sob uma abordagem prática e
não teórica
- A duração da acção, de 2 dias, é muito adequada porque seria impensável mais
de 2 dias fora da comarca
- Mesmo com todas as críticas, continuem a fazer acções de formação
- Os temas são muito actuais e foram bem escolhidos
- Os temas eram muito importantes, mas precisavam de mais tempo para
discussão
- Os temas deviam ser tratados partindo sempre de casos concretos
- Os oradores deviam ser os docentes do Centro de Estudos Judiciários
- Os oradores do processo executivo foram muito teóricos e demonstraram
desconhecer as questões práticas que se tem vindo a colocar nos tribunais
- O seminário devia ser de 4 ou 5 dias e terminar com “conclusões”. As
substituições nas comarcas deveriam prever aquela duração de tempo
- Deveriam ser só temas sobre a reforma do processo civil. Os temas de processo
penal, embora actuais, são mais recorrentes.
- Previamente às acções devia fazer-se um inquérito sobre os temas com mais
dificuldades nas comarcas e depois fazer os seminários baseados nesses temas
- Não foi respeitado o horário das pausas e, depois, estas mostraram-se muito
longas
- Os oradores desembargadores deveriam ter feito uma relação dos erros mais
comuns para que a 1ª Instância melhorasse o seu desempenho
- A acção deve ser um espaço para o esclarecimento de dúvidas
- Excessivos participantes e poucos espaços livres
- Falta de um programa social
CONCLUSÃO:
A nossa avaliação da acção, não obstante as transcrições supra, é muito positiva.
Analisando as respostas recolhidas, constatamos que 84, 62% dos participantes
considerou positiva a organização da acção; 80,77% considera que os conhecimentos
adquiridos através do seminários lhe serão muito úteis e úteis na prática judiciária; e
96,15% considerou a escolha e organização dos temas muito satisfatória e satisfatória.
Por outro lado, não obstante a assinalada falta de tempo para o debate, apenas
11,54% considerou o mesmo pouco satisfatório.
Entende-se porém é que nestas acções, por serem apenas duas para cada curso
(art. 75 nº1 da Lei 16/98 de 8 de Abril), há da nossa parte a tendência/vontade de as
aproveitarmos para o maior fornecimento possível de informação.
Esta realidade, fá-las densas e com pouco espaço para a discussão.
Pensamos que a modalidade “work shop”, embora ventilada pelos participantes,
acaba por ser inviável devido à inacção dos destinatários quando abordados para o
efeito, para a prévia apresentação de dúvidas e temas para discussão (experiência por
nós retirada na preparação da acção de formação complementar destinada ao XVIII
curso, para a qual desenvolvemos toda a comunicação e informação possível com os
destinatários para a efectuação desse tipo de discussão e apenas uma única destinatária,
em 70, colaborou).
Parece-nos que a melhor solução seria destinar a cada curso mais acções,
repartidas entre o norte e o sul, por forma a não criar grandes embaraços à deslocação
dos destinatários; cingidas a um ou dois temas como princípio de debate; e que este
fosse o principal objectivo da acção, mediante a colocação de dúvidas pelos
participantes, com a também explanação de experiências pelos oradores.
Lisboa, 11-5-2004
Mª Assunção Pinhal Raimundo
Directora Adjunta
A reforma da acção executiva introduzida pelo DL. 38/2003 de 8 de Março
Muito obrigada a todos os presentes, que cumprimento, e agradeço à organização a
honra que me deu em integrar um painel de tão ilustres intervenientes.
Quero antes de mais retratar-me perante a assistência que não possuo a qualidade
técnica dos restantes intervenientes, contudo não renego alguma sabedoria e experiência
vivida ao longo da minha carreira de magistrada.
Por isso é com prazer que abordo o tema proposto emitindo sobre ele a minha
opinião.
O DL. 38/2003 de 8 de Março, veio efectivamente introduzir uma reforma profunda
à acção executiva, apresentando o seu preâmbulo como objectivo principal o libertar o juiz
das tarefas processuais que não envolvem uma função jurisdicional e o libertar os
funcionários judiciais de tarefas a praticar fora dos tribunais.
Esta introdução preambular leva-nos a intuir que a acção executiva é agora mais
simples e mais célere na sua tramitação, ficando os juízes e os tribunais mais aliviados.
Porém, como teremos ocasião de verificar, o DL. 38/2003 de 8 de Março irá trazer-
nos grandes embaraços desde logo porque as bases para a sua perfeita exequibilidade só a
longo prazo se mostrarão sólidas e eventualmente eficazes.
Vejamos:
Este diploma, com a entrada em vigor prevista para o próximo dia 15 de Setembro,
não dispõe ainda de tribunais de competência específica com juízos de execução; não
dispõe de secretarias judiciais de execução.
Atribuindo este diploma aos funcionários judiciais competências eminentemente
técnicas e de formação jurídica, a sua preparação está muito embrionária, sendo que em
algumas áreas do país ainda nem sequer se iniciaram.
Faltam ainda dois diplomas regulamentares:
- um que regule as tarifas a aplicar na remuneração dos solicitadores pelos serviços
a prestar;
- e outro que regulamente o registo informático das execuções, já que tudo assenta
na informatização das execuções pendentes.
Finalmente, este diploma que ainda nem sequer entrou em vigor, já sofreu uma
rectificação – a Rectificação nº5-C/2003 de 30 de Abril – e pelo que sabemos, ainda antes
de Setembro sairá um outro diploma não só de rectificação, mas de alteração.
Digamos que estamos perante um quadro normativo que ainda não existe.
O DL 38/2003 de 8 de Março, na prossecução do objectivo de libertar o Juiz de
tarefas não eminentemente jurisdicionais, criou a figura do agente de execução - (art. 808).
As funções de agente de execução são desempenhadas por um solicitador de
execução, designado, pelo exequente ou pela secretaria, de entre os inscritos na comarca ou
em comarca limítrofe, ou, na sua falta, de entre os inscritos em outra comarca do mesmo
círculo judicial; não havendo solicitador de execução inscrito no círculo ou ocorrendo outra
causa de impossibilidade, são essas funções, com excepção das especificamente atribuídas
ao solicitador de execução, desempenhadas por um oficial de justiça, determinado segundo
as regras da distribuição.
Cabe ao agente de execução, salvo quando a lei determine diversamente, efectuar
todas as diligências do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações,
sob controlo do juiz.
Ora o agente de execução, enquanto solicitador, está sujeito ao controlo do juiz nos
termos referidos; está também sujeito ao controlo disciplinar da Câmara dos solicitadores,
nos termos do art. 116 do DL. 88/2003 de 26 de Abril, e está sujeito ao controlo do
exequente, que o indica (art. 808 nº4).
O DL 38/2003, como se referiu, criou também o juiz de execução – art. 809 – a quem
cabe o poder geral de controlo do processo e outras intervenções especificamente
estabelecidas.
Assim nos termos do nº1 do art. 809, compete ao juiz de execução:
a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os
créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;
c) Julgar a reclamação de acto do agente de execução, no prazo de cinco dias; e
d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por
terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.
Poder-se-á concluir que com estas competências e as tais outras intervenções
especificadamente estabelecidas, que o processo de execução acaba por não sofrer
desjudicialização (?)
Vejamos:
No primeiro projecto de reforma da acção executiva de Junho de 2001, do então
ministro da justiça, o Dr. António Costa, o juiz não tinha qualquer intervenção liminar no
processo executivo. A sua intervenção só se verificava quando o oficial público de execução,
as partes ou o conservador suscitava alguma questão no processo. E a sua intervenção
oficiosa só ocorria quando houvesse oposição à execução ou à penhora e quando houvesse
reclamação de créditos, para decidir a impugnação aos mesmos e para os graduar.
As execuções hipotecárias estavam totalmente a cargo das Conservatórias do
Registo Predial, cabendo ao conservador o despacho liminar e o acompanhamento de todo
o processo, até graduar os créditos reclamados se não tivessem sofrido impugnação.
O processo só ia ao juiz se houvesse oposição à execução ou à penhora, ou se
houvesse impugnação dos créditos reclamados.
Havia uma total desjudicialização do processo executivo.
No projecto legislativo de reforma à acção executiva de Abril de 2002, o juiz para
além das intervenções previstas no anterior projecto, passava também a ter intervenção
liminar no processo executivo quando o título executivo fossem títulos de crédito.
Tentava-se deste modo minorar a referida desjudicialização da acção executiva.
O DL.38/2003 de 8 de Março, que veio finalmente alterar o processo de execução,
veio atribuir ao juiz o poder geral de controlo do processo; estabelecer intervenções
especificas em certos actos processuais e ainda atribuir as competências previstas nas als.
a), b), c) e d) do nº1 do art. 809, repondo assim a jusdicialização do processo executivo que
os anteriores projectos haviam retirado, mas repondo-o em moldes bem diferentes do
sistema actual.
Dispõe a al. a) do nº1 do art. 809 que compete ao juiz de execução proferir despacho
liminar, quando deva ter lugar.
Ora, não há lugar a despacho liminar (art. 812-A) nas execuções baseadas:
a) em decisão judicial ou arbitral;
b) em requerimento de injunção no qual tenha sido aposta a fórmula executória;
c) e em documento exarado ou autenticado por notário, ou documento
particular com reconhecimento presencial da assinatura do devedor, desde que:
- O montante da dívida não exceda a alçada do tribunal da relação e seja
apresentado documento comprovativo da interpelação do devedor, quando tal fosse
necessário ao vencimento da obrigação;
- Excedendo o montante da dívida a alçada do tribunal da relação, o exequente
mostre ter exigido o cumprimento por notificação judicial avulsa;
Não há ainda despacho liminar nas execuções baseadas:
d) em qualquer título de obrigação pecuniária vencida, de montante não superior à alçada
do tribunal da relação, desde que a penhora não recaia sobre bem imóvel (estabelecimento
comercial, direito real menor que sobre eles incida ou quinhão em património que os
inclua).
Fora dos casos referidos no n.º 7 do artigo 812.º: (7 - A citação é previamente
efectuada, sem necessidade de despacho liminar: a) Quando, em execução movida apenas
contra o devedor subsidiário, o exequente não tenha pedido a dispensa da citação prévia; b)
No caso do n.º 4 do artigo 805.º; c) Nas execuções fundadas em título extrajudicial de
empréstimo contraído para aquisição de habitação própria hipotecada em garantia), não há
citação prévia do executado quando não há lugar a despacho liminar.
E quando o juiz a dispense, sob a alegação do exequente de justo receio da perda da
garantia patrimonial do crédito (art. 812-B nº2).
Assim sendo, não tendo o juiz intervenção liminar nestas execuções, a secretaria
quando recebe os requerimentos executivos, se não encontrar neles motivo de recusa,
envia as respectivas execuções imediatamente para penhora.
Ora esta realidade pode conduzir a situações de risco,
Se o funcionário judicial não for suficientemente competente para decidir a sorte do
requerimento executivo e não tiver o bom senso de suscitar a intervenção do juiz se tiver
dúvidas (art.812-A nº3), pode conduzir para a penhora pedidos de execução que poderiam
ser liminarmente indeferidos e colocar o executado sob uma penhora injusta.
Dado que o executado só pode reagir à execução após a penhora, perante um erro do
funcionário judicial, arrisca-se a ver o seu património onerado com uma penhora até que a
oposição à execução venha a ser julgada procedente – 818 nº2.
É certo que escapando o processo ao controlo do juiz nos termos referidos, o Juiz
pode conhecer oficiosamente das questões a que aludem os nºs 2 e 4 do art. 812 (a falta ou
insuficiência do título e a secretaria não tenha recusado o requerimento; excepções dilatórias,
não supríveis, de conhecimento oficioso; fundando-se a execução em título negocial, seja
manifesto, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos impeditivos ou
extintivos da obrigação exequenda que ao juiz seja lícito conhecer), bem como a al. c) do nº3
do art. 812-A (Pedida a execução de sentença arbitral, duvide de que o litígio pudesse ser
cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente a
tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito litigioso não ser disponível
pelo seu titular), até ao primeiro acto de transmissão dos bens executados – art. 820.
E, nesse momento, o juiz pode até rejeitar a execução, extinguindo-a, ordenando o
subsequente levantamento da penhora. Mas até então praticaram-se uma série de actos
inúteis.
O controlo liminar do juiz nas execuções em que é dispensado de despacho liminar
e a citação prévia, pode acabar por ser feito. Só que este controlo é já retardado, e este
retardamento comporta o risco de poder estar-se a praticar actos que depois irão ser
desfeitos.
Ora no nosso actual regime, não há este risco. Quando o requerimento executivo dá
entrada no tribunal, ele é sempre concluso ao juiz.
Se se tratar de execução para o pagamento de quantia certa, o juiz, se não houver
motivos para proferir despacho de indeferimento ou de aperfeiçoamento, ordena a citação
do executado para pagar ou nomear bens à penhora.
Se o executado não pagar nem nomear bens à penhora, o direito de nomeação de
bens à penhora é devolvido ao exequente que, independentemente de despacho nomeia
bens à penhora.
Mas nomeados os bens à penhora, o juiz profere despacho determinativo da
penhora, lançando mão, se for caso disso, do disposto no nº3 do art. 836, que confere ao
juiz o poder de restringir a penhora apenas aos bens suficientes para o pagamento do
crédito e das custas.
Ora esta possibilidade de controlo a partir de 15 de Setembro deixa de existir.
A penhora é deixada à mercê do agente de execução, que procede às respectivas
diligências; que consulta o registo informático de execuções; e que deverá observar as
restrições à penhora impostas nos arts. 822 e segs.
Na fase da penhora, o Juiz só tem intervenção na penhora de depósitos bancários, já
que esta tem de ser precedida de despacho judicial – art. 861-A nº 1.
Mas a sua regularidade, o juiz só a apreciará, se houver dedução de oposição à
penhora.
E, não havendo despacho determinativo da penhora, desaparece o recurso de
agravo, eliminando-se consequentemente a restrição ao incidente de oposição constante no
corpo do actual art. 863-A. Por igual motivo, os embargos de terceiro, como oposição à
penhora, perdem a sua função preventiva – art. 359 -, conservando apenas uma função
repressiva.
Depois, feita a penhora e citados os credores nos termos do art. 864, não há agora
despacho liminar de rejeição ou de admissão dos créditos reclamados.
Verificando-se a intervenção judicial apenas na verificação e graduação dos créditos.
O pagamento e a venda são hoje totalmente dirigidas pelo agente de execução.
A competência para a adjudicação, transfere-se para o agente de execução- 875 nº4.
A venda por propostas em carta fechada deixa de ser judicial é ao agente de execução que
cabe decidir sobre a venda – 886-A nº1 – mediante decisão que é reclamável para o juiz da
execução – nº5.
O Juiz só intervém primariamente para presidir à abertura de propostas em carta
fechada, quando é imóvel o bem a vender – art. 893 nº1 – ou quando, tratando-se da venda
de um estabelecimento comercial de valor consideravelmente elevado, ele próprio
determine que o seja mediante proposta em carta fechada, sob proposta do agente de
execução, do exequente ou de um credor que sobre ele tenha garantia real – 901-A nº1-, e
ainda para autorizar a venda urgente – art. 886-C.
Pelo que fica dito, só não se concluirá pela desjudicialização do processo executivo,
porque a própria lei atribui ao juiz o poder geral de controlo do processo. Só que este poder
geral de controlo, só opera se a intervenção do juiz for chamada pelos intervenientes do
processo executivo, porque a intervenção oficiosa do juiz é reduzida. Haverão cerca de
duas dezenas de noras que atribuem especial papel ao juiz. Não pode concluir-se que o
novo regime atribua ao juiz de um controlo oficioso forte.
Termino a minha intervenção deixando apenas um apontamento sumário sobre a
intervenção judicial na nova acção executiva, reservando para amanhã o tratamento
específico das fases do processo executivo, onde naturalmente todos verão com maior rigor
a dinâmica que esta reforma quis imprimir aos actos executivos.
Obrigada.
MMedidas de coacção e
de garantia patrimonial
MEDIDAS DE COACÇÃO
.Termo de identidade e residência
.Caução
.Obrigação de apresentação periódica
.Suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos .Proibição de permanência, de ausência e de contactos .Obrigação de permanência na habitação .Prisão preventiva
1 -TERMO DE IDENTIDADE E
RESIDENCIA Pode ser aplicada não apenas pelo juiz, mas também, pelo Ministério Público e pelo órgão de polícia criminal que dirige a diligência.
Estas entidades sujeitam a termo de identidade e residência todo aquele que assuma a qualidade de arguido (arts. 58, 60 e 61), mesmo que já tenha sido identificado nos termos do art. 250 (identificação do arguido e pedido de informação).
Para a aplicação das restantes medidas de coacção, existem requisitos comuns alternativos: Fuga ou perigo de fuga -Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova -Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido .
2-CAUÇÃO
A caução, chamada também caução carcerária, tem a função de assegurar a
presença do arguido em audiência de julgamento. Está regulada no art. 197 e para além da verificação de um dos requisitos gerais que atrás apontámos, para ser aplicada é necessário que o crime imputado ao arguido seja punido com pena de prisão.
A caução pode ser prestada (art.206) por:
1. depósito 2. penhor 3. hipoteca 4. fiança 5. fiança bancária fiança
Prestada a caução, esta pode vir a ser reforçada ( art. 207) e pode vir a ser quebrada (art. 208)
Extinção da caução: (art. 214) Com o arquivamento do inquérito se não for requerida abertura da instrução; -Com o trânsito em julgado do despacho de não-pronúncia; -Com o trânsito em julgado do despacho que rejeitar a acusação, nos termos do art. 311, n° 2, al. a); -Com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto recurso; -Com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
3 -OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO
PERIÓDICA
Está regulada no art. 198 e para além da verificação de um dos requisitos gerais que atrás apontámos, para ser aplicada é necessário que o crime imputado ao arguido seja punido com pena de prisão superior a seis meses.
Extinção : ( art. 214) Contudo, a obrigação de apresentação periódica também se extingue logo que atingidos os prazos máximos da sua duração, contados do início da sua execução. São eles: -Doze meses sem que tenha sido deduzida acusação -Vinte meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; -Trinta e seis meses sem que tenha havido condenação em primeira -Quatro anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado (art. 215, nº 1, ex vi do art. 218, nº 1).
4 -A SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE
FUNÇÕES, DE PROFISSÃO E DE DIREITOS
Está regulada no art. 199 e para além da verificação de um dos requisitos gerais que atrás apontámos, para ser aplicada é necessário que o crime imputado ao arguido seja punido com pena de prisão superior a dois anos
O juiz pode impor, cumulativamente, com qualquer outra medida de coacção que legalmente seja admissível ao caso concreto, a suspensão do exercício -Da função pública; -De profissão ou actividade cujo exercício dependa de um titulo público ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública~ ou -Do poder paternal, da tutela, da curatela, da administração de bens ou da emissão de títulos de crédito. Estas medidas devem ser comunicadas -art. 199 nº2
Extinção: (art. 214) a suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos também se extingue logo que atingidos os prazos máximos da sua duração, contados do início da sua execução. São eles:
1. Doze meses sem que tenha sido deduzida
acusação; 2. Vinte meses sem que, havendo lugar a
instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
3 - Trinta e seis meses sem que tenha havido
condenação em primeira instância; 4 - Quatro anos sem que tenha havido
condenação com trânsito em jlugado (cfr. art. 215, n° 1, ex vi do art. 218, n° I).
5 - PROIBIÇÃO DE PERMANENCIA, DE AUSENCIA E DE
CONTACTOS Além da verificação de um dos requisitos gerais que atrás apontámos, para ser aplicada esta medida de coacção é necessário que o crime imputado ao arguido seja punido com pena de prisão superior a três anos.
O juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações de:
.Não permanecer, ou não permanecer sem autorização, na área de uma determinada povoação, freguesia ou concelho ou na residência onde o crime tenha sido cometido ou onde habitem os ofendidos, seus familiares ou outras pessoas sobre as quais possam ser cometidos novos crimes ( art. 200, n° I, al. a)); .Não se ausentar para o estrangeiro, ou não se ausentar sem autorização (art. 200, n° I, al. h)); a proibição de o arguido se ausentar para o estrangeiro implica a entrega à guarda do tribunal do passaporte que possuir e a comunicação às autoridades competentes, com vista à não concessão ou não renovação de passaporte e ao controlo das fronteiras (art. 200, na 3);
Não se ausentar da povoação, freguesia ou concelho do seu domicílio, ou não se ausentar sem autorização, salvo para lugares predeterminados, nomeadamente para o lugar do trabalho (art. 200, n° 1, al. c); .Não contactar com determinadas pessoas ou não frequentar certos meios ou lugares (art. 200, na I, al. d))
As autorizações acima referidas podem, em caso de urgência, ser requeridas e concedidas verbalmente, lavrando-se cota no processo (art. 200, n° 2), e são concedidas pelo juiz, ouvido o Ministério Público.
Extinção: (art. 214) Contudo, a proibição de permanência, de ausência e de contactos também se extingue logo que atingidos os prazos máximos da sua duração, contados do início da sua execução. -seis meses sem que tenha sido deduzida acusação; -dez meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; -dezoito meses sem que tenha havido condenação em primeira instância; -dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. Outros casos:
6 – A OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Está regulada no art. 201 e para além da verificação de um dos requisitos gerais atrás apontados, para ser aplicada, é necessário que haja fortes indícios da prática de um crime doloso, crime esse punível com pena de prisão superior a três anos. Traduzindo-se na proibição imposta ao arguido de se ausentar, ou de se ausentar sem autorização, de habitação própria, ou de outra em que de momento resida.
O nº2 regula a fiscalização do cumprimento desta medida Extinção: (art. 214) Contudo, a obrigação de permanência na habitação também se extingue logo que atingidos os prazos máximos da sua duração, contados do início da sua execução
• dez meses sem que,
havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
-seis meses sem que tenha sido deduzida acusação;
-dezoito meses sem que tenha havido condenação em primeira instância;
-dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
Outros casos:
7 – A PRISÃO PREVENTIVA As restrições ao direito à liberdade só podem ser as que estão previstas nos nºs 2 e 3 do art. 27 da Constituição da República, não podendo a lei criar outras.
Está regulada no art. 202 e para além da verificação de um dos requisitos gerais atrás apontados, para ser aplicada, é necessário
Que haja fortes indícios da prática de um crime doloso, crime esse punível com pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos. Tratar-se de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão. A sua aplicação só tem lugar quando se revele a inadequação ou insuficiência das outras medidas de coacção – art. 202 nº1 - A prisão preventiva tem assim um carácter excepcional.
Extinção: art. 214 - como as restantes medidas de coacção, e ainda, quando tiver lugar sentença condenatória, ainda que dela tenha sido interposto recurso, se a pena aplicada não for superior à prisão já sofrida
Contudo, a prisão preventiva também se extingue logo que atingidos os prazos máximos da sua duração, contados do início da sua execução.
- Seis meses sem que tenha sido deduzida acusação; - Dez meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; - Dezoito meses sem que tenha havido condenação em primeira instância; - Dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. - Outros casos
Medidas de garantia
patrimonial
A sua aplicação depende da prévia constituição como arguido. Obedece ao disposto nos arts. 192 nº2 e 193. É aplicável sempre que exista receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime – 227 nº1
Igualmente é conferido ao lesado a faculdade de requerer que o arguido ou civilmente responsável prestem caução quando haja fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento da indemnização ou de outras obrigações civis derivadas do crime – art. 227 nº 2
Caução económica – art. 227 Arresto preventivo – art. 228
Medidas de coacção
Tipos:
Termo de identidade e residência
Caução
Obrigação de apresentação periódica
Suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos
Proibição de permanência, de ausência e de contactos
Obrigação de permanência na habitação
Prisão preventiva
Medidas de garantia patrimonial
Tipos:
Caução económica
Arresto Preventivo
MEDIDAS DE COACÇÃO
E DE GARANTIA PATRIMONIAL
são aplicadas por despacho do juiz .
Durante o inquérito: a requerimento do Ministério Público
Depois do inquérito: mesmo oficiosamente, ouvido o Ministério Público
Constitui excepção a este regime, o termo de identidade e residência, que pode ser
aplicado pelo Ministério Público ou pelo órgão de polícia criminal, verificados
que sejam as condições do art. 196.
1 - TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
É uma medida de índole diferente das restantes medidas de coacção, desde
logo porque, como se disse pode ser aplicada não apenas pelo juiz, mas também,
pelo Ministério Público e pelo órgão de polícia criminal que dirige a diligência.
Estas entidades sujeitam a termo de identidade e residência todo aquele que
assuma a qualidade de arguido (arts. 58, 60 e 61), mesmo que já tenha sido
identificado nos termos do art. 250 (identificação do arguido e pedido de
informação).
As medidas de
coacção
O termo de identidade e residência vem regulado no art. 196
Neste, o arguido indica:
- a sua residência.
- o local de trabalho
- outro domicílio à sua escolha (nº2 do art. 196)
E deve constar todas as determinações referidas no art. 196 nº 3
xxxxx
Tratada a medida de coacção de termo de identidade e residência, temos
que para a aplicação das restantes medidas de coacção, existem requisitos
comuns:
- Fuga ou perigo de fuga
- Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do
processo e, nomeadamente perigo para a aquisição, conservação ou
veracidade da prova
- Perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de
continuação da actividade criminosa, em razão da natureza e das
circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido.
Ora estes requisitos, são alternativos. Basta a verificação de um deles para
que, conjuntamente com os requisitos especiais previstos para cada uma das
medidas de coacção, estas possam ser aplicadas.
E,
Só podem ser utilizadas quando absolutamente necessárias – Princípio da
necessidade.
Assim, como corolários da razão de ser da aplicação de tais medidas,
surgem igualmente
o Princípio da legalidade – art. 191
o Princípio da subsidariedade
o Princípio da adequação e proporcionalidade – art. 193
xxxxx
2 – CAUÇÃO
A caução, chamada também caução carcerária, tem a função de assegurar a
presença do arguido em audiência de julgamento.
Está regulada no art. 197 e para além da verificação de um dos requisitos
gerais que atrás apontámos, para ser aplicada é necessário que o crime imputado
ao arguido seja punido com pena de prisão.
A caução é sempre cumulável com qualquer outra medida de coacção – art.
205 – à excepção:
Prisão preventiva
obrigação de permanência em habitação
e também a suspensão de exercício de funções, de profissão e de direitos.
A caução pode ser prestada (art.206)
1. depósito
2. penhor
3. hipoteca
4. fiança
5. fiança bancária fiança
Prestada a caução, esta pode vir a ser reforçada ( art. 207) e pode vir a ser
quebrada (art. 208) – casos
A caução é imediatamente revogada, por despacho do juiz, sempre que se
verificar:
- Ter sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
- Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua
aplicação – art. 212 nº1
Contudo pode de novo ser aplicada, se sobrevierem motivos que legalmente
justifiquem a sua aplicação – art. 212 nº2 – respeitando sempre a unidade dos
prazos estabelecidos
Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que
determinaram a aplicação desta medida de coacção, o juiz substitui-a por outra
menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução – art. 212
nº3.
A revogação e a substituição têm lugar:
- Oficiosamente
- A requerimento do Ministério Público; ou
- A requerimento do arguido,
devendo estes, sempre que necessário, ser ouvidos.
Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente
infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre seis e vinte UCs (cfr. art.
212, nº 4).
Extinção da caução: (art. 214)
- Com o arquivamento do inquérito, se não for requerida abertura da
instrução;
- Com o trânsito em julgado do despacho de não-pronúncia;
- Com o trânsito em julgado do despacho que rejeitar a acusação, nos
termos do art. 311, nº 2, al. a);
- Com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto
recurso;
- Com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Se, no caso de recurso de sentença absolutória, o arguido vier a ser
posteriormente condenado no mesmo processo, pode, enquanto a sentença
condenatória não transitar em julgado, ser sujeito a medidas de coacção previstas
neste Código e admissíveis no caso.
Se o arguido vier a ser condenado em prisão, a caução só se extingue com o
início da execução da pena (art. 214 nº 3).
3 – OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PERIÓDICA
Está regulada no art. 198 e para além da verificação de um dos requisitos
gerais que atrás apontámos, para ser aplicada é necessário que o crime imputado
ao arguido seja punido com pena de prisão superior a seis meses.
Como se processa : casos
A apresentação periódica é imediatamente revogada, por despacho do juiz,
sempre que se verificar:
- Ter sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
- Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua
aplicação – art. 212 nº1
Contudo, tal como a caução, pode de novo ser aplicada, se sobrevierem motivos
que legalmente justifiquem a sua aplicação – art. 212 nº2 – respeitando sempre a
unidade dos prazos estabelecidos
Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que
determinaram a aplicação desta medida de coacção, o juiz substitui-a por outra
menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução – art. 212
nº3.
A revogação e a substituição têm lugar:
- Oficiosamente
- A requerimento do Ministério Público; ou
- A requerimento do arguido,
devendo estes, sempre que necessário, ser ouvidos.
Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente
infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre seis e vinte UCs (cfr. art.
212, nº 4).
Extinção : (art. 214)
- Com o arquivamento do inquérito, se não for requerida abertura da
instrução;
- Com o trânsito em julgado do despacho de não-pronúncia;
- Com o trânsito em julgado do despacho que rejeitar a acusação, nos
termos do art. 311, nº 2, al. a);
- Com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto
recurso;
- Com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Se, no caso de recurso de sentença absolutória, o arguido vier a ser
posteriormente condenado no mesmo processo, pode, enquanto a sentença
condenatória não transitar em julgado, ser sujeito a medidas de coacção previstas
neste Código e admissíveis no caso.
Contudo, a obrigação de apresentação periódica também se
extingue logo que atingidos os prazos máximos da sua duração, contados do
início da sua execução. São eles:
- Doze meses sem que tenha sido deduzida acusação;
- Vinte meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido pro- ferida
decisão instrutória;
- Trinta e seis meses sem que tenha havido condenação em pri- meira
instância;
- Quatro anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado
(cfr. art. 215, nº 1, ex vi do art. 218, nº 1).
4 - A SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES, DE PROFISSÃO E DE
DIREITOS
Está regulada no art. 199 e para além da verificação de um dos requisitos
gerais que atrás apontámos, para ser aplicada é necessário que o crime imputado
ao arguido seja punido com pena de prisão superior a dois anos
O juiz pode impor, cumulativamente, com qualquer outra medida de
coacção que legalmente seja admissível ao caso concreto, a suspensão do
exercício
- Da função pública;
- De profissão ou actividade cujo exercício dependa de um título público
ou de uma autorização ou homologação da autoridade pública; ou
- Do poder paternal, da tutela, da curatela, da administração de bens ou da
emissão de títulos de crédito.
Estas medidas devem ser comunicadas – art. 199 nº2
Esta medida de coacção, à semelhanças das anteriores, é imediatamente
revogada, por despacho do juiz, sempre que se verificar:
- Ter sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
- Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua
aplicação – art. 212 nº1
Contudo pode de novo ser aplicada, se sobrevierem motivos que legalmente
justifiquem a sua aplicação – art. 212 nº2 – respeitando sempre a unidade dos
prazos estabelecidos
Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que
determinaram a aplicação desta medida de coacção, o juiz substitui-a por outra
menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução – art. 212
nº3.
A revogação e a substituição têm lugar:
- Oficiosamente
- A requerimento do Ministério Público; ou
- A requerimento do arguido,
devendo estes, sempre que necessário, ser ouvidos.
Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente
infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre seis e vinte UCs (cfr. art.
212, nº 4).
Extinção: (art. 214)
- Com o arquivamento do inquérito, se não for requerida abertura da
instrução;
- Com o trânsito em julgado do despacho de não-pronúncia;
- Com o trânsito em julgado do despacho que rejeitar a acusação, nos
termos do art. 311, nº 2, al. a);
- Com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto
recurso;
- Com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Se, no caso de recurso de sentença absolutória, o arguido vier a ser
posteriormente condenado no mesmo processo, pode, enquanto a sentença
condenatória não transitar em julgado, ser sujeito a medidas de coacção previstas
neste Código e admissíveis no caso.
Contudo, a suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos
também se extingue logo que atingidos os prazos máximos da sua duração,
contados do início da sua execução. São eles:
Doze meses sem que tenha sido deduzida acusação;
Vinte meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido pro- ferida
decisão instrutória;
Trinta e seis meses sem que tenha havido condenação em pri- meira
instância;
Quatro anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado
(cfr. art. 215, nº 1, ex vi do art. 218, nº 1).
5 – PROIBIÇÃO DE PERMANÊNCIA, DE AUSÊNCIA E DE
CONTACTOS
Além da verificação de um dos requisitos gerais que atrás apontámos, para ser
aplicada esta medida de coacção é necessário que o crime imputado ao arguido
seja punido com pena de prisão superior a três anos.
O juiz pode impor ao arguido, cumulativa ou separadamente, as obrigações
de:
Não permanecer, ou não permanecer sem autorização, na área de uma
determinada povoação, freguesia ou concelho ou na residência onde o
crime tenha sido cometido ou onde habitem os ofendidos, seus familiares
ou outras pessoas sobre as quais possam ser cometidos novos crimes (cfr.
art. 200, nº 1, al. a));
Não se ausentar para o estrangeiro, ou não se ausentar sem autorização (art.
200, nº 1, al. h)); a proibição de o arguido se ausentar para o estrangeiro
implica a entrega à guarda do tribunal do passaporte que possuir e a
comunicação às autoridades com- petentes, com vista à não concessão ou
não renovação de passa- porte e ao controlo das fronteiras (art. 200, nº 3);
Não se ausentar da povoação, freguesia ou concelho do seu domicílio, ou
não se ausentar sem autorização, salvo para lugares predeterminados,
nomeadamente para o lugar do trabalho (art. 200, nº 1, al. c));
Não contactar com determinadas pessoas ou não frequentar certos meios ou
lugares (art. 200, nº 1, al. d))
As autorizações acima referidas podem, em caso de urgência, ser requeridas e
concedidas verbalmente, lavrando-se cota no processo (art. 200, nº 2), e são
concedidas pelo juiz, ouvido o Ministério Público.
Esta medida é cumulável com a caução (cfr. art. 205.0) e com a obrigação de
apresentação periódica (art. 200, nº 4)
É revogada sempre que se verificar:
Ter sido aplicada fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua
aplicação (. art. 212, nº 1).
Contudo, pode de novo ser aplicada, sem prejuízo da unidade dos prazos que a
lei estabelecer, se sobrevierem motivos que legalmente justifiquem a sua
aplicação (art. 212, nº 2).
Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que
determinaram a aplicação desta medida de coacção, o juiz substitui-a por outra
menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução (art. 212,
nº 3).
A revogação e a substituição têm lugar:
- Oficiosamente
- A requerimento do Ministério Público; ou
- A requerimento do arguido,
devendo estes, sempre que necessário, ser ouvidos.
Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente
infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre seis e vinte UCs (cfr. art.
212, nº 4).
Extinção: (art. 214)
- Com o arquivamento do inquérito, se não for requerida abertura da
instrução;
- Com o trânsito em julgado do despacho de não-pronúncia;
- Com o trânsito em julgado do despacho que rejeitar a acusação, nos
termos do art. 311, nº 2, al. a);
- Com a sentença absolutória, mesmo que dela tenha sido interposto
recurso;
- Com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Se, no caso de recurso de sentença absolutória, o arguido vier a ser
posteriormente condenado no mesmo processo, pode, enquanto a sentença
condenatória não transitar em julgado, ser sujeito a medidas de coacção previstas
neste Código e admissíveis no caso.
Contudo, a proibição de permanência, de ausência e de contactos
também se extingue logo que atingidos os prazos máximos da sua duração,
contados do início da sua execução.
Assim temos várias situações:
1 – Regime-regra
- seis meses sem que tenha sido deduzida acusação;
- dez meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida
decisão instrutória;
- dezoito meses sem que tenha havido condenação em primeira instância;
- dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
2 – Certo tipo de crimes
- Casos de terrorismo, criminalidade violenta ou allamentc orgam-
zada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de
máximo superior a oito anos ou por crime:
- Previsto nos arts. 299; 312, nº 1; 315, nº 2; 318, nº 1; 319; 326; 331; ou
333, nº 1, do Código Penal;
- De furto de veículos ou de falsificações de documentos a eles respeitantes
ou de elementos identificadores de veículos;
- De falsificação de moeda, títulos de créditos, valores selados, selos e
equiparados ou da respectiva passagem;
- De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou
cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em
negócio;
- De branqueamento de capitais, bens ou produtos provenientes
do crime;
- De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou
crédito;
- Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea
ou marítima.
- Oito meses sem que tenha sido deduzi da acusação;
- Um ano sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida
decisão instrutória;
- Dois anos sem que tenha havido condenação em primeira instância;
- Trinta meses sem que tenha havido condenação com trânsito em
julgado.
3 - Procedimento for por um dos crimes referidos anteriormente e se revelar
de excepcional complexidade devido nomeadamente ao número de
arguidos ou de ofendidos ao carácter altamente organizado do crime:
- Doze meses sem que tenha sido deduzida acusação;
- Dezasseis meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido
proferida decisão instrutória;
- Três anos sem que tenha havido condenação em primeira instância; -
Quatro anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado,
4 - Casos de recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal
tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial:
Casos normais:
- Vinte e Quatro meses sem que tenha havido condenação em primeira
instância;
- Dois anos e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito
em julgado.
Certo tipo de crimes:
- Dois anos e seis meses sem que tenha havido condenação em primeira
instância;
- Trinta e seis meses sem que tenha havido condenação com trân- sito em
julgado.
5 - Procedimento for por um dos crimes referidos anteriormente e se reve-
lar de excepcional complexidade devido nomeadamente. ao número de arguidos
ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime:
- Três anos e seis meses sem que tenha havido condenação em pri- meira
instância;
- Quatro anos e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito
em julgado.
Regime previsto no art. 215, é aplicável à proibição de permanência, de
ausência e de contactos por força do art. 218, nº 2.
O decurso dos prazos que vimos referindo suspende-se quando tiver sido
ordenada perícia cujo resultado possa ser determinante para a decisão de
acusação, de pronúncia ou final, desde o momento da ordem de efectivação da
perícia até ao momento da apresentação do relatório. A suspensão não pode, em
caso algum, ser superior a três meses (cfr. art. 215, nºs 1, al. a), e 2, ex vi do art.
218).
As fases do processo (ordinário e sumário)
A MARCHA DO PROCESSO
FASE: actividade processual desenvolvida em determinado período temporal
1. fase dos articulados 2. fase da condensação 3. fase da instrução 4. fase da audiência final 5. fase da sentença
petição inicial art. 467 – 1º acto do processo. Trâmite que corresponde à entrega da petição inicial na secretaria judicial
Sobre ela incidirá: o despacho liminar, que pode consistir:
• no despacho de indeferimento liminar – art. 474 do
Código de Processo Civil • no despacho liminar de aperfeiçoamento – art. 477 do
Código de Processo Civil • no despacho liminar de citação – arts. 478 e 480
contestação art. 486
• DEFESA
1. por impugnação – defesa directa art. 490 2. por excepção – defesa indirecta – art. 493 do Código de Processo Civil dilatória – absolvição da instância – 494 peremptória – absolvição do pedido - 496
Revelia
- relativa – comparece, mas não contesta
- absoluta – não comparece
operante – efeitos – art. 484 – traduz-se em alterações ao modo de julgamento do processo
inoperante – Ex: acção de divórcio – art. 1408 nº2
réplica art. 502 tréplica art. 503
resposta à tréplica art. 504
articulados supervenientes art. 506
Condensação:
verificação da regularidade do
processo; concretização das questões a resolver
Audiência preparatória art. 508 do Código de Processo Civil
- obrigatória – nº 1 - facultativa – nº3 - tentativa de conciliação – nº 2
ordem dos actos na audiência – art. 509
Despacho saneador art. 510 do Código de Processo Civil despacho pré-saneador Se o juiz verificar uma falta de pressupostos
processuais, daquelas que podem ser sanadas antes da absolvição dainstância, pode nos termos do art. 288 nº2 e 494 nº2 e no prazo de 15 dias, como refere o art. 510 nº1, proferir não despacho saneador, mas despacho pré-saneador para regularizar e sanar esses vícios.
Análise do Art. 511 do Código de Processo Civil
Especificação – factos assentes
- Questionário – factos controvertidos
Instrução:actividade processual tendente a colidir no processo os meios de prova a utilizar e preparar a sua utilização.
Prova: As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – art. 341 do Código Civil.
No Código Civil de 1867: demonstração da verdade dos factos alegados em
juízo. Que prova (meios)?
A audiência final destina-se a facilitar ao julgador a elaboração de uma decisão – a decisão final. E desenrola-se perante o julgador a quem compete tal decisão. Divisões da fase da audiência final:
preparação exame do processo pelos advogados e
pelos juízes adjuntos – arts. 647 e 648
- designação para a audiência final - preparo para julgamento – arts. 96 e 107 do Cód. Custas
• audiência final
Actos Preliminares § constituição do tribunal § chamada das pessoas convocadas § abertura da audiência § exposição preliminar
produção de prova § depoimento de parte – art. 652 nº3 e 559 § exibição de reproduções cinematográficas – arts. 652 nº3 b) e 527 § arbitramento – art. 652 nº3 c) § inquirição de testemunhas – arts. 621, 652 nº3 d), 638 nºs 2 e 4 e 635
discussão de facto / alegações sobre a matéria de facto - – art. 652 nº3 e)
julgamento de facto julgamento de facto / ponderação, decisão redacção do acórdão, publicação, reclamações.
discussão de direito se as partes acordarem em que seja oral – art. 657
actos subsequentes
discussão de direito feita, como é regra, por escrito
vista ao Ministério Público para fiscalização
Definição de sentença / despacho – art. 156 nº2
Conteúdo da sentença: art. 659 do Código de Processo Civil relatório fundamentos decisão data e assinatura do juiz (art. 157
nº1)
Exmº Senhor Vice-Presidente
do Conselho Superior da Magistratura
Pelo o Exmº Vogal do Distrito Judicial de Lisboa foi-nos pedido parecer sobre o
actual serviço no Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures se se justifica a
colocação de mais um Juiz Auxiliar naquele tribunal.
Tal pedido foi precipitado pela exposição feita pela Exmª Sra. Juiz, Dra. Alcina
Maria Cleto Duarte da Costa Ribeiro, Juiz do 1º juízo daquele tribunal e que
actualmente desempenha as funções de Juiz Presidente.
Por uma questão de economia de tempo e custos, agendámos o referido estudo
para o momento da nossa deslocação ao Tribunal de Família e Menores da Comarca de
Loures para a inspecção àquela magistrada, inscrita para inspecção ordinária no Plano
de 2010.
Notificado já o Relatório de Inspecção à Exmª Sra. Juiz, Dra. Alcina Ribeiro,
estamos de momento em condições de satisfazer o que nos é solicitado.
Na nossa deslocação ao Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures e
para este efeito:
I - Colhemos informação sobre a pendência processual nos dois Juízos do
Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures nos anos de 2009, 2010 e 2011.
II - Solicitou-se a cada um dos Juízos informação sobre o número de processos
na posse de cada magistrado com conclusão aberta, para despacho ou sentença, há
mais de 30 dias.
III - Reunimos com a Exmª Juiz exponente e presidente do tribunal, Exmª Sra.
Juiz, Dra. Alcina Maria Cleto Duarte da Costa Ribeiro, que nos entregou e juntámos ao
processo:
o Um estudo que efectuou sobre a situação processual do Tribunal de
Família e Menores da Comarca de Loures
o Uma tabela comparativa sobre as pendências em todas as jurisdições do
Tribunal Judicial de Loures, e
o Um gráfico sobre as pendências nos Tribunais de Família e Menores das
Comarcas de Loures, Amadora, Lisboa e Sintra.
IV – Reunimos ainda com a Exmª Juiz Auxiliar Dra. Catarina Condesso.
*
No requerimento dirigido a V. Exª – cfr. fls. 3 – a Exmª Juiz sugere “… instalar
neste tribunal, enquanto não se efectuam as reformas estruturais adequadas, uma
equipa de recuperação, composta por um Juiz, um Procurador e funcionários judiciais,
para recuperação dos atrasos e andamento normal dos processos”.
Trata-se efectivamente de um pedido/sugestão bastante ambicioso, não
obstante se constatar que a pendência processual do Tribunal de Família e Menores da
Comarca de Loures é bastante elevada face ao VRP estabelecido no Ensaio para a
reorganização da estrutura judiciária, publicado em Janeiro de 2012, no que se refere
aos Tribunais de Família e Menores.
Vejamos o quadro infra no que se referem às pendências no final dos anos de
2009, 2010 e 2011:
JUIZOS
PENDÊNCIA
OFICIAL
Ano
2009
Ano
2010
Ano
2011
1º Juízo1 Cível
Tutelar
526
1428
541
1292
514
1242
2º Juízo2 Cível
Tutelar
399
1325
386
1298
418
1229
As pendências referidas indicam-nos que a jurisdição tutelar tem diminuído de
ano para ano e a jurisdição cível apenas no 2º Juízo sofreu um aumento no último
ano.
1 cfr. fls. 16 a 27
2 cfr. fls. 29 a 40
No entanto aquela diminuição não tem sido provocada por uma diminuição de
entrada processual, sendo que na jurisdição cível assume maior incidência a entrada
de Divórcios e Separações e, na jurisdição tutelar, a entrada de processos ligados ao
exercício do poder paternal (regulação e alteração).
JUIZOS
PENDÊNCIA
OFICIAL (entradas)
Ano
2009
Ano
2010
Ano
2011
1º Juízo3 Divórcios/ Separações
Regulação/ Alteração do exercício do poder paternal
149
662
153
598
152
639
2º Juízo4 Divórcios/ Separações
Regulação/ Alteração do exercício do poder paternal
150
625
143
641
140
670
Verificou-se, efectivamente, um esforço de todos os magistrados e de todos
funcionários para a obtenção dos referidos resultados.
Com efeito, estão ao serviço do Tribunal de Família e Menores da Comarca de
Loures 2 juízes efectivos e 1 juiz auxiliar, com “colocação efectiva” desde Fevereiro de
2003, que distribuem entre si todos os processos.
A Exmª Juiz Auxiliar, Dra. Catarina Condesso, recebe de cada Juízo os números
6, 7 e 8 e respectivos zeros colocados à frente daqueles números e as Exmªs Juízas
Titulares de cada Juízo ficam com os restantes números.
3 cfr. fls. 16 a 27
4 cfr. fls. 29 a 40
O quadro de magistrados do Ministério Público sendo também de 2 Procuradores
Adjuntos, estão ao serviço no Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures 2
Procuradores Adjuntos efectivos e 1 Procurador Adjunto Auxiliar.
O quadro de funcionários judiciais de ambos os Juízos integrando: 1 escrivão; 2
escrivães adjuntos; e 2 escrivães auxiliares, desde finais de 2009 que dispõe:
- o 1º Juízo dispõe de 1 escrivão; 5 escrivães adjuntos; e 2 escrivães auxiliares;
- o 2º Juízo dispõe de 1 escrivão; 4 escrivães adjuntos; e 2 escrivães auxiliares.
Neste momento dir-se-á que o Tribunal de Família e Menores da Comarca de
Loures está a funcionar com um grau de eficiência satisfatória: as pendências foram
diminuindo ligeiramente, as Exmªs Juízas Titulares não possuem processos no seu
gabinete a aguardar despacho com prazo excedido e a Exmª Juiz Auxiliar possui 14
processos do 1º Juízo e 27 processos do 2º Juízo no seu gabinete, com conclusão
aberta há mais de 30 dias – cfr. fls. 64, 65 e 66.
Entendemos porém que este “status quo” é frágil dado que as pendências
processuais existentes continuam a ser muito elevadas5 e o reflexo da presente
conjuntura sócio-económica precipita nos Tribunais de Família e Menores o apelo à
solução de situações de grande desfavorecimento social e familiar por colocar em
perigo o desenvolvimento e formação de crianças e jovens6.
O Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures, criado pelo DL. Nº 186-
A/99 de 31 de Maio, foi instalado em 15-9-1999, com um quadro de 2 juízes, a
abarcar 18 freguesias do Município de Loures e 7 freguesias do Município de Odivelas.
Face ao volume de processos entrados, no Movimento Judicial publicado no DR
II Série de 31-1-2003, foi colocado um juiz auxiliar para exercer funções no 1º e 2º
Juízos, colocação que ainda permanece.
5 As diligências estão a ser marcadas com dilações temporais de 2 a 6 meses.
6 Como tivemos ocasião de constatar na ultima inspecção que fizemos neste Tribunal, os Processos de Promoção e
Protecção na comarca de Loures têm uma elevada projecção derivada do facto de a sua população ser muito
estratificada, com várias proveniências étnicas, com uma adaptação social difícil e com meios de subsistência
deficitários.
Atendendo ao continuado crescimento do volume de entradas, o DL. nº
250/2007 de 29-6 veio a criar um 3º juízo para o Tribunal de Família e Menores de
Loures, que nunca foi instalado com prejuízo para o desempenho a cargo das secções
que têm, ao longo dos tempos, sustentado o exercício de “magistrado e meio”.
Recentemente, e como já referimos, o Ensaio para a reorganização da estrutura
judiciária, publicado em Janeiro de 2012, no que se refere aos Tribunais de Família e
Menores, previu para o Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures a
instalação de 4 secções.
A Exmª Juiz presidente do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Loures
na exposição dirigida a V. Exª concluiu pela necessidade de outro magistrado a
trabalhar naquele tribunal, mas o Ensaio para a reorganização da estrutura judiciária
também concluiu pela mesma necessidade (!).
Mas se a instalação futura de 4 secções no Tribunal de Família e Menores da
Comarca de Loures vai implicar naturalmente a instalação de infra estruturas e pessoal
para o seu funcionamento, Quid Juris quanto à resposta das secções existentes com
dois magistrados a trabalhar para cada uma delas.
A Exmª Sra. Juiz, Dra. Alcina Maria Cleto Duarte da Costa Ribeiro, actual Juiz
Presidente, responde que tal situação é absolutamente viável com o reforço que
actualmente as secções de processos possuem (!).
Exmº Senhor Vice presidente do Conselho Superior da Magistratura o Tribunal
de Família e Menores da Comarca de Loures, como acabámos de relatar, tem tido
desde a sua criação um “crescendo” de volume processual que tem vindo a justificar
ao longo dos tempos um reforço no serviço, colocando primeiro um magistrado; depois
criando um outro juízo; e recentemente a eventual criação de mais duas secções de
processos.
Pensamos que o equilíbrio (?) existente não tem base consistente e tem já um
resquício de atrasos processuais. A colocação de um 4º magistrado no Tribunal de
Família e Menores da Comarca de Loures tornaria o serviço mais fluído e naturalmente
mais célere na resposta junto do cidadão.
No entanto V. Exª, com douto suprimento, melhor apreciará.
Com os melhores cumprimentos
A Inspectora Judicial
________________________________ Maria da Assunção Pinhal Raimundo
(Juiz Desembargadora)
1
PROCESSO DISCIPLINAR Nº 347/2009
Magistrado Judicial arguido: Exmº Juiz Dr. ---
I. Relatório:
Na sessão do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura de
17-11-2009 foi tomada a deliberação de instaurar processo disciplinar à actuação do
Exmº Sr. Juiz Dr. ---, a prestar serviço no Círculo Judicial de Caldas da Rainha.
Finda a instrução e juntos os demais elementos a que alude o art. 117 nº1 da
Lei 21/85 de 30 de Julho (de entre eles, a audição do Exmº Juiz), foi deduzida a
acusação, concluindo-se pelo indício de violações culposas dos deveres de zelo e de
administração da justiça previstas no artº 3º, nºs 3, 4 al. b) e 6 do Dec. - Lei nº
24/84, de 16 de Janeiro, preceito aplicável "ex vi" dos arts. 32º e 131º da Lei nº
21/85 de 30 de Julho, integra, em conformidade com o artº 82 do último diploma
legal citado, a prática reiterada de uma infracção disciplinar e por isso estar em
incurso na pena de suspensão de exercício, prevista no arts. 85 nº1 al. d) da Lei
21/85 de 30 de Julho.
O arguido constituiu advogado nos autos e apresentou a sua defesa a fls. 99 a
119 (que aqui se dá por reproduzida), colocando as seguintes questões:
1. Como questão prévia, arguiu a ilegalidade da acusação por violação do art. 114 do
Estatuto dos Magistrados Judiciais.
2. A nulidade da acusação,
a) Por não ter sido feita a indicação concreta dos deveres violados e das
infracções cometidas.
2
b) Por violação do disposto nos arts. 96 e 117 do Estatuto dos Magistrados
Judiciais, em virtude de a acusação não referir qualquer circunstância
atenuante.
3. No restante, a justificação (impugnação) dos factos, concluindo por um
comportamento isento de qualquer censura disciplinar ou, se assim não se
entender, por uma pena de advertência não registada, suspensa na sua execução.
O arguido juntou documentos e arrolou testemunhas em sua defesa, indicando
os factos a que respectivamente depunham.
Por despacho de fls. 124 solicitou-se ao arguido esclarecimento sobre os factos
indicados à testemunha Des. Dr. João Martins de Sousa em virtude de a acusação
não os possuir.
O arguido respondeu nos termos do seu requerimento de fls. 127, referindo
ter-se tratado de mero lapso e indicou os factos concretamente indicados para a
referida testemunha.
Iniciada já a produção da prova testemunhal veio o arguido, em requerimento
subscrito por si e desacompanhado do seu advogado, a fls. 146, indicar os factos a
que cada testemunha deveria depor.
Tal requerimento foi totalmente desatendido conforme despacho de fls.151.
O arguido reagiu a tal despacho arguindo a sua nulidade - requerimento de fls.
168 - o qual mereceu resposta no auto de fls. 171, mantendo-se o já decidido.
II. Os factos:
Tudo visto e considerando as declarações do Exmº Sr. Juiz Dr. --- (fls. 36 a
38); a prova testemunhal de fls. 156 a 161 (Exmº Procurador Geral Adjunto Dr.
Vinício Ribeiro e Exmº Des. Dr. Manuel Capelo); fls. 165 (Exmº Des. Dr. João José
Martins de Sousa); fls. 171 a 177 (Dra. Manuela Soares de Almeida, com depoimento
também a fls. 71, Sr. Procurador Dr. Manuel Taxa com depoimento também a fls. 39,
3
Dra. Maria Luísa Pimenta e Dr. Júlio Simão); fls. 181 a 185 (Dr. António Oleiro
Maltez, Dra. Helena Leitão e Dra. Isabel Fonseca); fls. 187 (Dra. Cristina Monteiro
Rodrigues); e fls. 189 (Dr. Paulo Coelho); e a prova documental de fls. 23 a 32 dos
Autos de Averiguações, de fls. 28 a 35 dos presentes autos, Acusações e Actas dos
Processos Comuns supra identificados - Apenso I, Ofícios do Exmº Sr. Juiz Dr. ---
enviados ao Conselho Superior da Magistratura – Apenso I, Provimentos nºs. 1/2008
e 2/2009 – fls. 58 dos autos, Actas do Processo Comum Colectivo nº 33/01.0GBCLD,
do 3º Juízo do Tribunal de Caldas da Rainha – Apenso II, Actas do Processo Comum
Colectivo nº 1516/98.2JGLSB e Actas do Processo Comum Colectivo nº
309/07.2TALNH e documento nº9 – Apenso III, certidões de fls.196, 253, 306, 336,
376 destes autos, II volume, dá-se como assente a seguinte a matéria de facto, com
interesse para a decisão:
Em 2 de Outubro de 2009 a Exmª Procuradora Geral Distrital de Lisboa
remeteu ao Conselho Superior da Magistratura uma exposição do Exmº
Procurador da República do Círculo Judicial de Caldas da Rainha, que
denunciava a existência de processos crime nas comarcas do Círculo Judicial
de Caldas da Rainha, cujas decisões haviam sido dadas por apontamento e os
respectivos acórdãos não haviam sido proferidos.
Denunciava ainda a existência de processos cíveis, alguns com intervenção do
Ministério Público, cujas sentenças cíveis não haviam sido proferidas, não
obstante os julgamentos se terem efectuado há vários anos.
Assim, veio a apurar-se que o Exmº Sr. Juiz Dr. ---, em 6-11-2009, detinha
em seu poder para proferir sentença, do 1º Juízo de Caldas da Rainha, 6
acções ordinárias:
Processo nº Data da conclusão
4
775/2001 14-12-2004
298/2002 20-4-2006
952/2002 22-1-2007
857/05.9TBCLD 5-2-2007
2494/03.3TBCLD 13-11-2007
396/2002 20-3-2009
Detinha em seu poder para proferir sentença, do 2º Juízo de Caldas da Rainha,
9 acções ordinárias:
Processo nº Espécie Data da conclusão
3/04.6TBCLD1 Divórcio
Litigioso
25-6-2006
378/1999 18-1-2007
784/2002 18-4-2006
219/1999 21-9-2005
389/2001 Expropriação 15-9-2004
159/2002 23-10-2003
297/2002 7-6-2006
160/1999 22-7-2008
1521/03.9TBCLD 11-4-2008
E detinha em seu poder para proferir sentença, do 3º Juízo de Caldas da
Rainha, 18 acções ordinárias:
Processo nº Espécie Data da Conclusão
1 Em 14-1-2010 o Exmº Juiz arguido já havia proferido sentença e remetido os autos ao juízo.
5
95/06.3TBBBR 20-3-2009
255/2000 20-3-2009
357/05.7TBCLD 16-6-2008
1139/03.6TBCLD 19-9-2007
1497/03.2TBCLD 19-9-2007
1970/03.2TBCLD2 Div. Litigioso 15-12-2005
136-A/2000 Emb. de executado 26-6-2006
378/1999 29-4-2005
375/2002 10-7-2006
466/2001 22-6-2004
294/2002 21-12-2005
12/2001 30-10-2008
1635/06.3TBCLD 16-6-2008
176/07.6TBCLD Div. Litigioso 29-10-2008
388/1999 10-5-2004
451/1999 12-7-2005
106/2000 24-10-2003
274/2000 27-1-2005
Em 5-11-2009, detinha em seu poder para proferir sentença, do 1º Juízo do
Tribunal de Peniche, 12 acções ordinárias:
Processo nº Remetido ao Exmº Juiz
15/2001 26-11-2004
336/1999 6-2-2004
1/2001 14-11-2008
2 Em 14-1-2010 o Exmº Juiz arguido já havia proferido sentença e remetido os autos ao juízo.
6
151/03.0 TBPNI 29-3-2006
654/03.6 TBPNI 18-11-2004
657/03-0 TBPNI 27-1-2005
718/03.6 TBPNI 17-9-2007
521/04.6 TBPNI 11-9-2008
570/05.7 TBPNI 16-4-2008
82/1986 23-6-2004
580/1999 28-2-2005
480/1999 15-6-2005
E detinha em seu poder para proferir sentença, do 2º Juízo do Tribunal de
Peniche3, 7 acções ordinárias:
Processo nº Remetido ao Exmº Juiz
267/2001 11-10-2004
290/2002 27-9-2004
462/03.4 TBPNI 15-9-2005
835/03.2 TBPNI 5-1-2006
97/04.4 TBPNI 25-5-2007
502/04.0 TBPNI 30-4-2008
355/04.8 TBPNI 13-1-2006
Em 9-11-2009, detinha em seu poder para proferir sentença, do 1º Juízo do
Tribunal de Rio Maior, 6 acções ordinárias:
3 Este juízo por solicitação oficiosa informou os autos que em 20-11-2009 haviam dado entrada, com
sentença proferida pelo Exmº Juiz arguido, as Acções de Divorcio Litigioso nºs 3/06.1TBPNI e
580/04.1TBPNI, acções que não constavam da relação de processos que tinham enviado a fls. 28 do
Processo de Averiguações.
7
E detinha em seu poder para proferir sentença, do 2º Juízo do Tribunal de Rio
Maior, 11 acções ordinárias:
Processo nº Remetido ao Exmº Juiz
265/03.6 TBRMR 10-12-2004
378/2002 29-3-2005
324/2001 13-4-2005
106/2001 19-4-2005
227/05.9 TBRMR 29-3-2006
735/04.9 TBRMR 1-2-2007
26/2000 18-12-2007
849/06.0 TBRMR 3-9-2008
618/04.2 TBRMR 4-6-2007
132/04.6 TBRMR 21-4-2008 (em mão)
383/07.1 TBRMR 23-6-2008 (em mão)
Em 6-11-2009, detinha em seu poder para proferir sentença, do Tribunal do
Bombarral 7 acções ordinárias:
Processo nº Espécie Remetido ao Exmº Juiz
56/2000 15-10-2004
57/2002 23-11-2005
106/2002 28-2005
332/2002 15-92004
394/2002 29-3-2005
318/03.3TARMR Emb. Executado 16-2-2006
8
Processo nº Remetido ao Exmº Juiz
171/2000 29-4-2004
174/2002 1-3-2007
338/03.5 TBBBR 24-10-2004
369/03.5 TBBBR 14-3-2005
457/03.8 TBBBR 24-6-2005
426/04.0 TBBBR 13-12-2005
457/04.0 TBBBR 9-1-2006
O Exmº Sr. Juiz Dr. --- para além de ter as sentenças supra referidas há
vários anos para proferir, mantinha consigo cinco Processos Comuns Colectivo
para proferir acórdão, que há muito tinham ultrapassado os 30 dias para
leitura.
Assim, no Processo Comum Colectivo nº 5/07.0IDSTR, do 2º Juízo do
Tribunal de Rio Maior, encontrando-se os arguidos (3) acusados por crimes de
abuso de confiança e de fraude fiscal (arts. 105 nº1 e 103 nº1 a) do RGIT e
nas contra-ordenações do art. 116 e 7 do mesmo diploma legal), após o
julgamento, que se prolongou por 3 sessões, a leitura do acórdão foi marcada
para o dia 21-4-2008.
Porém, não obstante o colectivo de juízes ter deliberado em tempo para ser
lido o acórdão nos 30 dias seguintes à ultima sessão de audiência de
julgamento, o Exmº Sr. Juiz Dr. --- apenas em 23-7-2010 veio a publicar a
decisão e proceder ao depósito do acórdão.
No Processo Comum Colectivo nº 69/00.8TARMR, do 2º Juízo do Tribunal
de Rio Maior, o arguido encontrando-se acusado por crimes de falsificação de
documento e de abuso de confiança (arts. 256 nº1 a), 205 nºs1 e 4 b) e 202
b) do Código Penal – fabrico e emissão de facturas falsas) -, após o
9
julgamento, houve lugar à alteração dos factos nos termos do art. 359 nº 3 do
Código de Processo Penal e a leitura foi designada para 27-2-2009.
Esta data foi alterada por despacho do Exmº Sr. Juiz Dr--- para 6-3-2009.
E, novamente por despacho do Exmº Sr. Juiz Dr. ---, foi alterada para 20-3-
2009.
O sistema “Habilus” dá conta que a conclusão electrónica ao Exmº Juiz foi feita
em 23-3-2009.
Porém, não obstante o colectivo de juízes ter deliberado em tempo para ser
lido o acórdão nos 30 dias seguintes à ultima sessão de audiência de
julgamento, o Exmº Sr. Juiz Dr. --- apenas em 27-7-2010 veio a publicar a
decisão e proceder ao depósito do acórdão.
No Processo Comum Colectivo nº 80/05.2GAPNI, do 2º Juízo do Tribunal
de Peniche, encontrando-se os arguidos (8) acusados, cada um deles, por
vários crimes de furto qualificado (arts. 203 e 204 nº 1 e) do Código Penal),
após o julgamento, que se prolongou por 6 sessões, a leitura do acórdão foi
marcada para o dia 11-6-2008.
Nesta data o Exmº Sr. Juiz Dr. --- procedeu à leitura da decisão do colectivo
“por apontamento”, por não ter o respectivo acórdão elaborado, vindo apenas
a depositá-lo em 23-7-2010, data a partir da qual foi possível executar as
penas aplicadas pelo tribunal colectivo.
A secção de processos elaborou a acta referente a 11-6-2008, na qual o Exmº
Juiz arguido referia que o acórdão, ao ser lido, apresentava lapsos de escrita
não susceptíveis de serem corrigidos de imediato, fazendo ainda referência
que o prazo de recurso só se contaria após o depósito do acórdão.
No Processo Comum Colectivo nº 389/04.2PBCLD, 3º Juízo do Tribunal
de Caldas da Rainha, encontrando-se o arguido acusado pela prática de crimes
de ofensas corporais, de ameaças e de dano com violência (arts. 143 nº1, 153
nºs 1 e 2 e 214 nº1 a) do Código Penal), referindo-se expressamente que o
arguido se encontrava em descompensação clínica evidente, não se
10
encontrando a tomar medicação por recusa do mesmo, a leitura do acórdão foi
marcada para o dia 11-12-2008.
Nesta data o Exmº Sr. Juiz Dr. --- procedeu à leitura da decisão do colectivo
“por apontamento”, por não ter o respectivo acórdão elaborado, vindo apenas
a depositá-lo em 17-5-2010, data a partir da qual foi possível executar a pena
aplicada pelo tribunal colectivo, concretizada numa medida de segurança,
suspensa na sua execução mas sujeita a vários pressupostos.
A secção de processos elaborou a acta da leitura referente a 11-12-2008.
No Processo Comum Colectivo nº 292/03.3TARMR, do 1º Juízo do
Tribunal de Rio Maior, encontrando-se o arguido acusado por um crime de
violação na pessoa da sua filha (arts. 164 nº1 e 177 nº1 al. a) do Código
Penal), após o julgamento, que se prolongou por várias sessões, a leitura do
acórdão foi marcada para o dia 3-3-2008 tendo sido a decisão do colectivo a
aplicação de uma pena de 4 anos de prisão efectiva ao arguido.
Naquela data a decisão foi lida pelo Exmº Sr. Juiz Dr. --- ao arguido “por
apontamento”, por não ter o respectivo acórdão elaborado, vindo apenas a
depositá-lo em 17-5-2010, data a partir da qual foi possível executar a pena
aplicada pelo tribunal colectivo.
Porém o Exmº Juiz arguido, na acta da leitura referira que o acórdão, ao ser
lido, apresentava lapsos de escrita decorrentes do processador de texto, e que
por isso iria ser depositado no dia 11-3-2008.
Situação que o Exmº Juiz arguido sabia não corresponder à verdade,
assinando posteriormente a respectiva acta.
O Exmº Juiz ao ler “por apontamento” as decisões do colectivo impediu o
normal andamento dos processos e evitou que as penas aplicadas aos
arguidos cumprissem, atempada e eficazmente, a finalidade da punição.
Com procedimento descrito o Exmº Juiz arguido gerou desconfiança no público
sobre as decisões dos tribunais, pela incerteza e risco de desconformidade
11
entre o que se lê “por apontamento” e que depois se vem a escrever meses e
anos depois.
No Processo Comum Colectivo nº 389/04.2PBCLD, do 3º Juízo do
Tribunal de Caldas da Rainha, e no Processo Comum Colectivo nº
292/03.3TARMR, do 1º Juízo do Tribunal de Rio Maior, as respectivas
decisões exigiam uma acção imediata da justiça. No primeiro caso a aplicação
de uma medida de segurança, sendo o seu destinatário uma pessoa perigosa e
doente e, no noutro caso, havendo uma pena de prisão efectiva a aplicar, o
perigo de fuga dos arguidos e a continuação da prática criminosa constituíam
riscos evidentes.
Também com os enunciados atrasos na elaboração das sentenças cíveis, em
crescendo desde 2003, o Exmº Juiz arguido originou uma desnecessária
insegurança nos intervenientes processuais dando uma imagem anómala da
actividade dos tribunais e da justiça.
A distribuição processual entre os Juízes de Círculo do Círculo Judicial de
Caldas da Rainha é feita equitativamente.
O Exmº Sr. Juiz Dr. Rui --- desde o ano de 2007, data em que lhe foi
distribuído o Processo Comum Colectivo nº 33/01.0GBCLD, que tem vindo a
adoptar um sistema de adiamentos de várias audiências, sobrevalorizando a
sua dimensão.
Assim, a título de exemplo, na Acção Ordinária nº 83.0TBPNI, do 2º Juízo do
Tribunal de Peniche, em 12-9-2007, adiou o julgamento sine-dia, “… dá-se
sem efeito a data designada para o julgamento do presente
processo, não se designando qualquer data em sua substituição, por
não ser possível, neste momento, quando é que irá terminar o
julgamento po Processo Comum Colectivo nº 33/01.0GBCLD do 3º Juízo
do Tribunal Judicial da comarca de Caldas da Rainha”.
Tendo enviado ao Conselho Superior da Magistratura, em 5-7-2007, uma
exposição sobre a distribuição do referido Processo Comum Colectivo,
12
referindo que por causa do mesmo, se não fossem colocados auxiliares no
Círculo, teria de desmarcar os julgamentos agendados…
Porém o julgamento do referido Processo Comum Colectivo só teve início no
dia 2-10-2007 e, no mesmo ano, só teve outras sessões nos dias 3-10 e 12-
11, sempre apenas de manhã.
Sendo que no ano de 2008 não teve qualquer sessão em virtude de ter sido
deferido um pedido de elaboração de um relatório pericial.
Por despacho do Exmº Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura
de 13-2-2009, a exposição do Exmº Sr. Juiz Dr. --- foi atendida.
E o Exmº Sr. Juiz Dr. --- em 9-3-2009 lavrou um provimento (nº2/2009)
dando prossecução àquele despacho, colocando-se em exclusividade absoluta
para o julgamento do Processo Comum Colectivo nº 33/01.0GBCLD, assim
como os restantes membros do colectivo.
Até à distribuição do Processo Comum Colectivo nº 33/01.0GBCLD, o círculo
judicial de Caldas da Rainha era suportado apenas por dois juízes de círculo,
um dos quais o ora arguido, que tinham de gerir as respectivas agendas dando
margem ao outro para presidir os respectivos julgamentos.
Assim presidiam aos respectivos processos crime em semanas alternadas,
sendo certo que necessitariam de pertencer sempre ao colectivo constituído.
Os julgamentos cíveis eram em grande parte ultrapassados pelos julgamentos
crime, alguns urgentes, e cada vez em maior número, situação que foi dada a
conhecer ao Conselho Superior da Magistratura.
Resultam das actas do Processo Comum Colectivo nº 33/01.0GBCLD que, das
84 sessões de audiência de julgamento, apenas 51 sessões se prolongaram
pelas duas partes do dia, i.é., de manhã e de tarde. Sendo que no ano de
2008 não houve qualquer sessão em virtude de ter sido deferido um pedido de
elaboração de um relatório pericial.
2007 2008 2009 2010
13
MESES Nº DE SESSÕES
Nº DE SESSÕES
Nº DE SESSÕES
Nº DE SESSÕES
JANEIRO 0 0 1 FEVEREIRO - 0 1 1
MARÇO - 0 9 5
ABRIL - 0 10 10
MAIO - 0 13 6
JUNHO - 0 11 2
JULHO - 0 3 2
AGOSTO - 0 1 1*
SETEMBRO - 0 2 2*
OUTUBRO 2 0 1
NOVEMBRO 1 0 1
DEZEMBRO 0 0 2
O Processo Comum Colectivo nº 33/01.0GBCLD é um processo extenso e com
grande complexidade técnica. Refere-se à queda da estrutura metálica
provisória de suporte do tabuleiro do viaduto sobre o rio Fanadia, donde
resultaram algumas mortes, sendo que as eventuais causas do acidente
levantam questões de ordem técnica e de difícil compreensão para juristas.
O Exmº Sr. Juiz --- teve intervenção como Juiz Adjunto no Processo Comum
Colectivo nº 1516/98.2JGLSB, com início em 14-11-2005, e que teve a última
sessão de audiência de julgamento (a 36ª) em 26-10-2006.
O Exmº Sr. --- interveio como juiz adjunto no julgamento do Processo Comum
Colectivo nº 309/07.2TALNH, na comarca da Lourinhã, em Setembro/2009
O Exmº Sr. Juiz Dr. --- iniciou funções como Juiz de Direito em regime de
estágio em Setembro de 1992.
Exerceu funções sucessivamente no 1º juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça
(auxiliar), Vinhais (efectivo), Redondo (efectivo) cumulando com Reguengos
de Monsaraz, Fafe (efectivo), Peniche (efectivo), Bragança (efectivo), Vila real
(efectivo) cumulando com Vila Pouca de Aguiar, Caldas da Rainha, primeiro
com nomeação interina e depois como efectivo. Actualmente encontra-se a
prestar serviço no Círculo Judicial de Portalegre.
* Sessões agendadas.
14
Em Caldas da Rainha o Exmº Sr. Juiz Dr. --- iniciou funções como juiz de
círculo por deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 13-7-2003,
Publicada no DR nº 212, de 13-9-2003, em 18-9-2003. A sua nomeação como
efectivo veio a verificar-se por deliberação do Conselho Superior da
Magistratura de 19-4-2005, publicada no DR nº 85, de 3-5-2005, tendo
tomado posse nesta mesma data.
Do seu certificado de registo individual consta ter sido classificado com as
notações de “BOM”, pelo seu desempenho em Vinhais; “SUFICIENTE”, pelo seu
desempenho em Bragança; “BOM” pelo seu desempenho em Vila Real
(Círculo); “BOM com DISTINÇÃO”, pelo seu desempenho em Vila Real e Caldas
da Rainha (em ambas no Círculo), nesta última até 20-1-2005.
Do seu registo disciplinar apenas consta o presente processo como pendente.
É respeitado e considerado pelos seus pares, gozando de elevada competência
técnica.
O Exmº Sr. Juiz Dr. --- em Abril de 2008 recorreu a ajuda psiquiátrica e, por
via desta, a acompanhamento psicoterapeutico, que ainda mantém.
Encontrava-se então com um quadro sintomatológico de ansiedade e
perturbação emocional intensa.
Resultante de acontecimentos sucessivos do foro pessoal, primeiro a doença
de sua mãe que implicou a sua reforma por invalidez; seguida da doença do
seu pai que após internamento prolongado (desde 19-8-2009) veio a falecer
no dia 23 de Fevereiro de 2010; e ainda à sua rotura conjugal, mediada pela
perda de um nascituro que era a sua esperança para uma reaproximação
amorosa com a sua mulher.
III. Integração jurídica dos factos.
15
1. Alega o arguido, em primeiro lugar, que a acusação foi proferida 37 dias
(úteis) após o início da instrução sendo que esta, nos termos do art. 114 nº1 do
Estatuto dos Magistrados Judiciais deve ultimar-se no prazo de 30 dias.
Conclui que a acusação é ilegal porque violou a citada norma.
Sem necessidade de nos alongarmos, apenas chamamos a atenção do arguido
para o disposto no art. 117 nº1 do mesmo diploma lega.
Com efeito o art. 117nº1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais refere
expressamente que “Concluída a instrução e junto registo disciplinar
do arguido, o instrutor deduz acusação no prazo de 10 dias,
articulando…” (sublinhado nosso).
Estipulando o nº1 do art. 114 do Estatuto dos Magistrados Judiciais que “A
instrução do processo disciplinar deve ultimar-se no prazo de 30
dias” .
Nesta conformidade, não assiste qualquer razão ao arguido encontrando-se
respeitados os dois prazos expressamente consignados no Estatuto dos Magistrados
Judiciais aplicáveis à situação em pareço.
2. Alega ainda o arguido que a acusação é nula por
a) não ter sido feita a indicação concreta dos deveres violados e das infracções
cometidas;
b) e por violação do disposto nos arts. 96 e 117 do Estatuto dos Magistrados
Judiciais, em virtude de a acusação não referir qualquer circunstância
atenuante.
Também nesta parte não assiste qualquer razão ao arguido.
Vejamos:
16
Como bem se retira da acusação dos autos, ela respeita escrupulosamente a
indicação do art. 117 nº1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais
A acusação descreve com clareza os factos indiciados e a dilação dos prazos
verificados para a prolação das decisões finais e, facilmente contabilizáveis nos
quadros elaborados, expressam os deveres indiciariamente violados.
Aliás o arguido entendeu perfeitamente essa imputação fáctica dos deveres
violados, por isso produziu os artigos 31 e 32 da sua defesa, passando a impugnar e
a “justificar” os procedimentos infringidos pelo que, se nulidade houvesse, ela
mostrar-se-ia sanada, por não ter impedido o arguido de exercer o seu direito de
defesa.
Por outro lado, como bem sabe o arguido, na emissão do juízo qualificativo dos
tipos de infracção e na dosimetria concreta da pena, a autoridade administrativa
goza de uma ampla margem de liberdade de apreciação e avaliação, dependente de
critérios ou factores essencialmente subjectivos, por sua natureza imponderáveis.
Por isso, a preterição de critérios legais estritamente vinculados ou a comissão de
erro palmar, manifesto ou grosseiro, mostra-se inócua.
Por tal razão, a regra da tipicidade das infracções, corolário do princípio da
legalidade, só vale no domínio do direito penal, nos demais ramos de direito público
sancionatório, as infracções não têm que ser inteiramente tipificadas – cfr. Ac.
Supremo Tribunal de Justiça de 12-12-2002, Proc. n.º 4269/01 e Ac. do Supremo
Tribunal de Justiça de 31-03-2004, Proc. n.º 1891/03 – www.dgsi.pt.
Alega também o arguido que a acusação não integrou qualquer circunstância
atenuante e, por tal facto, mostra-se ferida de nulidade.
Nos termos do art. 117 nº1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais a acusação
deve integrar circunstâncias agravantes ou atenuantes, que repute indiciados
(sublinhado nosso).
Ora da redacção da citada norma torna-se claro que o relator só integra tais
circunstâncias na acusação quando as repute indiciadas. Se o Relator as não integra
17
na acusação é porque as não encontra indiciadas (!) e caberá então ao arguido, em
sede de defesa, a tarefa de convencer o relator da sua existência.
Também a alusão que o arguido faz sobre a violação do art. 96 do Estatuto
dos Magistrados Judiciais é prematura. Na acusação não se está em sede de
determinação concreta da medida da pena disciplinar e, na sequência do que se
disse, após a acusação segue a defesa do arguido que pode alterar o segmento dos
factos acusatórios.
Pelo exposto, improcedem, na totalidade, as excepções suscitadas pelo
arguido.
3. O Exmº Sr. Juiz Dr. --- na sua defesa veio, em síntese, justificar todo o seu
procedimento com a elevada distribuição do serviço na área do Círculo de Caldas da
Rainha e a ocupação temporal que, em sala de audiência, ocupavam os julgamentos
de processos crime, quer fossem por si presididos quer fossem presididos pelo outro
juiz de círculo mas que o ocupavam como adjunto do colectivo.
E, com o mesmo objectivo, veio alegar um estado de depressão gerado por
uma série de circunstâncias pessoais que condicionaram fortemente a sua
produtividade do desempenho das suas funções.
Muito embora tais argumentos sejam de ponderar, o Exmº Sr. Juiz Dr. ---, em
dimensão bastante acentuada, teve um comportamento globalmente considerado,
mas concretamente traduzido na multiplicidade de factos provados, contrários aos
deveres gerais e especiais subjacentes à função de Juiz.
Com efeito, a infracção disciplinar não é mais do que o desrespeito dos
deveres gerais e especiais decorrentes da função que o juiz exerce.
A esse propósito, dispõe o art. 82 do Estatuto dos Magistrados Judiciais que
“constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos,
praticados pelos magistrados judiciais, com violação dos deveres profissionais, e os
18
actos ou omissões da vida publica ou que nela se repercutam incompatíveis com a
dignidade indispensável ao exercício das suas funções.”
Infringir disciplinarmente não é mais do que desrespeitar um dever geral ou
especial decorrente da função que se exerce.
“A doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar que pode
normalmente ser qualificada como infracção disciplinar qualquer conduta de um
agente que caiba na definição legal, uma vez que a infracção disciplinar é atípica” –
cfr. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, II vol., 9ª edição, pág. 810 –
acrescentando que “ é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que
transgrida a concepção dos deveres funcionais válida para as circunstâncias
concretas da sua posição de actuação” – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 31-3-
2004, Proc. nº 03ª1891, em www.dgsi.pt.
Ora os magistrados judiciais estão sujeitos a determinados deveres
profissionais que se encontram discriminados no Estatuto dos Magistrados Judiciais:
Dever de administração da justiça – art. 3º do EMJ e 202 nº2 da CRP;
Dever de abstenção do exercício de actividades politico-partidárias, de
carácter publico e de não ocupação de cargos políticos – art. 11º do
Estatuto dos Magistrados Judiciais;
Dever de reserva – art. 12º do Estatuto dos Magistrados Judiciais;
Dever de dedicação exclusiva – art. 13º do Estatuto dos Magistrados
Judiciais;
Dever de assiduidade – art. 10º do Estatuto dos Magistrados Judiciais;
Dever de domicílio – art. 8º do Estatuto dos Magistrados Judiciais;
Dever de abstenção de exercício de funções em tribunal ou juízo onde
servem familiares próximos, assim como em tribunais em que tenham
exercido nos últimos cinco anos as funções de Ministério Público ou
tenham tido escritório de advogado – art. 7º do Estatuto dos
Magistrados Judiciais.
19
Além disso, estão também sujeitos, por força dos arts. 32 e 131 do Estatuto
dos Magistrados Judiciais, aos deveres gerais que impendem sobre os funcionários e
agentes da administração central, regional e local – entre os quais se encontram os
deveres de criar no publico confiança na acção da administração, de isenção, zelo,
obediência, lealdade, sigilo, correcção, assiduidade e pontualidade (art. 3º do DL.
24/84 de 16 de Janeiro, actualmente art. 3º do ESTATUTO DISCIPLINAR DOS
TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES PUBLICAS, aprovado pela Lei 58/2008 de 9 de
Setembro.
Como já se afirmou, o Exmº Sr. Juiz Dr. --- teve, sem margem para dúvidas,
um comportamento geral e globalmente considerado, mas concretamente traduzido
em factos provados, contrário àqueles deveres gerais, aos quais está sujeito.
O Exmº Juiz leu “por apontamento” três acórdãos e não os depositou imediata
ou sequer proximamente, desrespeitando os interesses da administração da justiça e
prejudicando os seus destinatários que, legitimamente, recorrem aos tribunais e têm
o direito de sindicarem superiormente as decisões proferidas. Dois destes acórdãos
aplicavam uma pena de 4 anos de prisão efectiva ao arguido (Processo Comum
Colectivo nº 292/03.3TARMR, do 1º Juízo do Tribunal de Rio Maior) e uma medida de
segurança suspensa na sua execução mas sujeita a procedimentos condizentes com
o carácter e perigosidade do arguido (Processo Comum Colectivo nº 389/04.2PBCLD,
do 3º Juízo do Tribunal de Caldas da Rainha). E foram depositados, respectivamente,
2A 2M e 14D e 1A 5M e 6 D, depois daquela “leitura”.
O Exmº Juiz, atenta antiguidade e experiência que possuía, não podia
desconhecer que a sua actuação implicava um esvaziamento da acção da justiça
sobre os arguidos e um risco para as vítimas de poderem sofrer novas ofensas dos
arguidos, nomeadamente a vítima do crime de violação que era filha do arguido…
Mas também o procedimento do Exmº Juiz ao protelar a leitura dos acórdãos
dos processos comuns nºs 5/07.0IDSTR, e 69/00.8TARMR, ambos do 2º Juízo do
Tribunal de Rio Maior para, respectivamente, 2A 3M e 3D e 1A e 5M depois, é
revelador do referido dever de administrar a justiça que se quer pronta, ágil e eficaz.
20
E o conjunto de atrasos verificados também traduzem concretas violações dos
deveres gerais de zelo e de criação de uma boa imagem pública do serviço, além de
violarem normativos processuais que o Exmº Sr. Juiz Dr. --- não pode ignorar.
Verificam-se assim os elementos objectivos (os factos e a ilicitude dos
mesmos) e subjectivos (nexo de imputação) da infracção disciplinar.
Nesta conformidade, cremos que o Exmº Sr. Juiz Dr. --- deverá ser
responsabilizado pela sua conduta, incorrendo na violação das normas dos arts. 3º
nº1 e 82º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e dos arts. artº 3º nºs 1, 3, 4 al. b)
e 6 do Dec. Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, actualmente art.3º nºs2 als. a) e e) 3 e 7
do EDTEFP, aprovado pela Lei 58/2008 de 9/9.
Resta a escolha da pena disciplinar a aplicar.
O art. 96 do Estatuto dos Magistrados Judiciais refere expressamente que na
determinação da medida da pena se atende à gravidade do facto, à culpa do agente,
à sua personalidade e às circunstâncias que deponham a seu favor ou contra ele.
Apurou-se que o Exmº Sr. Juiz Dr. --- em Abril de 2008 recorreu a ajuda
psiquiátrica e, por via desta, a acompanhamento psicoterapeutico, que ainda
mantém.
Encontrava-se então com um quadro sintomatológico de ansiedade e
perturbação emocional intensa resultante de acontecimentos sucessivos do foro
pessoal. Primeiro a doença de sua mãe que implicou a sua reforma por invalidez;
seguida da doença do seu pai que após internamento prolongado (desde 19-8-2009)
veio a falecer no dia 23 de Fevereiro de 2010; e ainda à sua rotura conjugal,
mediada pela perda de um nascituro que era a sua esperança para uma
reaproximação amorosa com a sua mulher.
Aceita-se que a situação exposta possa ter condicionado a produtividade do
Exmº Sr. Juiz no referido período. Mas o Exmº Juiz apenas alega a sua inferioridade
para a elaboração dos acórdãos e sentenças, os julgamentos levou-os a efeito com
destreza, capacidade e competência.
21
Por outro lado os atrasos que constatámos na área cível montam de 2003 e
até a alegada intervenção como juiz adjunto no demorado julgamento do Processo
Comum Colectivo nº 1516/98.2JGLSB teve início em 14-11-2005 e teve a sua última
sessão de audiência de julgamento (a 36ª) em 26-10-2006, sendo certo que as suas
sessões não eram seguidas.
Ora como foi entendido no Acórdão de 21-11-2006 do Conselho Permanente
do Conselho Superior da Magistratura, Proc. nº 152/06, “… um desempenho
profissional que se vem caracterizando há vários anos por longos e
sucessivos atrasos, a sintomatologia obsessivo-compulsiva… e consequente
lentidão comportamental e intelectual não podem servir de perpétua e
sucessiva justificação, em ordem à exclusão de culpa. Interessa, também,
levar em conta os prejuízos que isso vem causando aos cidadãos… O que
não pode é considerar-se saudável e apto ao exercício das funções e,
simultaneamente, insusceptível de juízo de censura disciplinar”.
Sabemos e não podemos ignorar que o Círculo Judicial de Caldas da Rainha é
um círculo extenso e que o serviço que lhe é adstrito assume uma sobrecarga
relevante. Mas a distribuição processual entre os Juízes de Círculo do Círculo Judicial
de Caldas da Rainha é feita equitativamente e apenas se mostrou flagrante o
procedimento do Exmº Sr. Juiz Dr. ---. E o seu procedimento após a obtenção da
exclusividade, em 9-3-2009, para o julgamento do Processo Comum Colectivo nº
33/01.0GBCLD do 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Caldas da Rainha
também em nada o abona.
Com efeito, pelo menos a partir da referida data, com sessões mensais tão
escassas para tal julgamento – cfr. quadro supra - e, mesmo assim, muitas vezes,
durante apenas uma parte do dia, o Exmº Juiz dispôs de tempo mais que suficiente
para lavrar as sentenças e acórdãos em falta. Porém o único serviço que se propôs
fazer até lhe ser instaurado o presente processo disciplinar foi intervir como juiz
adjunto num julgamento na comarca da Lourinhã, Processo Comum Colectivo nº
309/07.2TALNH, em Setembro/2009…
22
Perante o exposto, entendemos que a actuação do Exmº Sr. Juiz Dr. ---
consubstancia uma conduta negligente, que agiu com grave desinteresse pelo
cumprimento dos seus deveres profissionais e que contribuiu para o desprestígio da
justiça, que se pretende pronta e eficaz. Desrespeitou os interesses da administração
da justiça e prejudicou os seus destinatários que, legitimamente, recorrem aos
tribunais e têm o direito de sindicarem superiormente as decisões proferidas.
Afigura–se-nos como justa e equilibrada, aplicar-lhe uma pena de multa ao abrigo
das disposições conjugadas dos arts. 85 nº1 al. b) e 92 do Estatuto dos Magistrados
Judiciais.
Nesta conformidade, tendo em consideração a ponderação a que se refere o
art. 96 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e todas as considerações expendidas,
propomos que o Exmº Sr. Juiz Dr. --- seja disciplinarmente sancionado com a pena
de 45 dias de multa, à taxa diária de 15 €, a descontar no seu vencimento.
Nazaré, 20 de Setembro de 2010
A Inspectora Judicial
_______________________________ Maria da Assunção Pinhal Raimundo
(Juiz Desembargadora)
897/15.0T8VNG-C.P1
Nº Convencional:JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES DESCONTOS NO VENCIMENTO
Nº do Documento: RP20160201897/15.0T8VNG-C.P1
Data do Acordão:01-02-2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Sumário: I - Não constando do artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar
Cível a existência de qualquer limite legal aos descontos para satisfação de prestações
alimentares a menores, por uma razão de coerência normativa e a fim de não pôr em
causa a própria realização do crédito alimentar, entendemos que são no caso em
apreço aplicáveis os limites previstos no artigo 738º do Código de Processo Civil.
II - Não obstante a amplitude da remissão legal constante do nº 4, do artigo 738º do
Código de Processo Civil, atenta a sua razão de ser e a necessidade de concordância
prática dos direitos em confronto – o direito a alimentos do credor de alimentos, de
um lado e o direito à própria subsistência do devedor de alimentos, de outro lado –,
afigura-se-nos que o nº 2, do artigo em apreço é também aplicável à obrigação de
alimentos satisfeita, total ou parcialmente mediante descontos no vencimento.
Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do
Porto:
1. Relatório
Em 09 de fevereiro de 2015, com referência ao processo nº 897/15.0T8VNG,
pendente na Instância Central de Vila Nova de Gaia, Secção de Família e Menores, J3,
B… veio requerer a fixação da prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia
de Alimentos Devidos a Menores, a favor de seu filho C…, em virtude de D…, mãe de
C…, nunca ter prestado a prestação alimentar no montante de cem euros que está
obrigada a pagar desde março de 2003.
Após a liquidação dos montantes em dívida por parte da progenitora do menor C…,
esta foi notificada para os termos do nº 2, do artigo 181º da Organização Tutelar de
Menores, solicitando-se informações sobre a atual situação do requerente e da
requerida junto da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações.
Na sequência de promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, em 28 de maio
de 2015, foi julgado procedente o incidente de incumprimento das responsabilidades
parentais, no que respeita a alimentos, fixando-se em € 16.750,04 o montante em
dívida referente às prestações de alimentos devida ao menor C…, a cargo de D… e
correspondente às prestações de alimentos vencidas e não pagas desde março de
2003 até abril de 2015.
Por despacho proferido em 07 de julho de 2015 decidiu-se que por causa do agregado
familiar em que se insere o menor dispor de um rendimento mensal cuja capitação é
superior ao valor atual do IAS, não era possível determinar a intervenção do Fundo de
Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
Secundando promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, em 08 de outubro
de 2015, proferiu-se o seguinte despacho[1]:
“Como bem assinala o Exmº Magistrado do Ministério Público a fls. 64, do teor da
informação de fls. 53 decorre que, face ao valor mensal do vencimento auferido pela
progenitora/obrigada a alimentos ( € 252,50 [2]) e tendo em conta o limite legal de
impenhorabilidade estipulado no nº 4 do art. 738º do C.P.C., não se mostra viável o
recurso ao mecanismo coercitivo previsto no art. 48º do RGPTC, para assegurar o
pagamento das pensões de alimentos vincendas e devidas ao menor C….
Em consequência, e considerando o já decidido a fls. 50, ponto nº 1, nada temos a
determinar, por ora.”
Inconformado com a decisão que se acaba de transcrever, em 19 de outubro de 2015,
B... interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as
seguintes conclusões:
“1. Nos presentes autos foi julgado procedente o incidente de incumprimento de
responsabilidades parentais quanto a alimentos, devidos ao menor C… pela
progenitora, e, em consequência, foi fixado, em € 16.750,04, o montante em dívida
relativo às pensões de alimentos vencidas e não pagas desde Março de 2003 até Abril
de 2015.
2. Após notificação da entidade patronal da progenitora faltosa, no âmbito de
aplicação do mecanismo coercitivo de pagamento do art.º 189.º da OTM, apurou-se
que a progenitora aufere vencimento mensal no valor de € 252,50.
3. O art.º 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei
n.º 141/2015 de 8 de Setembro, preceitua mecanismo coercitivo necessário para
assegurar o pagamento das prestações de alimentos a menores, já vencidas e as que
se forem vencendo, e impõem dedução ou desconto directo das respectivas quantias
no vencimento, salário, ordenado e outros rendimentos do progenitor inadimplente,
pela entidade empregadora respectiva e entrega directa ao menor, nos mesmos
moldes do entretanto revogado art.º 189 da OTM.
4. O n.º 4 do art.º 738.º do C.P.C. estabelece como limite de impenhorabilidade, para
crédito de alimentos, a quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime
não contributivo.
5. Quantia essa que, ao abrigo do disposto no art.º 7.º da Portaria 286-A/2014 de 31
de Dezembro, está fixada no montante de € 201,53.
6. Auferindo a progenitora vencimento mensal no valor de € 252,50, tal vencimento é
passível de dedução, na medida em que excede o limite legal de impenhorabilidade.
7. Pelo que, mediante aplicação conjugada dos normativos legais supra aludidos à
factualidade constante dos autos, sempre haverá lugar a dedução no salário da
progenitora do montante de €50,97 e entrega do mesmo ao menor, para acorrer, pelo
menos, a parte das necessidades básicas do menor e pagamento parcial de alimentos.
8. O que não sucedeu, pois o despacho recorrido não determinou tal dedução,
verificando-se, assim, preterição absoluta do direito fundamental do menor a
prestação de alimentos, decorrente do dever dos pais à manutenção dos filhos,
constitucionalmente consagrado no art.º 36.º, 5 da C.R.P., preterição que afecta a
dignidade da vida do menor; sendo, portanto, violados os art.ºs 1.º, 18.º e 36.º n.º 5 da
C.R.P. e 1878.º do C.C.
9. Tendo o despacho recorrido desprotegido completamente o menor, nos referidos
direitos, por exoneração da progenitora das responsabilidades parentais respectivas
a que está acometida.
10. Mais se desatendendo, na decisão em crise, ao superior interesse da criança,
sendo, igualmente, violados os princípios que devem nortear o processo tutelar cível,
mormente os consagrados no art.º 4.º, alíneas a) e f) da Lei n.º 147/99 de 01 de
Setembro, na redacção dada pela Lei n.º 142/2015 de 08 de Agosto, ex vi art.º 4.º do
RGPTC, assim como o art.º 48.º do RGPTC.
11. Consequentemente o despacho recorrido ao não determinar dedução e entrega ao
menor de montante do vencimento da progenitora que excede a quantia equivalente
à totalidade da pensão social do regime não contributivo, nos termos em que o faz,
carece de fundamento legal e viola os preceitos constitucionais e disposições legais
supra referidas.”
Não foram oferecidas contra-alegações.
Atenta a natureza estritamente jurídica da questão decidenda, a existência de algum
tratamento jurisprudencial da matéria e a sua relativa simplicidade, com o acordo dos
Excelentíssimos Juízes-adjuntos, decidiu-se dispensar os vistos e nada obstando ao
conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente
nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do
Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem
prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja,
quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
A única questão a decidir é a de saber se deve proceder-se ao desconto do vencimento
da progenitora de C… para pagamento da prestação alimentar devida a este, com
salvaguarda do montante correspondente à totalidade da pensão social do regime não
contributivo.
3. Fundamentos de facto
Os fundamentos de facto relevantes para a apreciação e decisão do objeto do recurso
constam do relatório desta decisão, resultam da força probatória plena dos próprios
autos e não se reproduzem por evidentes razões de economia processual.
4. Fundamentos de direito
Deve proceder-se ao desconto do vencimento da progenitora de C… para pagamento
da prestação alimentar devida a este, com salvaguarda do montante correspondente à
totalidade da pensão social do regime não contributivo?
O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida e pela sua substituição por
decisão que determine o desconto no vencimento da mãe do menor, na parte em que
excede o montante da pensão social não contributiva, ou seja, da quantia de € 50,97,
por mês.
Cumpre apreciar e decidir.
A problemática objeto do presente recurso não é jurisprudencialmente virgem, pois
que sobre a mesma já se pronunciaram, com alguma consonância com o pretendido
pelo recorrente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de maio de 2010,
proferido no processo nº 503-D/1996.G1.S1[3], e o acórdão desta Relação de 02 de
julho de 2015, proferido no processo nº 1017/04.1TQPRT-B.P1, ambos acessíveis no
site da DGSI.
Nos termos do disposto no artigo 48º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível[4],
“[q]uando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as
quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte:
a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias
no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública;
b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo
para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel
depositário;
c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens,
emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a
dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas,
fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados
nas situações de fiéis depositários.
2 – As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e
são diretamente entregues a quem deva recebê-las.”
Uma vez que a entrega do produto dos descontos é feita diretamente ao credor dos
alimentos, na pessoa do seu representante legal, ao invés do que sucede com a
entrega de dinheiro no domínio da acção executiva comum, não há lugar ao concurso
de credores (vejam-se em contraponto com a previsão legal antes transcrita, os
artigos 795º, nº 1, 796º e 798º, todos do Código de Processo Civil).
Não constando do normativo acima transcrito a existência de qualquer limite legal
aos descontos, por uma razão de coerência normativa[5] e como forma de não pôr em
causa a própria realização do crédito alimentar – recordemo-nos da fábula da galinha
dos ovos de ouro –, entendemos que são no caso em apreço aplicáveis os limites
previstos no artigo 738º do Código de Processo Civil.
Assim, o artigo 738º do Código de Processo Civil prescreve o seguinte:
“1. São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários,
prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia
social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer
natureza que assegurem a subsistência do executado.
2. Para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número
anterior, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios.
3. A impenhorabilidade prescrita no nº 1 tem como limite máximo o montante
equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite
mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento, o montante equivalente a
um salário mínimo nacional.
4. O disposto nos números anteriores não se aplica quando o crédito exequendo for
de alimentos, caso em que é impenhorável a quantia equivalente à totalidade da
pensão social da pensão social do regime não contributivo.”
Não obstante a amplitude do nº 4, do artigo 738º do Código de Processo Civil, atenta a
sua razão de ser e a necessidade de concordância prática dos direitos em confronto –
o direito a alimentos do credor de alimentos, de um lado e o direito à própria
subsistência do devedor de alimentos, de outro lado, afigura-se-nos que o nº 2, do
artigo em apreço é também aplicável à obrigação de alimentos. Significa isto, na
leitura que fazemos do preceito, que o valor apurado para efeitos do nº 4 há-de ser
um valor líquido, considerando-se para tanto os descontos legalmente obrigatórios.
No ano de 2014, a pensão social do regime não contributivo foi no montante de €
199,53 (artigo 7º, nº 1, da Portaria nº 378-B/2013, de 31 de Dezembro), sendo no
ano de 2015 no montante de € 201,53 (artigo 7º, nº 1, da Portaria nº 286-A/2014, de
31 de Dezembro).
No caso dos autos, apurou-se que a mãe do menor C… aufere um vencimento mensal
de € 252,50, recebendo, em espécie, subsídio de alimentação no montante global de €
42,80 e descontando, a título de taxa social única, o valor de € 27,78. Assim, deduzido
o valor do desconto obrigatório a título de taxa social única, a mãe do menor aufere o
vencimento líquido de € 224,72, excedendo em € 23,19 o valor da pensão social do
regime não contributivo.
Deste modo, a importância de € 23,19 pode e deve ser descontada do vencimento de
D…, já que, desta forma, o seu vencimento líquido fica com valor idêntico ao da
pensão social do regime não contributivo.
Pelo exposto, o recurso merece parcial provimento devendo o tribunal recorrido
determinar que se proceda à notificação da entidade patronal[6] para proceder ao
aludido desconto ordenado nesta decisão, mensalmente, entregando-o directamente
ao recorrente, na qualidade de representante legal do menor C…[7].
As custas do recurso são a cargo do recorrente e da recorrida na exacta proporção do
decaimento, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que goza o recorrente.
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da
Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação
interposto por B… e, em consequência, em revogam a decisão recorrida proferida a
08 de Outubro de 2015 e ordenam a notificação da entidade patronal de D… para
proceder ao desconto da importância de € 23,19, mensalmente, entregando-o
directamente ao recorrente, na qualidade de representante legal do menor C…,
notificação a efetivar no tribunal recorrido.
Custas a cargo do recorrente e da recorrida na exacta proporção do decaimento, mas
sem prejuízo do apoio judiciário de que goza o recorrente, sendo aplicável a secção B,
da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do
recurso.
O presente acórdão compõe-se de sete páginas e foi elaborado em processador de
texto pelo primeiro signatário.
Porto, 01 de fevereiro de 2016,
Carlos Gil
Carlos Querido
Soares de Oliveira
_______
[1] Notificado por expediente eletrónico elaborado em 08 de Outubro de 2015.
[2] Não obstante o Sr. Juiz a quo tenha ordenado a instrução dos autos com certidão
de folhas 53 a 55, certamente por lapso, não foi a certidão instruída com tais
elementos. Solicitou-se via telefónica as cópias em falta e delas resulta que o
vencimento base de D… é de € 252,50, recebendo subsídio de alimentação, em
espécie, no montante global de € 42,80 e descontando o valor de € 27,78, a título de
taxa social única.
[3] Neste caso apelava-se ao rendimento social de inserção como limiar mínimo de
proteção do devedor, pois inexistia a atual previsão do nº 4, do artigo 738º do Código
de Processo Civil.
[4] Doravante citado abreviadamente como RGPTC.
[5] Não se nos afigura que este apelo a um argumento sistemático constitua um
censurável conceptualismo, como se depreende do acórdão da Relação de Coimbra de
19 de maio de 2015, proferido no processo nº 4865/12.5TBLRA-D.C1, acessível no
site da DGSI, mas antes um esforço no sentido de combater um casuísmo gerador de
insegurança jurídica.
[6] Trata-se da sociedade comercial “E…, Unipessoal, Lda.”, com sede na Rua….
[7] Deverá ter-se o cuidado de logo que se verifique alteração do montante da pensão
social do regime não contributivo se ajustar o valor do desconto de modo a que o
vencimento líquido da mãe do menor após os descontos obrigatórios e o desconto do
possível para satisfação parcial do crédito alimentar do menor C…, nunca fique aquém
do valor daquela pensão, cessando imediatamente os descontos se acaso o
vencimento base deduzido dos descontos legais obrigatórios tiver montante igual ou
inferior ao da pensão social não contributiva que vigorar na data em que os descontos
se deverem efetivar.
33/12.4TBBRR.L1-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA DE MENOR
Nº do Documento: TRL
Data do Acórdão: 28-06-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que introduziu a última reforma
ao Código Civil em matéria de Direito da Família, ficou comummente conhecida pela
“Lei do Divórcio” pelas alterações de vulgo que instituiu no domínio do regime
jurídico do divórcio – e que geraram grande polémica a nível Nacional -
nomeadamente com o fim do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e
com a consagração legal da possibilidade do divórcio ser decretado sem o
consentimento do outro cônjuge.
II - Igualmente o exercício do poder paternal, na forma em que se tornou conhecido
por toda a sociedade civil e comunidade jurídica – quer em termos legais, quer
doutrinários, quer sobretudo a nível jurisprudencial – sofreu profundas alterações,
podendo dizer-se que o novo modelo veio criar uma ruptura em relação àquele que
vigorava e que foi gerador, durante décadas, da jurisprudência que conhecemos nos
Tribunais Portugueses em todas as instâncias.
III - Entre as alterações introduzidas no exercício das responsabilidades parentais
salienta-se o desaparecimento da noção tradicional do poder paternal, com os
progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do
menor, seu filho, nos termos preceituados nos arts. 1901º e segts do Código Civil.
IV - Essa igualdade mostra-se vertida no próprio conceito criado pelo legislador e
denominado de exercício das responsabilidades parentais, em substituição do
clássico e imperante poder paternal. A fixar, por essa via, e sem reservas, a ideia de
igualdade, e abolindo as referências explícitas e directas a um poder
paternal/maternal nitidamente identificador de um género predominante.
V - De acordo com o novo regime a regra é a do exercício em comum das
responsabilidades parentais, com a guarda conjunta, e a excepção o regime da guarda
única, com a entrega e confiança do menor a um só dos progenitores.
VI - A guarda será conjunta ou compartilhada (de acordo com a terminologia
preferida de alguns Autores) consoante o modo ou a forma como são assumidas as
responsabilidades e tomadas as decisões pelos progenitores da criança. Se são
conjuntas as decisões, conjunta será a respectiva guarda. Mas em tal circunstância,
porque o casal já não vive nem reside um com o outro, a criança passará períodos ora
com um, ora com outro, nos termos em que ambos os progenitores, em conjunto e de
comum acordo, assim o decidirem.
VII - Já a guarda alternada implica a alternância de residência dos pais, por certos
períodos. Mas uma alternância efectiva, sem a comunicação entre os progenitores.
VIII - Na guarda alternada cada progenitor decide, à sua maneira, por sua iniciativa e
independentemente do outro, o que será melhor para o filho durante esse período em
que possui a guarda do menor. Tudo se passa de acordo com a vontade de um só dos
progenitores durante esse período de tempo em que o menor está à sua guarda. Em
que um só dos progenitores concentra a autoridade parental e exerce, em pleno, o
poder de decisão.
(Sumário da Relatora)
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO junto do TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DA
COMARCA DO BARREIRO
Instaurou a presente acção de Regulação do Exercício das Responsabilidades
Parentais, em representação da menor identificada nos autos, de 2 anos de idade,
contra seus pais:
- A… e B…
Pedindo que seja regulado o exercício das responsabilidades parentais.
Alegou tão só para o efeito que:
Os pais da menor viveram maritalmente, como se marido e mulher fossem, durante
cerca de 6 anos, mas encontram-se separados há cerca de um mês, tendo a menor
ficado a viver com a mãe, na morada desta.
E porque os Requeridos não estão de acordo sobre a forma de exercerem as
responsabilidades parentais impõe-se efectuar a sua regulação, pedido que formula
ao Tribunal.
2. Designada a data para a realização da conferência a que alude o art. 175º da OTM,
com a consequente citação dos Requeridos, teve lugar a respectiva conferência de
pais.
3. Nessa diligência, presidida pela Juíza “a quo”, os pais da menor lavraram o seguinte
acordo:
a) A menor, C…, fica a residir junto do pai e da mãe, com quem passará uma semana
alternadamente, uma vez que os pais vivem perto um do outro e a menor tem um
grande relacionamento de proximidade com ambos, sendo as responsabilidades
parentais, nas questões de particular importância, exercidas por ambos os
progenitores – art. 1906º, nº 1, do CC, com as alterações introduzidas pela Lei nº
61/2008, de 31 de Outubro;
b) Esse regime terá início de imediato, sendo que na semana de 20/02/2012 em
diante pertence à mãe e a seguinte ao pai e assim sucessivamente;
c) Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos
progenitores, uma vez que a menor reside com ambos;
d) Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos
progenitores, uma vez que a menor reside com ambos.
4. Acordo que foi homologado por sentença pela MMª Juíza, conforme consta de fls.
10 e 11.
5. Inconformado o Ministério Público Apelou, tendo formulado, em síntese, as
seguintes conclusões:
1. As responsabilidades parentais, cujo conteúdo é estabelecido pelo artigo 1878º do
CC, compreende a segurança, saúde, sustento, educação, representação e
administração de bens do menor, sendo que o seu exercício compete aos pais.
2. Quando os pais vivem juntos, quer porque são casados um com o outro ou porque
vivem em condições análogas às dos cônjuges, o exercício das responsabilidades
parentais pertence a ambos os pais, de acordo com o disposto nos arts. 1901º nº 1 e
1911º nº 1 do Código Civil, devendo esse exercício ser levado a cabo de comum
acordo, como refere o art. 1901º nº 2 do mesmo diploma legal.
3. Em caso de separação ou divórcio, estabelece o art. 1906º do CC (aplicável aos
casos de regulação das responsabilidades parentais de menor filho de progenitores
não unidos pelo casamento, por força do disposto no art. 1911º nº 2 do mesmo
diploma) que o exercício daquelas responsabilidades continuam a ser exercidas por
ambos os pais nos mesmos termos que vigoravam na constância do matrimónio ou da
vida em comum.
4. Ainda segundo a mesma disposição legal, o Tribunal deverá fixar a residência do
filho e os direitos de visita.
5. No que concerne à fixação da residência do menor, a lei atribui uma importância
especial a tal escolha, sendo certo que o progenitor a quem o filho é confiado deve
determinar as orientações educativas mais relevantes deste último e o outro
progenitor não as deve contrariar, como determina o nº 3 do art. 1906º do CC.
6. Da formulação legal respeitante à regulação das responsabilidades parentais a lei
mostra que actualmente, como antes, o legislador não quis permitir aquilo que é
vulgarmente designado por “guarda alternada”, ou seja, o facto de a criança viver com
cada um dos progenitores durante um período de tempo idêntico.
7. Atribuir duas residências ao menor, uma em cada um dos pais, tornaria a aplicação
do disposto no nº 3 do art. 1906º do CC impraticável.
8. Ao redigir o novo texto do art. 19006º do CC, o legislador da Lei nº 61/2008, de 31
de Outubro, não admitiu a possibilidade da referida “guarda alternada”, antes tendo
em mente a tradicional “guarda única ou singular”.
9. A actual fórmula legal respeitante à regulação das responsabilidades parentais por
parte dos pais que vivem separados ou estão divorciados não admite que à criança
seja fixada mais que uma residência.
10. A não entender assim e ao homologar um acordo de regulação do exercício das
responsabilidades parentais onde se prevê que a residência do menor seja atribuída a
ambos os progenitores, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 1878º, 1901º,
1906º e 1911º, todos do CC.
11. Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a
decisão recorrida e substituída por outra que não proceda à homologação do acordo
do exercício das responsabilidades parentais
5. Não foram apresentadas contra-alegações.
6. Tudo Visto,
Cumpre Apreciar e Decidir.
II - Os Factos:
- Estão provados os seguintes factos:
1. Os Requeridos são pais da menor C…, melhor identificada nos autos.
2. Os Requeridos viveram um com o outro, como se casados fossem, durante cerca de
seis anos.
3. Encontram-se separados há cerca de 3 meses, atenta a data da realização da
conferência de pais.
4. Desde então a menor – actualmente com 3 anos de idade – passa um dia com cada
um deles.
5. Ambos os pais da menor vivem perto um do outro e a menor tem um grande
relacionamento de proximidade com ambos.
III – O Direito:
1. A questão fulcral nos presentes autos centra-se em saber se:
- Deve manter-se a regulação das responsabilidades parentais nos termos em que
ambos os pais da menor acordaram entre si e foi homologada pelo Tribunal “a quo”
ou se, ao invés, e conforme defende o Ministério Público Apelante, o acordo celebrado
é ilegal.
Entende, para tanto, o MP, que o legislador ao redigir o novo texto do art. 1906º do
CC, através da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, não admitiu a possibilidade da
referida “guarda alternada”, com a criança a viver com cada um dos progenitores
durante um período de tempo idêntico, antes teve em mente a tradicional “guarda
única ou singular”.
Pelo que, atribuir duas residências à menor, uma em cada um dos pais, viola tal
norma.
Entendimento que não pode por nós ser sufragado.
Vejamos porquê.
2. A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que introduziu a última reforma ao Código
Civil em matéria de Direito da Família, ficou comummente conhecida pela “Lei do
Divórcio” pelas alterações de vulgo que instituiu no domínio do regime jurídico do
divórcio - que geraram grande polémica a nível Nacional -nomeadamente com o fim
do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e com a consagração legal da
possibilidade do divórcio ser decretado sem o consentimento do outro cônjuge, nos
termos da nova redacção do art. 1773º do CC.
Sem entrarmos na polémica então suscitada e que rodeou toda a discussão e
aprovação desta Lei, nem na análise dos novos institutos jurídicos criados e/ou
alterados que abarcaram normas do próprio Código Penal - onde se inclui a
tipificação como crime do incumprimento repetido e injustificado, por um dos
progenitores, do regime estabelecido para a convivência do menor, no âmbito do
exercício das responsabilidades parentais, em caso de recusa, de atrasos ou
dificuldades significativas na entrega ou acolhimento do menor, nos termos
estipulados pela alínea c), do nº 1, do art. 249º do Código Penal -,
Não pode, contudo, deixar de se salientar, por ser nessa área que a presente questão
jurídica se enquadra, que o exercício do poder paternal nos moldes em que se tornou
conhecido por toda a sociedade civil e comunidade jurídica – quer em termos legais,
quer doutrinários, quer sobretudo a nível jurisprudencial – sofreu profundas
alterações a ponto de se poder considerar, a par das supra referidas no domínio do
regime jurídico do divórcio, que o novo modelo veio criar uma ruptura em relação
àquele que vigorava e que foi gerador, durante décadas, da jurisprudência que
conhecemos nos Tribunais Portugueses em todas as instâncias.
Referimo-nos, pois, às alterações introduzidas no exercício das responsabilidades
parentais, com o desaparecimento da noção tradicional do poder paternal e com os
progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do
menor, seu filho, nos termos preceituados nos arts. 1901º e segts do Código Civil.
Essa igualdade mostra-se vertida no próprio conceito criado pelo legislador e
denominado de exercício das responsabilidades parentais, em substituição do
clássico e imperante poder paternal.
A fixar, por essa via, e sem reservas, a ideia de igualdade, e abolindo as referências
explícitas e directas a um poder paternal/maternal nitidamente identificador de um
género predominante.
E que se reconhece, em abono da verdade, que durante sucessivas décadas assumiu
um peso preponderante em relação à mãe da criança, com a balança pendendo para
esse lado, e discriminando-se, nesse exercício, a entrega e guarda do menor ao
respectivo pai da criança, com a sua denegação a este. [1]
Essa alteração da expressão “poder paternal” por “responsabilidades parentais”
resplandece em toda a Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, sendo assinalada desde
logo pelo seu art. 3.º, que substituiu tal expressão em todas as disposições da secção II
do Capítulo II, do Título III, do Livro IV do Código Civil.
Ou seja: todas as normas incluídas no Direito da Família, desde a instituição e
regulação das relações jurídicas familiares (art. 1576º e segts do CC), passando pelo
estabelecimento da filiação (art. 1796º e segts do CC) e culminando no poder paternal
(art. 1877º e segts do CC).
Com a alteração radical dos arts. 1091º a 1912º do CC, em que a referência ao
exercício das responsabilidades parentais como pertencendo a ambos os pais
constitui uma constante, conforme se extrai da leitura de tais normas.
Paradigmático e referencial no quadro legal traçado do exercício do poder paternal é
sem dúvida o art. 1906º do CC, que será por nós analisado nos pontos subsequentes, e
no qual se mostra vertida igualmente a ratio que presidiu à alteração do novo regime
nesta matéria.
3. Das normas legais citadas pode assim concluir-se que, uma das alterações mais
expressivas neste domínio radica na consagração legal da expressão exercício das
responsabilidades parentais em caso de divórcio e separação judicial de pessoas e
bens e o conteúdo que a mesma encerra.
Regime que é extensivo aos casais, progenitores da criança, que viveram em união de
facto.
E a colocar a criança e os seus superiores interesses no centro do exercício dessas
responsabilidades parentais, enquanto sujeito de direitos, e para quem os pais devem
assumir as suas responsabilidades, com o respeito pleno pelos seus direitos de modo
a assegurar-lhe um são e harmonioso desenvolvimento e crescimento.
Reconhecendo, como regra geral, a ambos os ex-cônjuges ou unidos de facto, a
responsabilização pela criação, fruto dessa parentalidade. E já não apenas, como
parece querer defender o Ministério Público, o exercício ou a atribuição da guarda e
confiança da menor a um só ex-cônjuge ou a um só progenitor ex-companheiro de
uma união geradora do ser que o legislador erigiu como carecedor de protecção, de
aconchego e de tutela.
Quer isto dizer que, doravante, com a publicação e alterações introduzidas pela Lei nº
61/2008, de 31 de Outubro, não mais serão admissíveis ou defensáveis teorias e
práticas que desconsiderem ou menosprezem a realidade jurídica subjacente e
vertida nesse novo modelo, com a instituição da mudança de paradigma.
Para tanto, em nosso entender, deverão os Tribunais, na análise e aplicação da lei, ao
proferir a decisão ao caso concreto, estar atentos, de modo a impedir que as
alterações consagradas, pese embora a inexistência de tradição jurídica no nosso
Direito, não sejam desvirtuadas por força de interpretações formalistas e
descontextualizadas quer do teor e sentido da lei, quer da realidade social actual que
o legislador, inovando, expressamente acolheu no ordenamento jurídico Português.
4. Reconhecendo-se, embora, que a Lei nº 61/2008 introduziu no âmbito do Direito
da Família essas inovações, que não se extraia desta asserção o reconhecimento de
que se tratou de uma concepção criativa por parte do legislador nacional.
Aliás, essa falta de originalidade é apontada pelo Prof. Jorge Duarte Pinheiro, num
douto artigo da sua autoria dedicado ao tema, sugestivamente apelidado de
“Ideologia e Ilusões no Regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades
Parentais”.
No qual se sublinha que a lei em análise se inspirou nos princípios do Direito da
Família Europeu [2], “que foram sucessivamente publicados em 2004 e 2007, e que
não vinculando os Estados Participantes, tinham em vista criar no legislador Europeu
a adopção de um mesmo modelo”. Tendo a Lei nº 61/2008 acabado por acolher
muitos desses princípios.
Tanto assim que o ilustre Professor, ironizando, refere explícita e mordazmente que:
“os trabalhos preparatórios” desta lei “foram publicados em inglês…”.
Para concluir, no mesmo tom sarcástico, que:
“O comodismo europeísta do legislador português” traduziu-se no “desprezo de
soluções intermédias entre a vida em comum clássica e a ruptura total e definitiva da
vida em comum”… [3]
Soluções que a existir – acrescentamos nós – desde que não colidam com os
princípios e normativos jurídicos que a Lei consagra, devem ser adoptadas pelos
Tribunais na resolução dos casos concretos, após estudo e avaliação da envolvência
pessoal, familiar, económica e social que cada situação de per si encerra, optando-se,
sem receios, por esses desfechos imaginativos e alternativos.
Sem deixar, contudo, de ponderar os interesses superiores da criança e de atender a
todas as circunstâncias relevantes, onde se inclui, naturalmente, o acordo dos pais.
Tal como tenho defendido em diversos Acórdão que relatei, nenhuma decisão a
proferir no âmbito de processos desta natureza tendentes a regular o exercício das
responsabilidades parentais pode abstrair-se do critério orientador e que constitui o
verdadeiro farol que deve nortear o Julgador: o do superior interesse do menor. E
aferi-lo em concreto, sopesando devidamente todos os factores que um conceito
indeterminado desta natureza envolve, é o grande desafio que se coloca a qualquer
Julgador.
Nessa ponderação não se pode alhear das circunstâncias que envolvem a própria
vivência da criança, o meio em que está inserida e que tem sido o seu sustentáculo de
crescimento e desenvolvimento, a forma como se relaciona, em concreto, com cada
um dos respectivos progenitores, …tendo em vista proporcionar ao menor a
tranquilidade indispensável ao desenvolvimento integral e harmonioso da sua
personalidade, … [4]
Assegurando-lhe as condições necessárias para a conservação dessa ligação afectiva e
emocional com ambos os pais.
Tanto mais que todo o processo se desenrola sob a égide da jurisdição voluntária, em
que, como é sabido, o Tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita,
devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e
oportuna.
5. Importa assinalar que as alterações significativas ao regime jurídico das
responsabilidades parentais não se ficaram por aqui.
Tendo o legislador consagrado, como factor regra para esse exercício, que as
responsabilidades parentais relativas às questões da vida do filho devem ser
exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na
constância do matrimónio (ou na constância da união de facto vivenciada pelos pais
da criança antes do término dessa relação).
Regra com assento na nova redacção introduzida ao art. 1906º do Código Civil, que
passou a regular, a partir da Lei nº 61/2008, o exercício das responsabilidades
parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, e declaração de
nulidade ou anulação do casamento no caso de divórcio ou separação.
E cuja redacção é do seguinte teor:
“1 - As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância
para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos
que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta,
em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações
ao outro logo que possível. [5]
2 - Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às
questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos
interesses deste, deve o Tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que
essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores.
3 e 4 …
5 - O Tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com
o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes,
designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada
um deles para promover relações habituais do filho com o outro.
6 …
7 - O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de
manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e
aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de
contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
6. Do que antecede podemos concluir que:
- Resulta quer do conteúdo da norma legal supra citada, quer da análise dos restantes
preceitos legais inseridos na Lei em apreciação, como factores inovadores deste
modelo, os seguintes princípios:
1º - O princípio geral, como regra, para os ex-cônjuges, do exercício conjunto das
responsabilidades parentais relativamente ao menor, seu filho.
2º - O exercício em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na
constância do matrimónio no que concerne às questões de particular importância
para a vida do filho.
3º - Tais regras - de natureza imperativa - devem ser observadas, salvo se o Tribunal,
em decisão fundamentada, entender que tal solução é contrária aos interesses do
menor.
4º - O Tribunal deve determinar a residência do menor tendo em atenção todas as
circunstâncias que se mostrem relevantes.
Para esse efeito impõe-se que pondere, com particular enfoque:
· o interesse do menor;
· o acordo dos pais relativamente ao menor;
· a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais
do filho com o outro;
· a possibilidade do menor manter uma relação de grande proximidade com os dois
progenitores;
· os acordos que os progenitores estabeleçam e que favoreçam amplas oportunidades
de contacto entre ambos e o menor, incluindo a partilha de responsabilidades entre
eles.
Ou seja: a regra é a do exercício em comum das responsabilidades parentais, com a
guarda conjunta, e a excepção o regime da guarda única, com a entrega e confiança do
menor a um só dos progenitores.
Com esta última solução a estar indicada naturalmente para aquelas situações em que
os pais da criança não cheguem a acordo ou para os casos em que o Tribunal assim o
considere conveniente por melhor assegurar os interesses e a segurança da criança.
Devendo, em tal circunstância, fundamentar devidamente a sua decisão.
7. Posto isto, é tempo de incidir a nossa análise sobre as seguintes questões:
- Afinal em que consiste o exercício conjunto das responsabilidades parentais com a
guarda conjunta de ambos os progenitores?
- Implicará este regime que as crianças residam alternadamente com ambos?
- E em caso afirmativo não estaremos antes perante uma guarda alternada,
inadmissível à face da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro?
Explicitando.
8. Pode dizer-se que, à luz dos normativos legais em análise, o exercício conjunto das
responsabilidades parentais exige que todas as questões relevantes da vida da criança
sejam tomadas em conjunto pelos progenitores.
A razão de ser da implementação deste regime prende-se com a necessidade de
responsabilizar e envolver ambos os pais na vida quotidiana e na educação da
criança, de modo a estimular a convivência e o relacionamento mútuos com o menor,
depois do divórcio, separação, afastamento ou fim da relação entre o casal que gerou
a criança e após essa ruptura conjugal ou de vivência/convivência em situação
análoga à dos cônjuges.
E por sua vez incrementa a participação de ambos os pais na vida da criança, com o
acompanhamento do seu desenvolvimento e crescimento, permitindo a sedimentação
e fortalecimento da autoridade conjunta dos pais.
Nessa envolvência conjunta saem reforçados os interesses da criança com a
consequente salvaguarda e protecção dos seus direitos, nomeadamente o direito a
conviver com o seu pai e a sua mãe, sem a exclusão de nenhum dos progenitores,
impedindo-se, desta forma, que depois da ruptura entre ambos, um deles – aquele a
quem não era tradicionalmente confiado o menor – se afaste da vida da criança e se
torne um estranho, consequência que a mera fixação de um regime legal de visitas
pelo Tribunal e de contribuição mensal para o sustento do filho por si só, como é
sabido, não lograva alcançar.
Por conseguinte, as vantagens são inequívocas, porquanto além de eliminarem os
conflitos, reduzem os efeitos do impacto da separação dos pais nas relações parentais,
e nas que se estabelecem entre os progenitores e os respectivos filhos, com a
envolvência directa e conjunta de ambos os pais.
Fortalecendo assim a actividade e os laços afectivos entre os filhos e os pais e
reforçando, por esta via, o papel parental. [6]
A igual conclusão chegou o nosso STJ, podendo ler-se num dos seus Acórdãos que:
“A Lei 61/2008, de 31.10, veio alterar não só a terminologia legal, substituindo a
designação de poder paternal por responsabilidades parentais, assim pretendendo
em nome dos superiores interesses dos menores afectados por situações familiares
dos seus pais, defendê-los e envolver os progenitores nas medidas que afectem o seu
futuro, coenvolvendo-os e co-responsabilizando-os, não obstante a ruptura conjugal,
preservando relações de proximidade, e consagrando um regime legal em que mesmo
o progenitor que não detenha o poder paternal deve ser ouvido e, assim, ser co-
responsável pela educação e destino do filho, estando em causa “questões de
particular importância para a vida do filho”, que, em regra, passam a ser exercidas em
comum e ser objecto de informação recíproca – nº 1 do art. 1906º do Código Civil”. [7]
Aqui chegados importa responder à questão supra equacionada:
- Como é que se desenrola na prática essa responsabilidade e participação activa e
conjunta, exercida por ambos os pais, quanto à residência da criança, uma vez que os
progenitores deixaram de viver em comum?
- Como se efectiva essa guarda conjunta (de ambos) os progenitores?
É claro que a resposta a estas questões impõe que não se confundam, antes se
clarifiquem, os respectivos conceitos de guarda conjunta e guarda alternada.
9. A guarda será conjunta ou compartilhada, de acordo com a terminologia preferida
de alguns Autores, consoante o modo ou a forma como são assumidas as
responsabilidades e tomadas as decisões (conjuntas) pelos progenitores da criança.
Se são conjuntas as decisões, conjunta será a respectiva guarda. Mas em tal
circunstância, porque o casal já não vive nem reside um com o outro, a criança
passará períodos ora com um, ora com outro, nos termos em que ambos os
progenitores, em conjunto e de comum acordo, assim o decidirem.
O facto de nesse caso a criança residir ora com um, ora com outro dos progenitores,
não lhe retira a natureza de guarda conjunta, porquanto o que releva é a realidade
que lhe subjaz: a da partilha e compartilhamento da responsabilidade parental por
ambos os pais relativamente a todas as decisões que envolvem a vida do seu filho.
Já a guarda alternada implica a alternância de residência dos pais, por certos
períodos. Mas uma alternância efectiva, sem a comunicação entre os progenitores.
Na guarda alternada cada progenitor decide, à sua maneira, por sua iniciativa e
independentemente do outro, o que será melhor para o filho durante esse período em
que possui a guarda do menor.
Sem auscultar a opinião do outro.
Decisões que abarcam o desenrolar da vida da criança durante todo esse período, na
sua rotina diária, quer no domínio escolar, quer nos restantes: quanto às companhias,
saídas, diversão, etc.
Não há partilha nem comunhão ou identidade nas decisões entre os progenitores.
Tudo se passa de acordo com a vontade de um só dos progenitores durante esse
período de tempo em que o menor está à sua guarda. Em que um só dos progenitores
concentra a autoridade parental e exerce, em pleno, o poder de decisão. À sua
maneira.
A este propósito, explicitando o sentido deste regime, pode ler-se o seguinte:
“A guarda alternada caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deter a
guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser um ano
escolar, um mês, uma semana ou uma parte da semana… e, consequentemente,
durante esse período de tempo, deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-
deveres que integram o poder parental”.
No termo desse período, os papéis invertem-se.
“Nesse contexto, enquanto um dos progenitores exerce a guarda no período que lhe
foi reservado com todos os atributos que lhe são próprios (educação, sustento, etc.)
ao outro se transfere o direito de visitas… E no final, independentemente de
determinação judicial, a criança faz o caminho de volta”. [8]
Este tipo de guarda permite apenas “o revezamento de lares” ou “domicílios
alternados”, situação em que o pai e a mãe do menor alternam a guarda dos filhos
mas decidindo, no período em que com eles estiverem, como se fossem guardião
único”. [9]
Não há, neste caso, decisões conjuntas dos pais do menor relativamente à vida
quotidiana do filho.
Com os inconvenientes que são reconhecidos no que respeita “à consolidação dos
hábitos, valores, e ideias na mente do menor”, com prejuízo para a formação da sua
personalidade, face à alternância entre casas e pais, com padrões de vida diferentes.
Daí que Autores, como Maria Clara Sottomayor, defendam que “é inconveniente à boa
formação da personalidade do filho ficar submetido à guarda de pais, separados,
durante a semana, alternadamente… pois compromete o equilíbrio da criança, a
estabilidade do seu quadro de vida e a continuidade e unidade da sua educação, pois
não garante a colaboração dos pais no interesse da mesma”. [10]
O mesmo porém já não acontece na guarda conjunta, porquanto esta, como se viu,
nasceu centrada na perspectiva do interesse dos filhos. E exige a colaboração dos
pais. Sendo nessa colaboração que reside o regime de exercício compartilhado ou da
guarda conjunta em prol e benefício do menor.
Onde as decisões sobre a vida do menor são conjuntas.
Pelo que, no âmbito da guarda conjunta, e diferentemente da guarda alternada, existe
somente a mudança de um ambiente físico determinado.
Mas mantêm-se os projectos e decisões em comum, com ambos os pais a partilharem
e a envolverem-se no crescimento da criança, pese embora o final da relação conjugal
ou de vida em comum.
Assegurando, por essa via, o saudável e equilibrado desenvolvimento da criança, ou
do adolescente, sem estarem de costas voltadas, numa aproximação que reduz a
conflitualidade nas relações e permite o diálogo sobre as orientações educativas mais
relevantes a adoptar em relação ao menor e as questões de particular importância
que envolvam a vida deste, nos termos aludidos nos nºs 1 e 3 do art. 1906º do CC.
Não deixando de ser conjunta pelo facto de qualquer um dos progenitores ser
confrontado com a necessidade de agir sozinho, porquanto, neste caso, sempre
deverá prestar informações ao outro nos precisos termos impostos pelo normativo
legal citado.
10. Posto isto e reportando-nos ao caso concreto constatamos que no âmbito do
presente processo foi obtido o acordo para o exercício da responsabilidades parentais
entre ambos os progenitores da criança.
Acordo que se firmou no sentido do exercício conjunto dessas responsabilidades, nos
termos que os autos documentam.
O que denota que não existe entre os progenitores da menor um ambiente de
crispação que se projecte na relação com a filha. E permite igualmente inferir que ao
privilegiarem uma solução de consenso desta natureza estão simultaneamente a
salvaguardar os interesses da menor, sendo certo que, por sua vez, esta só beneficia
em manter um contacto estreito e permanente com ambos os progenitores. E não
apenas com um deles.
Acordo que obteve decisão favorável do Tribunal “a quo” e que não colide com o
preceituado no art. 1906º do CC, na redacção introduzida pela Lei nº 61/2008.
E assim sendo, não se compreende a razão pela qual o MP pretende ver alterado tal
acordo. Nem quais os interesses que podem ter sido infringidos ou violados.
Acresce que a existência desse acordo, além de elucidativo sobre as intenções dos
pais – pois revela preocupação em defender os interesses da criança –, está
expressamente acolhido na lei.
Com efeito, prevê-se no nº 7 do art. 1906º do CC que:
“O Tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de
manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e
aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de
contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
Ora, resultando dos autos que:
- foi tomada a decisão em conjunto sobre o exercício das responsabilidades parentais
por acordo de ambos os pais,
- existe uma proximidade residencial entre ambos os progenitores, que vivem perto
um do outro,
- a menor tem um grande relacionamento de proximidade com ambos os pais,
Não se vislumbram obstáculos de natureza fáctica e jurídica que obstem a que o
Tribunal homologue um acordo desta natureza, assegurados como estão os interesses
da criança, com a existência dessa relação de proximidade entre os progenitores – e
que se estende à relação de proximidade residencial – e em face do comum acordo
dos pais.
Por conseguinte, bem andou o Tribunal “a quo” quando decidiu homologar o acordo.
11. Por outro lado, estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária – art.
150º da OTM e art. 1410º do CPC - no qual o Tribunal não está sujeito a critérios de
legalidade estrita.
Antes se impõe a busca da solução mais justa e oportuna que, ponderando as
circunstâncias concretas que rodeiam a vivência pessoal desta família, contemple a
salvaguarda dos interesses da menor.
E é com base nessa ponderação que caberá ao Tribunal decidir sem estar arreigado a
formalismos e práticas desfasadas do contexto e realidade social actuais, e
desajustadas da factualidade que envolve o caso concreto.
Não sendo defensáveis a implementação de soluções que, no passado, eram aplicadas
maioritariamente, porquanto nos tempos hodiernos o quadro legislativo e a realidade
económico-social são bem diversas daquelas.
12. Salienta-se por fim que, as relações familiares são definidas e desenrolam-se por
excelência no seio da própria família e não cabe ao Estado interferir a todo o custo
nas relações privadas que os cidadãos adoptem e estabeleçam entre si, convictos de
que são as melhores e as mais adequadas para os seus filhos, no quadro de vivência
pessoal e social que possuem e querem manter.
Não deve, por isso, o Estado sobrepor-se à sua vontade. Muito menos quando não está
em causa a violação de nenhuma norma jurídica ou a defesa da ordem pública.
É aos pais que compete, em primeira linha, escolher o querem para os seus filhos.
Perspectivando o melhor que lhe podem dar, dentro das suas possibilidades e do seu
saber, quer nas vertentes do foro pessoal, educacional, económico ou quanto às
próprias necessidades afectivas e emocionais que visam satisfazer tendentes a
alcançar a sua própria realização pessoal.
Sendo inclusivamente discutível e questionável se, no quadro traçado, de amplo
consenso e acordo entre as partes, e entre estas e o Tribunal que homologou o acordo,
até que ponto, nestas circunstâncias, será legítimo ao MP intervir em sede de
recurso…
Razão pela qual se decide, sem mais considerações, julgar improcedente a presente
Apelação.
IV – Em Conclusão:
1) A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, que introduziu a última reforma ao Código
Civil em matéria de Direito da Família, ficou comummente conhecida pela “Lei do
Divórcio” pelas alterações de vulgo que instituiu no domínio do regime jurídico do
divórcio – e que geraram grande polémica a nível Nacional - nomeadamente com o
fim do divórcio por violação culposa dos deveres conjugais e com a consagração legal
da possibilidade do divórcio ser decretado sem o consentimento do outro cônjuge.
2) Igualmente o exercício do poder paternal, na forma em que se tornou conhecido
por toda a sociedade civil e comunidade jurídica – quer em termos legais, quer
doutrinários, quer sobretudo a nível jurisprudencial – sofreu profundas alterações,
podendo dizer-se que o novo modelo veio criar uma ruptura em relação àquele que
vigorava e que foi gerador, durante décadas, da jurisprudência que conhecemos nos
Tribunais Portugueses em todas as instâncias.
3) Entre as alterações introduzidas no exercício das responsabilidades parentais
salienta-se o desaparecimento da noção tradicional do poder paternal, com os
progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do
menor, seu filho, nos termos preceituados nos arts. 1901º e segts do Código Civil.
4) Essa igualdade mostra-se vertida no próprio conceito criado pelo legislador e
denominado de exercício das responsabilidades parentais, em substituição do
clássico e imperante poder paternal. A fixar, por essa via, e sem reservas, a ideia de
igualdade, e abolindo as referências explícitas e directas a um poder
paternal/maternal nitidamente identificador de um género predominante.
5) Devem, por isso, os Tribunais, na análise e aplicação da lei, e ao proferir a decisão
ao caso concreto, estar atentos, de modo a impedir que as alterações consagradas,
pese embora a inexistência de tradição jurídica no nosso Direito, não sejam
desvirtuadas por força de interpretações formalistas e descontextualizadas quer do
teor e sentido da lei, quer da realidade social actual que o legislador, inovando,
expressamente acolheu no ordenamento jurídico Português.
6) De acordo com o novo regime a regra é a do exercício em comum das
responsabilidades parentais, com a guarda conjunta, e a excepção o regime da guarda
única, com a entrega e confiança do menor a um só dos progenitores.
7) A guarda será conjunta ou compartilhada (de acordo com a terminologia preferida
de alguns Autores) consoante o modo ou a forma como são assumidas as
responsabilidades e tomadas as decisões pelos progenitores da criança. Se são
conjuntas as decisões, conjunta será a respectiva guarda. Mas em tal circunstância,
porque o casal já não vive nem reside um com o outro, a criança passará períodos ora
com um, ora com outro, nos termos em que ambos os progenitores, em conjunto e de
comum acordo, assim o decidirem.
8) Já a guarda alternada implica a alternância de residência dos pais, por certos
períodos. Mas uma alternância efectiva, sem a comunicação entre os progenitores.
9) Na guarda alternada cada progenitor decide, à sua maneira, por sua iniciativa e
independentemente do outro, o que será melhor para o filho durante esse período em
que possui a guarda do menor. Tudo se passa de acordo com a vontade de um só dos
progenitores durante esse período de tempo em que o menor está à sua guarda. Em
que um só dos progenitores concentra a autoridade parental e exerce, em pleno, o
poder de decisão.
V - Decisão:
- Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação.
- Sem Custas, por delas o MP estar isento.
Lisboa, 28 de Junho de 2012.
Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
António Manuel Valente
Ilídio Sacarrão Martins
---------------------------------------------------------------------------------------
[1] Com inversão, é certo, dessa prática nestes últimos anos, conforme ressalta da
jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, com a entrega e guarda da criança ao
pai.
[2] E que, de acordo com o Prof. Jorge Duarte Pinheiro, ilustre docente da Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, “teve como objectivo a harmonização dos
Direitos da Família na Europa” de forma que foi “criada a Comissão de Direito da
Família Europeu que elaborou os princípios em duas áreas: o divórcio e alimentos
entre ex-cônjuges e as responsabilidades parentais” – cf. obra citada, fls. 12.
[3] Neste sentido cf. Prof. Jorge Duarte Pinheiro, in obra citada, pág. 13.
[4] Conclusão vertida no Acórdão que relatei recentemente, em 21 de Março de 2012,
neste Tribunal da Relação e Secção, na Apelação nº 8544/09.2T2SNT-A.L1. Embora a
questão aí versada se centrasse na análise de uma situação apelidada de “Síndrome
de Alienação Parental”, ao abrigo do regime anterior vigente, nem por isso, nesta
parte, deixa de manter actualidade.
[5] Os sublinhados são nossos.
[6] Conclusão que pode ser recolhida em Grisard Filho, no seu artigo sobre o “Novo
Modelo de Responsabilidade Parental” em que analisa a Lei Brasileira, que suscita
questões de igual natureza conceptual - cf. Waldir Grisard Filho, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 2000.
[7] Neste sentido cf. o Acórdão do STJ, datado de 28/Setembro/2010, relatado pelo
Cons. Fonseca Ramos, in www.DGSI.pt.
[8] Sublinhado nosso. Neste sentido cf. Maria Alice Zaratin Lotufo, in “Direito de
Família”, 2000, págs. 274 e segts, a quem pertence também a citação que consta do
parágrafo anterior.
[9] Cf. Everaldo Cambler, in RT., São Paulo, 2002.
[10] Neste sentido cf. Clara Sottomayor, in “Regulação do Exercício do Poder Paternal
nos Casos de Divórcio”, 4ª Edição, 2002.
1480/11.4TMPRT.P1
Nº Convencional:JTRP000
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS
ACORDO DOS PROGENITORES
Nº do Documento: RP201204231480/11.4TMPRT.P1
Data do Acórdão: 23-04-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais:5ª SECÇÃO
Área Temática:
Legislação Nacional: ARTº 2004º, Nº 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - É obrigação judicial a fixação de alimentos a favor do menor,
alimentos devidos pelo progenitor com ele não convivente, mesmo que ao obrigado
não se conheçam bens, rendimentos ou modo de vida.
II - O acordo dos progenitores de que se não fixam alimentos não pode, pois, ser
homologado.
Processo n.º 1480/11.4TMPRT.P1
Recorrente – Ministério Público, em representação do menor B…
Recorridos – C… e D…
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
1 – Relatório
1.1 – O processo na 1.ª instância
Em representação do menor B…, nascido em 10.05.1994, o Ministério Público veio
requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais que impendem
sobre os requeridos C…, seu pai, e D…, sua mãe.
Invocou a relação de filiação e a circunstância de os pais não viverem juntos.
Acrescentou que o menor vive com a mãe e que o pai não tem com ele quaisquer
contactos nem contribui para o seu sustento, e que os pais não estão de acordo
quanto à forma de exercer as responsabilidades parentais.
Realizadas diligências processuais, os requeridos foram citados e ambos estiveram
presentes na conferência, onde, depois de tomadas declarações ao pai e à mãe do
menor, foi tentado o acordo entre eles, conseguido nos seguintes termos:
"Residência e exercício das responsabilidades parentais:
A guarda e a residência do menor B… ficará a cargo da mãe.
As responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do menor e às
questões de particular importância para a vida do menor serão exercidas em
exclusivo pela progenitora, uma vez que o progenitor nunca contribuiu para o
sustento do menor, mesmo quando podia, nem nunca procurou o menor, só tendo
estado uma vez com ele, mostrando-se por essa via desinteressado pelo
desenvolvimento e crescimento do menor.
Regime de Convívios:
O regime de visitas será livre, devendo as mesmas serem combinadas entre os
progenitores e o menor, atenta a idade do mesmo.
Alimentos:
Atenta à condição precária do progenitor, não se fixa qualquer quantia a título de
pensão de alimentos ao menor".
O acordo foi homologado nos termos da sentença de fls. 25, onde se escreveu: "Atento
o objeto, a forma do processo e as pessoas intervenientes, tendo em conta que estão
devidamente salvaguardados os superiores interesses do menor B… e verificados os
pressupostos no artigo 1906º do Código Civil homologo por Sentença o acordo obtido
com todas as legais e necessárias consequências, atento o disposto no nº 1 do artigo
177º da O.T.M."
1.2 – Do recurso
Discordando, o Ministério Público veio apelar a esta Relação, uma vez que considera
que a 1.ª instância, mal em seu entender, "na sequência de acordo dos progenitores
nesse sentido, não fixou qualquer prestação de alimentos a favor do menor nem
condenou o progenitor a pagá-la". Depois de profunda motivação, citando abundante
doutrina e jurisprudência, o recorrente formula as seguintes conclusões (que, pela
sua extensão mas com fidelidade ao conteúdo, se resumem):
1 – Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e igualmente,
os cônjuges, têm iguais deveres quanto á capacidade civil e política e à manutenção e
educação dos filhos – 36.º, n.ºs 3 e 5 da CRP.
2 – Todas as crianças são titulares do direito à proteção da sociedade e do estado,
com vista ao seu desenvolvimento integral – artigo 69.º da CRP.
3 – Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes,
prover ao seu sustento e dirigir a sua educação – artigo 1878.º, n.º 1 do CC.
4 – É dever dos pais esforçarem-se e diligenciarem com zelo e prontidão para
proverem o sustento e manutenção dos filhos.
5 – Os alimentos serão proporcionais aos meios de quem houver de prestá-los e às
necessidades daquele que houver de recebê-los – artigo 2004.º do CC.
6 – Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e
vestuário e instrução e educação do alimentando, no caso de este ser menor – artigo
203.º do CC.
7 – O critério – concorrente com outros – dos "meios do obrigado, para fixação dos
alimentos, é apenas um aspeto a considerar, a par das necessidades do alimentando,
não sendo necessário tal conhecimento para a fixação de alimentos, cuja orientação
deve obedecer ao superior interesse da criança e do menor.
8 – Com efeito, apesar do princípio da proporcionalidade (2004.º do CC), tal não
significa que não devem ser fixados os alimentos quando não for possível apurar as
condições económicas do progenitor que há de prestá-los, só que, nesses casos,
impõem-se que o seu quantitativo seja determinado em termos de equidade, não se
justificando uma quantia meramente simbólica, mas também não sendo possível
atribuir-se quantia muito elevada ou desproporcionada.
9 – As possibilidades dos pais, por modestas que sejam, partirão sempre da
consideração que tudo devem fazer e esforçar-se para sustentar e educar os filhos,
considerando o conteúdo das responsabilidades parentais, pelo que deve ser este o
ponto de partida para a fixação dos alimentos, nos casos de desconhecimento da
situação económica.
10 – Impende sobre o tribunal o dever de investigar e apurar a situação económica,
patrimonial e financeira do obrigado.
11 – Demonstrando-se que a capacidade alimentar dos pais se mostra insuficiente ou
relapsa, cabe ao estado substituir-se-lhes.
12 – Esta preocupação foi expressa na criação do Fundo de Garantia de Alimentos
Devidos a menores, pela Lei 73/98, regulamentada pelo DL. 164/99 e DL 70/2010.
13 – Igual reconhecimento resulta do preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da
Criança e do seu artigo 27.º.
14 – Assim, a sentença que regule o exercício das responsabilidades parentais deve
fixar a pensão de alimentos a cargo do progenitor com quem o menor não resida ou
não foi confiado, mesmo sendo desconhecido o seu paradeiro e a sua situação
económica.
15 – Atentos os valores e princípios consagrados na CRP e nas Convenções
Internacionais que Portugal subscreveu e ratificou, o legislador publicou a Lei 75/98,
regulamentada pelo DL. 164/98, para garantir e assegurar, em certas circunstâncias,
o pagamento efetivo dos alimentos devidos a menores.
16 – Como se diz no seu preâmbulo, "a proteção da criança em especial no que toca ao
direito a alimentos tem merecido especial atenção no âmbito das organizações
internacionais especializadas nesta matéria e de normas vinculativas de direito
internacional (…) " de entre os fatores que relevam para o não cumprimento da
obrigação de alimentos, assumem frequência significativa a ausência do devedor e a
sua situação sócio-económica ..., a sociedade e, em última instância, o próprio Estado,
deve garantir as prestações existenciais que lhe proporcionem as condições
essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna".
17- Ao regulamentar a Lei 75/98 criou-se uma nova prestação substitutiva de cariz
essencialmente social, que traduz um avanço civilizacional, inovador na política
desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objetivo do
reforço da proteção social devida a menores.
18 – Ora, a primeira condição para que se possa acionar o mecanismo de acesso ao
Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores é a fixação judicial do "quantum"
de alimentos devido ao menor-credor.
19 – Ao não fixar a prestação de alimentos, a decisão perfilhou uma interpretação
ilegal que cria injustiças insustentáveis e desigualdades entre menores que se
encontram em situações de carência estruturalmente idênticas, com ofensa do
princípio da igualdade de tratamento – artigo 13.º da CRP.
20 – Ao privar o menor cuja situação económica do progenitor não foi possível
apurar, da possibilidade de demandar o FGAM, a sentença comprime, além do
admissível e juridicamente tolerável, o direito do menor em ser alimentado,
amparado e sustentado, criando ainda uma álea interpretativa muito difusa que não
se harmoniza com as mais elementares normas de certeza e segurança na aplicação
do direito.
21 – Uma decisão como a que ora se questiona, não obrigando o pai a pagar pensão de
alimentos ao filho, alimenta-lhe a irresponsabilidade e priva o menor da proteção que
o estado lhe pode e deve proporcionar, caso se verifique que dela venha a necessitar.
22 – A interpretação perfilhada não olha à unidade do sistema jurídico, cria
desigualdades constitucionalmente insustentáveis, é descontextualizada do conjunto
de normas e diplomas legais que enquadram e regulam o exercício do direito de
alimentos devidos a menores e não observa as mais elementares normas de boa
hermenêutica jurídica.
23 – Por outro lado, a interpretação por nós perfilhada, da obrigatoriedade de fixar
alimentos, promove a defesa do superior interesse da criança, o elo mais fraco na
relação humana da parentalidade.
24 – Já que, nos termos do artigo 3.º da Convenção dos Direitos da Criança, "todas as
decisões relativas a crianças… terão primarcialmente em conta o interesse superior
da criança".
25 – E o artigo 180.º, n.º 1 do Regime Jurídico ou Organização Quadro da lei Tutelar
de Menores, introduzido pelo DL. 314/78, estabelece que na sentença o exercício do
poder paternal será regulado de harmonia com os interesses do menor.
26 – Na situação em apreço não restam dúvidas que a defesa do interesse do menor
impõe que seja fixada pensão de alimentos a cargo do pai.
27 – Ao decidir como decidiu, o Mmo. Juiz violou as normas e comandos contidos nos
artigos 36.º, n.º 3 e n.º 5 e 69.º da CRP, artigo 1.º e 27.º da Convenção dos Direitos da
Criança, artigo 9.º, n.º 1, artigo 1878.º, n.º 1, 1905.º, 2004.º, todos do CC e artigo 180.º
do Regime Jurídico ou organização Quadro da lei Tutelar de menores, introduzido
pelo DL. 314/78, de 27 de outubro.
28 – Em consequência, na declaração da sua ilegalidade, deve a decisão recorrida ser
revogada e substituída por outra que condene o pai do menor a satisfazer as
necessidades de educação dos seus filhos, na quota parte da sua responsabilidade e
fixe a prestação de alimentos mensal em montante que acautele aqueles superiores
interesses – acima sugerido (€ =100=) – bem como, a forma de os prestar, julgando-
se integralmente provida esta apelação e procedente o presente recurso.
Não houve resposta ao recurso, que foi recebido nos termos legais ("Admito o recurso
o qual é de apelação com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.
Subam os autos ao venerando Tribunal da Relação do Porto"). Nesta Relação, atenta a
natureza jurídica da questão a resolver e a sua similitude com outros recursos, já
apreciados, foram dispensados os Vistos.
Nada obsta ao conhecimento do mérito da apelação.
1.3 – Objeto da apelação
A questão a resolver no presente recurso, bem identificada pelo recorrente e
subsumível nas conclusões da sua apelação é a de saber se a 1.ª instância não devia,
ao contrário do que fez, ter homologado o acordo dos requeridos, no qual não foi
prevista qualquer obrigação de prestação de alimentos ao menor pelo progenitor com
o qual o mesmo não reside.
2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto
O relatório que antecede – e para o qual remetemos – dá conta do evoluir processual
dos autos e da decisão sob censura. Ainda assim, para melhor compreensão da
questão em apreço, sintetizamos a seguinte matéria de facto:
1 – O Ministério Público, em representação do menor, filho dos recorridos, instaurou
a presente ação para regulação das responsabilidades parentais, invocando, além do
mais, que os requeridos estão separados e em desacordo em relação a essas
responsabilidades.
2 – Na conferência de progenitores foram tomadas declarações aos requeridos. Na
ocasião, o pai do menor disse que: "Explorava um café, mas atualmente encontra-se,
há cerca de oito meses, desempregado. Não faz "biscates". Vive com a filha mais velha,
a qual é empregada de balcão, não contribuindo com qualquer valor para a economia
doméstica. Esteve detido cerca de 5 anos e meio, por tráfico de droga, tendo saído em
liberdade no ano de 2009. Viu o menor no dia do registo, só o tendo voltado a ver há
cerca de dois anos, quando este já tinha 15 anos, não voltando a estar com ele. Nunca
pagou qualquer quantia a título de pensão de alimentos, tendo apenas por uma vez
entregue ao mesmo €50,00 euros. Não é beneficiário de qualquer tipo de subsídio.
Pelo mesmo foi dito estar a residir atualmente na Rua …, entrada .. – ..º Esq., …,
Gondomar. Tem procurado emprego recebendo sempre respostas que já é velho para
trabalhar".
3 – Na mesma ocasião, a mãe do menor declarou que "É empregada doméstica. O
menor tem 17 anos e está a frequentar o 9.º ano de escolaridade. O progenitor a
primeira e a última vez que visitou o menor foi há 2 anos. O progenitor nunca
procurou o menor e nunca pagou pensão de alimentos ao menor".
4 – Conforme documento resultante de consulta à base de dados da Segurança Social
(fls. 15/16), o requerido não aufere subsídio de desemprego ou de doença e mês
registado como correspondente à sua última remuneração foi fevereiro de 2008.
4 - Na conferência foi tentado o acordo entre os requeridos e foi conseguido.
5 – Nesse acordo, quanto a "alimentos" ficou escrito o seguinte: "Atenta a condição
precária do progenitor, não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos
ao menor".
6 – O acordo foi homologado por sentença.
2.2 – Aplicação do direito
Como decorre dos elementos de facto que anteriormente fixámos, no acordo
celebrado entre os progenitores do menor, respeitante à regulação das
responsabilidades parentais, não se fixou qualquer pensão de alimentos, a cargo do
pai (pois o menor ficou a residir com a mãe) porque aquele – assim se escreveu – se
encontra em situação precária, concretamente, encontra-se desempregado e não
aufere subsídio de desemprego ou outro.
Esse acordo, o acordo onde não foi fixada qualquer obrigação de alimentos a cargo do
pai, também se disse, foi homologado por sentença, e o Ministério Público, em
representação do menor, considera ilegal a homologação, defendendo que devia ter
sido fixada uma prestação de alimentos a cargo do requerido, pois isso mesmo impõe
o superior interesse do menor.
Cumpre apreciar.
Sempre que cesse a convivência entre os progenitores, que viviam em condições
análogas às dos cônjuges, e nos casos de divórcio ou separação judicial, os alimentos
devidos ao menor, e a forma de os prestar, são regulados por acordo dos pais, sujeito
a homologação, mas a homologação será recusada se o acordo não corresponder ao
interesse do menor – artigos 1911.º e 1905.º do Código Civil (CC) na redação dada
pela Lei n.º 61/2008, de 31.10[1].
O poder paternal, como é habitualmente caracterizado, traduz-se num conjunto de
poderes-deveres que competem aos pais relativamente à pessoa e aos bens dos filhos
menores não emancipados; trata-se de poderes relativos a outras pessoas,
necessariamente exercidos no interesse destas; tais poderes são atribuídos aos
titulares por razões de interesse público, justamente para que possam cumprir os
inerentes deveres. Assim, o poder paternal é um poder (dever) funcional,
irrenunciável e intransmissível, que deve ser exercido altruisticamente, no interesse
do filho, tendo em vista o seu integral e harmonioso desenvolvimento (físico,
intelectual e moral)[2].
No caso aqui em apreço, como decorre, está essencialmente em causa a obrigação de
alimentos e a questão relevante é saber se o progenitor obrigado a essa prestação
poderá ser dela dispensado, em razão de se encontrar numa situação (assim dita)
precária ou porque se encontra desempregado e, lateralmente, se essa possibilidade
de dispensa poderia decorrer de um acordo estabelecido entre os pais do menor.
A questão relevante tem sido objeto de entendimentos diferentes, quer na doutrina
quer, em especial, na jurisprudência, não tendo o recorrente deixado de citar, nas
suas doutas alegações, uma e outra, clarificando as posições em confronto.
A tal propósito, sem querermos ser exaustivos ou repetitivos, voltamos a citar o
acórdão desta Secção, já antes referido (nota 2). Como aí se escreveu, "Na
jurisprudência dos tribunais superiores não existe consenso a respeito da questão.
Segundo determinada corrente jurisprudencial, demonstrado que o progenitor
obrigado a prestar alimentos não dispõe de condições económicas para o fazer ou se
ausentou para parte incerta, não se fixa a prestação de alimentos (Ac. Rel. Porto
01.02.2010 Proc. 1307/08.4TMPRT.P1; os Acórdãos da Relação de Lisboa de
05/05/2011, Proc. 4393/08.3TBAMD.L1-2, de 17/09/2009, Proc.
5659/04.7TBSLX.L1-2 e de 04/12/2008, Proc. 8155/2008-6, todos disponíveis in
dgsi). Num outro sentido, ponderando a particular natureza das responsabilidades
parentais, defende-se a fixação da pensão de alimentos, mesmo quando está
demonstrado que o progenitor está desempregado e dispõe de condições para
trabalhar ou quando é desconhecido o seu paradeiro e situação económica (Ac. Rel.
Lisboa 28.06.2007 – Proc. 4572/2007-8; Ac. Rel. Lisboa de 10.05.2011 – Proc.
3823/08.9 TBAMD.L1-7; Ac. Rel. Coimbra 21.06.2011 – Proc. 11/09.0TBFZZ.C1; Ac.
Rel. Porto 21.06.2011 – Proc. 1438/08.0 TMPRT.P1; Ac. Rel. Porto 27.06.2011 – Proc.
1574/09.6TMPRT.P1; Ac. STJ 12.11.2009 - 110-A/2002.L1.S1 (Relator Juiz
Conselheiro Lopes do Rego, Ac. STJ 12.07.2011 – Proc. 4231/09.0TBGMR.G1. S1).
Afigura-se-nos de particular relevância o Ac. STJ 12.07.2011 (Juiz Conselheiro Hélder
Roque) numa situação de facto em que o progenitor ausentou-se para França,
desconhecendo-se o paradeiro e situação económica, salientando-se (…):
“Relativamente à satisfação das necessidades dos filhos, acontece uma diversa
proteção, consoante exista ou não vida em comum dos respetivos progenitores, ou
entre o obrigado e o menor, sem embargo de permanecer intacta, em princípio, a
satisfação das necessidades decorrentes das despesas com o sustento, segurança,
saúde e educação dos filhos, na medida em que estes não estejam em condições de
suportar, pelo produto do seu trabalho ou de outros rendimentos, aqueles encargos,
nos termos do preceituado pelos artigos 1879º e 2004º, nº 2, do CC. É esta específica
natureza de obrigação fundamental que permite compreender que, na fixação judicial
dos alimentos devidos, o tribunal deva ter presente, não apenas, de forma redutora, o
estrito montante pecuniário auferido pelo devedor de alimentos, em certo momento
temporal, mas, de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de
vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando, obviamente,
compreendido, no dever de educação e sustento dos filhos, a obrigação do progenitor
de, ativamente, procurar exercitar uma atividade profissional geradora de
rendimentos[3], que lhe permita o cumprimento mínimo daquele dever
fundamental".
Seguimos claramente este segundo entendimento, ou seja, que é obrigação judicial a
fixação de alimentos a favor do menor, alimentos devidos pelo progenitor com ele não
convivente, mesmo que ao obrigado não se conheçam bens, rendimentos ou modo de
vida.
Esse entendimento decorre, como já se deixou transparecer, da natureza do direito
em causa, direito do menor e aferido pelo superior interesse deste, mas igualmente
da necessidade de, numa visão global do sistema jurídico e no respeito constitucional
pelo princípio da igualdade, ter de se fazer "com a entrada em vigor da Lei n.º 75/98,
de 19.11, uma interpretação atualista do artigo 2004.º, n.º 1 do CC[4] " (Helena
Bolieiro/Paulo Guerra, A Criança e a Família – Uma Questão de Direitos, Coimbra
Editora, 2009, nota 108, a págs. 229/231)[5].
Com efeito, não pode esquecer-se, nesse entendimento global do sistema jurídico, que
o dever de sustento é irrenunciável e que a (citada) Lei 75/98, conjugada com o DL
164/99 de 13/05, veio consagrar a garantia de alimentos devidos a menores,
enquanto relevante medida de política social, que o Estado desenvolve em razão da
especial proteção devida aos menores e também em cumprimento de uma obrigação
constitucional (artigo 69.º da CRP). Ora, a fixação prévia da obrigação de alimentos é
condição de (posteriormente e preenchidos os pertinentes requisitos) ser acionado o
Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores[6], previsto naqueles diplomas.
Considerando o que se deixa dito – e porque só em circunstâncias excecionais e
pontuais, quando estiver em causa em causa a própria subsistência do obrigado se
pode dispensar o pagamento dos alimentos – e voltando ao caso que nos ocupa,
parece-nos claro que o acordo a que chegaram os progenitores não tutela
devidamente o interesse do menor, na medida em que o mesmo não prevê qualquer
prestação de alimentos a cargo do pai. E a tal previsão – e inerente fixação – não obsta
a circunstância de o progenitor estar desempregado, tanto mais que se desconhece a
sua concreta e global capacidade económica e minimamente está demonstrado que o
mesmo não tenha capacidade de trabalho.
Assim, a homologação do acordo – como sustenta o recorrente – é violadora da lei
(artigo 1905.º do CC) e a sentença deve ser revogada, substituindo-se poder decisão
que determine o prosseguimento do processo.
Tal prosseguimento significa, por outro lado, que este tribunal, contrariamente ao
pretendido pelo recorrente no final das conclusões da sua apelação, e não obstante o
disposto no artigo 715.º, n.º 2 do CPC, não dispõe dos elementos necessários para
decidir, nomeadamente os elementos que permitam aferir das reais necessidades do
menor e das exatas condições dos progenitores.
3 – Sumário
1 – O tribunal deve fixar a prestação de alimentos devida pelo progenitor ao menor,
mesmo que ao obrigado se não conheçam bens, rendimentos ou modo de vida.
2 - Esse entendimento decorre da natureza do direito em causa, direito do menor e
aferido pelo superior interesse deste, mas igualmente da necessidade de, numa visão
global do sistema jurídico e no respeito constitucional pelo princípio da igualdade, ter
de se fazer uma interpretação atualista do artigo 2004.º, n.º 1 do CC, depois da
entrada em vigor da Lei n.º 75/98.
4 - Decisão
Pelo que ficou dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em
julgar procedente a apelação e conceder provimento ao recurso (salvo na pretensão
de fixação de alimentos por este tribunal) e, em conformidade, revoga-se a decisão
que homologou o acordo de regulação das responsabilidades parentais e ordena-se o
prosseguindo dos autos, com o cumprimento do artigo 178º, n.º 1, parte final da OTM.
Custas pelos recorridos.
Porto, 23.04.2012
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
________________
[1] O legislador de 2008, depois de autonomizar os alimentos do exercício das
responsabilidades parentais (artigos 1905.º e 1906.º) omitiu, quanto àqueles, a
possibilidade de o tribunal decidir, nos casos de falta de acordo dos pais, referindo,
apenas, a recusa do acordo que não corresponda ao interesse do menor. Deve
entender-se, no entanto, que a intenção do legislador não foi, certamente, a de
subtrair essa questão ao objeto da regulação do exercício das responsabilidades
parentais, porquanto, a entender-se de outro modo, chegar-se-ia ao resultado
absurdo de o montante da prestação de alimentos ficar sempre dependente de um
acordo dos progenitores e, na falta deste, o menor ficara privado dessa prestação, sem
possibilidade de intervenção, nesse entendimento que afastamos, do tribunal (Tomé
D'Almeida Ramião, O Divórcio e questões Conexas, Quid Juris, 2011, págs. 153/154).
[2] Seguimos de perto o Acórdão 3.10.2011, proferido nesta Secção, no Processo n.º
2337710.1TMPRT.P1 (dgsi) e em que foi relatora a Sra. Desembargadora, aqui
adjunta, Dra. Ana Paula Amorim. Aí se escreveu o seguinte: A particular natureza (do
poder paternal) "tem reflexos na presente terminologia adotada pela Lei 61/2008 de
31/10, que substituiu a expressão “poder paternal” por “responsabilidades
parentais”, sendo certo que esta expressão já foi utilizada na Recomendação nº R (84)
4 sobre as Responsabilidades Parentais adotada pelo Comité de Ministros do
Conselho da Europa, em 28 de fevereiro de 1984, na 367ª reunião dos Delegados
Ministeriais". E, mais adiante, "A lei determina o conteúdo das responsabilidades
parentais no art. 1878º CC, onde se prevê que “compete aos pais, no interesse dos
filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua
educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”. As
responsabilidades parentais compreendem assim o poder-dever de guarda, poder-
dever de educação, dever de auxílio e assistência, poder-dever de representação,
poder-dever de administração (art. 1885º a 1887º CC)" merecendo particular
referência, atento o caso em apreço, "o dever de auxílio e assistência, que compreende
a obrigação de prestar alimentos, conforme decorre do art. 1874º/2 CC". Com efeito,
"Cumpre aos pais prover ao sustento dos filhos e assumir as despesas relativas à sua
segurança, saúde e educação na medida em que os filhos não se encontrem em
condições de as suportar pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos (art.
1878º/1, 1879º e art. 2003º CC)" e os alimentos, como decorre dos n.ºs 1 e 2 do
artigo 2004.º do CC, “ serão proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-
los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”; e, "na fixação dos alimentos
atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”,
pois a "medida dos alimentos depende da verificação das seguintes condições: -
possibilidade do alimentante; - necessidade do alimentado; e - possibilidade de o
alimentando prover à sua subsistência".
[3] Sublinhado nosso.
[4] O critério de proporcionalidade, a que alude o artigo 2004 º do Código Civil, releva
para efeitos de fixação do montante de alimentos, mas não para se excluir o respetivo
pagamento - Rel. Lisboa, 28.06.07, Proc. 4572/2007– 8.
[5] Cf., em sentido contrário, Tomé D'Almeida Ramião, O Divórcio…cit., pág. 156/159.
[6] O "Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores" assegura o pagamento
das prestações de alimentos, através do Instituto de Gestão Financeira da Segurança
Social e constituem pressupostos para esse pagamento (artigos 1º da Lei 75/98 e 3º
DL 164/99 de 13/05): - a existência da obrigação judicial de alimentos; - residência
do menor em território nacional; - a pessoa judicialmente obrigada a prestar
alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no art. 189º do
DL 314/78 de 27/10; - o menor não tenha rendimento líquido superior ao salário
Recommended