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8/6/2019 Materiais didcticos_doena Machado-Joseph
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XIII Encontro Nacional de Educao em Cincias Actas
O ensino da Biologia numa perspectiva CTS: um exemplo para a
abordagem da unidade curricular Patrimnio gentico
Dorinda Rebelo1; Alcina Mendes
2, Rui Soares
3
1
Escola Secundria de Estarreja Estarreja2Escola Secundria Dr. Joo Carlos Celestino Gomes - lhavo,3Escola Secundria de Estarreja Estarreja
1dorinda.rebelo@netvisao.pt; 2alcinamendes@gmail.com; 3ruisoares65@gmail.com
Resumo
A relevncia das preocupaes com as temticas de cariz social tem de ter reflexo ao nvelda Educao em Cincia e, portanto, da Educao em Biologia. Esta deve partir de
problemticas actuais com sentido para os alunos (Pedrinaci, 2006) e que promovam a
articulao entre a Cincia, a Tecnologia e a Sociedade, contribuindo, deste modo, parauma cidadania mais interventiva e fundamentada. Neste trabalho apresenta-se o contextoscio-cientfico que foi seleccionado como fio articulador das aprendizagens para aleccionao da unidade curricular Patrimnio Gentico. Apresentam-se, tambm,exemplos de materiais didcticos que foram implementados com alunos do 12 ano e que
permitiram abordar os contedos conceptuais, procedimentais e atitudinais preconizados nareferida unidade.
Palavras-chave: Ensino de Biologia; Contexto CTS; Materiais Didcticos; Gentica
Introduo
As relaes Cincia-Tecnologia-Sociedade (CTS) assumem um papel preponderante nas
sociedades actuais, pelo que a educao cientfica no deve negligenciar a vertente
tecnolgica e social nos currculos escolares. A Educao cientfica deve, portanto,
fornecer uma viso integradora e globalizante da organizao e da aquisio de saberes
cientficos, estabelecendo relaes entre este tipo de saber, as aplicaes tecnolgicas e a
sociedade. A presena da perspectiva CTS no ensino das cincias surge como um elemento
capaz de estabelecer a conexo entre a cincia escolar e o mundo real, permitindo uma
melhor compreenso da natureza da cincia e da tecnocincia contemporneas (Acevedo,
2004, Gordillo, 2005). Vrios estudos tm tambm mostrado que o tratamento adequado de
situaes que enfatizem aspectos de interaco CTS no s melhora a motivao e as
atitudes dos alunos face aprendizagem das cincias, como tambm contribui para reduzir
concepes erradas e incompletas e favorecer os processos de conexo dos conhecimentos
escolares com a realidade social onde se inserem (Ros e Solbes, 2007).
Esta perspectiva de ensino solicita o desenvolvimento de estratgias que partam de
contextos reais e que permitam responder a controvrsias locais, regionais, ou mesmo
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escala global, bem como a debates ticos e culturais, levando o cidado a construir
competncias que lhe permitam exercer a cidadania de forma participada e fundamentada
(Santos, 2005). Este tipo de abordagem exige uma adequada seleco e organizao de
contedos, de modo a criar um contexto de aprendizagem em que a realidade surja com
estatuto de centralidade (Pedrinaci, 2006).
A concepo e a construo dos materiais didcticos que se apresentam neste trabalho
tiveram em conta as sugestes metodolgicas preconizadas no programa nacional da
disciplina de Biologia, do 12 ano (ME, 2004; Mendes e Rebelo 2004) e privilegiaram os
seguintes princpios (Cachapuz et al., 2002): i) integrar contextos que permitam contribuir
para o desenvolvimento pessoal dos alunos e para estes tomarem conscincia do papel da
Cincia nas sociedades actuais; ii) explorar problemticas sociais e tecnolgicas dasociedade actual; iii) promover um ensino das cincias articulado com a educao para os
valores e a reflexo tica; iv) integrar situaes de aprendizagem que valorizem o trabalho
prtico (laboratorial, pesquisa,...) e a utilizao das TIC; v) inserir elementos da Histria da
Cincia; vi) valorizar o debate de ideias, a argumentao e o confronto de opinies
fundamentadas; vii) valorizar o pluralismo metodolgico.
Concepo e construo dos materiais didcticos
A seleco do contexto de ensino-aprendizagem foi um aspecto central no processo de
gesto curricular da unidade Patrimnio Gentico prevista no programa da disciplina de
Biologia.
De acordo com os princpios enunciados, foi seleccionada uma notcia publicada num
jornal dirio relacionada com a investigao biomdica relativa doena Machado-Joseph.
Este contexto, de elevado pendor CTS, foi escolhido, por um lado, por se tratar de uma
doena neurodegenerativa incurvel e fatal, com elevada prevalncia nas populaes dasvrias ilhas do arquiplago dos Aores, bem como em comunidades nos E.U.A. onde se
radicaram imigrantes aorianos. Trata-se de um caso de sade pblica, com elevado
impacto social que tem sido objecto de estudo de investigadores portugueses e americanos.
Na figura 1 apresenta-se um extracto da notcia que permite documentar alguns das suas
potencialidades no processo de contextualizao de aprendizagens que foi desenvolvido.
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Distino vale 20 mil euros
Prmio Crioestaminal reconhece estudo da doena de Machado-JosephSandra Ribeiro, do Centro de Neurocincias da Universidade de Coimbra, hoje premiada por estudar aalterao da protena que causa esta neurodegenerao. A primeira edio do prmio Crioestaminal, novalor de 20 mil euros, hoje entregue a uma investigadora que quer estudar as causas da doena deMachado-Joseph. Esta doena neurodegenerativa, identificada na dcada de 70, e que tem especialincidncia na populao aoriana, provocada por alteraes cromossmicas, traduzidas em alteraes naforma de uma protena. Saber que alteraes so essas e de que modo podem ser evitadas um caminho delongo curso que Sandra Ribeiro quer traar. Foi o facto de ter definido, e bem, esse caminho que lhe valeu oprmio da Associao Viver a Cincia e da empresa Crioestaminal (...)
JornalPblico, 24 de Novembro de 2005
Figura 1 Contexto que orientou as actividades desenvolvidas na unidade curricular.
O processo de contextualizao decorreu numa perspectiva de problematizao centrada na
seguinte questo-problema: De que modo os conhecimentos de gentica podem ser
utilizados para melhorar a qualidade de vida das pessoas com a doena Machado-Joseph?
A explorao do contexto pelos alunos permitiu que fossem levantadas e sistematizadas
vrias sub-questes, de mbito progressivamente mais restrito e, por isso, vistas como mais
simples pelos alunos. Como exemplo, apresentam-se em seguida algumas dessas sub-
questes:
! Como tm evoludo os conhecimentos de gentica ao longo do tempo?! Que meios tm sido utilizados para estudar o patrimnio gentico?! Qual o contributo dos trabalhos de Mendel? E dos trabalhos de Morgan?! Como prever o aparecimento da doena na gerao seguinte?! At que ponto os genes determinam o nosso fentipo?! Em que medida os genes explicam a ontogenia e a filogenia dos indivduos?! Como explicar que clulas com o mesmo genoma sejam diferentes?! Como se pode manipular a regulao dos genes?! Poder-se- corrigir um defeito gentico como o que causa esta doena?
Essas questes permitiram que os alunos pudessem perspectivar vias possveis e mais
concretas de aco, reconhecendo que as actividades propostas faziam sentido e surgiam
da necessidade de procurar respostas para as questes em estudo.
O conjunto da questo-problema e respectivas sub-questes permitiram, numa fase inicial,
que os alunos perspectivassem a articulao dos vrios percursos de aprendizagem aexplorar e, quando revisitadas, em diferentes fases do processo de desenvolvimento
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curricular, facilitar processos de integrao dos diferentes tipos de conhecimentos e
competncias que estavam a ser construdos pelos alunos.
Para dar resposta s questes formuladas, foram definidos percursos de aprendizagem
diversificados, sem perder de vista os contedos de natureza conceptual, procedimental eatitudinal definidos no programa da disciplina. O quadro I sistematiza alguns aspectos de
articulao dos contedos do programa com as opes metodolgicas adoptadas.
Quadro I Contedos e tipologia das actividades prticas desenvolvidas
Contedos conceptuais previstos no
programa da disciplinaActividades prticas
desenvolvidas- Transmisso de caractersticas hereditrias;
- Organizao e regulao do material gentico;
- Alteraes do material gentico: mutaes -
Mutaes
- Fundamentos de engenharia gentica (rDNA,
cDNA, OGM)
- Pesquisa, organizao e sntese de informao;
- Anlise e interpretao de informao em
formatos diversos;- Utilizao das TIC;
- Trabalho laboratorial;
- Exerccios de papel e lpis;
- Contacto com investigadores/ centros de
investigaoi.
Implementao dos materiais didcticos
Os materiais foram implementados em trs turmas do 12 ano (60 alunos), do curso
Cientfico-Humanstico de Cincias e Tecnologias, da Escola Secundria de Estarreja e da
Escola Secundria Dr. Joo Carlos Celestino Gomes (lhavo).
Foram propostas aos alunos actividades de pesquisa, organizao e sntese de informao
como, por exemplo: caracterizao da doena em estudo (Quando foi identificada a doena
e onde? Como se manifesta? Qual a sua incidncia a nvel geogrfico? Qual a sua causa?
Que tipo de apoio dado em Portugal s pessoas com a doena Machado-Joseph? At que
ponto a Cincia poder melhorar a qualidade de vida destes doentes?); elaborao das
biografias de Mendel e Morgan (Quem foi? O que fazia? Onde vivia? Qual o contexto
social, politico, religioso e econmico da poca em que viveu? ); comparao dos
trabalhos de Mendel com os de Morgan, quanto ao material biolgico utilizado, aos
conhecimentos que possuam a nvel celular e aos meios usados no estudo da transmisso
do patrimnio gentico; discusso da importncia dos trabalhos de Mendel e de Morgan
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para o conhecimento que se tem hoje sobre a transmisso hereditria da doena Machado-
Joseph; elaborao de organizadores grficos sobre a doena (Figura 2) e sobre os aspectos
mais relevantes abordados ao longo da unidade.
Na realizao destas actividades privilegiou-se a utilizao das TIC como recursodidctico, tendo em conta as suas potencialidades no processo de ensino-aprendizagem,
nomeadamente, por permitirem recolher informao diversificada de uma forma mais
rpida e flexvel (quando orientada), permitirem uma comunicao mais eficaz,
favorecerem o desenvolvimento de competncias ao nvel da interpretao e comunicao,
bem como, o desenvolvimento de atitudes positivas face aos contedos de cincias
(Bennet, 2003; Font et al., 2000). Procurou-se, tambm, introduzir elementos da Histria
da Cincia (HC) por se considerar que um importante recurso para uma abordagemexternalista e contextualizada da cincia. Esta abordagem permitiu colocar os alunos nas
situaes problemticas em que estiveram envolvidos os cientistas no passado (Mendel e
Morgan), relevando o caminho por eles percorrido, nomeadamente, as dificuldades
sentidas e como foram superadas (Cachapuz et al., 2002; Matthews, 1994; Santos, 2003).
Por outro lado, proporcionou oportunidade para os alunos se consciencializarem da
natureza do conhecimento cientfico (no definitivo, questionvel e em constante
evoluo), questionarem a sua objectividade e compreenderem o papel que a comunidade
cientfica assume na legitimao do conhecimento (Cachapuz et al., 2002).
Figura 2 Mapa mental elaborado por um aluno, com as ideias-chave exploradas na aula em
relao doena Machado-Joseph.
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Ao nvel laboratorial, os alunos planificaram, realizaram e interpretaram procedimentos
simples que permitiram manipular Drosophila melanogaster. O principal objectivo destas
actividades, no foi reproduzir trabalhos de Morgan, mas sim desenvolver competncias de
trabalho cientfico, nomeadamente a formulao de questes (figura 3) e hipteses capazes
de orientar a seleco de procedimentos simples e a interpretao de dados, sem esquecer
aspectos axiolgicos (ex: a reflexo sobre os limites da utilizao de seres vivos em
procedimentos experimentais), bem como a redaco de memrias descritivas e
interpretativas dos trabalhos.
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Exemplos de questes formuladas pelos alunos:
Qual o habitat natural de Drosophila melanogaster? Como capturar?Quais os fentipos que podemos observar a partir dessa colheita?
Como proceder para distinguir os sexos e estudar os fentipos?Que condies devemos proporcionar para observar todas as fases do ciclo de vida?Como manipular as Drosophila com respeito pela sua dignidade biolgica?
Figura 3 Exemplos de questes orientadoras dos procedimentos laboratoriais.
Consideraes finais
Cada vez mais faz menos sentido pensar no conhecimento cientfico fora do contexto da
sociedade e do desenvolvimento tecnolgico actual. A educao cientfica no pode alhear-
se das mudanas ocorridas ao nvel da cincia. Trata-se de preconizar modificaes enovas orientaes no sentido de melhor poder dar resposta s novas necessidades da
sociedade.
A forma como a sociedade usa a tecnologia na actualidade exige que a escola, e no s,
promova o reencontro das construes e dos conceitos entre a tecnologia, a cincia e a
tica.
Neste sentido, importa provocar uma viragem do conhecimento em si para o conhecimento
em aco; revalorizar o trabalho que requer competncias prticas; reconhecer a ligao de
uma educao cientfico-tecnolgica a uma educao para os valores.
Assim, os currculos e programas no podem deixar de contemplar outras dimenses do
conhecimento cientfico para alm da dimenso conceptual, tais como aspectos da natureza
da Cincia, da relao cincia-sociedade, da relao cincia-tecnologia e, tambm, da
relao cincia-tica (Martins, 2003).
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i As duas turmas da Escola de Estarreja participaram num debate, em contexto de sala de aula, com uma investigadora daUniversidade Catlica do Porto; a turma da Escola de lhavo realizou uma visita ao BIOCANT - Centro de Inovao emBiotecnologia, onde contactou com actividades de natureza laboratorial orientadas por especialistas.
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