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UNIVERSIDADE SALVADOR – UNIFACS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E SOCIAIS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
MILTON JOSÉ DEIRÓ DE MELLO NETO
A QUANTIFICAÇÃO DA REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE LABORAL NO PROCESSO
DO TRABALHO
Salvador 2007
MILTON JOSÉ DEIRÓ DE MELLO NETO
A QUANTIFICAÇÃO DA REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE LABORAL NO PROCESSO
DO TRABALHO
Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, Departamento de Ciências Econômicas e Sociais, Universidade Salvador, como requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho
Salvador 2007
FICHA CATALOGRÁFICA (Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da Universidade Salvador - UNIFACS)
Mello Neto, Milton José Deiró de
A quantificação da reparação por danos morais decorrentes de acidente laboral no processo do trabalho / Milton José Deiró de Mello Neto. 2007.
103 f.
Monografia (graduação) - Universidade Salvador – UNIFACS. Curso de Graduação em Direito, 2007.
Orientador: Prof. Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho 1. Dano moral – direito 2. Direito civil. 3. Indenização I. Pamplona Filho, Rodolfo II. Título.
CDD: 342.1513
TERMO DE APROVAÇÃO
MILTON JOSÉ DEIRÓ DE MELLO NETO
A QUANTIFICAÇÃO DA REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS
DECORRENTES DE ACIDENTE LABORAL NO PROCESSO
DO TRABALHO
Monografia jurídica apresentada ao curso de Direito da Universidade Salvador, como
requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição:________ _______________________________________
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição: ______________________________________________
Nome:__________________________________________________________
Titulação e instituição:______________________________________________
Salvador, ____/_____/ 2007
Aos meus pais, Milton e Márcia, que me deram todo o apoio afetivo, moral, acadêmico e
financeiro para a minha formação como ser humano e como bacharel em Direito.
Aos meus irmãos, Eric e Ellen, que tanto me ajudaram e apoiaram nos momentos
difíceis da minha vida acadêmica.
À minha noiva Milena, que sempre esteve presente na minha vida, inclusive acadêmica,
me incentivando, me elogiando e me criticando, me ajudando a crescer moral e
intelectualmente.
Amo vocês!!!
AGRADECIMENTOS
Agradecer é um ato sublime, mas também é uma das mais árduas tarefas, pois sempre
se corre o risco de deixar de mencionar uma ou outra pessoa, ainda que importante na
execução do trabalho, por simples esquecimento. Assim, inicio agradecendo a todas as
pessoas que de alguma forma me auxiliaram na elaboração desta monografia, e peço
desde já as minhas desculpas acaso seus nomes não sejam aqui mencionados.
Agradeço primeiramente ao meu orientador Rodolfo Pamplona Filho pela confiança
depositada em mim e no meu tema e também pelas horas e horas de atenção a mim
direcionadas, ainda que à distância, sem as quais eu não teria capacidade de concluir
este trabalho.
Agradeço ao professor de metodologia da pesquisa Guilherme Bellintani, exemplo de
professor, cujas lições metodológicas serviram não só para a construção deste trabalho,
mas também para uma futura (e provável) carreira acadêmica.
Agradeço ao meu pai, Milton Deiró Júnior, cujas experiências oriundas do exercício da
magistratura auxiliaram, e muito, meus trabalhos de pesquisa. Agradeço também a meu
pai as horas, às vezes até simples minutos, que passamos travando discussões
jurídicas acerca do meu tema.
Agradeço à minha mãe, Márcia Bastos, que mesmo sem compreender tecnicamente o
meu tema teve paciência de me ouvir falar sobre ele, e deu uma valorosa ajuda na
formatação do trabalho.
Agradeço a Milena Rêgo, minha noiva, que me auxiliou nas pesquisas de temas
relacionados às Ciências da Saúde, seara na qual eu sou um quase completo leigo.
Agradeço a Fábio Matos, André Leahy, Humberto Valverde, Maurício Trindade e
Maurício Leahy, meus ex-chefes e grandes amigos, competentes advogados, sócios do
escritório Matos, Valverde, Trindade & Leahy, por toda a experiência da advocacia que
adquiri nos quase 3 anos que lá passei, pelas lições não só jurídicas mas também
éticas e morais e, por fim, pela oportunidade que me deram de conhecer o “mundo” dos
acidentes de trabalho. Agradeço mais especialmente a Fábio e André, com quem eu
trabalhava diretamente, por toda a confiança em mim depositada, por me passar
leituras obrigatórias da CLT para os fins de semana, pelas críticas que me fizeram
crescer e pelos maravilhosos exemplos de honestidade e dignidade que me deram.
Agradeço ainda aos meus amigos do escritório Maria Tereza, Luciano Araújo, Rita,
Josélia, Josiele, Wilson, Ane, Joilson, Carina, Eduardo, Henrique (Bunge), Dejair (MCE)
e Gilvan (G Barbosa – SE), que de alguma forma me ajudaram neste longo e árduo
caminho rumo à graduação.
Agradeço a Lúcia, Tércia e Ana Cláudia, maravilhosas funcionárias da biblioteca da
Faculdade de Direito da UNIFACS, que me deram um apoio essencial durante a minha
pesquisa.
Agradeço, por fim, aos meus colegas de turma (Markinhos, Joe, Mila, Badja, Requeija,
Rafinha, Americano, Lucket, Torigo, Deco, Higuita, Pri, Carol, Neto, Rudá, Linoca,
Luizinho, Dany Celly, Lipe, Moni e todos os outros), que durante 5 anos cresceram junto
comigo e me ajudaram, dia após dia, a construir minha história acadêmica.
A todos o meu muito obrigado !!!
“O Direito não é uma simples idéia, é uma força viva. Por isso a Justiça sustenta numa
das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por
meio da qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta. A balança sem a
espada, a impotência do Direito. Uma completa a outra e o verdadeiro Estado de Direito
só pode existir quando a Justiça sabe brandir a espada com a mesma habilidade com
que manipula a balança”.
Rudolph Von Ihering, A luta pelo Direito.
RESUMO
Dados oficiais da Previdência Social indicam o aumento no número de acidentes do trabalho no Brasil nos últimos anos. De acordo com o INSS, ao longo dos qüinqüênio 2001-2005 o aumento de acidentes de trabalho foi de 514,19%, considerando o total de acidentes ocorridos entre 2001 e 2005 versus o número de acidentes ocorridos apenas em 2001. Os acidentes, com se sabe, geram direitos e obrigações de natureza civil, previdenciária, trabalhista e criminal para as partes envolvidas no infortúnio. No tocante aos efeitos civis (responsabilidade civil) dos acidentes de trabalho, sabe-se que parte destes fatos chega à apreciação do Poder Judiciário, que tem a árdua missão de constatar a sua ocorrência, emitir seu juízo de valor e, ao final ocorrendo uma condenação, quantificar, ou seja, transformar em pecúnia a reparação do dano ocorrido. Ante a inexistência de parâmetros claros no ordenamento jurídico brasileiro, os juízes por todo o país têm se utilizado por vezes do bom senso no momento de quantificar a indenização nascida com o acidente do trabalho. Contudo, há aquelas decisões que mais se aproximam de aberrações jurídicas, que beiram o absurdo. E, em verdade, a importância do tema traz a necessidade da criação, se não a nível legislativo, pelo menos a nível jurisprudencial, de parâmetros objetivos que auxiliem o magistrado nesta complexa missão. Assim, tem por escopo o presente trabalho estabelecer parâmetros que possam auxiliar o Estado-Juiz na quantificação da reparação por danos morais decorrentes de acidentes laborais, tomando por base as diversas leis que compõem o mosaico legislativo acidentário do Brasil. Palavras-chave: Acidente do Trabalho; Responsabilid ade Civil; Dano moral; Indenização; Quantificação.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Ac. – Acórdão
ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
AIAT – Ação de Indenização por Acidente do Trabalho
AIDMP – Ação de Indenização por Danos Morais e/ou Patrimoniais
AIDS – Acquired ImmuneDeficiency Syndrom (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida)
Art. – artigo
CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho
CC – Código Civil brasileiro
CC/16 – Código Civil brasileiro de 1916
CC/02 – Código Civil brasileiro de 2002
CF – Constituição Federal
CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CFM – Conselho Federal de Medicina
CFO – Conselho Federal de Odontologia
CID 10 - Classificação Internacional de Doenças 10ª Edição
CIPA – Comissão Interna para Prevenção de Acidentes
CP – Código Penal brasileiro
CPC – Código de Processo Civil brasileiro
CPP – Código de Processo Penal brasileiro
CSJT – Conselho Superior da Justiça do Trabalho
CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social
DCO – Doença Cervicobraquial Ocupacional
DEM – Partido Democratas
DO – Diário Oficial
DOI/CODI – Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de
Defesa Interna
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
DORT – Doença Osteomuscular Relacionada ao Trabalho
ed. – edição
EPI – Equipamentos de Proteção Individual
EUA – Estados Unidos da América
FUNDACENTRO – Fundação Centro de Saúde, Higiene e Medicina do Trabalho
HIV – Human Immune Deficiency Vírus (Vírus da Imunodeficiência Humana)
ICAR - Igreja Católica Apostólica Romana
INSS – Instituto Nacional da Seguridade Social
LER – Lesão por Esforço Repetitivo
LTC – Lesão por Trauma Cumulativo
nº - número
NR – Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONU - Organização das Nações Unidas
p. – página
P.ex. – por exemplo
PAIR – Perda Auditiva Induzida por Ruído
PFL – Partido da Frente Liberal
PL – Projeto de Lei
PLC – Projeto de Lei da Câmara dos Deputados
PLS – Projeto de Lei do Senado Federal
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP – Partido Progressista
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
REsp – Recurso Especial
RO – Recurso Ordinário
RR – Recurso de Revista
SSO – Síndrome de Sobrecarga Ocupacional
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
U.S.– United States (indicação de órgãos federais dos Estados Unidos)
vol. - volume
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 11
2 RESPONSABILIDADE CIVIL 14
2.1 INTRODUÇÃO E CONCEITO 14
2.2 ESCORÇO HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL 15
2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO 18
BRASILEIRO
2.4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA X RESPONSABILIDADE 20
SUBJETIVA
2.5 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO 22
EMPREGADOR POR ACIDENTES DO TRABALHO OCORRIDOS
COM SEUS EMPREGADOS
3 DANO MORAL 30
3.1 CONCEITO 30
3.2 ESCORÇO HISTÓRICO DO INSTITUTO 30
3.2.1 Dano Moral em Roma 31
3.2.2 Dano Moral na Idade Média 31
3.2.3 Dano Moral nas Codificações Modernas e Contem porâneas 32
3.3 DANO MORAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 35
3.3.1 Brasil colonial 35
3.3.2 Constituição Imperial de 1824 35
3.3.3 Constituições Republicanas (1891, 1934, 1937 e 1946) 36
3.3.4 Constituição Militar de 1967/1969 37
3.3.5 Constituição Democrática de 1988 38
3.3.6 Código Civil de 1916 42
3.3.7 Código Civil de 2002 43
4 ACIDENTE DO TRABALHO 46
4.1 CONCEITO 46
4.2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 49
4.3 CONSEQÜÊNCIAS 52
4.3.1 Socioeconômicas 52
4.3.2 De Saúde 53
4.3.3 Políticas 55
4.3.4 Jurídicas 56
4.3.4.1 Previdenciárias 56
4.3.4.2 Trabalhistas 57
4.3.4.3 Responsabilidade Civil 58
4.3.4.4 Penais 59
5 DANO MORAL NO ACIDENTE DO TRABALHO 60
5.1 O ACIDENTE DE TRABALHO E SUAS REPERCUSSÕES 60
MORAIS
5.2 REPERCUSSÃO MORAL SUBJETIVA 61
5.3 REPERCUSSÃO MORAL OBJETIVA 63
6 A QUANTIFICAÇÃO DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL 69
DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO
6.1 SISTEMA NORTE-AMERICANO DE QUANTIFICAÇÃO: 70
PUNITIVE DAMAGES
6.1.1 O modelo da Common Law e as Origens do Sistema 70
de Punitive Damages
6.1.2 Conceito e alcance do Sistema de Punitive Damages 74
6.1.3 Limitações ao Sistema de Punitive Damage: os casos 75
da Flórida, Colorado, Indiana e Dakota do Norte
6.1.4 Proibição de aplicação do Sistema de Punitive 76
Damages: os casos da Louisiana, Massachusetts, Nebraska,
New Hampshire e Washington
6.1.5 A Suprema Corte dos EUA e a revisão do Sistem a de 76
Punitive Damages
6.2 SISTEMA BRASILEIRO DE QUANTIFICAÇÃO: O MANDAMENTO 78
CONTIDO NO ART. 944 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
6.2.1 Os Projetos de Lei nº 6.960/2002 e 276/2007 79
6.2.2 Indenização versus Multa 80
6.3 EXTENSÃO DO DANO MORAL 82
6.4 PROVA DO DANO MORAL 83
6.5 CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO 84
6.5.1 O Projeto de Lei nº 7.124/2002 84
6.5.2 Contribuição das Ciências da Saúde e da Psico logia 89
6.5.3 Gravidade 90
6.5.4 Reversibilidade 91
6.5.5 Nexo Funcional 92
6.5.6 Repercussão Sócio-Familiar 93
7 CONCLUSÃO 95
REFERÊNCIAS 100
ANEXO I - TABELAS
ANEXO II - LEGISLAÇÃO
ANEXO III – DECISÕES JUDICIAIS
11
1 INTRODUÇÃO
Acidente, na acepção que lhe dá o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa,
significa acontecimento casual, fortuito, inesperado (...) qualquer acontecimento,
desagradável ou infeliz, que envolva dano, perda, lesão, sofrimento ou morte1. Tem
origem etimológica no latim accidens, cuja tradução mais próxima para o português
moderno é ocorrência infeliz2.
Em tempos remotos, um sem-número de filósofos tentaram conceituar esta palavra,
tão importante e tão presente na vida humana. Aristóteles afirmou que “acidente é
tudo o que acontece por acaso, isto é, pela inter-relação e o entrelaçamento de
várias causas, mas sem uma causa determinada que assegure a sua ocorrência”.3
Porfírio a tem por tudo “o que pode ser gerado ou desaparecer sem que o sujeito
seja destruído”.4 Hegel a define a partir do conceito de substância: “a substância é a
totalidade dos acidentes nos quais ela se revela como a absoluta negatividade
deles, isto é, como potência absoluta e, ao mesmo tempo, como a riqueza de cada
conteúdo”.5
Na seara jurídica, os acidentes são tratados sob múltiplos aspectos, repartidos entre
os ramos do direito de acordo com a natureza do infortúnio. A nós interessará tão
somente os acidentes do trabalho, assim entendidos os acidentes ocorridos na
execução do trabalho humano subordinado em relação de emprego.
Segundo dados oficiais da Previdência Social6, em 2003 o número de acidentes do
trabalho registrados neste órgão foi de 399.077, aí inclusos acidentes típicos, de
percurso e doenças ocupacionais. Na Região Nordeste esta cifra foi de exatamente
35.710, quase 10% dos acidentes do trabalho ocorridos no país. Frise-se que este
1 HOUAISS, Antônio. et al. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 55, itens 1. e 1.1. 2 DA CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 10. 3 ARISTÓTELES, in A Metafísica, cit. p. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 14. 4 PORFÍRIO, cit. p. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 14 5 HEGEL, in Enciclopédia das Ciências Filosóficas, cit. p. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia... 6 Dados obtidos no site <http://www.previdenciasocial.gov.br/AEAT2003/12_08_01_01_02.asp>. Acesso em 13/02/2007.
12
valor refere-se apenas aos acidentes do trabalho que foram comunicados à
Previdência Social, sendo o número real muito maior.
Estes números se mostram alarmantes já que vêm crescendo com o passar dos
anos (em 2001 foram registrados 340.251 acidentes do trabalho no Brasil, dos quais
27.059 ocorreram no Nordeste).
Da simples observação dos elevados números apresentados pelo órgão oficial da
seguridade social, percebe-se que, em 2003, nada menos do que 399.077 sofreram
acidente do trabalho, tendo adquirido alguma doença ocupacional, sofrido lesões as
mais diversas ou até mesmo falecido em decorrência do infortúnio. Significa também
que serão 399.077 benefícios a mais para serem pagos pelo Estado, e que
provavelmente serão 399.077 menos trabalhadores atuando na produção econômica
do país. Observando ainda o fator humano, serão 399.077 pessoas com algum tipo
de problema, gerando transtornos, dores e infelicidade para si e para os que os
rodeiam (pois neste número estão incluídos os acidentes com resultado óbito).
Parte destes fatos chega à apreciação do Poder Judiciário, que tem a árdua missão
de constatar a ocorrência dos fatos, emitir seu juízo de valor e, ao final ocorrendo
uma condenação, quantificar, ou seja, transformar em pecúnia a reparação do dano
ocorrido.
Como se sabe, a indenização serve para restaurar o status quo ante existente antes
da ocorrência do fato prejudicial. Casos há, contudo, em que não se pode restaurar
o estado anterior das coisas, por ter sido a lesão irreversível.
Assim, cabe ao julgador traduzir em dinheiro o quantum valeria o direito violado. No
caso dos acidentes do trabalho esta tarefa se torna difícil, pois se está a quantificar
não coisas, mas pessoas e sentimentos. Como se pode traduzir em pecúnia a perda
de um braço, de uma perna, da visão ou de um ente querido? É uma tarefa por
vezes ingrata, mas o Estado-Juiz, mais que um poder, tem um dever para com os
cidadãos comuns e não pode deixar de proferir o entendimento oficial do Estado
sobre o fato, através da sentença.
Ante a inexistência de parâmetros claros no ordenamento jurídico brasileiro, os
juízes por todo o país têm se utilizado muitas vezes apenas do bom senso no
momento de quantificar a indenização nascida com o acidente do trabalho. Contudo,
há aquelas decisões que mais se aproximam de aberrações jurídicas, que beiram o
13
absurdo. E, em verdade, a importância do tema traz a necessidade da criação, se
não no campo legislativo, pelo menos nos campos jurisprudencial e doutrinário, de
critérios baseados em conhecimento técnico-científico que auxiliem o magistrado
nesta complexa missão. Como bem ensina Antônio Lago Júnior, a necessidade de
aprofundamento legislativo, jurisprudencial e doutrinário neste tema decorre do ônus
que [o acidente] traz à sociedade.7
Assim, tem por escopo o presente trabalho estabelecer, com base na legislação
acidentária pátria e nas ciências auxiliares do Direito, critérios que possam auxiliar o
Estado-Juiz na quantificação da reparação por danos morais decorrentes de
acidentes laborais, da seguinte forma:
Em primeiro lugar, analisaremos a responsabilidade civil do empregador por
acidentes de trabalho ocorridos com seus empregados a partir dos elementos
conceituais da disciplina legislativa e doutrinária da responsabilidade civil geral, e
ainda em observância ao desenvolvimento histórico do instituto a nível mundial e no
ordenamento pátrio.
Em segundo lugar, conceituaremos dano moral a partir de elementos legislativos e
doutrinários, além de apresentar uma síntese história do instituto no mundo e no
Brasil.
Em terceiro lugar, apresentaremos o conceito legal e doutrinário de acidente do
trabalho, indicando normas da legislação brasileira da infortunística e apontando as
diversas conseqüências que os acidentes de trabalho perfazer na nossa sociedade.
Em quarto lugar, demonstraremos a possibilidade de ocorrência do dano moral num
acidente de trabalho a partir da análise das repercussões individuais e coletivas do
infortúnio laboral.
Por último, estabeleceremos critérios auxiliares à quantificação da reparação do
dano moral decorrente de acidente de trabalho a partir de uma análise comparativa
entre o sistema norte-americano de punitive damages, o sistema brasileiro de
arbitramento e a proposta de tabelamento trazida por projetos de lei em trâmite no
Congresso Nacional do Brasil, diferenciando cada um dos institutos.
7 LAGO JÚNIOR, Antônio. A responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho. In: LEÃO, Adroaldo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Responsabilidade Civil. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.53.
14
2 RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 INTRODUÇÃO E CONCEITO
O origem etimológica da palavra Responsabilidade, seja no sentido comum, seja no
sentido jurídico, remonta às primeiras sociedades humanas. É, em verdade, um
avanço alcançado com o início da vida em sociedade, e que possui uma dupla
função: por um lado, serve para sancionar aqueles que, deliberadamente (por ação
ou omissão, dolosa ou culposa) prejudicam outrem, lesando seu patrimônio físico e
fisiológico; e por outro lado servem para trazer ao lesionado a restauração do status
quo ante, ou pelo menos compensá-lo pela perda experimentada.
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa dá ao verbete Responsabilidade três
acepções, que a despeito de representarem ópticas diferentes, têm o mesmo
conteúdo mínimo:
responsabilidade s.f. (1813, cf. MS) 1 obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros 2 caráter ou estado do que é responsável 3 JUR dever jurídico resultante de violação de determinado direito, através da prática de um ato contrário ao ordenamento jurídico8
Desta conceituação pode-se extrair o conteúdo básico da palavra, que aparecerá em
todas as suas vertentes: dever/obrigação nascido(a) de ação/omissão. Na seara
jurídica, como bem assevera o Desembargador fluminense Sérgio Cavalieri Filho,
responsabilidade é o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da
violação de um outro dever jurídico9.
Neste sentido também aponta José de Aguiar Dias, em obra memorável acerca do
tema, para quem responsabilidade civil seria:
a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de velar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estar previstas10
O conceito emprestado pelos doutrinadores suso mencionados é restrito, já
enfocando o próprio instituto jurídico. Assim, pode-se entender juridicamente como
8 HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2440. 9 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.24. 10 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, vol.1, p.3.
15
Responsabilidade o dever de reparação que nasce do prejuízo causado por ação ou
omissão violadoras do direito subjetivo de outrem.
2.2 ESCORÇO HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O instituto da Responsabilidade Jurídica é tão antigo quando a própria humanidade.
Já nas primeiras formas de sociedade existiam formas de responsabilização civil,
embora rudimentares e primitivas.
Nas primeiras codificações jurídicas (Código de Hammurabi, Lei das XXII Tábuas,
Código de Manu) e mesmo nas primeiras codificações religiosas da humanidade
(Bíblia Sagrada, Alcorão, Torá) já existiam os primeiros embriões de
responsabilidade civil. Contudo, o objetivo destas normas, bem diversamente do que
hoje possuem, eram tão somente de vingança privada do ofendido. Tanto é assim
que a forma de responsabilização muitas vezes correspondia a castigos corporais,
mutilações ou mesmo a morte do ofensor pelo ofendido ou por sua família.
A Lei de Talião, cuja fundamentação pode ser encontrada na Lex XII Tabularum (Lei
das XII Tábuas), propunha a aplicação ao ofensor do mesmo dano sofrido pelo
ofendido, na famosa frase “olho por olho, dente por dente, vida por vida”. Tratava-se,
portanto, de uma vingança pessoal, equivalente à mentalidade rudimentar das
civilizações e dos seres humanos, ainda tomados pelo primitivismo e por nossas
raízes animalescas.
Assim entendem, inclusive, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção de vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido11
Os doutrinadores baianos vão além e reconhecem na Lei de Talião o princípio para
a evolução do patrimônio em razão do patrimônio do ofensor, já que a Lex Talionis
concebia
a possibilidade de composição entre a vítima e o ofensor, evitando-se a aplicação da pena de Talião. Assim, em vez de impor que o autor de um dano a um membro do corpo sofra a mesma quebra, por força de uma solução transacional, a vítima
11 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. v.3. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.10.
16
receberia, a seu critério e a título de poena, uma importância em dinheiro ou outros bens12
Contudo, a realidade não era esta de composição do dano, tanto é que a Lei de
Talião ainda hoje é lembrada por sua face sangrenta e vingativa do “olho por olho,
dente por dente”. Assim, nesta época os institutos “pena” e “reparação” possuíam o
mesmo significado, tanto é assim que os danos causados a outrem, ainda que
patrimoniais, ensejavam a apenação, inclusive com a possibilidade de escravidão,
servidão ou mesmo penas corporais.
Foi somente com o alvorecer da civilização romana que tais institutos foram
separados, aplicando-se “pena” aos praticantes dos chamados delitos públicos e
“reparação” aos praticantes dos chamados delitos privados13.
Com a edição da Lex Aquilia, em Roma, a responsabilidade civil ganhou uma feição
mais próxima do instituto moderno. Primeiramente porque a referida lei estabeleceu
a substituição de multas fixas (até então aplicáveis de acordo com o dano) por uma
pena proporcional ao dano causado. Depois porque criou o instituto do damnum
injuria datum, que, conforme ensinamento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho 14, consistia na
destruição ou deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido coisa corpórea ou incorpórea, sem justificativa legal. Embora sua finalidade original fosse limitada ao proprietário da coisa lesada, a influência da jurisprudência e as extensões concedidas pelo pretor fizeram com que se construísse uma efetiva doutrina romana da responsabilidade extracontratual.
Já naquela época o instituto da responsabilidade civil se apresentava com feições do
instituto moderno, já que além do requisito “dano” a reparação civil ainda
pressupunha “culpa” e “ato ilícito”, pois somente seria reprovável a provocação de
dano em ato contrário à lei (iniuria). É o que nos ensina Thomas Marky:
Quem causa prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano. A elaboração deste princípio foi feita com base nas disposições de uma lex Aquilia, de época incerta, mas provavelmente do século III a.C. Consoante as disposições dessa lei, quem matasse um escravo ou animal pertencente a outrem ficava obrigado a pagar o maior valor que tal coisa tivera no ano anterior. Era determinado, também, que no caso de ferimento de escravo ou animal alheio, bem como no de danificação de coisa alheia, o autor do dano ficasse obrigado a pagar o maior valor que a coisa tivera no último mês. Originalmente, a sanção da lex Aquilia só se aplicava a dano causado por ato positivo e consistente em estrago físico e material da coisa corpórea. Assim, quanto
12 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Ob. cit. p. 11. 13 “A diferenciação entre a “pena” e a “reparação, entretanto, somente começou a ser esboçada ao tempo dos romanos, com a distinção entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados” in GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p.4. 14 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Ob. cit. p. 12.
17
ao primeiro requisito, não constituía dano, perante aquela lei, o deixar sem alimento um cavalo, causando, com isso, sua morte. Quanto ao segundo, não era considerado, pela lex Aquilia, como dano o deixar fugir o animal alheio, porque não ocorria estrago físico e material. Além destes requisitos, a lex Aquilia exigia a que a danificação fosse feita iniuria, isto é, contra a lei. Mais tarde, os jurisconsultos entenderam que a palavra iniuria não significava apenas o ilícito, o contrário à lei, mas implicava, também, a culpabilidade do autor do dano.15
A regulamentação da responsabilidade civil pela Lex Aquilia ia além do instituto
damnum injuria datum. Não só os causadores de dano que atuassem de forma
dolosa tinham o dever de reparar o dano, mas também os que, culposamente,
inclusive por negligência leve ou levíssima, provocassem-no (in lege Aquilia et
levíssima culpa venit). Também passou a ser posteriormente imputada
responsabilidade àquele que causasse dano por omissão ou que causasse danos de
outra natureza diversa da material.
Exigiu-se, pois, que o dano causado ou fosse dolosa ou ao menos culposamente, sendo imputável também a mais leve negligência: in lege Aquilia et levíssima culpa venit. Outrossim, as sanções da Lex Aquilia aplicavam-se, mais tarde, a outros casos de danificação, além das restrições originárias acima mencionadas, como aos prejuízos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa.16
Também a forma de quantificação da reparação pela Lex Aquilia era bastante
avançada para o seu tempo, já que além da reparação do valor objetivo da coisa,
ainda era reparável o prejuízo indireto que o proprietário da coisa danificada tivesse
em razão deste dano.
No cálculo do valor do dano, originariamente, se limitava a estabelecer o valor objetivo da coisa, mas no período clássico incluía-se todo o interesse do proprietário relativamente a ela. Assim, desde essa época, o cálculo do dano incluía, além do dano efetivo e material (damnum emergens), também a perda do lucro (lucrum cessans) sofrida pelo proprietário por causa do ato ilícito do ofensor.17
A importância desta lei foi tamanha que hoje em dia ainda existe um instituto
denominado Responsabilidade Civil Aquiliana, com fundamentos similares aos da
Lex Aquilia.
Com a queda do Império Romano, que marcou o fim da Idade Antiga e início da
Idade Média, o advento da Igreja Católica como principal esfera de poder mundial
retardou a evolução do instituto da reparação civil. Há que se destacar, contudo, que
não houve interrupção da evolução do instituto da reparação civil, mas o seu
retardamento evolutivo , já que durante o auge do poder político e jurídico da Santa
15 MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 136. 16 MARKY, Thomas. Ob.cit. p. 136. 17 MARKY, Thomas. Ob.cit. p. 136.
18
Sé foram editadas normas de reparação civil, especificamente sobre dano moral nas
relações matrimoniais, como será visto em tópico particular.
Foi somente após Revolução Francesa de 1789 que a responsabilidade civil voltou a
ser tratada nos “palcos intelectuais” da Europa, até então centro do mundo ocidental.
A vitória dos burgueses sobre o Absolutismo, que marcou o fim da Idade Média e
início da Idade Moderna, fez com que o direito medieval fosse derrubado e os direito
romanístico voltasse à tona do cenário jurídico mundial.
Com a outorga do Código Civil Francês pelo imperador Napoleão Bonaparte em
1804 a responsabilidade civil, enquanto instituto jurídico codificado, voltou a existir,
passando a ser um dos campos de estudo mais prósperos do Direito Civil.
Os movimentos constitucionais contemporâneos, sobretudo após a Constituição
Mexicana de 1917, passaram a tratar da responsabilidade civil, incorporando às leis
as tendências doutrinárias vigentes à época, com surgimento, p.ex., do instituto do
Dano Moral e do Dano Estético.
2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O surgimento da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro enquanto
instituto autônomo somente se deu a partir do Código Civil de 1916. As constituições
brasileiras de 1824 (Imperial) e de 1891 (Republicana) foram tímidas no tratamento
do assunto.
A Constituição do Império do Brasil de 1824 possibilitava, no art. 179, XXX, o direito
do cidadão brasileiro acionar o Poder Público para denunciar infrações cometidas às
disposições constitucionais, com posterior responsabilização dos agentes infratores:
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
XXX.. Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.
19
Assim, a responsabilidade tratada na Carta Política Imperial se restringia às
infrações contra as disposições constitucionais, nada mais dispondo acerca de
responsabilidade civil.
A Lex Mater Republicana de 1891 foi mais restritiva e somente estabeleceu a
responsabilidade civil das autoridades de estado por seus atos abusivos:
Art 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 9º - É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos Poderes Públicos, denunciar abusos das autoridades e promover a responsabilidade de culpados.
A Constituição Federal de 1934 manteve, em seu art. 113, item 10, redação similar à
do art. 72, § 9º, da Constituição de 1891:
Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
10) É permitido a quem quer que seja representar, mediante petição, aos Poderes Públicos, denunciar abusos das autoridades e promover-lhes a responsabilidade.
A outorgada Constituição de 1937, por seu caráter eminentemente ditatorial, cujo
exercício abusivo do poder se tornava essencial à manutenção do Estado Novo
getulista, simplesmente retirou do texto constitucional qualquer vestígio de
responsabilidade, especificamente a responsabilidade do estado por abuso de
autoridade praticada por seus agentes, até então existente nas constituições
anteriores (1824, 1891 e 1934).
A Constituição Federal de 1946 reinseriu o disposto de responsabilidade das
autoridades no seu art. 141, § 37:
§ 37 - É assegurado a quem quer que seja o direito de representar, mediante petição dirigida aos Poderes Públicos, contra abusos de autoridades, e promover a responsabilidade delas.
A Carta Política do Regime Militar, outorgada em 1967 e emendada em 1969,
mantendo a tendência autoritária da Constituição Getulista de 1937 retirou
novamente do texto constitucional a responsabilização das autoridades por abuso de
poder.
Foi somente com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 que a responsabilidade civil voltou ao texto constitucional, dessa vez com
mais força do que antes. Após 21 anos de ditadura militar, nos quais o próprio
Estado brasileiro exercia suas razões à força, desrespeitando as próprias leis que
20
criava sem qualquer responsabilização dos algozes, a Carta Política de 1988 inovou
ao dispor em seu texto sobre responsabilidade civil de maneira ampla, incluindo
agora no texto a responsabilidade civil comum (art. 5°, X), a responsabilidade civil do
empregador em relação aos seus empregados (art. 7°, XXVIII) e também a
responsabilidade civil do estado, não mais restrito à prática de abuso de poder por
parte das suas autoridades, mas por qualquer dano causado por ato ilícito dos seus
agentes (aí inclusos não só os agentes políticos, autoridades, mas também os
agentes comuns, inclusive prestadores de serviços, concessionários e
permissionários de serviço público) ainda que não se consubstanciem em abuso de
poder, bem como nos casos de erro judiciário e de ausência de prestação pelo
Poder Público dos serviços essenciais e garantias e direitos constitucionais (Saúde,
Educação, Segurança etc)18.
Após a Constituição de 1988, já bastante inovadora, entrou em vigor a Lei Federal n°
10.406/02, que instituiu o Novo Código Civil. Apresentando significativas melhoras
em relação ao Código Civil de 1916, o Novo Código Civil trata da responsabilidade
civil nos seus arts. 186 a 188 (Ato Ilícito) e 927 a 954, tendo incluído novidades
como a esculpida no parágrafo único do art. 927, que estabelece a responsabilidade
objetiva pelo risco da atividade, baseada na teoria do risco.
Assim, hodiernamente, o instituto da responsabilidade civil no direito pátrio encontra
guarida na Constituição Federal de 1988 e no Código Civil de 2002.
2.4 RESPONSABILIDADE OBJETIVA X RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
A entrada em vigor do Novo Código Civil, com a promulgação da Lei Federal n°
10.406/02, trouxe diversas novidades para o ordenamento jurídico pátrio. Entre
estas novidades, talvez a mais significativa seja a contida no parágrafo único do art.
927 do Codex Civil, cuja transcrição se afigura imperiosa: 18 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença; Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
21
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Após a edição deste dispositivo, a responsabilidade civil passou a se dividir em
subjetiva e objetiva. Até então, no Código Civil de 1916, as disposições acerca de
responsabilidade civil estavam desordenadas e pulverizadas por todo o texto
legislativo, dificultando muitas vezes sua interpretação. É o que nos aponta Sílvio de
Salvo Venosa:
O legislador do Código Civil de 1916 não tratou da matéria de forma ordenada, pois nos arts. 159 e 160 traçou os fundamentos da responsabilidade contratual e, posteriormente, na Parte Especial, em vários dispositivos, disciplina novamente o assunto19
A responsabilidade subjetiva, focada no sujeito causador do dano e em seus atos
danosos, possui como condição sine quae non para sua configuração a existência
de culpa por parte do agente. Por sua vez, a responsabilidade objetiva, focada no
objeto da responsabilização, qual seja o dano, possui como condição sine quae non
tão somente a ocorrência de dano e o exercício, por parte do agente causador de
dano, de atividades de risco.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho assim diferenciam
responsabilidade objetiva de responsabilidade subjetiva:
A responsabilidade civil subjetiva é a decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo. Esta culpa, por ter natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, conforme cediço doutrinariamente, através da interpretação [...] do art. 186 do Código Civil de 2002 [...] Entretanto, hipóteses há em que não é necessário sequer ser caracterizada a culpa. Nesses casos, estaremos diante do que se convencionou chamar de ‘responsabilidade civil objetiva’. Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar20
Aguiar Dias, citado por Rui Stoco em memorável obra acerca da responsabilidade
civil, corrobora o entendimento esposado pelos autores suso mencionados:
no sistema da culpa, sem ela, real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou melhor, esta indagação não tem lugar21
19 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Volume 3 – Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.11. 20 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Ob. cit. p. 14-16. 21 DIAS, Aguiar. cit.p. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 149.
22
Rui Stoco vai além, e à luz dos estudos de outros doutrinadores da responsabilidade
civil propõe o valor eminentemente técnico da presunção de culpa:
Foi, portanto, o reconhecimento da presunção de culpa um dos instrumentos técnicos que se utilizaram para a extensão dela e para abertura de caminho para a aceitação da teoria objetiva22
Assim, pode-se afirmar que no ordenamento jurídico pátrio coexistem as duas
modalidades de responsabilidade civil, sendo a responsabilidade subjetiva a regra
geral e a responsabilidade objetiva a exceção, aplicável nos casos do exercício de
atividades de risco por parte do autor do dano.
2.5 NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR
POR ACIDENTE DO TRABALHO OCORRIDOS COM SEUS EMPREGADOS
Tema dos mais controversos na doutrina pátria, não há consenso acerca da
natureza jurídica da responsabilidade civil do empregador por acidentes do trabalho
ocorridos com seus empregados.
Grande parte da doutrina se filia à teoria que admite a existência das
responsabilidades subjetiva e objetiva do empregador em relação aos acidentes do
trabalho ocorridos com seus empregados, sendo a responsabilidade subjetiva a
regra e a objetiva a exceção.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirmam que
Uma questão interessante sobre o tema da responsabilidade civil nas relações de trabalho se refere não aos danos causados pelo empregado, mas sim aos danos causados ao empregado. [...] Não temos dúvida em afirmar que, na regra geral, a responsabilidade civil continua a ser subjetiva [...] Todavia, não podemos descurar da nova regra da parte final do parágrafo único do art. 927 do CC-02, que estabelece uma responsabilidade civil objetiva, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem 23
Neste mesmo sentido é o pensamento de Edilton Meirelles:
Por este novo dispositivo legal, fica instituída a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, afora os casos previstos em leis especiais, sempre que ‘a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem’. A responsabilidade, assim, nesse caso, será objetiva. É a aplicação da teoria do risco para apuração da responsabilidade civil. A lei, entretanto, criou um critério subjetivo para definir as situações onde ocorre esta responsabilidade objetiva: atividades de risco por sua própria natureza. Assim,
22 STOCO, Rui. ob. cit., p. 149. 23 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Ob.cit, pg. 270-271.
23
caberá à doutrina e, em especial, à jurisprudência, definir quais são as atividades em que, normalmente, por sua natureza, há riscos para os direitos de outrem. (...) Na área trabalhista, pode-se pensar nas atividades desenvolvidas por empresas que envolvem grandes riscos à vida e à saúde do trabalhador (sem mencionar os terceiros), como, por exemplo, na manipulação de produtos químicos, radiativos, cancerígenos, etc., ou mesmo em condições que colocam o ser humano em constante risco de acidente24.
Contudo, a despeito da força e respeitabilidade dos doutrinadores adeptos deste
segmento, cremos que a responsabilidade civil do empregador por acidentes do
trabalho ocorridos com seus empregados é unicamente subjetiva, por expressa
disposição constitucional. Vejamos.
O art. 7°, XXVIII, da Constituição Federal de 1988 dispõe que:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
A primeira parte do inciso XXVIII do art. 7° da Car ta Maior é referente à prestação
previdenciária paga pelo empregador ao INSS para custear os benefícios a serem
pagos ao empregado, em caso de acidente do trabalho ou doença ocupacional.
Assim, o empregador já paga compulsoriamente um valor a título de seguro-
acidentário, que fica “depositado” na Previdência Social. Pode ocorrer do empregado
nunca se acidentar, e assim o dinheiro ficará eternamente depositado no INSS, sem
que a empresa possa reavê-lo. Em verdade, como todo contrato securitário, o
seguro acidentário previdenciário socializa os custos, partindo do princípio de que o
número de segurados é alto e o número de acidentados, se comparado ao dos
últimos, é baixo.
A segunda parte do inciso trata da indenização a ser paga pelo empregador ao
empregado, por acidentes do trabalho ocorridos com este, em virtude da
responsabilidade civil. Veja-se que em sua parte final o inciso XXVIII do art. 7° da
CF/88 destaca que a indenização acidentária só será devida quando o
empregador agir com dolo ou culpa .
Ou seja: a Constituição Federal só admite responsabilização civil subjetiva do
empregador em razão de acidentes do trabalho ocorridos com seus empregados.
A admissão de responsabilidade civil objetiva do empregador em virtude de
24 MEIRELLES, Edilton. O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho. 2 ed. São Paulo: LTr, p. 121-122.
24
acidentes do trabalho ocorridos com seus empregados, por força da aplicação do
parágrafo único do art. 927 do CC/02 à matéria (e, frise-se, exclusivamente à
matéria acidentária) seria a imputação de um ônus excessivo ao empregador,
inclusive com bis in idem no pagamento de duas indenizações (prestação
previdenciária compulsória acrescida da indenização reparatória).
Não se pode imputar aos empregadores um ônus em virtude da falência do sistema
previdenciário do Brasil, ocorrido por conta da má gestão dos órgãos
previdenciários, sobretudo o INSS.
Como se sabe, as normas constitucionais cuja eficácia dependa de regulamentação
trazem em seu conteúdo as expressões “na forma da lei”, “conforme definido em lei”,
“por meio de normas”, entre tantas outras. São as chamadas normas constitucionais
de eficácia contida ou de limitada, assim descritas por José Affonso da Silva em
memorável ensaio acerca do tema.
O referido constitucionalista, tanto no mencionado texto quanto em citação feita por
outros autores25, ensina que as normas constitucionais de eficácia contida são
aquelas
que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos em que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados26.
ao passo que as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que
apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, pois somente incidem
totalmente sobre esses interesses, após ultratividade posterior que lhes desenvolva
a aplicabilidade27.
Por sua vez, a norma esculpida pela parte final o inciso XXVIII do art. 7° da CF/88,
destaca que a indenização acidentária só será devida quando o empregador agir
com dolo ou culpa apenas , sem referência à legislação infraconstitucional, faz
parte das normas constitucionais de eficácia plena, que segundo José Affonso
seriam
25 As referências às modalidades das normas constitucionais segundo sua eficácia, proposta por José Affonso da Silva, é utilizada por outros autores, como em MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 43. 26 SILVA, José Affonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 89. 27 SILVA, José Affonso da. Ob. Cit. p. 90.
25
aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular28.
Partindo desta classificação, pode-se inferir que será somente em relação às
normas de eficácia contida e de eficácia limitada é que poderá haver integração de
norma infraconstitucional. Quando não há remissão à legislação infraconstitucional,
não se pode admitir interpretação extensiva, sob pena de distorcer os princípios
políticos inseridos da Constituição.
Nem mesmo em observância ao consagrado princípio trabalhista de subversão da
hierarquia das normas em benefício do trabalhador, posto que subverter a ordem
hierárquica de uma norma infraconstitucional em detrimento de uma norma
constitucional traria um grave risco à segurança jurídica, colocando em xeque a
própria eficácia da Constituição.
Assim, o inciso XXVIII do art. 7° da CF/88 afirma c ategoricamente que o empregador
só está obrigado a indenizar o empregado em razão de acidente de trabalho quando
incorrer em dolo ou culpa , apenas. Não admite, portanto, a interpretação da
referida norma a partir de dispositivos infraconstitucionais, pois se trata de norma
constitucional de eficácia plena . Qualquer norma que se coloque contra as suas
disposições, ainda que em benefício do empregado, é inconstitucional, já que entra
em vigor contrariando dispositivo constitucional explícito.
Apenas a título exemplificativo (por não se tratar do tema objeto do presente
trabalho) acerca da impossibilidade da interpretação extensiva ou ampliativa de
normas constitucionais de eficácia plena, temos a situação da prescrição
constitucional das ações trabalhistas. A Constituição Federal, art. 7º, XXIX dispõe
que:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes da relação de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;
Ora, a Carta Maior expressamente indica a prescrição de 2 anos contados da data
da dispensa para ajuizamento da ação, e prescrição de 5 anos retroativos, contados
da data de ajuizamento da ação, para aferição do limite às parcelas a serem pagas.
28 SILVA, José Affonso da. Ob. Cit. p. 89
26
Se por acaso entrar uma lei infraconstitucional ampliando a prescrição de
ajuizamento da ação para 10 anos e a retroativa para 20 anos, mesmo que seja
benéfica ao trabalhador (e sem dúvida o é), será esta norma inconstitucional, já que
contradiz e confronta norma constitucional de eficácia plena, a qual não comporta
interpretação extensiva, ampliativa ou submissa à edição de norma
infraconstitucional.
Destaque-se que sempre que uma norma é benéfica a uma das partes, há
necessária oneração e desvantagem da outra parte.
Desta forma, a aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil brasileiro de
2002 é absolutamente inconstitucional na seara dos infortúnios laborais, inexistindo
portanto responsabilidade civil objetiva do empregador em razão de acidentes do
trabalho ocorridos com seus empregados.
Destaque-se que até mesmo os mais árduos defensores da aplicação do princípio
da proteção, a exemplo de Amauri Mascaro Nascimento, reconhecem a
prevalência e a prioridade das normas constituciona is em relação às demais, o
que somente poderá ser mitigado por expressa autori zação da Constituição :
A sua melhor aplicação [do princípio da proteção] pressupõe distinguir a natureza das normas que têm conteúdo igual, ressalvando-se, porém, a prioridade inquestionável dos dispositivos de natureza constitucional. Desse modo, entre o direito constitucional e o infraconstitucional, a prioridade é sempre daquele, a menos que dele emane uma autorização para que outra hierarquia se estabeleça29.
Também neste sentido é a lição de Alice Monteiro de Barros:
A lei ordinária é hierarquicamente inferior à Constituição [...] A aplicação da norma ou condição mais favorável não significa a eliminação do princípio da hierarquia das leis. O que ocorre é que a própria lei deixa espaço para ser sobrepujada por uma norma de hierarquia inferior [...] O princípio da proteção vem sofrendo recortes pela própria lei, com vista a não onerar demais o empregador e impedir o progresso no campo das conquistas sociais30.
Nesta mesma linha de pensamento é o entendimento de Evaristo de Moraes Filho e
Antônio Carlos Flores de Moraes:
Por serem escritas e rígidas, dão as constituições modernas maior garantia e salvaguarda às normas ali contidas [...] Dessas disposições, é claro, nem todas são desde logo auto-executáveis, já que as normas constitucionais, em não raros casos, depende de regulação posterior (não auto-executáveis) [...] Quase todas as disposições do art. 7º [entre as quais se encontra o inciso XXVIII, que dispõe sobre a responsabilidade civil exclusivamente subjetiva do empregador nos acidentes de trabalho] são auto-aplicáveis, excetuando-se o inciso I, na parte referente à
29 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 272. 30 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p.121, 123 e 171.
27
despedida arbitrária [...] Como acontece na teoria geral do direito, deve-se estabelecer uma certa hierarquia entre as fontes do direito do trabalho. Como é óbvio, coloca-se em primeiro lugar a norma constitucional, em plano mais elevado em relação à lei ordinária, qualitativamente superior e desigual31.
Da mesma forma pensa Arnaldo Süssekind:
A ordem jurídica deve configurar um sistema lógico e coerente, de forma que a validade de uma norma resulte da sua compatibilidade com a que lhe for hierarquicamente superior. O vértice da pirâmide – para usarmos a conhecida imagem de Kelsen – é a Constituição, a partir da qual as demais normas jurídicas vão-se desdobrando em escalas decrescentes de valores [...] É comum afirmar-se que, no campo do Direito do Trabalho, se verifica a inversão da hierarquia das normas jurídicas a fim de beneficiar o trabalhador. Afigura-se-nos, porém, que a questão deve ser equacionada de forma diversa: aplica-se a disposição mais favorável ao trabalhador, desde que compatível com o respectivo sistema e com as normas hierarquicamente superiores, porque estas estabelecem limites imperativos, acima dos quais será lícito melhorar o nível de proteção32.
Assim, a aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002 às lides
em derredor do dano moral decorrente de acidente do trabalho, a despeito de ser
moralmente elogiável (já que protege efetivamente o trabalhador, pólo
hipossuficiente da relação de emprego), é legalmente e formalmente repreensível, já
que põe em xeque a segurança jurídica dos princípios políticos que o legislador
constituinte inseriu no texto da Carta Política de 1988, art. 7º, inciso XXVIII.
Há, entretanto, soluções que podem ser tomadas dentro da legalidade e da
constitucionalidade de forma a adaptar a aplicação da referida norma constitucional
de responsabilidade civil do empregador nos acidentes do trabalho ao também
constitucional Princípio da Proteção.
No caso das atividades de risco (definidas conforme o art. 927 do Código Civil de
2002) o legislador poderia, fundamentado no princípio protetivo, criar garantias ou
facilidades processuais como, p.ex., a inversão do ônus probatório nos casos de
acidente de trabalho, ou mesmo a criação de um fundo no âmbito do Poder
Judiciário Trabalhista para pagamento de despesas periciais dos empregados em
ações de acidentes do trabalho.
Isto porque a responsabilidade objetiva tem por escopo estabelecer o direito à
indenização sem necessidade de prova de culpa , já que o nexo causal é
presumido, bastando portanto que tenha havido o acidente e o dano. Destaque-se
que mesmo o nexo causal não é exaustivamente comprovado (já que é presumido),
31 MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução do Direito do Trabalho. 9 ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 158-159 e 166. 32 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 127-128.
28
o que se afigura absurdo nos casos de acidente do trabalho, tendo em vista que
existem causas que não são exclusivas do exercício da atividade profissional
(concausas), podendo haver diagnósticos diferenciais nestes casos, daí a
necessidade de prova inequívoca e farta nos litígios acidentários.33
Vale destacar que o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA), seguindo
tendências de outros tribunais do trabalho do país34, criou através do Provimento
GP/CR 003/200735 um fundo orçamentário para custear o pagamento e antecipação
dos honorários periciais em processos cujo trâmite se dê perante o TRT da 5ª
Região (Varas do Trabalho) para as partes beneficiárias da Assistência Judiciária
Gratuita.36 Tal medida é absolutamente compatível com o princípio da proteção, e
demonstra que a prova técnica (perícia) nos processos que envolvam acidentes do
trabalho é de extrema importância, sem a qual a prestação jurisdicional pode ficar
incompleta.
33 Tomemos por exemplo uma doença ocupacional comum nas lides acidentárias: a Síndrome do Túnel do Carpo. Trata-se compressão do nervo mediano na altura do punho (carpo), cuja função principal é inervar a face palmar da mão. Com a compressão deste nervo os impulsos elétricos nervosos passam a ter dificuldade para transitar pela região, o que causa sensações de dormência, formigamento, dor e parestesia (ardência). Apesar de ser uma doença comumente desencadeada no exercício do labor, é também facilmente desencadeada por causas não ocupacionais em gestantes (as mulheres têm 4 vezes mais chance de adquirir tal moléstia do que os homens, chance que aumenta para 10 vezes se se tratar de gestante), diabéticos e pessoas com hipoatividade tireoidal. 34 Neste sentido: Portaria GP/SECOR nº 003/2006 do TRT da 20ª Região (SE); Portaria GP/DGCJ nº 02/2006 do TRT da 18ª Região (GO); Resolução nº 35/2007 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. 35 Provimento DP/CR nº 003/2007, publicado no D.O. do TRT da 5ª Região, edição de 13 de Fevereiro de 2007, Ano VII, nº 1783, seção “Atos da Presidência”, página 2. 36 O Presidente e o Corregedor do TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 5ª REGIÃO, Desembargadores Roberto Pessoa e Gustavo Lanat, no uso das suas atribuições legas e regimentais: Considerando o princípio constitucional de acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário e o dever do estado em prestar assistência judiciária integral e gratuita aos comprovadamente carentes, como disposto nos incisos XXXV, LV e LXXIV do art. 5º da Constituição Federal; Considerando a decisão proferida pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho no Processo nº CSJT-0268/2006.000.90.00-4; Considerando a ampliação de competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional nº 45/2004, bem como a necessidade de prova técnica, principalmente nos casos em que se discute indenização por dano moral, material, doença profissional, acidente de trabalho, insalubridade ou periculosidade; Considerando que a Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 790-B, estabelece que “a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão do objeto da perícia, salvo se beneficiária de justiça gratuita”; Considerando a existência de rubrica orçamentária específica para atender despesas resultantes de elaboração de laudos periciais, em processos que envolvam pessoas carentes; Considerando que há necessidade de regulamentar o pagamento de honorários periciais no âmbito do TRT da 5ª Região, uniformizando os procedimentos atinentes à matéria, resolvem: Art. 1º Condicionar o pagamento de honorários periciais mediante a utilização de recursos orçamentários deste Tribunal, nas hipóteses em que à parte sucumbente na pretensão for concedido o benefício da gratuidade da justiça, à ocorrência simultânea das seguintes condições: a) concessão do benefício da justiça gratuita; b) fixação judicial de honorários periciais; c) sucumbência da parte na pretensão objeto da perícia; d) trânsito em julgado da decisão.
29
A solução para este problema extrapola o campo jurídico, descambando para o
campo político. Enquanto não for encontrada uma solução política para o conflito
dos princípios referidos (proteção do trabalhador versus responsabilidade civil
exclusivamente subjetiva do empregador estabelecida pela Constituição Federal), e
destaque-se que esta é uma tarefa atribuída ao Poder Legislativo, o Poder Judiciário
não pode e não deve aplicar norma infraconstitucional em detrimento de norma
constitucional, já que a violação desta última vai de encontro à segurança jurídica,
uma das bases do Estado Democrático de Direito.
30
3 DANO MORAL
3.1 CONCEITO
Hodiernamente, o instituto do Dano Moral vem sendo amplamente utilizado nos mais
diversos ramos do direito. Contudo, a utilização não está sendo feita de forma
correta e apropriada para o instituto, sendo motivo muitas vezes de banalização, já
que é judicialmente deferida a indenização do dano moral sem observância dos seus
critérios basilares.
O conceito do instituto não é unânime na doutrina, porém há um conceito
fundamental e genérico deste, relacionado ao patrimônio imaterial do indivíduo. A
partir desta conceituação, dano moral seria a violação ao patrimônio personalíssimo
e imaterial do ser humano, a alteração no status quo ante mental e psicológico do
indivíduo perante si próprio e perante a sociedade, gerando efeitos negativos nas
relações que este indivíduo irá travar com as pessoas e as coisas.
A origem do instituto remonta às primeiras formas de organização social do homem
primitivo, como se verá em seguida.
3.2 ESCORÇO HISTÓRICO DO INSTITUTO
Segundo Clayton Reis, já nas primeiras civilizações humanas havia sistemas de
reparação de danos inseridos nas normas primitivas de direito. De acordo com o
referido doutrinador, a primeira noção de que se tem conhecimento na história da
civilização acerca do dano e sua reparação, através de um sistema codificado de
leis, surgiu na Mesopotâmia, através de Hammurabi, rei da babilônia (1792-1750
a.C.)37.
O doutrinador supra referido ainda aponta indícios legislativos de institutos
codificados de reparação de danos no Código de Manu (Índia), na China, no Egito e
37 REIS, Clayton. Dano Moral. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.9.
31
na Grécia. Contudo, até então a reparação era somente por danos patrimoniais e
por danos físicos. O dano moral permanecia sem reparação.
Foi somente com o advento do império romano que se começou a pensar na
reparação de danos ao patrimônio imaterial dos indivíduos. Gize-se que tais
indivíduos deveriam necessariamente ser cidadãos romanos, estando excluídos
portanto as mulheres, crianças e escravos, considerados “coisas” pelo direito
romano.
3.2.1 Dano Moral em Roma
Como já referido acima, Roma foi a primeira civilização que, dentro do seu sistema
normativo, regulamentou a reparação do Dano Moral. A Lei das XXII tábuas foi a
primeira a admitir a reparabilidade do dano ao patrimônio individual do cidadão
romano, fato que é destacado por Clayton Reis em obra específica sobre Dano
Moral:
O ‘l’editto de convício’ previa o caso de alguém insultar verbalmente o outro, em uma reunião de pessoas (D. cód. 15, 2-24) e ser condenado a pena pecuniária. Portanto, podemos concluir que o fundamento da legislação na antiga Roma assentava-se na reparação de dano através de pena pecuniária. Todavia, como se denota pelos textos comentados, os romanos já aceitavam, ainda que primariamente, a reparação do dano moral. Essa noção de reparação moral se encontra no parágrafo 9º da Lei das XII Tábuas, e o fato mencionado [...] evidencia a necessidade de se reparar um dano ofensivo à moral de uma pessoa, através de pena econômica.
Desta forma, pode-se inferir que Roma foi a primeira civilização que, de forma
concreta, embora rudimentar, inseriu em um sistema normativo a reparação do dano
moral.
3.2.2 Dano Moral na Idade Média
Durante a Idade Média a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) passou a ser o
principal órgão criador do Direito no mundo ocidental, editando normas das mais
diversas áreas. No campo da responsabilidade civil geral, contudo, houve uma certa
estagnação normativa, já que com a abolição dos poderes políticos regionais em
benefício do poder central da Santa Sé as normas passaram jurídicas passaram a
ser concebidas do ponto de vista religioso e dogmático da ICAR. O Direito passou,
32
então, a ser criado com base na doutrina católica, especificamente sobre temas
religiosamente relevante.
Apesar da relativa paralisação na normatização da responsabilidade civil geral,
diversas eram as normas que tratavam especificamente do dano moral, concebido a
partir de uma visão doutrinária católica do conceito de “moral”. Assim inclusive
aponta Augusto Zenun, em famosa obra acerca do tema:
No Direito Canônico, a todo instante, encontram-se casos de dano moral e da respectiva reparação, por exemplo, a promessa de casamento, gerador de obrigações, pelo que, uma vez rompido, exige-se reparação por parte de quem causou tal ruptura, pois para a Igreja, constitui vulneração ao direito que informa o cristianismo38.
Desta forma, durante a Idade Média, ainda que as normas acerca de
responsabilidade civil de uma forma geral não tenham florescido como na anterior
época clássica ou como no posterior Iluminismo, o Dano Moral foi tratado, e de
forme bastante ampla, no mosaico legislativo outorgado pela ICAR.
3.2.3 Dano Moral nas Codificações Modernas e Contem porâneas
A partir do século XVI a Europa, centro do mundo ocidental à época, passou por
uma verdadeira revolução chamada Renascimento Cultural. As relações humanas e
institucionais foram modificadas, e a Igreja Católica foi gradativamente perdendo seu
poder político e religioso.
Diversos foram os pensadores39 que, desafiando o poder da ICAR, divulgaram suas
obras que contrariavam as doutrinas religiosas, políticas e até mesmo jurídicas da
Santa Sé.
Contudo, a alteração mais significativa se deu no campo da política. Após os Cismas
do Oriente (ocorrido em 1054, quando os cristãos do Império Bizantino se
separaram da Igreja Católica, dando origem à Igreja Ortodoxa) e do Ocidente
(ocorrido entre 1378 e 1417, quando divisões internas da ICAR provocaram a
38 ZENUN, Augusto. Dano Moral e sua Reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 9. 39 Na filosofia, destacam-se Erasmo de Roterdã e o seu “Elogio à Loucura” (1508), Thomas Morus e a sua “Utopia”(1516), René Descartes (1641) e Michel de Montaigne com seus “Ensaios” (1580). Nas ciências naturais destacam-se Nicolau Copérnico e sua obra “De Revolutionibus Orbis Terrarum” (1543), Vessálio e sua obra “De Corporis Humani Fabrica”, Galileu Galilei (1602), Issac Newton (1687) e Johannes Kepler (1615).
33
eleição de dois papas, um na França e um na Itália) a Igreja Católica se viu
perdendo força política, diante da falta de atualização das doutrinas católicas, que
permaneciam intactas desde Santo Agostinho (354 – 430 d.C), sofrendo somente
pequenas (e insignificantes40) alterações com São Tomás de Aquino (1225-1274)41.
O “golpe de misericórdia” veio em 1517, quando o padre alemão Martinho Lutero
publicou sua obra “95 Teses”, na qual apresentava ao mundo suas idéias e criticava
abertamente a ICAR pela cobrança de indulgências, dízimo e corrupção dos padres,
bispos e cardeais. Excomungado em 1520 pelo papa Leão X, Lutero se empenhou
na sua causa de criar uma igreja livre dos dogmas antiquados da Santa Sé. Nascia o
protestantismo, apoiado por uma classe recém-surgida com o mercantilismo
renascentista: a burguesia.
A perda de poder da Igreja Católica ficou mais que evidente em 1555, quando
católicos e protestantes firmaram a Paz de Augsburgo, na qual ficava estabelecido
que os monarcas ficavam livres para escolher sua religião, mas o povo deveria
seguir a mesma religião do príncipe.
Assim, a ICAR admitia sua derrota no campo político. Não poderia ser diferente, já
que após a revolução luterana (mais conhecida por Reforma) diversos religiosos e
políticos se insurgiram contra o poder do Vaticano, entre os quais se destacam os
monges Thomas Müntzer e Felipe de Melanchton (Alemanha), Ulrich Zwinglio e João
Calvino (Suíça, apesar do último ser francês) e o monarca britânico Henrique VIII
(Inglaterra).
Mesmo com a Contra-Reforma (iniciada a partir de 1534), que convocou o Concílio
de Trento (1545-1563) para atualizar a doutrina católica, e com a criação da
Companhia de Jesus (à qual o historiador Eduardo Bueno42 chama de “Tropa de
40 A filosofia desenvolvida por São Tomás de Aquino foi extremamente vanguardista e brilhante, sendo de extrema importância na adaptação do aristotelismo para a teologia cristã. Contudo, muito por razões políticas (Tomás de Aquino era sobrinho de Frederico II, inimigo do Papa), a filosofia Tomista somente foi ser reconhecida pela ICAR 1879. Assim, enquanto a Santa Sé manteve seu poder absoluto a obra Tomista foi pouco utilizada na teologia oficial católica, sendo o termo “insignificante” apropriado para a participação tomista da filosofia cristã medieval, a despeito do seu brilhantismo, sapiência e profundidade. 41 A Igreja Católica só veio a reconhecer plenamente a beleza, sapiência e profundidade da obra Aquiniana em 1879, quando o Papa Leão XIII declarou sua obra “a única filosofia verdadeira” da ICAR. Destaca este fato STRATHERN, Paul. São Tomás de Aquino em 90 minutos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. 42 BUENO, Eduardo. A Coroa, a Cruz e a Espada: Lei, ordem e corrupção no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
34
Choque da Igreja Católica”, pelos métodos nada religiosos pelos quais os Inacianos
catequizavam os “gentios”), a Santa Sé saiu enfraquecida politicamente.
E isto acabou repercutindo diretamente no campo jurídico, já que paralelamente à
perda de poder da ICAR nascia nas comunidades européias o sentimento de união
por motivos étnicos, lingüísticos, religiosos e culturais, embrião do surgimento dos
Estados Nacionais, os quais passariam a editar suas próprias normas. Desta forma,
o Vaticano também perdeu o poder de editar as leis.
Os grandes códigos nacionais, contudo, somente surgiram nos séculos XVIII e XIX,
com o aparecimento dos Estados-Nação, quando houve a separação definitiva entre
Igreja e Estado.
O instituto do dano moral, portanto, ficou ainda vinculado aos dogmas religiosos,
tanto do cristianismo quanto do protestantismo, até os idos de 1700, quando os
recém-criados Estados-Nacionais tornaram-se gradativamente laicos.
O primeiro código nacional a tratar do dano moral de uma forma bastante
abrangente foi o BürgerlichesGesetbuch alemão (BGB), de 1900. O Código Civil
alemão dispunha, em seu art. 847, que
Art. 847. No caso de lesão do corpo ou da saúde, assim como no caso de privação de liberdade, pode o lesado, também quanto ao dano que não seja patrimonial, exigir uma eqüitativa satisfação em dinheiro.
Também o art. 1.300 do Codex Civil Tedesco estatuía o seguinte:
Art. 1.300. Se se entrega uma mulher de procedimento irrepreensível, a seu futuro esposo, uma vez que ocorram, no caso, os requisitos dos parágrafos 1.298 e 1.299, poderá exigir que se lhe indenize, em dinheiro, na medida do eqüitativo, ou do justo, pelo dano moral sofrido.
Destaque-se que a alemanha foi pioneira no trato institucional do dano moral, pois
mesmo antes da edição do BGB, em 1900, e mesmo antes das leis esparsas em
Portugal (1876) e na França (1888) acerca deste tema, o direito consuetudinário
tedesco já dispunha sobre o instituto do Schmerzendgeld, que tratava da reparação
da dor física e da alma43.
43 Assim ensina Augusto Zenun (Ob. Cit., p. 14-15): “Ainda no velho Direito, para esses sofrimentos decorrentes de dores advindas de lesões físicas, havia o instituto do Schmerzensgeld (reparação da dor, ou seja, prlo qual se reparavam tais dores; reparação essa de ordem econômica, a qual Fischer denominava pecúnia doloris; e não quer dizer que esse instituto só tinha alcance nas lesões físicas, pois não esqueceram da dor da alma”.
35
Após o pioneirismo germânico, diversos países ao redor do globo trataram em suas
legislações sobre o dano moral, a exemplo da Espanha (1890), Suíca (1905),
Polônia (1934), Líbano (1934), entre tantos outros.
No século XX também a Bélgica, Uruguai, Argentina, China, Japão, Turquia e Brasil
trataram do Dano Moral nos seus Códigos, de uma forma cada vez mais ampla.
A única exceção foi a Itália, que em 1865 previa o dano moral no seu Código Civil de
forma já restrita, e ampliou as restrições com a entrada em vigor do Código Civil de
1942 a ponto de quase extinguir o instituto na península itálica. Somente após a
queda do regime fascista de Mussolini (1944) é que a Itália pôde, finalmente,
retornar às origens Romanas e Católicas de disposição legal ampla do Dano Moral.
3.3 DANO MORAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
3.3.1 Brasil colonial
No Brasil, a primeira norma jurídica a tratar expressamente do instituto do dano
moral foi uma obscura Lei de 6 de Outubro de 1784, editada pela Coroa Portuguesa
sob influência da ICAR. Esta norma foi concebida ainda sob o prisma do Direito
Canônico, como bem assevera Augusto Zenun
No Direito Canônico, a ruptura da promessa [de casamento] trazia imensuráveis responsabilidades, e o nosso Direito, anterior a 1917, ou antes de vigir o Código Civil, ou seja, através da Lei de 6 de outubro de 1784, graças à grande influência da Igreja, impunha-se aqui, no Brasil, aquela mesma responsabilidade do esponso, o que demonstra, já àquele tempo, em nosso país conhecida e aplicada era a reparação do dano moral44.
Contudo, a aplicação desta lei estava restrita às relações matrimoniais, e não
alcançava a todos os brasileiros, já que somente nobres tinham acesso à prestação
jurisdicional efetiva.
3.3.2 Constituição Imperial de 1824
44 ZENUN, Augusto. Dano Moral e sua Reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 19.
36
A Constituição Imperial brasileira, apesar de tratar da responsabilidade civil, não
trazia de forma explícita em seu texto o instituto do dano moral. Contudo, dispositivo
inserido no inciso IV do art. 179 instituía o direito à liberdade de expressão, desde
que o cidadão se responsabilizasse pelos abusos que cometerem no exercício deste
direito.
Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.
Entendemos, assim, estar implícito no dispositivo acima mencionado a possibilidade
de responsabilização do autor de danos morais, caso a divulgação da idéia cause a
outrem um dano efetivo à moral.
Há também no texto constitucional de 1824 diversas passagens que tratam da
suspensão de direitos ou de apenamento em virtude de ato danoso à moral pública,
porém este instituto, ao nosso ver, não se enquadra na hipótese de reparação de
dano moral de direito civil, e sim um controle político dos atos dos subordinados.
3.3.3 Constituições Republicanas (1891, 1934, 1937 e 1946)
A Constituição Republicana de 1891 manteve o apenamento ou suspensão de
direitos dos cidadãos brasileiros em virtude de ato lesivo à moral pública que existia
na Constituição Imperial, mas não apresentou grandes melhorias em relação a esta.
O instituto da responsabilidade por danos causados em decorrência de propagação
de idéias foi mantido, estando disposto no art. 72 da CF/1891.
A Constituição de 1934 retirou do texto constitucional o apenamento ou suspensão
de direitos dos cidadãos brasileiros em virtude de ato lesivo à moral pública que
existia nas constituições anteriores, mas manteve intacto o instituto da
responsabilidade por danos causados em decorrência de propagação de idéias, no
art. 113, (9).
A Constituição de 1937, outorgada sob o Estado Novo de Vargas, mantendo a
tendência autoritária do Governo Federal, trouxe de volta o apenamento ou
37
suspensão de direitos dos cidadãos brasileiros em virtude de ato lesivo à moral
pública como forma de controle político, e como vedou a liberdade de pensamento,
retirou da Constituição a responsabilidade por danos causados em decorrência de
propagação de idéias que vinha sendo mantida em todas as constituições brasileiras
desde o Império.
A Constituição de 1946 reinseriu no texto constitucional o dispositivo que permite a
liberdade de expressão, desde que o cidadão se responsabilizasse pelos abusos
que cometerem no exercício deste direito (Art. 141).
Inovou ainda a CF/49 quando dispôs, no seu art. 194, a possibilidade de
responsabilização de pessoa jurídica de direito público por dano de qualquer
natureza causado a terceiro por Funcionário Público.
Contudo, a aferição do dano moral ficava vinculado à disposição infraconstitucional
(que à época já existia, através do Código Civil de 1916, que será oportunamente
tratado).
3.3.4 Constituição Militar de 1967/1969
A Constituição de 1967, e a Emenda Constitucional de 1969 que a alterou, manteve
no seu texto tanto a disposição sobre liberdade de expressão e responsabilização do
cidadão pelos abusos cometidos no exercício deste direito (art. 153) quanto a
possibilidade de responsabilização de pessoa jurídica de direito público por dano de
qualquer natureza causado a terceiro por Funcionário Público (art. 107).
Contudo, estes dispositivos não passavam de letra morta, já que o Brasil vivia sob a
égide de uma ditadura militar, na qual não havia liberdade de expressão tampouco
respeito dos funcionários públicos pelos direitos do cidadão.
Desta época existem relatos, e não são poucos, de atrocidades físicas perpetradas
por agentes públicos (DOI-CODI, Serviço Secreto, DOPS e Polícias Militar e Civil) e
mesmo por particulares (Comando de Caça aos Comunistas) contra determinadas
pessoas, geralmente vinculadas a atividades consideradas “subversivas”.
Além das atrocidades físicas, que iam desde agressões leves até bárbaras torturas,
também os presos políticos sofriam diversas agressões morais e tortura psicológica.
38
Tal violação moral atingia, e ainda atinge, também os familiares dos presos políticos,
alguns dos quais não sabem até hoje o paradeiro do parente desaparecido durante a
repressão da ditadura das instituições castristas.
Assim, resta evidenciado que apesar de haver previsão na Carta Política de
1967/1969 da reparação de dano moral promovido por agente público tal disposição
não era aplicada plenamente, já que durante o recrudescimento da repressão
promovida pelo regime militar (1967-1973) diversos atos de violação moral dos
cidadãos foram perpetrados sem que as partes pudessem exigir uma devida
reparação.
Ademais disso, a Lei nº 6.683/79 (Lei da Anistia) concedeu anistia a todas as
pessoas que cometeram crimes com motivação política entre 1961 e 1979, aí
incluídos os agentes estatais que perpetraram atos de barbárie durante o Regime
Militar:
Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado).
§ 1º Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
§ 2º Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.
Perceba-se que o § 1º do art. 2º desta lei elenca os casos em que não poderá ser
concedida a anistia: terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal. Assim, o
legislador excluiu das hipóteses de não concessão de anistia o crime de tortura
física e moral, amplamente praticado pelos agentes do estado repressor militar,
tornando parcialmente inefetivo o dispositivo constitucional de reparação moral por
danos praticados pelo estado através dos seus funcionários e agentes.
3.3.5 Constituição Democrática de 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de Outubro de
1988, representou uma enorme mudança no tratamento legislativo do dano moral.
39
Em 1985, a eleição (indireta) de Tancredo Neves e José Sarney para a Presidência
e Vice-Presidência da República, respectivamente, selou o fim do Regime Militar que
durara quase 21 anos (1964-1984).
A insatisfação do povo com a repressão dos chamados “anos de chumbo” culminou
no movimento “Diretas Já” e com a eleição, pelo colégio eleitoral, da dupla Tancredo
(que faleceu sem ter sido empossado Presidente do Brasil) e Sarney para presidir o
país durante a fase de transição de regimes. Renascia a democracia brasileira.
Em 1986 são iniciados os procedimentos legislativos da Assembléia Constituinte,
cujo objetivo primordial era criar uma nova Constituição para o Brasil, de acordo com
os princípios democráticos eleitos pelo povo.
Na seara da reparação do Dano Moral, a Constituição Federal de 1988 inovou ao
dispor sobre o referido instituto nas mais diversas facetas.
Primeiramente, há que se destacar um dos fundamentos constitucionais da
República do Brasil, esculpido no inciso III do art. 1º da Carta Política, a Dignidade
da Pessoa Humana:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;
Por este fundamento constitucional todo ser humano, independentemente de raça,
gênero, idade ou nacionalidade, tem direito a uma existência digna, uma existência
verdadeiramente humana, o que inclui o direito a uma moral incólume e protegida
por uma rede de direitos e garantias que a própria Constituição, nos seus 344
artigos (250 da Constituição e mais 94 do ADCT), estatui.
O art. 5º da Lex Mater é um verdadeiro arcabouço normativo de disposições sobre o
Dano Moral, não só de forma explícita como também de forma implícita. Vejamos.
O inciso III do art. 5º da Constituição de 1988 estatui que:
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
Este dispositivo, apesar de não tratar expressamente do instituto Dano Moral, veda a
prática de condutas de tortura ou que imponham ao cidadão tratamento desumano
ou degradante, já que tais atos promovem um sofrimento não só físico, mas também
moral da vítima.
40
O inciso V do art. 5º da Lex Mater trata explicitamente da reparação do Dano Moral
relacionado à veiculação (ou não veiculação) de informações:
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
Perceba-se que a reparação é composta por duas obrigações: a de conceder o
direito à resposta, proporcional ao agravo (para restaurar o status quo ante da
informação) e a de pagar indenização pelo dano moral causado.
O inciso X do art. 5º da CF/88 elenca direitos que, violados, geram direito à
indenização por Danos Morais:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Tal dispositivo é inovador pois indica objetivamente quais os direitos que, em sendo
violados, geram direito a uma indenização por danos morais.
Destaque-se que, apesar de ser taxativo o rol de direitos cuja violação
potencialmente gera dano moral, o desrespeito a outros direitos constitucionais
dispostos no mesmo art. 5º pode gerar violação do patrimônio moral, gerando direito
à indenização: livre manifestação do pensamento (inciso IV), inviolabilidade da
liberdade de crença e consciência (inciso VI), proibição de privação de direitos por
motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política (inciso VIII), livre
expressão intelectual, artística, científica e de comunicação (inciso IX),
inviolabilidade de domicílio e de correspondência (incisos XI e XII), direito exclusivo
de utilização, publicação ou reprodução das suas obras (inciso XXVII), direito à
informação (inciso XXXIII), direito à igualdade racial e de gênero (art. 5º caput e
incisos I, XLI e XLII), direito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla
defesa (incisos LIV e LV), entre tantos outros.
Mesmo os cidadãos que atentam contra a Lei e a Ordem através do cometimento de
crimes e estão sendo apenados pelo Jus Puniendi estatal têm seu direito à
incolumidade moral disposto nos incisos XLIX:
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Para a defesa da incolumidade moral do cidadão até mesmo o princípio
constitucional da publicidade dos atos judiciais é mitigado, já que este se submete à
aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana. Percebemos isto no inciso
41
LX, que restringe a publicidade dos atos processuais para defender a intimidade de
uma das partes envolvidas no contencioso:
LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
A presunção de inocência (inciso LVII) e o direito de não ser identificado
criminalmente se existente identificação civil (inciso LVIII) são, da mesma forma,
medidas assecuratórias da incolumidade da moral subjetiva (interior, psicológica) e
objetiva (exterior, social) do indivíduo.
Também no art. 5º podemos encontrar medidas jurídicas e judiciárias para a
efetivação da dignidade da pessoa humana, protegendo a moral subjetiva e objetiva
do indivíduo de abusos de poder ou de direito, ou mesmo contra as discrepâncias
econômicas, sendo as principais o hábeas corpus (inciso LXVIII), hábeas data
(LXXII), mandado de injunção (LXXI), mandado de segurança (LXIX) e o direito à
duração razoável do processo (LXXVIII).
Na seara trabalhista a Constituição Federal inovou ao incluir o capítulo II, que trata
dos Direitos Sociais dos trabalhadores, entre os quais está o direito à reparação por
danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho, insculpido no inciso
XXVIII do art. 7º da CF/88:
XXVIII – seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
Por fim, o art. 37, § 6º, da Constituição Republicana impõe à administração pública a
responsabilidade pelos danos causados por seus agentes:
Art. 37 omissis
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa;
Além da administração pública direta e indireta (pessoas jurídicas de direito público),
também os particulares exercentes de serviço público (permissionárias,
concessionárias) respondem por danos causados a particulares.
Assim, pode-se perceber que a Constituição Federal de 1988 foi inovadora no
tratamento do Dano Moral.
É, portanto, o mais importante documento na atualidade a dispor com profundidade
sobre tal instituto jurídico.
42
Diante disso, deve ser utilizado como norte para todas as outras normas,
hierarquicamente superior, podendo servir inclusive na solução de conflitos entre
duas ou mais normas infraconstitucionais.
3.3.6 Código Civil de 1916
O Código Civil de 1916 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao dispor, nos arts.
159 e 160, que há dever de indenizar quando houver dano decorrente de ato ilícito.
Não especificou o Código Civil qual a espécie de dano ou qual a natureza da relação
jurídica em questão.
Art. 159 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
A verificação de culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.
Art. 160 Não constituem atos ilícitos:
I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.
II - A deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (arts. 1.519 e 1.520).
Parágrafo único. Neste último caso, o ato será legítimo, somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Até então, seja nas Ordenações do Reino ou nas Constituições Imperial de 1824 e
Republicana de 1891, o dano indenizável era apenas o moral decorrente de
casamento (vide item 3.3.1) ou o material e moral decorrente de ato abusivo do
Poder Público (vide item 3.3.2).
Com a entrada em vigor do Código Civil de 1916, que ocorreu em 1º de Janeiro de
1917, o ordenamento pátrio passou a tratar do dano de uma forma geral, incluídos aí
o dano material e o dano moral.
Assim, qualquer um que causasse dano (lesão ao patrimônio material e imaterial,
com significativa alteração no status quo ante do indivíduo ou da coisa) a outrem
deveria repara-lo.
Também inovou o Código Civil de 1916 ao dispor, nos arts. 1.538 e 1.539, sobre o
Dano Estético.
43
Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919).
§ 1o Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.
§ 2o Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito.
Art. 1.539. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Já em relação ao Dano Moral o Código Civil de 1916 foi silente. Apenas os arts.
1.547 e 1.548 do CC/16 dão uma pista da possibilidade legal de reparação de danos
à moral individual:
Art. 1.547. A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
Parágrafo único. Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva (art. 1.550).
Art. 1.548. A mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à sua própria condição e estado: (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)
I - se, virgem e menor, for deflorada.
II - se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças.
III - se for seduzida com promessas de casamento.
IV - se for raptada.
Assim, a disciplina jurídica específica da reparação indenizatória do Dano Moral no
CC/16 permaneceu recôndito em obscuridade irresoluta até a promulgação da Lex
Mater de 1988 a qual, como já visto, tratou exaustivamente da matéria.
Antes da promulgação da Constituição de 1988 o Dano Moral como instituto jurídico
era uma construção doutrinária e jurisprudencial, e em alguns casos construção
normativa de instrumentos legislativos esparsos, a exemplo da Lei nº 5.250/67 (Lei
de Imprensa) e da Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações). Após a
Carta Política de 1988 coube ao Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) a
regulamentação específica da matéria de Dano Moral, seguindo as orientações
esboçadas (de forma profunda, ressalte-se) no texto constitucional brasileiro.
44
3.3.7 Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 manteve, no geral, a mesma sistemática de reparação de
danos do revogado Código Civil de 1916.
Contudo, no tratamento sistemático da responsabilidade civil, e especificamente do
Dano Moral, apresentou diversas modificações que, a despeito de serem simples,
transformaram substancialmente a disposição sobre a matéria, para melhor.
A primeira grande modificação foi a criação de um Título (IX) tratando única e
exclusivamente da Responsabilidade Civil. Nos arts. 927 a 943 o legislador tratou da
obrigação de indenizar, elencando as hipótese em que tal obrigação surge, as suas
modalidades e exceções. Já nos arts. 944 a 954 o Código de 2002 dispõe sobre a
indenização em si, estabelecendo parâmetros mínimos para a sua aferição, com
base tão somente no critério de extensão do dano, afastando a aplicação do instituto
norte-americano do punitive damages (aferição do dano pela capacidade econômica
do agente, como uma forma de punição ao ato praticado).
Porém, a mais significativa alteração trazida pelo CC/02 foi a inserção do instituto do
Dano Moral no art. 186 deste Código. O referido artigo de lei faz parte do Título III,
que trata dos Atos Ilícitos. O art. 186 manteve quase que integralmente a redação do
correspondente art. 159 do Código Civil revogado (1916), porém incluiu aí o Dano
Moral causado por ato ilícito. Foi uma pequena mudança redacional que ampliou, e
muito, o alcance do instituto no ordenamento jurídico pátrio, como se pode observar
na transcrição comparativa a seguir:
Código Civil de 1916, revogado.
Art. 159 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
Código Civil de 2002, em vigor.
Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, fica obrigado a reparar o dano.
A primeira “pequena grande” mudança foi a substituição da expressão “causa
prejuízo” por “causar dano”. Isto porque prejuízo, no entendimento do legislador de
2002, pressupõe patrimônio que pode ser reduzido em dinheiro, o que afasta
portanto o Dano Moral, na maioria das vezes de difícil mensuração. Assim, achou
45
por bem o normatizador do Código novo trocar o termo “prejuízo” pelo termo “dano”,
muito mais amplo.
Ademais, ainda se preocupou o legislador em incluir no artigo a expressão “ainda
que exclusivamente moral”, de forma a inserir de uma vez por todas o instituto do
Dano Moral no ordenamento civilista brasileiro, o que já era feito de forma indireta
pela Constituição de 1988.
Assim, o Dano Moral, a partir da promulgação do Código Civil de 2002 passou a
fazer parte do epicentro do Direito Civil pátrio, consolidando o mandamento
normativo constitucional existente desde 1988.
46
4 ACIDENTE DO TRABALHO
4.1 CONCEITO
Conforme já mencionado no início do presente trabalho, foram registrados em 2003
pela Previdência Social do Brasil mais de 390.000 acidentes de trabalho, incluídos aí
tanto acidentes típicos e de percurso quanto doenças ocupacionais.
Destaque-se que este valor refere-se apenas aos acidentes do trabalho que foram
comunicados à Previdência Social, sendo o número real muito maior, já que há
inúmeros casos em que o trabalhador não comunica ao INSS, seja por
desinformação, seja por dificuldade, seja ainda por uma ilegal ameaça do
empregador que o proíbe de comunicar o fato para se furtar do pagamento do
seguro correspondente.
Estes números se mostram alarmantes já que vêm crescendo com o passar dos
anos (em 2001 foram registrados pouco mais de 340.000 acidentes do trabalho no
Brasil, o que demonstra que em 2 anos houve um aumento oficial de 50.000 no
número de acidentados).
Mas, afinal, o que é um acidente de trabalho?
O conceito de acidente de trabalho está taxativamente elencado na legislação
previdenciária, mais especificamente na Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos
de Benefícios da Previdência Social. O art. 19 da referida lei estatui que:
Art. 19 Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Assim, de acordo com a Lei dos Planos e Benefícios da Previdência Social, acidente
de trabalho seria aquele que, ocorrido no exercício do trabalho a serviço da empresa
ou no exercício das atividades de produtor rural, meeiro, arrendatário rural,
garimpeiro, pescador artesanal e assemelhado (art. 11, inciso VII), provoque lesão
47
corporal e/ou perturbação funcional e cujo resultado seja, se não a morte do
empregado, a perda ou a redução da capacidade para o trabalho, de forma
permanente ou temporária.
Adiante, nos arts. 20 e 21 da referida lei, estão dispostos que complementam o
conceito de acidente de trabalho informando quais as variantes de acidente de
trabalho e quais entidades mórbidas (patologias) podem ser equiparadas a
acidentes de trabalho.45
O art. 21 elenca taxativamente quais são os fatos que são equiparados a acidente
de trabalho, como, p. ex., desabamentos, incêndios, inundações, agressão física,
inclusive de terceiro, relacionado a disputas no trabalho, entre outros.
Por sua vez, o art. 20 estatui que doenças ocupacionais são equiparadas a acidente
de trabalho, de acordo com a relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da
Previdência Social. Assim, deve o operador do direito necessariamente se remeter
45 Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. § 1º Não são consideradas como doença do trabalho: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não produza incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. § 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho. Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de: a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; d) ato de pessoa privada do uso da razão; e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho: a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado; d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado. § 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho. § 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.
48
ao Regulamento da Previdência Social, Decreto nº 3.048/99, em cujos Anexos se
encontra extensa lista de Agentes Patogênicos causadores de Doenças
Profissionais ou do Trabalho (conforme previsto no art. 20 da Lei nº 8.213, de 1991).
Contudo, por se tratar de um tema que extrapola a seara jurídica (envolve ainda
conhecimentos técnicos especializados da Medicina, Odontologia, Fisioterapia e
Engenharia, além de outras áreas específicas das Ciências da Saúde), deve-se
remeter a outros instrumentos técnicos, preferencialmente emitidos pelos órgãos de
classe da respectiva área (Conselhos Federais e Regionais), bem como aos
instrumentos normativos internacionais, a exemplo da Classificação Internacional de
Doenças 10ª Edição (daí o nome CID-10), editada pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), órgão técnico da Organização das Nações Unidas (ONU) cujo escopo
é listar todas as moléstias e patologias capazes de atingir o ser humano.
Outrossim, o art. 20 da lei em questão, apesar de incluir doenças como acidente de
trabalho equiparado exclui as doenças degenerativas, as doenças inerentes a grupo
etário, as doenças que não produzam incapacidade laborativa, bem como as
doenças endêmicas adquiridas em razão da região, salvo se o trabalhador lá estiver
em virtude do emprego.
Assim, deve-se recorrer também à doutrina para se obter um conceito preciso de
acidente de trabalho.
Antônio Lopes Monteiro e Roberto Fleury de Souza Bertagni ensinam o seguinte:
A Lei n. 8.213/91 conceitua o acidente do trabalho, primeiro no sentido estrito, depois, no sentido amplo ou por extensão [...] Trata-se de um evento único, subitâneo, imprevisto, bem configurado no espaço e no tempo e de conseqüências geralmente imediatas [...] A lei as subdivide em doenças profissionais e doenças do trabalho, estando previstas no art. 20, I e II. As primeiras, também conhecidas como “ergopatias”, “tecnopatias” ou “doenças profissionais típicas”, são as produzidas ou desencadeadas pelo exercício profissional peculiar a determinada atividade [...] Por sua vez das doenças do trabalho, também chamadas de “mesopatias”, ou “moléstias profissionais atípicas”, são aquelas desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacionem diretamente. Decorrem igualmente de microtraumatismos acumulados.46
Cláudio Brandão, por sua vez, conceitua acidente de trabalho da seguinte maneira:
A primeira noção a respeito do tema compreende a idéia de que o acidente é um fato que resulta do inter-relacionamento patrão/empregado, sendo anterior e independente de qualquer definição jurídica diante da constatação de estar o risco ligado inseparavelmente a qualquer tipo de trabalho humano [...] Valendo-se da base teórica fornecida por Marestaing, o acidente é definido como a lesão corporal ou
46 MONTEIRO, Antônio Lopes e BERTAGNI, Roberto Fleury de Souza. Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 14-19.
49
psíquica resultante de ação fortuita, súbita e violenta de uma causa exterior, ou de esforço concentrado do próprio lesado, sendo depois sintetizado como um trauma causado sem a vontade da vítima.47
Sebastião Geraldo de Oliveira, estudioso da infortunística laboral, inicia sua
conceituação de acidente de trabalho fazendo uma crítica ao legislador, ao mesmo
tempo que indica a dificuldade de se fazer tal conceituação, diante da diversidade de
conhecimentos não-jurídicos envolvidos nesta tarefa:
O legislador não conseguiu formular um conceito de acidente do trabalho que abrangesse todas as hipóteses em que o exercício da atividade profissional pelo empregado gera incapacidade laborativa. Diante dessa dificuldade conceitual, a lei definiu apenas o acidente do trabalho em sentido estrito, também denominado acidente típico ou acidente-tipo. No entanto, acrescentou um sentido mais amplo, contemplando outras hipóteses que se equiparam ao acidente típico para os efeitos legais. Isto porque a incapacidade também pode surgir por fatores causais que não de encaixam diretamente no conceito estrito de acidente do trabalho, tais como: enfermidades decorrentes do trabalho; acidentes ou doenças provenientes de causas diversas, conjugando fatores do trabalho e extralaborais (concausas); acidentes ocorridos no local de trabalho mas que não têm ligação direta com o exercício da atividade profissional; acidentes ocorridos fora do local da prestação dos serviços, mas com vínculo direto com o cumprimento do contrato de trabalho e acidentes ocorridos no trajeto de ida ou volta para o local de trabalho.48
Percebe-se, portanto, que o conceito jurídico de acidente de trabalho vai além do
previsto na lei, dependendo sempre da situação concreta para averiguar se se trata
de infortúnio laborativo.
Contudo, ousamo-nos a construir, a partir do quanto exposto acima, um conceito
fundamental de acidente de trabalho, a partir da união dos elementos legais e
doutrinários já apresentados: acidente de trabalho é, pois, todo aquele evento súbito
(acidente-tipo) ou contínuo (doença ocupacional) ocorrido no ambiente de trabalho
ou em razão do trabalho, provocado por uma ação ou omissão humana e/ou evento
natural, previsível ou não, que inflija ao trabalhador um dano psíquico ou físico,
lesão corporal ou perturbação funcional, tendo como resultado a morte do
empregado ou a redução de sua capacidade para o trabalho de forma temporária ou
permanente.
4.2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
47 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador. São Paulo: LTr, 2006, p. 128-129. 48 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. São Paulo: LTr, 2005, p. 35/36.
50
Atualmente, a legislação acidentária brasileira é mais vasta do que se imagina, e vai
além do conjunto de legislação previdenciária.
O primeiro instrumento normativo que deve ser mencionado é a Constituição Federal
de 1988, art. 7º, incisos XXII e XXVIII:
Art. 7º omissis
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXVIII – seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
No inciso XXII o legislador constituinte delegou ao legislador ordinário o dever de
editar normas de saúde, higiene e segurança no trabalho. Na nossa concepção tal
mandamento não atinge somente o legislador eleito por voto popular (Poder
Legislativo), mas também os legisladores dos órgãos classistas, que podem editar
normas técnicas específicas sobre o tema acidentário (Conselhos Federais das
áreas de Saúde e de Engenharia), bem como os órgãos da administração pública
especializados no tratamento da infortunística (INSS, Ministério do Trabalho e
Ministério da Saúde).
Já no inciso XXVIII o legislador criou o sistema de Seguridade Social Acidentária
(seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador) e o sistema de
responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho (a indenização a que este
[o empregador] está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa).
Também a legislação ordinária dispõe amplamente sobre a infortunística laboral.
A Lei nº 8.212/91, que dispõe sobre a Seguridade Social e seu Plano de Custeio, é
essencial pois cria e organiza o órgão previdenciário responsável pelo custeio dos
acidentados do trabalho e dos seus familiares, numa perspectiva
ergasiotiquerológica.
A Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social
é talvez o mais importante dos instrumentos normativos gerai acerca do tema
acidentário, na medida em que não só conceitua o acidente de trabalho como
também inclui alguns eventos mórbidos como acidentes equiparados, criando as
figuras do acidente-tipo, das doenças ocupacionais e das doenças do trabalho, e
ainda excluindo determinadas figuras patológicas por não possuírem causa no
trabalho, nem mesmo na forma de concausalidade.
51
O Decreto nº 3.048/99, Regulamento da Previdência Social, é de vital importância
para a matéria acidentária não só por criar uma regulamentação para o regime
previdenciário, mas também por dispor, no seu Anexo II, sobre Agentes Patogênicos
causadores de Doenças Profissionais ou do Trabalho (conforme previsto no art. 20
da Lei nº 8.213, de 1991).
Além destas normas previdenciárias específicas, há que se destacar o importante
papel das Instruções Normativas do INSS49, que regulamentam temas específicos
da infortunústica laboral, tais como nexo causal, lesões por esforço repetitivo (LER),
distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT), entre outros.
Deve-se ainda fazer referência às NR’s50, Normas Regulamentares ou
Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, que tratam da
regulamentação de atividades potencialmente causadoras de acidentes, através de
normas protetivas do trabalhador.
Da mesma forma, são incluídas entre as normas brasileiras da infortunística
laborativa as convenções internacionais51 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) que tenham sido referendadas pelo Senado Brasileiro, no procedimento
específico da Constituição Federal da República. Em relação a estas normas
internacionais há que se destacar que no Brasil existe a Fundação Centro de Saúde,
Higiene e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO), entidade vinculada ao Ministério
do Trabalho e Emprego e representante da OIT (entidade delegada) cujo escopo é
49 Como exemplo temos a Instrução Normativa INSS/DC nº 98/2003, que atualiza as informações clínicas das Lesões por Esforço Repetitivo (LER), Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT), Lesões por Traumas Cumulativos (LTC), Doença Cervicobraquial Ocupacional (DCO) e Síndrome de Sobrecarga Ocupacional (SSO). 50 Como exemplo podemos indicar a Norma Regulamentadora Nº 4 Serviços Especializados em Eng. de Segurança e em Medicina do Trabalho; Norma Regulamentadora Nº 5 Comissão Interna de Prevenção de Acidentes; Norma Regulamentadora Nº 6 Equipamentos de Proteção Individual – EPI; Norma Regulamentadora Nº 7 Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional; Norma Regulamentadora Nº 9 Programas de Prevenção de Riscos Ambientais. As demais Normas Regulamentadoras, que também tratam do tema Saúde, Segurança e Medicina do Trabalho, são aplicáveis aos trabalhos em espécie, indicando procedimentos específicos para o exercício de labor insalubre, perigoso, rural, mineração, eletricidade, telemarketing, entre tantos outros. 51 Convenções OIT 115/60 (Proteção contra radiações); 119/63 (proteção da maquinaria); 127/67 (peso máximo de carga para o transporte humano); 139/74 (prevenção e controle dos riscos profissionais causados por substâncias ou agentes cancerígenos; 148/74 (proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, o ruído e as vibrações no local de trabalho); 155/81 (segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente do trabalho); 161/85 (serviços de saúde no trabalho); 162/86 (utilização do asbesto em condições de segurança); 167/88 (segurança e saúde na construção); 170/90 (segurança na utilização dos produtos químicos no trabalho; 174/93 (prevenção de acidentes industriais de grande risco); 176/95 (segurança e saúde nas minas); 184/01 (segurança e saúde na agricultura).
52
promover estudos e pesquisas sobre a infortunística laboral de forma a elaborar
campanhas e normas de prevenção de acidentes.52
E, last but not the least, há ainda que se fazer menção às diversas normas dos
Conselhos Profissionais53 das categorias envolvidas no estudo, prevenção e
tratamento dos acidentes do trabalho (Conselho Federal de Mecidina, Conselho
Federal de Fisioterapia, Conselho Federal de Odontologia, Conselho Federal de
Engenharia etc), cujos esclarecimentos técnicos são de vital importância para o
aprofundamento no tema.
4.3 CONSEQÜÊNCIAS
O acidente do trabalho perfaz uma série de efeitos, dos quais se sobressaem as
conseqüências socioeconômicas, de saúde, políticas e jurídicas, tratadas em
seguida.
4.3.1 Socioeconômicas
Este é talvez o efeito do acidente de trabalho mais sentido no seio da sociedade. O
infortúnio que acomete o trabalhador, independentemente da dimensão dos efeitos,
provoca uma alteração social e econômica profunda.
Socialmente, a afetação se subsume tão somente em relação ao trabalhador no
plano subjetivo e à família e pessoas próximas ao obreiro. Um acidente com efeitos
mais graves, tais como perda de função, capacidade laborativa ou morte, promovem
um sofrimento individual do obreiro e, coletivamente, um sofrimento dos familiares e
amigos do operário, que na maioria das vezes percorrem juntamente com este a
verdadeira via crucis de um tratamento médico mais urgente.
52 Sobre o tema existe a obra de SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 53 Trazemos como exemplo a Resolução 1.488/98 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que estabelece normas técnicas a serem seguidas pelo médico do trabalho no estabelecimento do nexo causal de doenças ocupacionais.
53
Individualmente, no plano puramente subjetivo, não é possível mensurar a dor que o
acidentado sofre, porém têm-se uma vaga idéia a partir de experiências que o
observador tenha vivido durante sua vida em relação ao sentimento de dor e
sofrimento. A perda de um membro, uma lesão irreparável, a perda de uma função
ou até mesmo a perda de um ente querido é uma sensação da qual ninguém deseja
experimentar, por saber lá no fundo que é das piores sensações que um ser humano
pode sentir.
Economicamente, o efeito do acidente é sentido além do seio social íntimo do
empregado. O acidente muitas vezes coloca em alerta a CIPA (quando esta existe e
efetivamente funciona no âmbito da empresa) que prontamente atua no sentido do
aumento da prevenção, tendo para isso um custo determinado. Também a empresa
tem custos com o acidente, seja para reparar o local do infortúnio, seja com as
despesas de pronto-atendimento do obreiro.
O afastamento daquele empregado irá produzir ainda um efeito economicamente
negativo, e mais prejudicial, seja por que a empresa estará desfalcada daquele
posto de trabalho ou pela necessidade que esta terá de substituir provisoriamente ou
definitivamente o trabalhador naquele posto, com vistas a não paralisar a produção.
4.3.2 De Saúde
Inicialmente, há que se esclarecer a utilização do termo “conseqüências de saúde”
ao invés de “conseqüências médicas”. Atualmente, o grau de especialidade das
Ciências da Saúde faz com que a Medicina seja apenas um dos ramos desta área
do conhecimento.
Na seara acidentária, ainda infestada pelo preconceito segregatório de outras áreas
do conhecimento sanitário, os efeitos são analisados não só pela Medicina, mas por
outras áreas igualmente importantes.
Assim, o estudo da ergonomia e das patologias do sistema motor humano (estrutura
músculo-esquelética) é afim à Fisioterapia. Traumas faciais, manutenção da
qualidade da saúde oral e prevenção de infecções do trato bucomaxilofacial (que
são causa de diversos afastamentos do trabalho) são afins à Odontologia. Estudo e
54
solução de problemas de alimentação são afins à Nutrição. Até mesmo dentro da
Medicina algumas especialidades se destacam, como a Ortopedia e Traumatologia,
a Oftalmologia, a Cardiologia e, diante do crescimento de doenças da mente, a
Neurologia.
Desta forma, tecnicamente é mais correto apontar conseqüências de saúde dos
acidentes de trabalho. Passemos então a este tópico.
No campo das Ciências da Saúde a principal conseqüência é o empenho dos
profissionais desta área em, seja através de estudo e pesquisa, seja através da
aplicação prática dos conhecimentos técnicos, prevenir ou remediar danos e lesões
causadas por acidentes do trabalho. A lesão ou doença do trabalhador é o objeto de
estudo do profissional de saúde.
Os médicos, dentistas, fisioterapeutas, nutricionistas e demais trabalhadores desta
área empreendem esforços, em conjunto ou separadamente, para estudar,
catalogar, diagnosticar e tratar os efeitos físicos e/ou social do acidente de trabalho.
Além disso, a partir de um ponto de vista epidemiológico, o acidente de trabalho
torna necessário um estudo aprofundado acerca das estatísticas e relações de cada
patologia com um trabalho correspondente.
Os dados obtidos a partir da pesquisa das conseqüências de saúde do acidente de
trabalho são essenciais para solucionar os mais diversos problemas que os
acidentes acarretam: do ponto de vista previdenciário o estudo epidemiológico e o
estudo de caso (perícia médica) e dos efeitos do acidente será determinante na
classificação da doença como ocupacional ou não ocupacional, importando
necessariamente no enquadramento do trabalhador para percepção do benefício
correspondente (auxílio-doença comum, auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente,
aposentadoria por invalidez); do ponto de vista de engenharia do trabalho o estudo
das conseqüências de saúde irão guiar os profissionais de forma a estruturar um
sistema de prevenção de acidentes eficaz; do ponto de vista político os estudos de
saúde das conseqüências do acidente irão auxiliar o legislador a editar normas
procedimentais, regulamentares, proibitivas ou permissivas dentro do tema
acidentário.
Por fim, para o objeto de estudo do presente trabalho, a conseqüência de saúde do
acidente de trabalho será essencial à atividade do Estado-Juiz, seja através do
55
conhecimento buscado diretamente pelo julgador, seja pelo auxílio de peritos e
auxiliares técnicos, de forma a tornar a prestação jurisdicional da infortunística mais
precisa, mais efetiva e mais próxima dos objetivos do Direito e da Justiça.
4.3.3 Políticas
Na perspectiva política, a conseqüência do acidente de trabalho é o surgimento de
uma obrigação do Estado e da sociedade para com o trabalhador, nos mais diversos
aspectos.
Primeiramente, a partir da elaboração de uma política assistencial e previdenciária
do acidentado, já que a Constituição Federal, além de garantir o direito à vida, saúde
e incolumidade físico-psíquica do trabalhador, ainda impõe ao Estado o dever de
manter a Previdência e Assistência Social, bem como o Sistema de Saúde, através
de políticas específicas.
O art. 6º, caput, garante a todos os brasileiros e estrangeiros aqui residentes uma
série de direitos, entre os quais estão o de saúde e previdência social:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Por sua vez, o art. 7º, caput e incisos XXII e XXVIII, garantem os seguintes direitos
aos trabalhadores:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social:
XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
XXVIII – seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
Desta forma, além do direito do trabalhador, a Constituição ainda impôs ao Estado o
dever de editar normas de saúde, higiene e segurança no trabalho, bem como impôs
ao empregador o dever de contribuir com a Seguridade Social no custeio do seguro
de acidentes do trabalho, bem como de pagar indenização quando, por ação dolosa
ou culposa, causar dano ao obreiro.
56
Adiante, no Título VIII, denominado “Da Ordem Social”, o Constituinte, através de
normas programáticas, instituiu o dever do Estado com necessária participação da
sociedade na implementação de medidas sociais.
Entre estas medidas de dever do Estado está a Seguridade Social (art. 194), que se
subdivide em Saúde (art. 196), Previdência Social (art. 201) e Assistência Social (art.
203).
A ocorrência do acidente de trabalho gera para o Poder Público o dever de prover
assistência de saúde de previdenciária àquele trabalhador, bem como editar normas
que objetivem evitar que novos acidentes como aquele ocorram.
Além disso, deve o Estado, através do Poder Judiciário, do Ministério Público, das
Polícias e das Entidades Administrativas (Delegacia Regional do Trabalho, Ministério
do Trabalho etc) promover a investigação do fato e, em se encontrando
irregularidades, atuar judicialmente ou administrativamente para a regulação de
condutas e/ou punição administrativa, penal, civil ou trabalhista dos eventuais
responsáveis.
4.3.4 Jurídicas
As conseqüências jurídicas do acidente de trabalho são as mais diversas. O
acidente, enquanto fato jurídico, acarreta os mais diversos efeitos nas mais diversas
searas da Ciência do Direito.
Elencamos como conseqüências jurídicas principais do acidente do trabalho as
seguintes: Previdenciária, Trabalhista, Responsabilidade Civil e Penal, que serão
tratadas a seguir.
4.3.4.1 Previdenciárias
A primeira conseqüência jurídica do acidente de trabalho é a de Direito
Previdenciário.
57
A Previdência Social é a função estatal de, a partir do estabelecimento de um seguro
previdenciário de contribuição tripartite (Estado, Empresa, Empregado), garantir o
trabalhador e à sua família o necessário provimento econômico quando, em virtude
de um infortúnio (doença, acidente ou morte), a força de trabalho operária for
interrompida. Está estabelecido no art. 201, incisos I e IV da CF/88.
Assim, quando da ocorrência de um acidente de trabalho, a Previdência Social,
gerida pelo INSS, deverá ser de imediato informada, através da Comunicação de
Acidente de Trabalho (CAT), para que possam ser tomadas as medidas cabíveis.
Informado do acidente de trabalho, o INSS deverá proceder à marcação de perícia ,
afastar provisoriamente o empregado e, após constatado o nexo causal e a
incapacidade, conceder ao trabalhador o benefício correspondente.
A regulamentação dos efeitos previdenciários do acidente de trabalho encontra-se
nas Leis nº 8.212/91 (Organização da Seguridade Social e Plano de Custeio),
8.213/91 (Planos de Benefícios da Previdência Social) e no Decreto nº 3.048/99
(Regulamento da Previdência Social).
4.3.4.2 Trabalhistas
Além de conseqüências previdenciárias, os acidentes de trabalho provocam ainda
conseqüências trabalhistas, sejam direitos do trabalhador, obrigações do
empregador ou mesmo imposições à Previdência Social, de caráter não
previdenciário, senão vejamos.
Há contagem do tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, dos
períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho por motivo de acidente
de trabalho (CLT, art. 4º, parágrafo único).
Há ainda garantia de estabilidade contratual de 12 meses (no retorno ao trabalho,
após a cessação do benefício) quando o empregado sofreu acidente do trabalho e
foi afastado em auxílio-doença acidentário ou auxílio acidente (Lei nº 8.213/91, art.
118).
Existe obrigação do INSS anotar na Carteira de Trabalho (CTPS) do obreiro a
ocorrência de acidente de trabalho (CLT, art. 30).
58
Tem ainda o trabalhador direito ao cálculo de indenização por acidente de trabalho
ou moléstia profissional a partir das anotações feitas na CTPS (CLT, art. 40, III).
Não se considera ausência por acidente do trabalho ou moléstia ocupacional como
falta ao trabalho (CLT, art. 131, III).
Perde o direito às férias o empregado que for afastado por mais de 6 meses
(descontínuos, inclusive) por acidente do trabalho ou auxílio-doença (CLT, art. 133,
IV).
E, por fim, há obrigação da empresa em, preventivamente, observar as normas
relativas a prevenção de acidentes e adaptar sua produção a estas normas (CLT,
arts. 154 e seguintes) , inclusive através de treinamento adequado e fomentação da
criação de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA).
4.3.4.3 Responsabilidade Civil
O acidente de trabalho possui, ainda, conseqüências na esfera cível, mais
especificamente na Responsabilidade Civil. Isto porque o Código Civil de 2002
estabelece, no seu art. 186, que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem
ficará obrigado a repara-lo.
Ademais disso, a própria Constituição Federal, no art. 7º, inciso XXVIII, estipula a
responsabilidade civil subjetiva do empregador por acidentes de trabalho ocorridos
com seu empregado.
Assim, quando o trabalhador sofrer acidente de trabalho, nos termos da Lei nº
8.213/91 (obedecendo portanto o requisito de existência de dano incapacitante ou
relevante), sofrendo assim danos das mais diversas espécies (moral, material,
psicológico ou estético), nasce uma obrigação positiva do causador do dano (in
casu, do empregador e, eventualmente, de terceiros) em indenizar o empregado
vitimado pelo infortúnio, já que se trata de civilmente responsável pela reparação do
dano.
Nasce ainda, em razão da responsabilidade civil, o direito subjetivo público do
trabalhador em ajuizar ação de reparação de danos, no prazo máximo de 3 anos,
conforme o art. 206, § 3º, V, do Código Civil.
59
4.3.4.4 Penais
Na esfera criminal o acidente de trabalho perfaz efeitos quando há lesão corporal ou
óbito decorrente de ação, dolosa ou culpa, que configure ou traga indícios de crime
ou contravenção.
Assim, se o óbito do empregado, ou a lesão corporal por este sofrida, decorrer,
p.ex., de falta de manutenção, de ação dolosa ou culposa do patrão, de outros
empregados ou de terceiro, bem como de sabotagem, necessariamente será
instaurado um inquérito policial (Código de Processo Penal, arts. 4º a 6º) para
apuração da ocorrência do crime e de sua autoria.
Confirmada a ocorrência do crime, e conhecido o seu autor, será instaurada pelo
Ministério Público a ação penal correspondente, para responsabilização dos
culpados.
60
5. DANO MORAL NO ACIDENTE DE TRABALHO
5.1 O ACIDENTE DO TRABALHO E SUAS REPERCUSSÕES MORAIS
O acidente de trabalho, como já visto, perfaz uma série de efeitos sociais, jurídicos,
políticos e de saúde. Tais conseqüências estão substancialmente interligadas, já que
o impacto em uma destas searas trará efeitos diretos e indiretos nas demais.
No campo social, individual e coletivo, o acidente de trabalho poderá gerar lesões ao
patrimônio imaterial do acidentado (dano moral), acarretando assim uma série de
outros efeitos, especialmente na seara jurídica.
Isto porque, como já visto, se o acidente estiver revestido dos elementos essenciais
de responsabilidade civil (ato ilícito, dano, nexo causal e culpa), o acidentado terá
direito à indenização por danos morais, além da indenização por danos materiais, na
forma do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal.
Portanto, admitimos a possibilidade de ocorrência de danos morais no acidente do
trabalho.
Sebastião Geraldo de Oliveira, magistrado mineiro especialista na infortunística
laboral, ensina que:
O primeiro pensamento que surge quando se fala em indenização está ligado a efeitos patrimoniais, mensuráveis financeiramente. Entretanto, na medida do progresso da civilização e do aprimoramento da dignidade da pessoa humana, não se pode mais ignorar o abalo moral da vítima provocado pelo ato ilícito, que, para muitos, tem maior relevo ou repercussão do que o prejuízo material.54
O Ministro Athos Gusmão Carneiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), citado por
Sebastião Geraldo de Oliveira, traz um exemplo sóbrio e que amalgama todo o
entendimento acerca da matéria:
Não posso conceber é que o amassamento da porta de um automóvel seja indenizado, e que a imensa dor causada pelo falecimento de um ente querido não encontre nenhuma forma adequada de ressarcimento. É claro que o problema surgido é o de encontrar um parâmetro pecuniário para compensar a dor moral; mas a maior injustiça será deixar essa dor moral sem nenhuma forma de compensação, ainda que compensação imperfeita como aquela realizada em dinheiro.55
54 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 4 ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 258. 55 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 4 ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 258.
61
Tal entendimento, consolidado em voto proferido no Recurso Especial (REsp) nº
1.723-RJ (STJ, 4ª Turma, Ac. de 6 de Março de 1990), além de ser de um
humanismo louvável, ainda indica que, a despeito de ser difícil o estabelecimento de
um parâmetro financeiro para indenizar o dano moral (e que, como já visto, trata-se
do objetivo do presente trabalho), o prejuízo imaterial infligido ao indivíduo
acidentado deve ser compensado pecuniariamente, e ao Magistrado incumbe a
árdua, porém sublime, tarefa de quantificar a reparação de tais danos.
Desta forma, dúvidas não restam de que o acidente de trabalho efetivamente gera
danos morais, não só para o indivíduo acidentado, mas também para os seus
familiares mais próximos em grau genealógico ou afetivo.
O acidente de trabalho, portanto, tem uma grave repercussão moral nos indivíduos
direta ou indiretamente envolvidos no fato. Por motivos didáticos, preferimos tratar
separadamente desta repercussão, dividindo-a em repercussão moral subjetiva ,
quando se refere aos efeitos negativos experimentados pelo próprio acidentado, e
repercussão moral objetiva , quando se refere aos efeitos negativos
experimentados pelos integrantes do núcleo social próximo do acidentado (família).
Cláudio Mascarenhas Brandão faz referência à multiplicidade de efeitos do acidente
de trabalho, que não se resume somente à pessoa do acidentado:
O partir da compreensão de que a saúde está relacionada ao equilíbrio do homem com o ambiente e vinculada à sua integridade psicofísica, fácil é concluir pela possibilidade de existência de danos morais em virtude do acidente do trabalho. Isso porque, diante da lesão sofrida, o empregado tem atingido o seu patrimônio pessoal, cujos limites ultrapassam os aspectos físicos e psíquicos, produzindo reflexos nas esferas afetiva, familiar, intelectual, ética e até mesmo social, principalmente quando o período de convalescença é prolongado ou dele resultem seqüelas de natureza permanente.56
Assim, pode-se perceber que a melhor doutrina ergasiotiquerológica pátria
reconhece o duplo efeito do dano moral no acidente do trabalho.
Passemos, então, a tratar das duas espécies de repercussão moral decorrente do
acidente do trabalho
5.2 REPERCUSSÃO MORAL SUBJETIVA
56 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador. São Paulo: LTr, 2006, p. 157.
62
A repercussão moral subjetiva é o reflexo que o acidente do trabalho perfaz no
acidentado de forma a afetar o seu equilíbrio psíquico. Isto ocorre quando o
infortúnio laboral afeta irreversivelmente o status quo físico do trabalhador,
causando-lhe lesões visíveis (cicatrizes, olho vazado, perda de dentes), redução ou
perda de funções corporais (audição, visão, movimento), ou mesmo a perda de
membros (amputação). Quando o trabalhador sofre estes tipos de dano, chamados
de Dano Estético, o sofrimento moral ocorre tanto no âmbito individual, diante da
necessidade de adaptação à nova vida, quanto no âmbito social, diante dos
sentimentos de pena ou repúdio que a deformidade gerará em terceiros, ainda que
familiares.
Assim, como se verá em tópico adiante, o Dano Estético, apesar de existir como
instituto separado do Dano Moral, é mensurado a partir deste, já que as alterações
estéticas perfazem seus maiores efeitos negativos na esfera moral.
Destaque-se que o dano moralmente indenizável está relacionado à perda da forma
humana do trabalhador (o já mencionado Dano Estétic o). Uma cicatriz, a perda
de um membro ou de uma função, de maneira permanente, faz com que a forma
humana daquele indivíduo esteja comprometida na sua totalidade e plenitude, o que
certamente gera efeitos na honra, intimidade, vida privada e imagem do ser humano
vitimado pelo infortúnio.
Quando houver, contudo, possibilidade de reversão, ainda que por método científico
doloroso, não há que se falar em dano moral, diante da possibilidade de
reparabilidade física do status quo ante. Isto porque não se pode admitir que a dor
física pura e simples, por pior que seja, promova um dano à moral, já que não
lesiona bens imateriais como intimidade, vida privada, honra ou imagem da pessoa.
Entre as lesões acidentárias que entendemos serem passíveis de indenização por
danos morais estão as Perdas Auditivas Induzidas por Ruído (PAIR), a
contaminação por HIV/AIDS em razão do trabalho (p.ex. profissionais de saúde
expostos a risco biológico de contaminação), lesões musculares, ósseas e nervosas
decorrentes do trabalho (e que não tenham causas hereditárias ou degenerativas).
Portanto, as lesões ocupacionais que ensejarão indenização por danos morais
deverão ser irreversíveis, incapacitantes (por expressa disposição do art. 20, § 1º,
da Lei nº 8.213/91) e causadas exclusivamente ou majoritariamente pelo
63
exercício do trabalho (excluindo-se, portanto, causas hereditárias, degenerativas e
relacionadas a grupo etário ou social).
A reversibilidade, a ausência de incapacidade ou mesmo a multifatorialidade da
lesão justificam a não reparabilidade moral do dano, podendo ensejar tão somente a
reparação dos danos materiais (custo hospitalar, tratamento médico e remédios).
Quanto à multifatorialidade, cumpre-nos afirmar que esta deverá ser comprovada
mediante perícia no caso concreto, já que a lesão só será indenizável quando tiver
origem quase que exclusiva, ou majoritária, no exercício do trabalho, ainda que
guarde com outros fatores não-ocupacionais alguma concausalidade (limitada,
contudo).
Doenças musculares e nervosas (Tenossinovite, Tendinite, Epicondilite), ósseas
(Hérnia Discal, Sinusite Maxilar) e respiratórias deverão ser objeto de profundo
estudo científico antes de caracterizar um provável dano moral, já que guardam
intrínsecas relações com causas não-ocupacionais (gestação, obesidade, fatores
genéticos e congênitos e mesmo a própria qualidade de bípede do ser humano, nos
casos de moléstias da coluna vertebral).
5.3 REPERCUSSÃO MORAL OBJETIVA
Se por um lado o acidente do trabalho afeta diretamente o trabalhador, por outro
lado afeta também a sua família, especialmente nos casos em que o obreiro vem a
falecer em razão do infortúnio. Mesmo considerando os casos sem resultado óbito, a
lesão irreversível ao trabalhador igualmente acarreta à sua família uma repercussão
negativa.
No caso dos acidentes com óbito do trabalhador, o dano moral resta mais do que
evidenciado, já que a perda de um ente querido, muitas vezes o mantenedor da
economia doméstica, causa um trauma irreversível no seio doméstico. Como bem
assevera Sebastião Geraldo de Oliveira:
É ponto pacífico na doutrina e jurisprudência que o acidente fatal, quando preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, acarreta danos morais aos familiares da vítima [...] Aliás, o dano moral pode ser deduzido também do próprio art. 948, I, do Código Civil, que determina o pagamento do ‘luto da família’. Segundo Azevedo Marques o luto da família não deve ser entendido apenas como vestimentas
64
lúgubres, mas, no dizer dos léxicos, o profundo sentimento de tristeza causado pela perda de pessoa cara ou a tristeza profunda causada por desgostos e sofrimentos. Acrescenta ainda que ‘o luto não é somente o sinal de dor, é a própria dor; é o sofrimento moral íntimo; donde surge para logo, necessariamente, logicamente, a idéia de dano, ou melhor, de dor moral, esteja ou não escrito nas leis.57
Gize-se que quando o Magistrado da 3ª Região (MG), citando Azevedo Marques,
trata da dor, expressamente se refere à dor moral, bem diversa da dor física.
Yussef Said Cahali, citado por Sebastião Geraldo de Oliveira, ensina ainda que:
Seria até mesmo afrontoso aos mais sublimes sentimentos humanos negar-se que a morte de um ente querido, familiar ou companheiro, desencadeia naturalmente uma sensação dolorosa de fácil e objetiva percepção [...] Não mais se questiona que esses sentimentos feridos pela dor moral comportam ser indenizados; não se trata de ressarcir o prejuízo material representado pela perda de um familiar economicamente proveitoso, mas de reparar a dor com bens de natureza distinta, de caráter compensatório e que, de alguma forma, servem como lenitivo.58
Assim, nos casos de óbito, o pagamento de indenização por danos morais à família
do falecido é, mais do que uma obrigação legal, uma obrigação moral e humanitária
do empregador, cuja prática do ato ilícito ceifou a vida do trabalhador.
Em Ação de Indenização por Dano Moral e Patrimonial decorrente de acidente
laboral, tombada sob o nº 00087.2006.291.05.00-0 AIDMP, o MM Juízo da Vara do
Trabalho de Irecê (BA), integrante do TRT da 5ª Região (BA), decidiu pela
procedência do pedido de indenização por Danos Morais feito pela família do
obreiro falecido em acidente laboral, já que o óbito do patrono da família, que não
ocorreu imediatamente mas após um longo tratamento médico, acarretou os mais
diversos sofrimentos morais não só para o trabalhador, que se viu paraplégico após
o acidente, mas também para a família, que acompanhou de perto o sofrimento do
acidentado até o seu óbito:
Em 22 de Julho de 2005, o autor veio a falecer em decorrência das lesões provocadas pelo acidente laboral. O atestado de óbito apresenta como causa da morte: choque hipovolêmico (choque provocado pela ausência de fluxo e volume sanguíneo), pseudo-aneurisma de aorta roto (dilatação anormal da artéria), fixação da coluna tóraco-lombar com prótese e trauma da coluna tóraco-lombar. Em verdade, apesar do óbito somente ter se dado em 22/07/2005, a gravidade do acidente selou de vez o destino do infeliz trabalhador quando da sua ocorrência, em 15/12/2000. Sua luta contra as seqüelas do acidente acabou por se transformar em um perverso e doloroso ritual de morte prolongado, causando enorme sofrimento para o trabalhador e para seus familiares, justificando o acolhimento da pretensão aos danos morais concretamente levados a efeito pelo empregador.
57 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doená Ocupacional. São Paulo: LTr, 2005, p. 189. 58 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doená Ocupacional. São Paulo: LTr, 2005, p. 189-190.
65
Em sede de Recurso Ordinário, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 5ª
Região (BA) manteve intangível a decisão condenatória do magistrado de 1º grau,
reafirmando a existência do dano moral à família tanto pelo sofrimento durante o
tratamento do trabalhador (pelo estado deplorável em que o operário se encontrava
após o acidente, riscado por cicatrizes horrendas, paraplégico e definhando dia após
dia) quanto pelo sofrimento maior causado pela morte do obreiro em razão do
acidente, ainda que 5 anos após o seu ocorrimento.
Os fatos retratados nos autos não deixam margem constrangimentos, dissabores, dores, sofrimento enfim, decorrentes do infortúnio ocorrido. Empregado que a época do acidente – 15.12.2000 – contava quarenta e um anos – nascido em 24.08.1959, fls. 115 – sem noticia de doença anterior, atingido por portão de ferro grande e pesado quando em trabalho, provocando fratura de coluna e fêmur, permanecendo internado por sessenta dias, submetido a cirurgia e com previsão inicial de inatividade por dois anos – fls. 14 e 19. Os constrangimentos, dissabores, dores, sofrimento, não precisariam ser mencionados em interrogatório. São visíveis, claros nos autos, não só com os relatórios médicos, também através de fotografias que traduzem a situação vexatória do reclamante. [...] No caso em tela, o dano moral está comprovado. Ao ficar paraplégico teve afetada a imagem, a dignidade, a vida privada, além das dores resultantes do referido trauma, que embora não sejam indicados especificamente na inicial, podem ser imaginados - fls. 20/31. A decisão de fls. 142/148 proferida em consonância com a prova dos autos. O valor fixado pelo juízo, que à recorrente se apresenta excessivo, sequer atinge a um milésimo do sofrimento retratado nos autos. Inicialmente do chefe de família que se vê impossibilitado de prover o sustento de filhos de tão pouca idade. Em seguida, dos herdeiros habilitados, que em conseqüência do trauma, perderam marido e pai aos quarenta e cinco anos – fls. 114. O valor pedido – hoje equivalendo a R$288.000,00 - não constitui demasiado encargo para a recorrente, atua como reparação digna de todo o sofrimento ao qual foram submetidos o falecido empregado e seus herdeiros, representando medida educacional, de não permitir que fatos desse quilate se repitam no ambiente de trabalho.59
Desta forma, a própria jurisprudência pátria da infortunística laboral reconhece
amplamente a possibilidade de reparação dos danos morais dos familiares do
obreiro falecido em acidente do trabalho.
Além disso, há ainda os casos em que o acidente, a despeito de não causar a morte
do operário, inflige-lhe um dano físico irreversível, consubstanciado na perda de
função ou membro ou mesmo em dano físico permanente (cicatrizes, p.ex.).
Destaque-se que tais lesões, além de reduzir a qualidade de vida do obreiro, não
raro reduzem a expectativa de vida do trabalhador acidentado, causando-lhe a morte
prematura, ainda que tempos após o acontecimento infortunoso.
59 Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA). Acórdão nº 14.872/07. 3ª Turma. RO 00087-2006-291-05-00-0. Relatora Desembargadora Yara Trindade.
66
Também nestes casos é devida uma indenização a título de danos morais ao obreiro
como também à sua família, já que esta percorre, juntamente com o acidentado,
uma verdadeira via crucis durante a realização do tratamento médico.
As lesões físicas, que são comumente chamadas pela doutrina de Dano Estético,
são em verdade uma modalidade de dano cuja reparação se dará principalmente na
esfera moral , podendo ainda se dar na esfera patrimonial caso o dano possa ser
revertido ou minimizado por procedimento cirúrgico ou farmacológico.
Isto porque o Dano Estético gera, conforme ensinamento de Nereida Veloso Silva,
uma desconfiguração física que causa comprometimento dos órgãos, membros e
aspectos da vítima, acarretando-lhe a diminuição ou perda da harmonia corporal.60
Tal desconfiguração traz como primeira conseqüência o repúdio social, já que acaso
a sociedade não se importasse com a deformação não haveria impacto moral na
esfera individual do acidentado. É o preconceito social que causa o desconforto
moral.
Cláudio Brandão ensina que muitas vezes a lesão sofrida pelo empregado deixa
seqüelas visíveis em seu corpo [o que] pode causar uma desfiguração física capaz
de comprometer o seu desempenho no trabalho e até mesmo sua vida familiar e
social.61
Luiz de Pinho Pedreira, por sua vez, afirma não ser o dano estético autônomo,
distinto do dano moral e se caracteriza quando a lesão sofrida pelo empregado
[dano estético] causar impressão penosa ou desagradável, repugnância, ridículo
[dano moral].62
Confirmando esta teoria, Cláudio Brandão ensina que:
Ao ser atingida a integridade física, não é apenas um órgão do corpo humano que é afetado. O empregado sofre os efeitos nos atributos de sua personalidade, produzindo conseqüências que podem permanecer para o resto de sua vida. A perda de um membro inferior, por exemplo, pode torna-lo alvo de discriminação social, além de dificuldades naturais do processo de adaptação à nova realidade da vida, cujas conseqüências podem causar sentimentos de inferioridade que terão campo fértil no
60 SILVA, Nereida Veloso. Dano Estético. São Paulo: LTr, 2004, p. 22. 61 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador. São Paulo: LTr, 2006, p. 161. 62 SILVA, Luiz de Pinho Pedreira da. A Reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p.97.
67
mais íntimo do seu ser para o desenvolvimento de outras enfermidades, capazes até mesmo de chegar a doenças graves ou ao suicídio.63
Filiamo-nos a esta corrente doutrinária, que inclui o Dano Estético no bojo dos
Danos Morais, por acharmos que o dano estético gera reflexos morais no indivíduo,
diante do preconceito social existente, devendo portanto ser tratado em conjunto
com este.
Destaque-se o fato de que a possibilidade de reparação do Dano Estético na esfera
patrimonial poderá reduzir a indenização por Danos Morais. O objetivo da
responsabilidade civil é restaurar o status quo ante que o indivíduo possuía antes do
acidente.
Quando ocorrem lesões físicas visíveis e estas são parcialmente reversíveis
(podendo-se, portanto, restaurar parcialmente o status quo), haverá dever do
empregador em indenizar o empregado na esfera patrimonial no montante
correspondente ao custeio do processo de restauração estética (cirurgia plástica,
medicamentos, procedimentos cirúrgicos diversos) e na esfera moral
proporcionalmente à parte da lesão que não puder ser revertida (p. ex. uma cicatriz
na face que poderá ser reduzida por plástica, mas não desaparecer totalmente,
enseja indenização por danos morais proporcional à parte que ainda ficará visível
após a cirurgia).
É o que dispõe o art. 949 do Código Civil pátrio:
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
A reparação patrimonial do dano estético é a indenização paga pelo ofensor ao
ofendido com despesas de tratamento no caso de lesão ou outra ofensa à saúde. A
reparação por dano moral está inclusa nos “outros prejuízos” que o ofendido prove
haver sofrido.
Há ainda, nos casos em que o acidente de trabalho provoca lesões incapacitantes, a
obrigação do empregador em pagar pensão correspondente à importância do
trabalho para que se inabilitou, conforme disposto no art. 950 do Código Civil de
2002.
63 BRANDÃO, Cláudio. Acidente do Trabalho e Responsabilidade Civil do Empregador. São Paulo: LTr, 2006, p. 165.
68
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas de tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.
A interpretação deste artigo, contudo, merece uma cautelosa análise. Isto porque o
empregador já paga seguro obrigatório contra acidentes do trabalho, gerido pelo
INSS, para custear o trabalhador quando este se acidentar (Constituição Federal,
art. 7º, XXVIII, 1ª parte “seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador ”).
Assim, o pagamento de pensão por invalidez é obrigação do INSS, e apenas deste
órgão. Se o trabalhador já está recebendo pensão mensal da Previdência Social, o
pagamento de pensão também pelo empregador representaria um bis in idem para a
empresa e o enriquecimento sem causa do empregado.
O empregador, contudo, será obrigado a complementar a pensão mensal quando o
benefício do INSS for menor do que o salário que o empregado recebia antes do
infortúnio, compensando assim a perda salarial experimentada pelo obreiro com o
afastamento do labor.
A única possibilidade que vislumbramos da empresa pagar pensão integral ao
obreiro será nos casos do empregado que possui dois empregos e, em virtude do
acidente de trabalho, fica impossibilitado de exercer ambas as funções, devendo o
patrão arcar com o salário do outro emprego que o trabalhador não mais perceberá
por incapacidade laborativa, bem como, quando for o caso, com a complementação
do salário recebido a menor a título de pensão previdenciária.
69
6 A QUANTIFICAÇÃO DA REPARAÇÃO DO DANO MORAL DECORR ENTE DE
ACIDENTE DO TRABALHO
O acidente de trabalho, como já visto, poderá gerar direito à indenização por Danos
Morais. Contudo, como aponta o Ministro Athos Gusmão Carneiro (STJ), existe um
grande problema em encontrar um parâmetro pecuniário para compensar a dor
moral.64
Eis, talvez, a mais árdua das tarefas delegadas aos Juízes do Trabalho pela
Constituição Federal (art. 114): quantificar o valor da indenização por danos morais
decorrentes de acidente laboral, pois não se está a quantificar coisas, mas pessoas
e sentimentos. De que forma pode o Juiz traduzir em pecúnia a perda de um braço,
de uma perna, da visão ou de um ente querido? Ainda assim, por mais ingrata e
difícil que esta tarefa possa, o Estado-Juiz tem um dever constitucional para com os
cidadãos comuns que o impede de deixar de proferir o entendimento oficial do
Estado sobre o fato infortunoso.
No Brasil, a legislação acerca da reparação de danos é extensa, mas não primorosa.
As particularidades do processo legislativo pátrio tornam as leis muitas vezes
ambíguas, vagas demais, amplas demais ou até mesmo lacunosas.
No tocante à indenização por danos morais, o art. 944 do Código Civil é um grande
“farol” para o julgador. Infelizmente, alguns magistrados proferem suas decisões
com inobservância ao mandamento contido neste artigo de lei, que dispõe que a
indenização será medida pela extensão do dano, aplicando, ao arrepio da eqüidade,
do bom senso e da Justiça, critérios absurdos de quantificação da reparação de
danos.
O primeiro ponto que deve ser tratado é, sem sombra de dúvidas, o da aplicação do
instituto norte-americano de punitive damages (danos puníveis, numa tradução livre)
no sistema de responsabilidade civil brasileiro o que, mais do que uma aberração
jurídica, corresponde à importação para o ordenamento pátrio de um instituto que
em nenhum momento se adequa às nossas realidades.
64 Voto proferido no Recurso Especial (REsp) nº 1.723-RJ (STJ, 4ª Turma, Ac. de 6 de Março de 1990, citado por OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. 4 ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 258.
70
6.1 SISTEMA NORTE-AMERICANO DE QUANTIFICAÇÃO: PUNITIVE DAMAGES
6.1.1 O modelo da Common Law e as Origens do Sistema de Punitive Damages
Os Estados Unidos da América, por sua construção histórica enquanto nação,
adotaram como principal sistema jurídico o modelo consuetudinário, a Common Law.
A adoção de uma ordem jurídica baseada nos costumes está intrinsecamente ligada
à relação que os EUA, então colônias da Inglaterra, mantinham com esta, bem como
com as bases da colonização (valores, costumes, cultura político-jurídica) levada a
cabo pelos britânicos naquele recém-descoberto país.
Como acentua Caio Prado Júnior:
Se esta área temperada [EUA e Canadá] se povoou, o que aliás só ocorre depois do séc. XVII, foi por circunstâncias muito especiais. É a situação interna da Europa, em particular da Inglaterra, as suas lutas político religiosas que desviam para a América as atenções das populações que não se sentem à vontade e vão procurar ali abrigo e paz para as suas convicções. Isto durará muito tempo; pode-se mesmo assimilar o fato, idêntico no fundo, a um processo que se prolongará, embora com intensidade variável, até o século passado. Virão para a América puritanos e quakers da Inglaterra, huguenotes da França, mais tarde morávios, schwenkfelders, inspiracionistas e menonitas da Alemanha meridional e Suíça. Durante mais de dois séculos despejar-se-á na América todo o resíduo das lutas político-religiosas da Europa.65
Assim, os pioneiros na colonização da América do Norte foram “fugitivos” da
instabilidade política e religiosa européia dos séculos XVI-XVII, que viram nas novas
colônias um clima similar ao da Europa para reconstruir suas vidas.
Trouxeram consigo, assim, os valores, os costumes e a cultura que mantinham na
Inglaterra, e junto com estas as tradições político-jurídicas vigentes na terra natal,
entre as quais figura como principal o sistema jurídico da Common Law. Guido
Fernando Silva Soares, em livro introdutório ao direito dos EUA, aponta a
importância dos valores e da cultura na formação do sistema jurídico de um povo:
Na verdade, o Direito, enquanto sistema normativo, encontra-se concebido e originado da cultura e da civilização de um povo e, portanto, reflete seus valores, e, sendo uma cultura de um povo ou da civilização de uma época, vale enquanto valem os valores inconfundíveis e irredutíveis daquelas cultura e civilização.66
65 PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 17-18. 66 SOARES, Guido Fernando Silva. Common Law: Introdução ao Direito dos EUA. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 21-22.
71
Miguel Reale, por sua vez, destaca a vital importância dos costumes para a
formação do sistema jurídico dos EUA:
[...] temos a tradição dos povos anglo-saxões, nos quais o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisdição do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos. Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial [...] O Direito é [...] coordenado e consolidado em precedentes jurisprudenciais, isto é, segundo uma série de decisões baseadas em usos e costumes prévios [...] podem os adeptos do common law invocar a maior fidelidade dos usos e costumes às aspirações imediatas do povo. Na realidade, são expressões culturais diversas.67
O modelo da Common Law é, portanto, vinculado diretamente aos usos e costumes
do povo norte-americano, e é colocado em prática a partir do Poder Judiciário
daquele país, que irá “dizer o direito” de acordo com as normas sociais
consuetudinárias dos EUA.
Um dos costumes judicializados pelos tribunais norte-americanos é o instituto do
punitive damage, ou dano punível, pelo qual alguém que pratica um ato ilícito e
causa dano a outrem, além de reparar o prejuízo através de indenização
compensatória (compensatory damages), ainda é penalizado através de outra
indenização, muito mais vultosa, a título de aprendizado (punitive damages).
A origem do instituto de punitive damages remonta à Inglaterra do século XVIII.
Francis Scott Baldwin, membro da International Academy of Trial Lawyers
(associação de advogados com objetivo de fomento à pesquisa jurídica), em artigo
publicado no site desta, ensina que a doutrina dos punitive damages foi pela
primeira vez enunciada na Inglaterra, na metade do século XVIII.68
Os primeiros casos judiciais (Huckle versus Money e Wilkes versus Wood) em que
houve aplicação dos punitive damages ocorreram em 1763, na Inglaterra. Contudo,
a aplicação do referido instituto ocorria de forma tímida, tanto na Grã-Bretanha
quanto na então colônia norte-americana, resumindo-se aos casos de dano
provocado intencional e conscientemente (intentional and conscious harm). Em
verdade, o sistema de punitive damages era utilizado mais no sentido de auxiliar a
67 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 242. 68 “The doctrine of punitive damages was first enunciated in England in the middle of the eighteenth century”. BALDWIN, Francis Scott. Punitive Damages Revisited. [online] Disponível na Internet via WWW.URL: <http://www.iatl.net/deans/93_punitive_4.asp>. Acesso em 26 de Outubro de 2007.
72
justiça criminal, que à época punia mais severamente crimes contra o patrimônio do
que lesões aos direitos da pessoa humana69.
A partir da década de 60 do século XX, os tribunais dos EUA passaram a aplicar de
forma mais severa e radical o instituto dos punitive damages, tendo como principal
origem as demandas coletivas de reparação de danos contra as empresas. Entre as
décadas de 1960 e 1990 houve um significativo aumento destas causas coletivas de
reparação de danos (torts) fez com que o instituto se desenvolvesse e se
popularizasse pelo país inteiro.
Vale ressaltar que, a despeito de várias dessas demandas terem sido extintas ou
julgadas improcedentes, as que foram julgadas procedentes tiveram como
condenação valores astronômicos, mesmo para a poderosa economia norte-
americana.
A partir do final da década de 1990 os tribunais americanos, influenciados por
diversas instituições de reforma legislativa e judiciária, passaram a rever os
parâmetros de aplicação dos punitive damages, já que tal instituto havia se
transformado numa “indústria do dano moral”.
O maior exemplo que pode ser tratado é o das ações reparatórias de danos contra a
indústria do cigarro. Pessoas que fumavam durante anos e anos, mesmo cientes do
mal que o tabaco causa, adquiriam câncer, processavam as empresas e ganhavam
fortunas de indenização70.
A American Tort Reform Association, uma das inúmeras associações americanas
para a reforma do sistema de responsabilidade civil extracontratual dos EUA71,
propõe a modificação do instituto de punitive damages pelo seguinte fundamento:
A reforma do instituto de punitive damages é urgentemente necessária para restaurar o equilíbrio, a justiça e a previsibilidade da lei dos Punitive Damages. O sistema de Justiça Civil não deve ser uma “loteria judicial” caracterizada pelos excessos e pela arbitrariedade. A ATRA recomenda quatro reformas: 1) estabelecer um nexo de causalidade que reflita a origem intencional [ato ilícito] da responsabilidade civil
69 AMERICAN TORT REFORM ASSOCIATION. Punitive Damages Reform. [online] Disponível na Internet via WWW.URL: <http://www.atra.org/show/7343>. Acesso em 26 de Outubro de 2007. 70 Neste sentido podemos apontar o clássico caso Phillip Morris USA versus Williams, que tramitou perante a Supreme Court of Oregon e posteriormente perante a U.S. Supreme Court, no qual a Suprema Corte dos EUA considerou a indenização grotescamente excessiva (a empresa de cigarros foi condenada a pagar à família do autor vitimado pelo cigarro danos compensatórios no valor de US$ 821,000 e danos punitivos no valor de US$ 79,500,000.. 71 A palavra Tort juridicamente significa Responsabilidade Civil Extracontratual. Portanto, American Tort Reform Association significa Associação Americana para a Reforma das Leis de Responsabilidade Civil.
73
extracontratual e a natureza semi-criminal da multa (intenção ou malícia real); 2) tornar necessária a apresentação judicial de provas inequívocas para estabelecer a responsabilidade por danos puníveis; 3) estabelecer a proporcionalidade como critério de aferição dos Punitive Damages de forma que a punição seja proporcional à ofensa; 4) criação de legislação federal para solucionar o problema das múltiplas indenizações por Punitive Damages.72
Assim, percebe-se que diante dos excessos cometidos pelo Poder Judiciário dos
EUA com base no sistema da Common Law o povo norte-americano vêm clamando
pela transformação deste sistema em Statute Law, que é a elaboração de leis fora
dos Tribunais (pelos poderes Executivo e Legislativo), através de um processo muito
mais democrático e melhor discutido com a comunidade do que as decisões
judiciais.
Destaque-se somente que esta dicotomia entre a Lei Consuetudinária e a Lei
Estatutária já existia na formação dos EUA, tendo em vista que neste país existem
documentos normativos escritos, como p.ex. a Constituição americana, os Códigos
estaduais de procedimentos judiciais civis e criminais (Code of Civil Procedure, Civil
Code, Code of Criminal Procedure e Penal Code) e até mesmo os Citators
(coletâneas legislativas oficiais que apresentam as legislações federais e estaduais
relativas à matéria).
Contudo, até algumas décadas atrás, o sistema predominante era o da Common
Law em detrimento do Statute Law, limitado a poucas matérias.
Este processo de alteração do sistema de punitive damages vem ocorrendo ainda
no próprio Poder Judiciário. Como se verá em tópico próprio, não só os Tribunais
State Courts (tribunais estaduais) como também a U.S. Supreme Court (suprema
corte dos EUA) vêm gradativamente mitigando o instituto dos punitive damages, seja
pelo estabelecimento de um teto para a indenização, seja até mesmo proibindo a
aplicação do referido instituto no sistema legislativo e judicial da respectiva
jurisdição.
72 “Reform is urgently needed to restore balance, fairness, and predictability to punitive damages law. The civil justice system should not be a ‘litigation lottery’ characterized by excessiveness and arbitrariness. ATRA recommends four reforms: establishing a liability ‘trigger’ that reflects the intentional tort origins and quasi-criminal nature of punitive damades awards – actual malice’; requiring ‘clear and convicing evidence’ to establish punitive damages liability; requiring proportionality in punitive damages so that the punishment fits the offense; federal legislation to address the special problem of multiple punitive damages awards”. AMERICAN TORT REFORM ASSOCIATION. Punitive Damages Reform. [online] Disponível na Internet via WWW.URL: <http://www.atra.org/show/7343>. Acesso em 26 de Outubro de 2007.
74
6.1.2 Conceito e alcance do Sistema de Punitive Damages
Punitive damages, no sistema jurídico norte-americano, são indenizações de caráter
punitivo pagas pelo ofensor que praticou atos chamados quasi-criminal acts, uma
modalidade de atos civis dolosos ou com culpa grave que os aproxima de uma
conduta criminal, por isso são chamados de “quase-crimes”. Difere dos
compensatory damages, que são indenizações compensatórias por danos
econômicos e não-econômicos (no nosso sistema equivale a danos patrimoniais e
não-patrimoniais).
Assim, o único objetivo dos punitive damages no sistema norte-americano é punir
exemplarmente o ofensor através de uma pesada indenização em favor do ofendido.
É o que nos ensinam Judith Martins Costa e Mariana Souza Pargendler:
Na medida em que as suas finalidades precípuas passaram a ser a punição e a prevenção, o foco passou a incidir não sobre a espécie do dano, mas sobre a conduta do causador [...] Como regra geral, salvo lei em contrário, receber punitive damages não constitui direito subjetivo, antes dependendo da discricionariedade do júri.73
Os punitive damages, portanto, alcançam determinados atos civis que, por sua
forma premeditada e, digamos, perversa de ser realizada se aproximam muito de
atos criminais, mas não configuram crime, sendo considerados atos de quase-crime,
ou quase-criminal acts. Também neste sentido ensinam Judith Martins Costa e
Mariana Souza Pargendler:
Em outras palavras, os punitive damages só podem ser concedidos na relação extracontratual quando provadas circunstâncias subjetivas que se assemelham à categoria continental do dolo, quais sejam: malice, wantonness, willfulness, opression, fraud, entre outras. A mera negligência, na ausência das circunstâncias agravantes, não é razão suficiente para a condenação de punitive damages, porém, a gross negligence (negligência grave), em alguns estados, os enseja.74
Desta forma, percebe-se que os punitive damages só alcançam delitos civis com
circunstâncias similares às do dolo ou da negligência grotesca.
73 COSTA, Judith Martins; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva: punitive damages e o Direito brasileiro. In: JUSTIÇA FEDERAL. Revista do Centro de Estudos Judiciários da Justiça Federal. nº 28. ed. Jan/Mar 2005, p. 18-19. Disponível na internet via WWW.URL: < http://www.cjf.gov.br/revista/numero28/artigo02.pdf>. Acesso em 01 de Novembro de 2007. 74 COSTA, Judith Martins; PARGENDLER, Mariana Souza. Ob. cit. p. 19.
75
6.1.3 Limitações ao Sistema de Punitive Damage: os casos da Flórida,
Colorado, Alabama e Virginia
A partir da observação pelos julgadores de que o sistema de Punitive Damages
estava se tornando uma verdadeira “loteria judicial”, alguns tribunais estaduais
resolveram modificar a disposição do instituto nos seus ordenamentos (a maior parte
das leis processuais comuns nos EUA são estaduais, e não federais), limitando a
aplicação dos danos punitivos.
A Supreme Court of Florida desde 1999 limita a indenização por punitive damages
em 3 vezes o valor da indenização por compensatory damages ou US$ 500,000
(quinhentos mil dólares)75, o que for maior. Contudo, o valor da indenização por
punitive damages pode ser aumentada para até 4 vezes o valor dos compensatory
damages ou US$ 2,000,000 (dois milhões de dólares), o que for maior, caso a
conduta do réu tenha sido motivada por desarrazoada vantagem financeira
(unreasonable financial gain) ou se ele já sabia de antemão da possibilidade de
causar do dano (known likelihood of injury).
No estado do Colorado o valor da indenização por punitive damages não pode
ultrapassar o valor da indenização por compensatory damages.
No estado do Alabama as indenizações por punitive damages são limitadas da
seguinte forma: nos casos de dano patrimonial (non-physical injury cases) o valor da
indenização será 3 vezes o valor dos compensatory damages ou US$ 500,000
(quinhentos mil dólares), o que for maior; nos casos que de dano patrimonial que
envolvam empresas com patrimônio líquido inferior a US$ 2,000,000 (dois milhões
de dólares) na época da ocorrência do fato os punitive damages serão limitados em
US$ 50,000 (cinqüenta mil dólares) ou 10% do patrimônio líquido acima de US$
200,000 (duzentos mil dólares), o que for maior; nos casos de dano físico (physical
injury cases) o limite dos punitive damages será 3 vezes o valor dos compensatory
damages ou US$ 1,500,000 (um milhão e quinhentos mil dólares), o que for maior
(tal limite, contudo, será ajustado pelo Índice de Preços de Consumo em intervalos
trienais contados a partir de 2003).
75 Os valores expressos em dólar estão separados por vírgula, e não por ponto, por ser assim escrito no sistema monetário daquele país.
76
O estado da Virginia limita a indenização por punitive damages em US$ 350,000
(trezentos mil dólares).
Apesar das tentativas dos estados em limitar os punitive damages, ainda existem
muitas queixas de operadores do direito em relação aos altos valores indenizatórios,
principalmente no Tribunal do Alabama, o qual foi apelidado pelos advogados locais
de “Jackpot Tribunal” (uma pejorativa referência às máquinas caça-níqueis comuns
nos cassinos, nas quais é fácil ganhar dinheiro).
6.1.4 Proibição de aplicação do Sistema de Punitive Damages: os casos da
Louisiana, Massachusetts, Nebraska, New Hampshire e Washington
Alguns estados norte-americanos, por outro lado, ao invés de limitar as indenizações
por punitive damages simplesmente aboliram este instituto do seu ordenamento
jurídico.
Os estados de Massachusetts, Nebraska e Washington proíbem a aplicação dos
punitive damages através da sua common law, por reiteradas decisões judiciais que
acabaram por informar a jurisprudência das cortes desses estados.
Já os estados de New Hampshire e da Louisiana aboliram a aplicação dos punitive
damages através de lei, como parte da sua statute law.
6.1.5 A Suprema Corte dos EUA e a revisão do Sistem a de Punitive Damages
Em 2006 um polêmico caso judicial chegou à U.S. Supreme Court e alterou
substancialmente o entendimento daquela Corte em relação aos punitive damages.
Trata-se do seguinte caso: Jesse Williams, cidadão norte-americano do Oregon, era
um fumante compulsivo e consumia diariamente mais de uma carteira do cigarro
Marlboro. Tendo vindo a falecer em decorrência de um câncer de pulmão provocado
pelo tabaco, sua esposa, Mayola Williams, ajuizou ação no Tribunal de Oregon
contra a fabricante do cigarro, a Phillip Morris USA.
77
Durante o julgamento, o júri (em algumas demandas civis nos EUA há participação
de júris) reconheceu que a morte de Jesse Williams foi causada pelo cigarro, e que a
Phillip Morris USA foi negligente ao não informar ao falecido consumidor os riscos
que o cigarro traz para a saúde. Entendeu ainda o júri que por omitir tal condição
letal do cigarro a empresa de tabaco incorreu em “fraude” (deceit).
Ao final, a empresa Phillip Morris USA foi condenada pelo júri a pagar US$ 821,000
(oitocentos e vinte e um mil dólares) a título de compensatory damages (dos quais
US$ 21,000 foi por dano material e US$ 800,000 por dano moral) e a absurda
quantia de US$ 79,500,000 (setenta e nove milhões e quinhentos mil dólares) a
título de punitive damages. O juiz que conduziu o caso achou o valor excessivo e
desproporcional, e reduziu o valor para US$ 32,000,000 (trinta e dois milhões de
dólares). Ambas as partes recorreram da decisão do juiz, a empresa para reduzir
ainda mais a condenação e a viúva para restaurar a decisão do júri.
A Oregon Supreme Court denegou o recurso da empresa Phillip Morris e deu
provimento ao recurso da viúva Williams, restaurando o valor da condenação
arbitrado pelo júri, sob o fundamento de que os punitive damages serviriam não só
para punir a empresa pelo falecimento de Jesse Williams como também para evitar
que outras mortes por cigarro ocorressem (alegação que foi feita pela autora em
sede de recurso).
A empresa recorreu da decisão alegando inconstitucionalidade na decisão da Corte
de Apelação do Oregon em dois aspectos: I) quando a Corte de Oregon restaurou o
quantum indenizatório fixado pelo júri com base em vítimas futuras, já que estas não
faziam parte do processo originário e, já que não houve danos a outras pessoas,
não seria possível a coletivização da demanda; II) quando a Corte de Oregon não
observou o requisito constitucional ínsito na 14ª Emenda (por conta de interpretação
dada pela própria U.S. Supreme Court) que prevê que os punitive damages sejam
razoavelmente fixados com base no dano efetivo experimentado pelo autor.
A Suprema Corte dos EUA admitiu o processamento do recurso, sob a
fundamentação de que
Esta Corte [U.S. Supreme Court] tem há algum tempo decidido que os punitive damages devem ser adequadamente impostos para facilitar os interesses legítimos do Estado em punir condutas ilegais e desencorajar sua repetição [...] Ao mesmo tempo, nós temos enfatizado a necessidade de afastar uma determinação arbitrária do montante indenizatório. A menos que um Estado crie padrões apropriados que possam dar guarida à autoridade discricionária do júri, seu sistema de punitive
78
damages deve retirar ou reduzir a severidade da pena que ao Estado cabe impor ao réu, senão correr-se-á o risco das punições arbitrárias, punições que refletem não a aplicação da Lei, mas um capricho do julgador [...] Assim, conforme a discussão precedente deixa claro, acreditamos que a Suprema Corte de Oregon aplicou erroneamente o padrão constitucional quando do julgamento da apelação interposta por Phillip Morris [...] o que conduzirá à necessidade de um novo julgamento, ou uma mudança no valor da indenização por punitive damages [...] Revogamos assim a decisão da Suprema Corte de Oregon e determinamos uma nova análise do caso através das medidas legais e na conformidade desta decisão.76
Destaque-se que este entendimento foi aprovado pela maioria dos juízes da U.S.
Supreme Court, sendo vencido apenas o voto do Justice Stevens (na Suprema
Corte dos EUA a denominação utilizada para os seus membros é Justice,
equivalente a Juiz, e não Ministro, como no STF brasileiro).
Assim, esta decisão somente consolidou o entendimento da Suprema Corte dos
EUA no sentido de que os punitive damages devem estar pautados em critérios
legislativos, e não ao arbítrio do juiz ou de um júri, e que o valor da indenização,
ainda que a título punitivo, deve se resumir ao dano experimentado pela vítima.
6.2 SISTEMA BRASILEIRO DE QUANTIFICAÇÃO: O MANDAMENTO CONTIDO
NO ART. 944 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002
No Brasil, diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, a quantificação da
reparação dos danos morais não é uma construção jurisprudencial, mas sim um
mandamento legislativo.
O Código Civil brasileiro de 2002 estatui, no seu art. 944, que a indenização será
medida pela extensão do dano, podendo ainda ser reduzida se houver desproporção
entre o dano sofrido pela vítima e a culpa do agente que o causou.
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
Adiante, no art. 945, o Codex Civil brasileiro estatui que se a vítima tiver culpa no
acidente, a indenização será fixada confrontando a culpa patronal com a culpa
operária.
76 Certiorari to the Supreme Court of Oregon, nº 05-1256, Phillip Morris USA vs. Williams, personal represented of Estate of Williams, deceased. 549 U.S. (2007). Disponível via WWW.URL: < http://www.supremecourtus.gov/opinions/06pdf/05-1256.pdf>. Acesso em 02 de Novembro de 2007.
79
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Tal disposto legislativo apresenta uma louvável solução à questão da distribuição de
culpa, especialmente nos casos de acidentes de trabalho, em que por vezes o
trabalhador concorre com a ocorrência do evento infortunoso (inobservância dos
procedimentos de segurança, não utilização dos EPI’s por achar “desconfortável” ou
por acreditar na alea, pressa para terminar o serviço, cansaço provocado por
atividades extra-laborais etc).
As ofensas à saúde ensejarão tanto reparação por danos materiais quanto por
danos morais (Código Civil, art. 949), e as lesões incapacitantes para o labor
ensejarão pagamento de complementação de pensão (Código Civil, art. 950 em
leitura conjunta com a Constituição Federal, art. 7º, XXVIII), como já tratado acima.
Assim, no caso da reparação dos Danos Morais, é imperativa a observância do
mandamento insculpido nos arts. 944, 945 e 949 do Código Civil, tendo por base
apenas os critérios de extensão do dano, culpa do empregador e culpa do
empregado .
6.2.1 Os Projetos de Lei nº 6.960/2002 e 276/2007
O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 6.960/2002, de autoria do falecido
Deputado Federal Ricardo Fiúza (PP-PE), tinha por objetivo promover diversas
alterações no Código Civil pátrio de 2002. Entre as mais importantes alterações
estava a inclusão de um § 2º no art. 944 do referido diploma legislativo, o qual
passaria a ter a seguinte redação:
Art.944. A indenização mede-se pela extensão do dano. § 1º Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização; § 2º A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante.
Assim, o sistema norte-americano de Punitive Damages passaria a viger no
ordenamento jurídico brasileiro, já que a reparação do Dano Moral passaria a ser,
além de reparação ao lesado, desestímulo ao lesante na forma de punição.
80
Tal proposição legislativa foi arquivada no início de 2007, porém novo Projeto de Lei
da Câmara dos Deputados de nº 276/2007, de autoria do Deputado Federal Léo
Alcântara (PSDB-CE) e tendo como relator o Deputado Federal Antônio Carlos
Magalhães Neto (DEM-BA), retomou o objeto do arquivado PLC nº 6.960/2002 para
modificação de 220 artigos do Código Civil de 2002, inclusive o referido art. 944. O
novo PLC nº 276/2007 é rigorosamente o mesmo PLC nº 6.960/2002, inclusive em
relação à redação do texto, e da mesma forma busca instituir no Brasil o instituto
estadunidense dos Punitive Damages.
Contudo, a experiência prática demonstra que a instituição dos Punitive Damages
com caráter indenizatório no Brasil seria algo de proporções catastróficas,
promovendo, nas palavras da American Tort Reform Association, uma verdadeira
“loteria judicial” em busca de vultosas indenizações.
O desestímulo ao lesante não pode ser uma indenização, paga em benefício do
lesado, mas sim uma multa em benefício do Estado, por se tratar de punição. É o
que veremos no tópico que se segue.
6.2.2 Indenização versus Multa
O instituto dos punitive damages nos EUA se provou falho da forma que estava
sendo aplicado. Hodiernamente, os tribunais e parlamentos estadunidenses vêm
tentando modificar e normatizar tal instituto, o qual apresenta terríveis distorções que
conduzem a uma insegurança jurídica sem precedentes na história judical norte-
americana, dado o arbítrio com que os juízes e júris do norte vêm aplicando tal
instituto.
No Brasil, onde o instituto do Dano Moral já é banalizado pelos tribunais diante da
carência de requisitos objetivos para aferição e quantificação da lesão, a aplicação
do instituto norte-americano da forma que está alicerçado seria, como já dito,
catastrófico.
A adaptação do instituto dos punitive damages à realidade brasileira somente
poderia ocorrer através de promulgação de lei neste sentido (nunca por construção
jurisprudencial, pois o art. 944 do Código Civil proíbe), com mudanças em relação ao
81
modelo norte-americano que o tornasse mais efetivo e menos suscetível ao arbítrio
do julgador.
A punição pelo Dano Moral é a condenação de uma conduta repudiada pela
sociedade. Quem detém o poder de punir qualquer infrator é o Estado, através do
seu Jus Puniendi. No sistema criminal e administrativo brasileiro, as punições
pecuniárias (multas) são recolhidas em benefício estatal. Com as punições civis
decorrentes de responsabilidade civil extracontratual (que decorrem da Lei) não
deveria ser diferente.
Cremos que a reparação do Dano Moral deve se dar em duas esferas: a esfera
compensatória, que já está normatizada no país, e a esfera punitiva, que ainda
carece de regulamentação.
Na esfera compensatória, o ofensor ficaria obrigado a pagar indenização por danos
morais ao ofendido proporcional à extensão da lesão, nos moldes do disposto já
existente no art. 944, caput, do Código Civil de 2002.
Na esfera punitiva, o ofensor pagaria uma multa em favor do Estado, a qual seria
revertida para algum Fundo específico daquela seara. No campo dos acidentes do
trabalho, poderia a multa ser revertida em favor de algum Fundo de Acidentes de
Trabalho, em favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou em favor de
algum Instituto de Prevenção de Acidentes de Trabalho.
Tais propostas, apesar de viáveis, são apenas hipotéticas, já que se tratam de
meras divagações doutrinárias. Considerando o hodierno ordenamento jurídico
pátrio, não é possível a aplicação dos punitive damages em nosso Direito.
É o que ensina Carlos Roberto Gonçalves:
Na lição de Carlos Roberto Gonçalves, a adoção do critério das punitive damages no Brasil somente se justificaria se estivesse regulamentado em lei, com a fixação de sanção mínima e máxima, revertendo ao Estado o quantum da pena, como previsto na lei da ação civil pública, para os casos de danos ambientais.77
Assim, diante dos dispositivos normativos existentes no Brasil, somente é possível
condenar o empregador responsável por acidentes de trabalho a pagar uma
indenização ao empregado acidentado proporcional à extensão do dano, a título
meramente compensatório, já que não há qualquer norma em todo o ordenamento
77 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 637.
82
que autorize a aplicação de punições pelo cometimento de ilícitos civil, nos moldes
do modelo em voga nos EUA.
6.3 EXTENSÃO DO DANO MORAL
O art. 944 do Código Civil brasileiro de 2002 estatui que a indenização será medida
pela extensão do Dano. Por não fazer referência à natureza do dano, tal dispositivo
é aplicável a todas as espécies de dano, inclusive do dano moral
Assim, também a indenização por dano moral nos acidentes de trabalho deverá ser
medida pela extensão do prejuízo experimentado pela vítima. Contudo, de que
forma poderá ser aferida a extensão do dano moral, já que esta espécie de lesão
afeta sentimentos íntimos do ser humano?
Cremos que deverá a extensão do dano moral no acidente de trabalho ser feita de
duas formas: a primeira pela simples observação externa da vítima, e a segunda
mediante a utilização de artifícios de outras áreas do conhecimento especializadas
no trato do comportamento e mente humana, como p.ex. a psicologia e a medicina
psiquiátrica.
A primeira forma de aferição da extensão do dano moral no acidente de trabalho, a
simples observação da vítima pelo juiz, não se resume somente ao corpo físico do
trabalhador vitimado pelo infortúnio, mas também da observação comparativa das
condições de vida do obreiro antes e após o acidente, sempre com base nas provas
colacionadas aos autos de uma demanda judicial.
Fisicamente, o dano moral poderá ser observado pelo juiz através de uma cicatriz,
da perda de um membro ou da perda de uma função, que poderá estar evidente e
visível no corpo do obreiro ou comprovada mediante laudo pericial constante no
acervo probatório coligido aos autos processuais. Um trabalhador que perdeu um
braço, ficou cego ou impotente sexualmente em razão de infortúnio laboral
certamente terá sofrido danos morais.
No ponto de vista comparativo, o juiz deverá aferir a extensão do dano moral
comparando a condição de vida que o trabalhador levava antes do acidente e a que
leva depois do acidente. Se antes do acidente o trabalhador andava, ficando
83
paraplégico com o infortúnio. Se antes do acidente o trabalhador enxergava, ficando
cego com o infortúnio. Se o trabalhador passou a precisar de ajuda para se
locomover, tomar banho, se alimentar, fazer suas necessidades fisiológicas etc.
Tudo isso deverá ser observado pelo juiz para aferir a extensão do dano moral do
ponto de vista físico.
Além desta observação, muito valiosa à formação do juízo de valor do magistrado,
há ainda aquelas observações técnico-científicas de que o juiz deverá lançar mão
para aferir a extensão psicológica do dano moral. Através de perícias conduzidas
por psicólogos e psiquiatras, o juiz deve extrair as informações técnicas acerca de
alterações psíquicas provocadas pelo acidente do trabalho, como p. ex. depressão,
medo anteriormente inexistente, síndrome do pânico, ansiedade patológica, queda
da auto-estima, tendência ao suicídio, perda do apetite sexual, comportamento
violento, entre tantos outros.
Por fim, destaque-se apenas que todo e qualquer juízo de valor feito a partir destas
observações deverão levar em conta o homem médio, a partir de um critério de
razoabilidade e bom senso.
6.4 PROVA DO DANO MORAL
Tema dos mais debatidos da doutrina civilista pátria, a prova do Dano Moral é de
difícil aferição. Contudo, a partir dos critérios apontados no item antecedente,
cremos ser prova do dano moral: fotografias e/ou testemunhos que comprovem a
alteração comportamental da vítima após o acidente (prova testemunhal e/ou
documental), laudo pericial de médico psiquiatra ou psicólogo (ou de ambos, quando
for o caso) comprovando a alteração comportamental da vítima (prova técnica),
laudo pericial de profissional de saúde (médico, fisioterapeuta, odontólogo)
comprovando alterações negativas na rotina do trabalhador (cadeira de rodas,
bengala, dificuldades de locomoção, dificuldades nas atividades rotineiras ou mesmo
necessidade de adaptação da residência à “nova” vida do trabalhador), observação
pelo juiz das alterações visíveis no corpo do acidentado que provoquem alguma
sensação negativa (repúdio, pena) ou que tenham alterado significativamente a
forma humana do trabalhador (perda de membros, queimaduras), prova documental
84
que ateste a mudança negativa de rotina do trabalhador em virtude do acidente
(debilidade físico-psíquica que traga a necessidade de acompanhamento
profissional de enfermeiros, médicos, terapeutas, psicólogos, psiquiatras, da
utilização de aparelhos como cadeiras de rodas ou até mesmo de internação em
instituições de saúde e psiquiátricas).
Destaque-se que a prova técnica emitida por psiquiatras, psicólogos, fisioterapeutas,
odontólogos e médicos têm, na nossa opinião, prevalência em relação às demais
(apesar de não vincular o juízo), já que são elaboradas por profissionais habilitados
na avaliação da saúde do paciente e dos efeitos dos fatos da vida não só no corpo,
mas na alma do acidentado.
6.5 CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO
Chegamos, então, ao ponto nevrálgico do presente trabalho: quais os critérios que
devem ser utilizados pelo Estado-Juiz na quantificação dos Danos Morais
decorrentes de acidente de trabalho?
Antes de tratar especificamente dos critérios que cremos serem os mais apropriados
para a quantificação da reparação do dano moral nos infortúnios laborais, mister se
faz mencionar o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 7.124/2002, de
proposição do parlamentar Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que intenta tabelar
os danos morais.
6.5.1 O Projeto de Lei nº 7.124/2002
O Projeto de Lei nº 7.124/2002, apresentado pelo Senador Antônio Carlos Valadares
(PSB-SE) perante a Câmara dos Deputados, é originário do Senado Federal78, e
possui em apenso dois outros Projetos de Lei correlatos79, originados também na
Câmara dos Deputados.
78 Antigo Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 150/1999, de proposição do Senador Pedro Simon (PMDB – RS). 79 Projetos de Lei da Câmara dos Deputados (PLC) nº 1.443/2003 e 1.914/2003.
85
Em linhas gerais, o PL nº 7.124/2002 estabelece os critérios essenciais à
quantificação dos Danos Morais de uma forma geral, através do seu tabelamento.
O primeiro ponto que deve ser destacado neste Projeto de Lei é a conceituação
ampla do Dano Moral no seu art. 1º:
Art. 1º Constitui dano moral a ação ou omissão que ofenda o patrimônio moral da pessoa física ou jurídica, e dos entes políticos, ainda que não atinja o seu conceito na coletividade.
Neste sentido, o conceito de Dano Moral é complementado pelo disposto no art. 1º
do PLC nº 1.443/2003, apensado ao Projeto de Lei acima mencionado:
Art. 1º O dano moral decorre de ação ou omissão, dolosa ou culposa, que provoca, gravemente, e de maneira injustificada, perturbação, intranqüilidade e ofensa a outrem, contrária aos princípios e valores consagrados na sociedade e no ordenamento jurídico.
Assim, percebe-se que o referido Projeto de Lei (complementado por seus apensos)
conceitua de forma mais profunda do que o Código Civil o instituto do Dano Moral,
afirmando se tratar este de perturbação, intranqüilidade ou ofensa injustificada,
decorrente de ação ou omissão, ao patrimônio moral da pessoa (física, jurídica ou
ente político), a partir dos princípios e valores consagrados na sociedade e no
ordenamento jurídico.
Esta ressalva que vincula o dano moral aos princípios e valores consagrados na
sociedade comprova que o Dano Moral só existe quando há um repúdio social à
lesão, não podendo existir quando a coletividade for tolerante com o dano.
No art. 2º do PLC nº 7.124/2002 o legislador elenca determinados direitos subjetivos
que, violados, geram direito à indenização por Danos Morais para a pessoa física:
Art. 2º São bens juridicamente tutelados por esta Lei inerentes à pessoa física: o nome, a honra, a fama, a imagem, a intimidade, a credibilidade, a respeitabilidade, a liberdade de ação, a auto-estima e o respeito próprio.
Destaque-se que os direitos subjetivos elencados no art. 2º deste Projeto de Lei
(caso o mesmo venha a ser promulgado) não excluirão os demais que possam ser
encontrados em outras normas, especialmente os que se encontrarem na
Constituição Federal de 1988.
Contudo, a mais importante disposição do Projeto de Lei nº 7.124/2002 é a que se
encontra esculpida no seu art. 7º:
Art. 7º Ao apreciar o pedido, o juiz considerará o teor do bem jurídico tutelado, os reflexos pessoais e sociais da ação ou omissão, a possibilidade de superação física ou psicológica, assim como a extensão e duração dos efeitos da ofensa.
86
§ 1º Se julgar procedente o pedido, o juiz fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes níveis: I – ofensa de natureza leve: até R$ 20.000,00 (vinte mil reais); II – ofensa de natureza média: de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a R$ 90.000,00 (noventa mil reais); III – ofensa de natureza grave: de R$ 90.000,00 (noventa mil reais) a R$ 180.000,00 (cento e oitenta mil reais). § 2º Na fixação do valor da indenização, o juiz levará em conta, ainda, a situação social, política e econômica das pessoas envolvidas, as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral, a intensidade do sofrimento ou humilhação, o grau de dolo ou culpa, a existência de retratação espontânea, o esforço efetivo para minimizar a ofensa ou lesão e o perdão, tácito ou expresso. § 3º A capacidade financeira do causador do dano, por si só, não autoriza a fixação da indenização em valor que propicie o enriquecimento sem causa, ou desproporcional, da vítima ou de terceiro interessado. § 4º Na reincidência, ou diante da indiferença do ofensor, o juiz poderá elevar ao triplo o valor da indenização.
Este artigo fixa um teto para a reparação do Dano Moral de acordo com a gravidade
dos seus efeitos, praticando um verdadeiro tabelamento das indenizações por
perturbação moral.
Percebamos que este instituto exclui a possibilidade de aferição da indenização pela
capacidade econômica do agente no momento em que afirma que capacidade
financeira do causador do dano, por si só, não autoriza a fixação da indenização em
valor que propicie o enriquecimento sem causa, ou desproporcional, da vítima ou de
terceiro interessado.
Ou seja: a indenização não poderá ser estipulada com base na capacidade
econômica do agente, mas tão somente na extensão do dano.
O outro PLC apenso ao Projeto de Lei nº 7.124/2002 modifica o art. 953 do Código
Civil pátrio, incluindo um § 2º no art. 953 deste diploma que dispõe que a capacidade
econômica do agente somente poderá ser levada em conta nos casos de calúnia,
injúria e difamação, e conjuntamente com a aferição do dano percebido pela vítima,
a repercussão e gravidade da ofensa, bem como da condição social e política do
ofendido de forma a evitar o enriquecimento indevido do demandante. Não é
admitido estipular qualquer outra indenização de acordo com a capacidade
econômica do agente.
87
O Deputado Federal que propôs este PLC, Marcus Vicente (PTB-ES), de forma clara
escreve na justificativa do Projeto de Lei (1.914/2003) que:
Num país de dimensões continentais como o nosso, limitar-se a lei civil a referir que o juiz deverá agir “eqüitativamente, na conformidade das circunstâncias do caso”, como parâmetros para a fixação da indenização por danos morais, é temerário. O julgador deve ter um balizamento da lei, ainda que mínimo.
Neste sentido também é a lição do Deputado Federal Pastor Reinaldo (PTB-RS),
feita na justificativa do seu PLC (1.443/2003), para o qual:
Com a proposição que levamos à consideração dos demais parlamentares, buscamos fornecer parâmetros para a fixação do dano moral, uma vez que proliferam os pedidos indenizatórios em nossos Tribunais claramente abusivos, onde fica patente a desproporção entre o dano e o montante que se quer obter a seu pretexto. São pedidos formulados sem a mínima razoabilidade e que nos fazem crer, infelizmente, na existência de uma indústria – no pior sentido da palavra -, indenizatória. Com isso, a máquina judiciária é mobilizada – juízes, advogados, promotores, testemunhas, diversificados meios de prova – com custos altíssimos para as partes e também para o Poder Público, quando é evidente a simulação com vistas a obter um valor acima do que seria razoável. Portanto, queremos, sobretudo, oferecer parâmetros objetivos que permitam estabelecer uma indenização justa.
O tabelamento do Dano Moral é uma medida tentadora, já que cria limites que
dificultam a ação dos “caçadores de indenização” bem como reduz a margem de
arbitrariedade do magistrado, que não poderá trabalhar acima ou abaixo dos valores
pré-estabelecidos. Contudo, tal medida é extremamente perigosa pois trata de forma
igual casos que, por suas peculiaridades e nuances, são bem diferentes.
Alguns doutrinadores consideram inconstitucional a tarifação, já que supostamente
violaria a Carta Política no seu art. 5º, incisos V (que impõe que a indenização por
danos morais seja proporcional ao agravo) e X (que assegura o direito à indenização
por danos morais sem qualquer limitação constitucional e sem delegação da matéria
à disposição infraconstitucional, por se tratar de norma de eficácia plena e imediata).
Neste sentido é a lição de Joselito Miranda:
Encontra-se em tramitação o Projeto de Lei do Senado no 150 de 1999, que prevê a indenização com parâmetros tarifados, de acordo com a gravidade da ofensa: de natureza leve; de natureza média e de natureza gravíssima. A proposta, como salientou Anderson Schreiber, não é apenas o oposto da tendência de proteção integral à pessoa, que recomenda que cada dano e cada vítima sejam tratados em sua particularidade; é também inconstitucional, visto que a Constituição de 1988 assegura a compensação dos danos morais, sem estabelecer limitações de qualquer espécie. No mesmo sentido, Bodin de Moraes salienta que em decorrência da tutela geral estabelecida em nível constitucional, a reparação do dano moral não poderá ser limitada, mediante a imposição de tetos, por legislação infraconstitucional, que, se anterior à Constituição, deverá ser considerada não recepcionada, e, se posterior, deverá ser tida como inconstitucional. Afora o óbice constitucional, o tarifamento pode ensejar a banalização do instituto. Conhecendo o valor prefixado da indenização, o ofensor pode avaliar, friamente, as conseqüências da ofensa, suas vantagens e desvantagens, e concluir que vale a pena praticar o ato ilícito. Por essas razões, o
88
critério de arbitramento pelo juiz continua sendo o que melhor se harmoniza com o princípio constitucional da plena reparabilidade do dano extrapatrimonial e com sua natureza jurídica.80
Filiamo-nos a esta doutrina, considerando o tabelamento uma medida não só
inconstitucional mas também extremamente injusta, já que iguala à força (da Lei)
casos desiguais, apenas por uma medida “prática”. Cremos, como o faz também o
Ministro Athos Carneiro (STJ), que por mais difícil que seja a quantificação da
reparação no caso concreto, esta deverá ser levada a cabo com bom senso e
justiça.
Dito isso, passemos a tratar dos critérios de quantificação da reparação por Danos
Morais decorrentes de acidente do trabalho.
Os danos morais gerados por um infortúnio laboral são variáveis, de acordo com as
nuances do caso concreto. Poderão ser maiores ou menores, a depender dos
critérios que serão apresentados em seguida.
Diante disso, o melhor método de quantificação dos danos morais d ecorrentes
de acidente laboral, na nossa concepção, é o de arb itramento pelo Juiz .
Sebastião Geraldo de Oliveira destaca este método como o mais viável e também o
mais justo:
O valor da indenização do dano moral tem sido fixado por arbitramento do juiz, de acordo com as circunstâncias do caso, já que não existe disposição legal estabelecendo parâmetros objetivos a respeito [...] A opção do arbitramento propicia ao juiz fixar com mais liberdade a justa reparação, sem as amarras normativas padronizadas, de modo que possa dosar, após análise equitativa, o valor da indenização com as tintas específicas do caso concreto.81
Também entendemos no sentido de ser o arbitramento uma forma justa de
quantificação da reparação por Danos Morais sofridos num acidente de trabalho.
Contudo, cremos que o julgador, mais do que se utilizar de equidade e bom-senso,
deve também lançar mão de estudos técnico-periciais das ciências auxiliares
do Direito (medicina, odontologia, fisioterapia, nutrição, farmácia, engenharia do
trabalho), de forma a, partindo de verdades científicas consolidadas no laudo
pericial, quantificar o dano sofrido.
80 MIRANDA, Joselito. Dano Moral – Critérios de Quantificação. Novo Direito Civil. Salvador: Jus Podivm, 2003. Disponível via WWW.URL: <http://www.juspodivm.com.br/novodireitocivil/ARTIGOS/co nvidados/att_00237.pdf>. Acesso em 02 de Novembro de 2007. 81 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. São Paulo: LTr, 2005, p. 122-123.
89
6.5.2 Contribuição das Ciências da Saúde e da Psico logia
Antes de tratar dos critérios específicos de quantificação, mister se faz ressaltar a
extrema importância do auxílio que as Ciências da Saúde e a Psicologia prestam na
análise concreta do caso de dano moral no acidente de trabalho, seja na
mensuração das lesões, seja na prescrição de tratamentos adequados à
recuperação parcial ou total do acidentado.
Isto porque os efeitos físicos e psicológicos dos acidentes de trabalho também são
estudados cientificamente pela medicina (psiquiatria, ortopedia, neurologia etc), pela
odontologia (distúrbios bucais e maxilofaciais), pela fisioterapia (distúrbios motores),
pela nutrição (distúrbios alimentares) e pela farmácia (elaboração de
medicamentos), e estas ciências são responsáveis pelo fornecimento dos subsídios
técnicos necessários para que o operador do Direito possa se assenhorar da
gravidade e da reversibilidade de cada infortúnio.
Em relação aos danos morais decorrentes de acidentes de trabalho podemos
destacar a atuação da psiquiatria, da psicologia e da neurologia, que estudam o
impacto antropo-socio-psicológico experimentado pelo obreiro com o infortúnio.
Desta forma, antes de encontrar os critérios específicos de quantificação da
reparação dos danos morais no acidente de trabalho, é imprescindível que o
julgador se valha dos mais profundos conhecimentos técnico-científicos trazidos aos
autos pelos peritos e assistentes periciais, e sempre que necessário deverá o Juiz,
nas demandas de acidentes de trabalho, exigir um profundo estudo clínico de caso,
inclusive através da perícia do ambiente laborativo feita não só pelo técnico de
segurança do trabalho, mas também pelo perito para o estabelecimento do nexo
causal.
Assim, diante do quanto exposto, concluímos que a par do ponderado arbítrio do
magistrado, os laudos periciais emitidos por profissionais da área de saúde e
psicologia são os instrumentos essenciais à quantificação do dano moral, já que
trazem ao conhecimento do julgador fatos e especificidades técnico-científicas do
acidente de trabalho e do impacto do infortúnio na vida do obreiro. É nele que o Juiz
deve se basear para quantificar o dano moral, a partir dos critérios seguintes, que
deverão ser analisados conjuntamente .
90
6.5.3 Gravidade
O primeiro, e talvez mais importante, critério a ser avaliado pelo julgador no laudo
pericial é a gravidade da lesão provocada pelo acidente de trabalho. Quanto maior
for a gravidade do infortúnio e dos seus efeitos, maior deverá ser a reparação
indenizatória pelos danos morais. Destaque-se que a gravidade será atestada pela
perícia no caso concreto.
Há que se lembrar que toda e qualquer lesão que for reversível, ainda que por meio
doloroso, exclui a possibilidade de indenização por danos morais, podendo a vítima
ser indenizada apenas por danos materiais, nos quais deve estar incluído o custeio
do tratamento médico reparatório.
De forma a facilitar a compreensão da gravidade do acidente como critério de
aferição e majoração de dano moral, elaboramos uma lista progressiva de
parâmetros para fixação da indenização, de acordo com os níveis de gravidade das
lesões acidentárias e com a natureza das lesões.
a) Lesão física com reflexos estéticos de natureza leve (pouco visível);
b) Lesão física com reflexos estéticos de natureza média (visível);
c) Lesão física com reflexos estéticos de natureza grave (deformante);
d) Mutilação leve (sem perda de função, p.ex. perda de uma falange do dedo);
e) Doença Ocupacional leve (incuráveis, mas que pode ter seus efeitos minimizados
com remédios);
f) Mutilação grave (com perda parcial de função, p.ex. perda do pé, de um dos olhos
ou de alguns dedos);
g) Doença Ocupacional grave (incuráveis e que provoque debilidade física ou
restrição de função);
h) Mutilação gravíssima (com perda total de função, p.ex. perda da perna, mão,
braço ou dos dois olhos);
i) Doença Ocupacional gravíssima (moléstia incurável e contagiosa ou que provoque
perda total de função);
j) Paralisia corporal parcial (paraplegia);
91
l) Paralisia corporal total (tetraplegia);
m) Óbito;
A lista acima não é senão exemplificativa, devendo a análise da gravidade ocorrer a
partir dos laudos periciais no caso concreto, e considerando ainda os demais
critérios82.
6.5.4 Reversibilidade
Outro critério de extrema importância para a quantificação do dano moral no
acidente de trabalho está relacionado à possibilidade de reversão dos efeitos do
acidente de trabalho. Isto porque, como já dito, toda e qualquer lesão que for
reversível, ainda que por meio doloroso, exclui a possibilidade de indenização por
danos morais.
Assim, o julgador deverá buscar através do perito informações técnicas sobre a
possibilidade ou não de reversão do quadro provocado pelo acidente de trabalho.
Quando for possível a reversão total dos efeitos do acidente de trabalho, seja por
método cirúrgico, seja por método medicamentoso, não haverá razão para a
reparação por danos morais, já que o status quo ante existente anteriormente ao
infortúnio poderá ser restabelecido.
Quando não for possível a reversão ou minoração dos efeitos do acidente de
trabalho por nenhum método, o trabalhador fará jus à reparação por danos morais
de forma majorada e com base nos demais critérios.
Quando a reversão dos efeitos do acidente for parcial, o trabalhador terá direito à
indenização por danos morais proporcionais aos efeitos que não puderam ser
reparados.
Perceba-se que o critério de reversibilidade funciona tanto como critério de
quantificação do dano moral (no caso de reversibilidade parcial e irreversibilidade)
82 Como se verá em seguida, a perda de dedos para um digitador terá um efeito pior do que para um jogador de futebol, do ponto de vista funcional. Da mesma forma, a perda de um pé para um jogador de futebol terá um efeito pior do que para um digitador.
92
quando como conditio sine qua non para percepção da indenização (nos casos de
reversibilidade total).
6.5.5 Nexo Funcional
Outro critério para a quantificação do dano moral no acidente de trabalho é o nexo
funcional, assim entendido como o impacto negativo que o infortúnio terá no
exercício do labor do empregado. Não se trata do impacto social que o acidente terá
no ambiente de trabalho, mas as dificuldades criadas ao pleno exercício das
atividades laborais pelo obreiro.
Assim, quanto maior for o impacto dos efeitos do acidente no exercício das
atividades laborais, dificultando-o ou impedindo-o, maior será o valor da
indenização por danos morais devida ao obreiro .
Isso se justifica pois a dificuldade ou necessidade de adaptação do trabalho à nova
configuração física do trabalhador, ou até mesmo um afastamento forçoso definitivo
do trabalho, é fator que causa baixa-estima e, em alguns casos, até depressão.
Tomemos por exemplo um digitador. Caso este trabalhador sofra um acidente de
trabalho com resultado uma cicatriz, a lesão, apesar de poder lhe causar danos
morais (em decorrência do sentimento de pena ou repúdio provocado nas pessoas),
não produz qualquer efeito na execução do trabalho. A indenização, portanto, não
poderá ser majorada por este critério.
Mas se esse mesmo digitador sofrer acidente do trabalho e perder dedos, uma mão
ou um braço, tal infortúnio afetará o exercício das suas atividades pelo afastamento
obrigatório ou por uma eventual adaptação da sua vida laboral, provocando um dano
moral maior diante da sensação de baixa-estima e impotência diante das limitações
físicas ao trabalho.
Resta, portanto, mais que evidente que o nexo funcional é critério determinante na
majoração da indenização por danos morais, devendo ser observada pelo julgador
no caso concreto. Destaque-se que a ausência de nexo funcional não implica
necessariamente na inexistência de dano moral, já que este pode ser quantificado a
partir dos demais critérios.
93
6.5.6 Repercussão Sócio-Familiar
O último, porém não menos importante, critério de quantificação do dano moral no
acidente de trabalho é a repercussão sócio-familiar do infortúnio. Tal critério está
diretamente vinculado à gravidade e à reversibilidade da lesão provocada pelo
acidente. Isto porque quanto mais grave a lesão, e quanto mais irreversíveis os
efeitos da lesão, maior será a repercussão sócio-familiar do infortúnio.
A repercussão sócio-familiar poderá ser mensurada a partir da gravidade e da
reversibilidade da lesão. Quanto maiores forem estes dois elementos, maior impacto
negativo terá o trabalhador nas suas relações sócio-familiares, justificando uma
majoração da indenização reparatória do dano moral.
Em relação à gravidade, podemos observar que quanto mais grave for o acidente,
maior será a repercussão sócio-familiar pois um acidente ocorrido com um familiar
ou amigo próximo é motivo de preocupação, especialmente quando se trata de um
acidente com relevante gravidade. Já em relação à sociedade, um acidente de
proporções graves (cicatriz deformante, mutilação, queimadura) gera um sentimento
de pena ou repúdio no seio social da vítima, e por conta disso uma sensação de
inferioridade do acidentado.
Em relação à reversibilidade, o impacto ocorre sobretudo em relação à família, já
que quanto mais irreversível for a lesão, maiores serão os esforços (e sofrimentos)
para auxiliar no tratamento do acidentado. Desta forma, o grau de repercussão
sócio-familiar do acidente é motivo de majoração da indenização por danos morais.
Conforme já visto, são 4 os critérios para quantificação do dano moral decorrente de
acidente do trabalho: gravidade, reversibilidade, nexo funcional e repercussão sócio-
familiar.
Tais critérios devem ser utilizados em conjunto, já que em regra uns dependem dos
demais. O não preenchimento de um determinado critério não significa
necessariamente o descabimento da reparação, mas pode significar uma minoração
no valor da mesma.
O julgador, ao iniciar o procedimento de quantificação, deverá se fazer as seguintes
perguntas:
94
Qual a gravidade do acidente? Quanto maior a gravidade, maior a indenização.
Qual o grau de irreversibilidade dos efeitos do acidente? Se totalmente irreversível,
haverá majoração na indenização de acordo com a gravidade. Se parcialmente
irreversível, haverá majoração na indenização proporcional ao grau de
irreversibilidade.
Qual o impacto que o acidente terá no exercício das atividades laborais pelo
acidentado? Se não tiver nenhum efeito, não há razão para majoração. Se dificultar
o trabalho, terá uma majoração proporcional à dificuldade. Se impossibilitar o
exercício funcional, será majorado de acordo com a gravidade.
Quais as repercussões que o acidente terá na esfera sócio-familiar do obreiro?
Quanto piores forem as repercussões (sentimentos de repúdio, pena, nojo etc),
maior será a indenização.
Tais critérios deverão ser observados no acervo probatório coligido aos autos e
através do auxílio de peritos judiciais, que deverão, inclusive por ordem judicial,
fornecer dados detalhados sobre os efeitos do acidente do trabalho nestas esferas.
Por fim, reafirmamos o entendimento de que o arbitramento é a melhor forma de
quantificação da reparação de danos morais decorrentes de acidente do trabalho,
devendo o magistrado, após verificados os critérios acima, fixar valores
indenizatórios de acordo com a razoabilidade, o bom-senso e a equidade.
95
7 CONCLUSÃO
Diante de tudo quanto exposto, chegamos às seguintes conclusões:
1) A indenização serve para restaurar o status quo ante existente antes da
ocorrência do fato prejudicial. Casos há, contudo, em que não se pode restaurar o
estado anterior das coisas, por ter sido a lesão irreversível. Nestes casos, cabe ao
julgador traduzir em dinheiro o quantum valeria o direito violado.
2) No caso dos acidentes do trabalho esta tarefa se torna difícil, pois se está a
quantificar não coisas, mas pessoas e sentimentos. Apesar da dificuldade desta
tarefa, o Estado-Juiz, mais que um poder, tem um dever para com os cidadãos
comuns e não pode deixar de proferir o entendimento oficial do Estado sobre o fato,
através da sentença.
3) Inexistem parâmetros claros de fixação indenizatória do dano moral no
ordenamento jurídico brasileiro, devendo o magistrado se valer muitas vezes do
bom-senso para o arbitramento do valor indenizatório.
4) Responsabilidade é o dever de reparação que nasce do prejuízo causado por
ação ou omissão violadoras do direito subjetivo de outrem.
5) No ordenamento jurídico pátrio coexistem as duas modalidades de
responsabilidade civil: subjetiva (a regra geral) e objetiva (a exceção), esta última
aplicável nos casos do exercício de atividades de risco por parte do autor do dano
6) A responsabilidade civil do empregador por acidentes do trabalho ocorridos com
seus empregados é unicamente subjetiva, por expressa disposição constitucional do
inciso XXVIII do art. 7° da Carta Maior. Tal inciso afirma categoricamente que o
empregador só está obrigado a indenizar o empregado em razão de acidente de
trabalho quando incorrer em dolo ou culpa , apenas. Não admite, portanto, a
interpretação da referida norma a partir de dispositivos infraconstitucionais, pois se
trata de norma constitucional de eficácia plena . Qualquer norma que se coloque
contra as suas disposições, ainda que em benefício do empregado, é
inconstitucional, já que entra em vigor contrariando dispositivo constitucional
explícito. A admissão de responsabilidade civil objetiva do empregador em virtude de
acidentes do trabalho ocorridos com seus empregados, por força da aplicação do
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parágrafo único do art. 927 do CC/02 à matéria seria a imputação de um ônus
excessivo ao empregador, inclusive com bis in idem no pagamento de duas
indenizações (prestação previdenciária compulsória acrescida da indenização
reparatória).
7) Dano moral é a violação ao patrimônio personalíssimo e imaterial do ser humano,
a alteração no status quo ante mental e psicológico do indivíduo perante si próprio e
perante a sociedade, gerando efeitos negativos nas relações que este indivíduo irá
travar com as pessoas e as coisas.
8) Acidente de trabalho é todo aquele evento súbito (acidente-tipo) ou contínuo
(doença ocupacional) ocorrido no ambiente de trabalho ou em razão do trabalho,
provocado por uma ação ou omissão humana e/ou evento natural, previsível ou não,
que inflija ao trabalhador um dano psíquico ou físico, lesão corporal ou perturbação
funcional, tendo como resultado a morte do empregado ou a redução de sua
capacidade para o trabalho de forma temporária ou permanente
9) O infortúnio que acomete o trabalhador, independentemente da dimensão dos
efeitos, provoca uma alteração social e econômica profunda. Socialmente, a
afetação se subsume tão somente em relação ao trabalhador no plano subjetivo e à
família e pessoas próximas ao obreiro. Economicamente, o afastamento daquele
empregado irá produzir um efeito negativo, e mais prejudicial, seja por que a
empresa estará desfalcada daquele posto de trabalho ou pela necessidade que esta
terá de substituir provisoriamente ou definitivamente o trabalhador naquele posto,
com vistas a não paralisar a produção.
10) As conseqüências jurídicas do acidente de trabalho são as mais diversas. O
acidente, enquanto fato jurídico, acarreta inúmeros efeitos nas mais diversas searas
da Ciência do Direito: Previdenciária, Trabalhista, Responsabilidade Civil e Penal,
que serão tratadas a seguir. Na seara previdenciária o acidente de trabalho gera
obrigação da Previdência Social de pagar o benefício correspondente. Na seara
trabalhista o acidente de trabalho gera uma série de direitos do trabalhador,
obrigações do empregador e mesmo imposições não previdenciárias à Previdência
Social. Na esfera cível o acidente de trabalho gera obrigação de reparação de dano
(Responsabilidade Civil), já que o Código Civil de 2002 estabelece, no seu art. 186,
que aquele que por ato ilícito causar dano a outrem ficará obrigado a repara-lo. Na
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esfera penal o acidente de trabalho pode vir a dar origem a uma ação penal se
restar comprovado que o acidente foi intencional.
11) No campo social, individual e coletivo, o acidente de trabalho poderá gerar
lesões ao patrimônio imaterial do acidentado (dano moral), acarretando assim uma
série de outros efeitos, especialmente na seara jurídica. A repercussão moral pode
ser divida em subjetiva, quando se refere aos efeitos negativos experimentados pelo
próprio acidentado, e objetiva, quando se refere aos efeitos negativos
experimentados pelos integrantes do núcleo social próximo do acidentado (família).
Quando há efeitos negativos do acidente, este pode juridicamente gerar direito à
reparação.
12) No tocante à indenização por danos morais, o art. 944 do Código Civil é um
grande “farol” para o julgador, já que impõe que a indenização seja medida pela
extensão do dano. Não há aplicabilidade no Brasil do instituto de punitive damages,
vigente nos EUA. No Brasil, diversamente do que ocorre nos Estados Unidos, a
quantificação da reparação dos danos morais não é uma construção jurisprudencial,
mas sim um mandamento legislativo. No caso da reparação dos Danos Morais, é
imperativa a observância do mandamento insculpido nos arts. 944, 945 e 949 do
Código Civil, tendo por base apenas os critérios de extensão do dano, culpa do
empregador e culpa do empregado .
13) O instituto dos punitive damages nos EUA se provou falho da forma que estava
sendo aplicado. Hodiernamente, os tribunais e parlamentos estadunidenses vêm
tentando modificar e normatizar tal instituto, o qual apresenta terríveis distorções que
conduzem a uma insegurança jurídica sem precedentes na história judical norte-
americana, dado o arbítrio com que os juízes e júris do norte vêm aplicando tal
instituto. A experiência prática demonstra que a instituição dos Punitive Damages
com caráter indenizatório no Brasil seria algo de proporções catastróficas,
promovendo, nas palavras da American Tort Reform Association, uma verdadeira
“loteria judicial” em busca de vultosas indenizações. O desestímulo ao lesante não
pode ser uma indenização, paga em benefício do lesado, mas sim uma multa em
benefício do Estado, por se tratar de punição.
14) A extensão do dano moral no acidente de trabalho ser feita de duas formas: a
primeira pela simples observação externa da vítima, e a segunda mediante a
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utilização de artifícios de outras áreas do conhecimento especializadas no trato do
comportamento e mente humana, como p.ex. a psicologia e a medicina psiquiátrica.
15) A prova técnica emitida por psiquiatras, psicólogos, fisioterapeutas, odontólogos
e médicos têm prevalência em relação às demais (apesar de não vincular o juízo), já
que são elaboradas por profissionais habilitados na avaliação da saúde do paciente
e dos efeitos dos fatos da vida não só no corpo, mas na alma do acidentado.
16) O tabelamento do Dano Moral é uma medida tentadora, já que cria limites que
dificultam a ação dos “caçadores de indenização” bem como reduz a margem de
arbitrariedade do magistrado, que não poderá trabalhar acima ou abaixo dos valores
pré-estabelecidos. Contudo, tal medida é extremamente perigosa pois trata de forma
igual casos que, por suas peculiaridades e nuances, são bem diferentes. Apesar
disso, o tabelamento é uma medida não só inconstitucional mas também
extremamente injusta, já que iguala à força (da Lei) casos desiguais, apenas por
uma medida “prática”.
17) O melhor método de quantificação dos danos morais decorrentes de acidente
laboral, na nossa concepção, é o de arbitramento pelo Juiz. O julgador, mais do que
se utilizar de equidade e bom-senso, deve também lançar mão de estudos
técnico-periciais das ciências auxiliares do Direit o (medicina, odontologia,
fisioterapia, nutrição, farmácia, engenharia do trabalho), de forma a, partindo de
verdades científicas consolidadas no laudo pericial, quantificar o dano sofrido.
18) São 4 os critérios para quantificação do dano moral decorrente de acidente do
trabalho: gravidade, reversibilidade, nexo funcional e repercussão sócio-familiar.
Tais critérios devem ser utilizados em conjunto, já que em regra uns dependem dos
demais. O não preenchimento de um determinado critério não significa
necessariamente o descabimento da reparação, mas pode significar uma minoração
no valor da mesma.
19) Quanto maior for a gravidade do infortúnio e dos seus efeitos, maior deverá ser a
reparação indenizatória pelos danos morais.
20) Quando for possível a reversão total dos efeitos do acidente de trabalho, seja
por método cirúrgico, seja por método medicamentoso, não haverá razão para a
reparação por danos morais, já que o status quo ante existente anteriormente ao
infortúnio poderá ser restabelecido. Quando não for possível a reversão ou
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minoração dos efeitos do acidente de trabalho por nenhum método, o trabalhador
fará jus à reparação por danos morais de forma majorada e com base nos demais
critérios. Quando a reversão dos efeitos do acidente for parcial, o trabalhador terá
direito à indenização por danos morais proporcionais aos efeitos que não puderam
ser reparados.
21) Quanto maior for o impacto dos efeitos do acidente no exercício das atividades
laborais, dificultando-o ou impedindo-o, maior será o valor da indenização por danos
morais devida ao obreiro. A ausência de nexo funcional não implica
necessariamente na inexistência de dano moral, já que este pode ser quantificado a
partir dos demais critérios. Isto porque quanto mais grave a lesão, e quanto mais
irreversíveis os efeitos da lesão, maior será a repercussão sócio-familiar do
infortúnio, majorando desta forma a indenização reparatória do dano moral.
22) A repercussão sócio-familiar poderá ser mensurada a partir da gravidade e da
reversibilidade da lesão. Quanto maiores forem estes dois elementos, maior impacto
negativo terá o trabalhador nas suas relações sócio-familiares, justificando uma
majoração da indenização reparatória do dano moral.
100
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ANEXO I - TABELAS
TABELA I – NÚMERO DE ACIDENTES DO TRABALHO NO BRASI L ENTRE 2001 E 2005, E PERCENTUAIS DE AUMENTO ANUAL. 1
Ano Número de Acidentes do
Trabalho Aumento percentual em relação ao ano anterior
2001 340.251 - 2002 393.071 15,52% 2003 399.077 1,52% 2004 465.700 16,6% 2005 491.711 5,5% TOTAL 2.089.810 514,19% de aumento de
acidentes desde 2001 TABELA II – NÚMERO DE ACIDENTES DE TRABALHO REGISTR ADOS, POR MOTIVO, ENTRE 2000 E 2005.
QUANTIDADE DE ACIDENTES DO TRABALHO REGISTRADOS
Motivo Total
Típico Trajeto Doença do Trabalho
2000 2001 2002 2000 2001 2002 2000 2001 2002 2000 2001 2002
TOTAL 363.868 340.251 387.905 304.963 282.965 320.398 39.300 38.799 46.621 19.605 18.487 20.886
Motivo Total
Típico Trajeto Doença do Trabalho
2003 2004 2005 2003 2004 2005 2003 2004 2005 2003 2004 2005
TOTAL 399.077 465.700 491.711 325.577 375.171 393.921 49.642 60.335 67.456 23.858 30.194 30.334
1Fonte: Instituto Nacional da Seguridade Social [online]. Disponível em <http://www.dataprev.gov.br> e em <http://www.previdenciasocial.gov.br/pg_secundarias/previdencia_social_13.asp>. Acesso em 16 de Outubro de 2007.
ANEXO II – LEGISLAÇÃO
RESOLUÇÃO CFM nº 1.488/98 O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e, CONSIDERANDO que o trabalho é um meio de prover a subsistência e a dignidade humana, não devendo gerar mal-estar, doenças e mortes; CONSIDERANDO que a saúde, a recuperação e a preservação da capacidade de trabalho são direitos garantidos pela Constituição Federal; CONSIDERANDO que o médico é um dos principais responsáveis pela preservação e promoção da saúde; CONSIDERANDO a necessidade de normatizar os critérios para estabelecer o nexo causal entre o exercício da atividade laboral e os agravos da saúde; CONSIDERANDO a necessidade de normatizar a atividade dos médicos que prestam assistência médica ao trabalhador; CONSIDERANDO o estabelecido no artigo 1º, inciso IV, artigo 6º e artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal; nos artigos 154 e 168 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como as normas do Código de Ética Médica e a Resolução CREMESP nº 76/96; CONSIDERANDO as recomendações emanadas da 12ª Reunião do Comitê Misto OIT/OMS, realizada em 5 de abril de 1995, onde foram discutidos aspectos relacionados com a saúde do trabalhador, medicina e segurança do trabalho; CONSIDERANDO a nova definição da medicina do trabalho, adotada pelo Comitê Misto OIT/OMS, qual seja: proporcionar a promoção e manutenção do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores ; CONSIDERANDO as deliberações da 49ª Assembléia Geral da OMS, realizada em 25.8.96, onde foram discutidas as estratégias mundiais para a prevenção, controle e diminuição dos riscos e das doenças profissionais, melhorando e fortalecendo os serviços de saúde e segurança ligados aos trabalhadores; CONSIDERANDO que todo médico, independentemente da especialidade ou do vínculo empregatício - estatal ou privado -, responde pela promoção, prevenção e recuperação da saúde coletiva e individual dos trabalhadores; CONSIDERANDO que todo médico, ao atender seu paciente, deve avaliar a possibilidade de que a causa de determinada doença, alteração clínica ou laboratorial possa estar relacionada com suas atividades profissionais, investigando-a da forma adequada e, caso necessário, verificando o ambiente de trabalho;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária realizada em 11 de fevereiro de 1998, RESOLVE: Art. 1º - Aos médicos que prestam assistência médica ao trabalhador, independentemente de sua especialidade ou local em que atuem, cabe: I - assistir ao trabalhador, elaborar seu prontuário médico e fazer todos os encaminhamentos devidos; II - fornecer atestados e pareceres para o afastamento do trabalho sempre que necessário, CONSIDERANDO que o repouso, o acesso a terapias ou o afastamento de determinados agentes agressivos faz parte do tratamento; III - fornecer laudos, pareceres e relatórios de exame médico e dar encaminhamento, sempre que necessário, para benefício do paciente e dentro dos preceitos éticos, quanto aos dados de diagnóstico, prognóstico e tempo previsto de tratamento. Quando requerido pelo paciente, deve o médico por à sua disposição tudo o que se refira ao seu atendimento, em especial cópia dos exames e prontuário médico. Art. 2º - Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar: I - a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; II - o estudo do local de trabalho; III - o estudo da organização do trabalho; IV - os dados epidemiológicos; V - a literatura atualizada; VI - a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas; VII - a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; VIII - o depoimento e a experiência dos trabalhadores; IX - os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde. Art. 3° - Aos médicos que trabalham em empresas, independentemente de sua especialidade, é atribuição:
I - atuar visando essencialmente à promoção da saúde e à prevenção da doença, conhecendo, para tanto, os processos produtivos e o ambiente de trabalho da empresa; II - avaliar as condições de saúde do trabalhador para determinadas funções e/ou ambientes, indicando sua alocação para trabalhos compatíveis com suas condições de saúde, orientando-o, se necessário, no processo de adaptação; III - dar conhecimento aos empregadores, trabalhadores, comissões de saúde, CIPAS e representantes sindicais, através de cópias de encaminhamentos, solicitações e outros documentos, dos riscos existentes no ambiente de trabalho, bem como dos outros informes técnicos de que dispuser, desde que resguardado o sigilo profissional; IV - Promover a emissão de Comunicação de Acidente do Trabalho, ou outro documento que comprove o evento infortunístico, sempre que houver acidente ou moléstia causada pelo trabalho. Essa emissão deve ser feita até mesmo na suspeita de nexo causal da doença com o trabalho. Deve ser fornecida cópia dessa documentação ao trabalhador; V - Notificar, formalmente, o órgão público competente quando houver suspeita ou comprovação de transtornos da saúde atribuíveis ao trabalho, bem como recomendar ao empregador a adoção dos procedimentos cabíveis, independentemente da necessidade de afastar o empregado do trabalho. Art. 4° - São deveres dos médicos de empresa que prestam assistência médica ao trabalhador, independentemente de sua especialidade: I - atuar junto à empresa para eliminar ou atenuar a nocividade dos processos de produção e organização do trabalho, sempre que haja risco de agressão à saúde; II - promover o acesso ao trabalho de portadores de afecções e deficiências para o trabalho, desde que este não as agrave ou ponha em risco sua vida; III - opor-se a qualquer ato discriminatório impeditivo do acesso ou permanência da gestante no trabalho, preservando-a, e ao feto, de possíveis agravos ou riscos decorrentes de suas funções, tarefas e condições ambientais. Art. 5º - Os médicos do trabalho (como tais reconhecidos por lei), especialmente aqueles que atuem em empresa como contratados, assessores ou consultores em saúde do trabalhador, serão responsabilizados por atos que concorram para agravos à saúde dessa clientela conjuntamente com os outros médicos que atuem na empresa e que estejam sob sua supervisão nos procedimentos que envolvam a saúde do trabalhador, especialmente com relação à ação coletiva de promoção e proteção à sua saúde.
Art. 6° - São atribuições e deveres do perito-médico de instituições previdenciárias e seguradoras: I - avaliar a capacidade de trabalho do segurado, através do exame clínico, analisando documentos, provas e laudos referentes ao caso; II - subsidiar tecnicamente a decisão para a concessão de benefícios; III - comunicar, por escrito, o resultado do exame médico-pericial ao periciando, com a devida identificação do perito-médico (CRM, nome e matrícula); IV - orientar o periciando para tratamento quando eventualmente não o estiver fazendo e encaminhá-lo para reabilitação, quando necessária; Art. 7º - Perito-médico judicial é aquele designado pela autoridade judicial, assistindo-a naquilo que a lei determina. Art. 8º - Assistente técnico é o médico que assiste às partes em litígio. Art. 9º - Em ações judiciais, o prontuário médico, exames complementares ou outros documentos poderão ser liberados por autorização expressa do próprio assistido. Art. 10 - São atribuições e deveres do perito-médico judicial e assistentes técnicos: I - examinar clinicamente o trabalhador e solicitar os exames complementares necessários. II - o perito-médico judicial e assistentes técnicos, ao vistoriarem o local de trabalho, devem fazer-se acompanhar, se possível, pelo próprio trabalhador que está sendo objeto da perícia, para melhor conhecimento do seu ambiente de trabalho e função. III - estabelecer o nexo causal, CONSIDERANDO o exposto no artigo 4° e incisos. Art. 11 - Deve o perito-médico judicial fornecer cópia de todos os documentos disponíveis para que os assistentes técnicos elaborem seus pareceres. Caso o perito-médico judicial necessite vistoriar a empresa (locais de trabalho e documentos sob sua guarda), ele deverá informar oficialmente o fato, com a devida antecedência, aos assistentes técnicos das partes (ano, mês, dia e hora da perícia). Art. 12 - O médico de empresa, o médico responsável por qualquer Programa de Controle de Saúde Ocupacional de Empresas e o médico participante do Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho não podem ser peritos judiciais, securitários ou previdenciários, nos casos que envolvam a firma contratante e/ou seus assistidos (atuais ou passados).
Art. 13 - A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário. Brasília-DF, 11 de fevereiro de 1998. WALDIR PAIVA MESQUITA ANTÔNIO HENRIQUE PEDROSA NETO Presidente Secretário-Geral Publicada no D.O.U. de 06.03.98 Página 150
ANEXO III – DECISÕES JUDICIAIS
ACÓRDÃO Nº 14872/07 3ª. TURMA
RECURSO ORDINÁRIO Nº00087-2006-291-05-00-0-RO RECORRENTE: EMPRESA BAIANA DE ALIMENTOS S.A. - EBAL RECORRIDOS: ESPÓLIO DE IZAEL GUEDES DA SILVA RELATORA: DESEMBARGADORA YARA RIBEIRO DIAS TRINDADE
INDENIZAÇÃO POR DANOS – ocorrendo acidente de trabalho por culpa da reclamada, ficam autorizadas as indenizações pretendidas. DANOS MORAIS – não há se confundir a titularidade do direito de ação, com a habilitação de herdeiros ocorrida em face do óbito do autor, após ajuizada a reclamação.
EMPRESA BAIANA DE ALIMENTOS S.A. – EBAL recorre inconformada com a decisão que julgou procedente a reclamação ajuizada por IZAEL GUEDES DA SILVA, representada por seu espólio. Pressupostos de admissibilidade atendidos. Contra-razões nos autos. Processo não submetido a apreciação do Ministério Público considerando a determinação do Provimento 01/05 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho. Teve vista a Exma. Desembargadora Revisora. É o relatório. VOTO PRELIMINAR DE “INCOMPETÊNCIA DO JUIZO E VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO JUIZ NATURAL” – inicialmente cabe salientar estar em exame reclamação ajuizada perante a Vara Cível da Comarca de Central, em 04.06.2001, remetida para a Vara do Trabalho de Irecê, em 31.01.2006, ainda no curso da instrução. Nesse ínterim faleceu o autor, habilitaram-se os seus herdeiros, com a devida apreciação depois de ouvida a parte contrária – fls. 109/110 e 129. Alega a recorrente que, ajuizada ação antes de promulgada a Emenda Constitucional 45/2004, perante o juízo da Vara Cível da Comarca de Central, observado o domicilio do autor – norma de processo civil – deveria ter sido encaminhada ao juízo da Vara do Trabalho de Senhor do Bomfim, local da prestação dos serviços – norma do art. 651, da Consolidação das Leis do Trabalho. Não alega a recorrente da incompetência em razão da matéria – acidente do trabalho – mas pela observância do principio do juiz natural, maculando o julgado de nulidade, afirmando não ter relevância se tratar de mera competência relativa. Alegação destituída de qualquer amparo legal, eis que, o juízo do trabalho é o competente para conhecer da matéria, a teor do disposto no art. 114, da Constituição da República, com a redação conferida pela Emenda Constitucional 45/2004. A respeito, Eduardo Chemale Selistre Pena, na obra “O Princípio do Juiz Natural”, assevera: “Juiz Natural, assim, é aquele que está previamente encarregado como competente para o julgamento de determinadas causas abstratamente
previstas. Na atual Constituição o princípio é extraído da interpretação do inciso XXXVII, do art. 5º, que preceitua que “não haverá juízo ou tribunal de exceção” e também da exegese do inciso LIII, que reza: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”. A competência é na hipótese absoluta, passível de ser afastada de ofício quando não configurada, estando hoje pacificada a matéria com o julgamento pelo C. STF, reconhecendo estar sob o exame da Justiça do Trabalho o conhecimento e exame de ações envolvendo acidente do trabalho quando pleiteada reparação diretamente do empregador. Rejeito a exceção de incompetência argüida. MÉRITO – investe contra as indenizações deferidas, alegando inicialmente ilegitimidade e impossibilidade jurídica do pedido. INTRANSMISSIBILIDADE DO DANO MORAL AOS SUCESSORES – ILEGITIMIDADE E IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO – afirma que os danos moral e material não se transferem aos herdeiros, em alegação intempestiva, não apresentada para exame do juízo de origem quando instado a se manifestar sobre a habilitação requerida, primeira oportunidade depois de remetido os autos e de comprovado o falecimento do empregado reclamante, para falar nos autos. Alias, na oportunidade expressamente declarou a ora recorrente “nada ter a requere”, sequer apresentando qualquer óbice à acolhida da habilitação. Ainda assim e para evitar alegação de ausência de prestação jurisdicional, saliente-se não ter sido o pedido de indenização por danos morais formulado pelos sucessores, e sim pelo próprio prejudicando que veio a falecer no curso do processo. Não há que se falar em ilegitimidade de parte ou impossibilidade jurídica do pedido, eis que aos sucessores é assegurado o direito de habilitação nos autos da reclamação trabalhista intentada pelo empregado que se julgou prejudicado pelo empregador. DOS DANOS - busca o reclamado a reformar a decisão que deferiu indenização por danos materiais - abrangendo os físicos e estéticos - e morais. O pedido de indenização teve por base ocorrência de acidente do trabalho, descrito na CAT, emitida pela recorrente - fls. 15 – e que teria, em momento seguinte, levado o empregado a óbito. Consta nos autos, inclusive informado pelas testemunhas inquiridas, ter sido o reclamante atingindo por pesado portão de ferro quando em trabalho, tornando-o paraplégico. Por sua vez a certidão de óbito de fls. 114 faz menção a trauma em coluna toracolombar e pseudo-aneurisma da aorta roto, vinculando o falecimento ao acidente ocorrido. Nas suas razões de recorrente a reclamada não discute a ocorrência do acidente do trabalho ou as conseqüências advindas a título de dano. Sequer a culpa, comprovada nos autos, foi questionada, admitindo verdadeiros os depoimentos de fls. 73/75. Assim os elementos indispensáveis ao reconhecimento de indenização por danos – nexo causal entre o prejuízo e a atividade desenvolvida em prol do empregador, e, sua culpa ou dolo – estão patentes nos autos, imediato autorizando a manutenção do julgamento de origem.
Alega a recorrente que o dano material não restou provado, eis que caberia ao reclamante demonstrar as despesas realizadas conseqüentes do acidente sofrido. A alegação da recorrente não se sustenta depois de examinada a prova documental vinda aos autos. Veja-se declaração firmada pelo fisioterapeuta que assistia o falecido empregado, dando conta dos seus honorários mensais – R$300,00. No mesmo sentido, comprovantes despesas com a compra de produtos necessários ante a condição de paraplégico - fraldas geriátricas, coletor de urina, gaze, etc., no valor de R$120,96, totalizando R$420,96, a serem ressarcidos ou indenizados pelo acionado. Note-se que os referidos valores foram indicados com data de dezembro de 2004, a serem atualizados. Portanto tem razão a principio a recorrente quando investe contra o valor de R$31.500,00, apresentado a título de despesas decorrentes do acidente, sem que tenha a inicial especificado como encontrou o montante. A apuração dos danos materiais deverá observar os gastos demonstrados e objeto do item anterior, devidamente atualizado a partir da data de realização as despesas, tendo como limite o valor pedido na inicial, de R$31.500,00. Alega ainda que a indenização por danos materiais pedida engloba danos físicos e estéticos. Pretende seja reduzida a da indenização por danos materiais para um terço do valor pedido em face da suposta inexistência de prova dos referidos danos. A alegação está alcançada pelo quanto exposto no item anterior; a ocorrência de prejuízos do reclamante não exige maiores investigações; basta ser considerado o fato de ter passado de trabalhador na ativa - sem noticia de doença anterior que o incapacitasse - a paraplégico necessitando de cuidados e tratamentos específicos. “SOBRE O QUANTUM INDENIZÁVEL” – não discute o reclamado a obrigação de indenizar. Reporta-se a ausência de prova dos danos materiais, entendendo exorbitante os valores fixados a título de indenização. Afirma não ter sido o dano moral sequer investigado e que sem prova não há como presumir a sua ocorrência. Aponta jurisprudência do E.STJ fixando indenização em caso de morte equivalente a trezentos e cinqüenta salários mínimos. Absurda a pretensão da recorrente em relação ao interrogatório da parte autora “para que pudesse, eventualmente, confirmar ou mesmo falar sobre os supostos constrangimentos e dissabores de ordem moral e psíquica capazes de ensejar o direito à reparação”. Os fatos retratados nos autos não deixam margem constrangimentos, dissabores, dores, sofrimento enfim, decorrentes do infortúnio ocorrido. Empregado que a época do acidente – 15.12.2000 – contava quarenta e um anos – nascido em 24.08.1959, fls. 115 – sem noticia de doença anterior, atingido por portão de ferro grande e pesado quando em trabalho, provocando fratura de coluna e fêmur, permanecendo internado por sessenta dias, submetido a cirurgia e com previsão inicial de inatividade por dois anos – fls. 14 e 19. Os constrangimentos, dissabores, dores, sofrimento, não precisariam ser mencionados em interrogatório. São visíveis, claros nos autos, não só com os
relatórios médicos, também através de fotografias que traduzem a situação vexatória do reclamante. A Constituição da República, no art. 5º, inciso X, assegura o direito à inviolabilidade pessoal, e de imediato prevê a possibilidade de indenização por dano moral, nas hipóteses de violação de valores e bens relacionados à individualidade do cidadão: “... X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito á indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” Daí justificar o pagamento da indenização pecuniária quando do ato perpetrado pelo empregador sejam atingidos valores subjetivos inerentes á pessoa humana - a reputação, a honra, a liberdade, o decoro, a imagem e a dignidade, inclusive quando repercutam no âmbito das relações sociais do empregado. No caso em tela, o dano moral está comprovado. Ao ficar paraplégico teve afetada a imagem, a dignidade, a vida privada, além das dores resultantes do referido trauma, que embora não sejam indicados especificamente na inicial, podem ser imaginados - fls. 20/31. A decisão de fls. 142/148 proferida em consonância com a prova dos autos. O valor fixado pelo juízo, que à recorrente se apresenta excessivo, sequer atinge a um milésimo do sofrimento retratado nos autos. Inicialmente do chefe de família que se vê impossibilitado de prover o sustento de filhos de tão pouca idade. Em seguida, dos herdeiros habilitados, que em conseqüência do trauma, perderam marido e pai aos quarenta e cinco anos – fls. 114. O valor pedido – hoje equivalendo a R$288.000,00 - não constitui demasiado encargo para a recorrente, atua como reparação digna de todo o sofrimento ao qual foram submetidos o falecido empregado e seus herdeiros, representando medida educacional, de não permitir que fatos desse quilate se repitam no ambiente de trabalho. O valor da indenização por dano material já foi objeto de exame. Quanto à inexistência de culpa grave, usada como pretexto para redução dos valores da indenização, não há que se cogitar nos autos. O inciso XXVIII do art.7º da Constituição Federal não distingue o grau de culpa a motivar a indenização por ato ilícito do empregador. E repetindo o já afirmado anteriormente, onde não distingue o legislador, não cabe ao interprete da lei fazê-lo. NULIDADE DO PROVIMENTO ANTECIPATÓRIO CONCEDIDO E IMPOSSIBILIDADE DE SUA MANUTENÇÃO – no particular, descabe argüição de nulidade, eis que, ao ser notificada da antecipação de tutela parcialmente concedida, o reclamado silenciou, nada objetando. Assim, precluiu o direito de manifestar-se contra o referido provimento. Assiste-lhe razão, contudo, quanto à manutenção da antecipação de tutela, eis que requerida pelos sucessores do “de cujus” e fundadas em razões diversas. Desapareceu a necessidade que ditou a concessão antecipada de tutela, fundada nas necessidades diárias do falecido. A manutenção dos sucessores não é matéria a ser discutida nestes autos. Aqui apenas podem ser discutidos os direitos do falecido empregado e conforme pedido na inicial.
Dou provimento, em parte, ao recurso da reclamada, determinando que seja apurado em execução o valor devido a título de indenização por danos materiais, observados os gastos comprovados nos autos com atualização a partir das datas de realização, limitado ao valor indicado na inicial; e, sustar os efeitos imediatos da concessão da tutela antecipada. Acordam os Desembargadores da 3ª. TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, à unanimidade, REJEITAR a ex ceção de incompetência argüida e no mérito, também à unanimi dade, DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da reclamada, determi nando que seja apurado em execução o valor devido a título de inde nização por danos materiais, observados os gastos comprovados nos aut os com atualização a partir das datas de realização, limitado ao valor indicado na inicial; e, sustar os efeitos imediatos da concessão da tutela antecipada. Salvador, 05 de junho de 2007.
YARA RIBEIRO DIAS TRINDADE Desembargadora Relatora
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