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Meritocracia
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FUNDAO PEDRO LEOPOLDO MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAO
MERITOCRACIA REVELANDO AS MELHORES PESSOAS OU O MELHOR DAS PESSOAS?:
Um Estudo de Caso em uma Empresa Brasileira
Neuza Maria Dias Chaves
Pedro Leopoldo
2012
NEUZA MARIA DIAS CHAVES
MERITOCRACIA REVELANDO AS MELHORES PESSOAS OU O MELHOR DAS PESSOAS?:
Um Estudo de Caso em uma Empresa Brasileira
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado de Administrao Profissional como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Administrao. rea de concentrao: Gesto da Inovao e competitividade. Linha de Pesquisa: Inovao e Organizaes. Orientadora: Profa. Dra. Vera L. Canado.
Pedro Leopoldo Fundao Pedro Leopoldo
2012
658.4038 CHAVES, Neuza Maria Dias
C512m Meritocracia : revelando as melhores pessoas
ou o melhor das pessoas ?: um estudo de caso
em uma Empresa Brasileira.
- Pedro Leopoldo: FPL , 2012.
119 p.
Dissertao: Mestrado Profissional em Administrao
Orientador(a): Prof. Dr Vera L. Canado
l. Meritocracia. 2 .Avaliao de Desempenho.. 3.
Mrito. 4. Traos Culturais . 5. Cultura Brasileira.
Ficha Catalogrfica elaborada por Maria Luiza Diniz Ferreira CRB 6-1590
AGRADECIMENTOS
Profa. Dra. Vera L. Canado, pela inspirao, orientao, comprometimento e
firmeza para me desafiar at a linha tnue onde se cruzam as placas de
sinalizao: seguir adiante ou desistir.
Ao presidente e diretores da Empresa Alvo, por disponibilizarem as condies
para a realizao desta pesquisa. Um agradecimento especial a todos os
gerentes, coordenadores e supervisores, que mesmo annimos foram essenciais
para esta pesquisa.
Cristiane Lopes, pela luz estatstica; Darly, Izabela Lanna, Cnthia Dante, Rita
Gontijo e Prates; Jamile Dias, pelo apoio que fez toda a diferena na reta final;
aos colegas do INDG, que me ouviram falar dos encantos e tropeos da ousadia
de um mestrado em condies restritas de tempo.
Aos professores da Fundao Pedro Leopoldo, por compatibilizarem to bem a
competncia e a exigncia com a afetividade.
Agradeo especialmente Prof. Dra. Amyra Sarsur, por ter iluminado pontos
crticos na qualificao, tornando melhor a construo deste estudo.
equipe de funcionrios da FPL, especialmente atenciosa Jussara.
Aos colegas que compartilharam comigo dos seminrios, das mesas de almoo,
caronas e tudo aquilo que suavizou estes trs anos e fez os sbados valerem a
pena.
famlia e aos amigos, com um pedido de desculpa por me ausentar mais do que
gostaramos.
RESUMO
A discusso terica desenvolvida por esta dissertao tem a meritocracia como tema central, a avaliao de desempenho como instrumento para sua execuo e traos da cultura brasileira como o elemento influenciador do processo. Meritocracia entendida como um conjunto de valores que define os lugares do indivduo e a sua recompensa por meio do seu desempenho, rejeitando toda e qualquer forma de privilgio hereditrio ou corporativo. A meritocracia nas organizaes pode ser exercida por meio da avaliao de desempenho e da atribuio do mrito. Pesquisas e estudos confirmam que existem alguns traos da cultura brasileira que influenciam o processo de avaliar o desempenho e, por consequncia, de atribuir o mrito. Assim, esta dissertao tem como objetivo identificar como os traos da cultura brasileira influenciam a forma de avaliar e de atribuir o mrito na Empresa Alvo, segundo a percepo dos avaliados. Foi realizado estudo de caso de carter descritivo e quantitativo na Empresa Alvo, que atua no Brasil no setor de telecomunicaes e que aplica um sistema de meritocracia desde 2001. Os dados foram coletados por meio de documentos da empresa, entrevistas com dois executivos e questionrios aplicados aos gerentes, coordenadores e supervisores da empresa Alvo. Obtiveram-se 232 respostas vlidas consideradas representativas da populao, com margem de erro de 5% e nvel de confiana de 95%. Para a anlise dos dados, foram utilizadas tcnicas univariadas, bivariadas e multivariadas. Os resultados indicaram que a avaliao de desempenho e atribuio do mrito na Empresa Alvo so realizadas por meio do Programa de Participao nos Resultados, descrito no Manual do Sistema de Gesto Polticas Internas. Tem objetivos, critrios, valores e metas claramente descritos, atrelando-se ao atingimento das metas estabelecidas para os gerentes e desdobradas at os nveis da operao, cujos resultados refletem-se nos bnus e prmios. Na percepo dos avaliados, o mrito consequncia do desempenho, sendo considerada significativa e positiva a relao entre os dois constructos. Observou-se que os traos da cultura brasileira tomados como referncia ambiguidade, personalismo e distncia do poder exercem pouca influncia na forma de avaliar o desempenho e de atribuir o mrito na Empresa Alvo. Por sua vez, os trs construtos possuem peso alto na composio da avaliao de desempenho e no mrito, ressaltando a sua adequao para mensur-los. Entretanto, a empresa deve estar atenta impossibilidade da reduo total da subjetividade no processo, atentando-se para aspectos comportamentais, como a comunicao sobre os critrios e a relao entre avaliado e avaliador, no tocante troca de feedback. Concluiu-se que o fato de os respondentes perceberem forte relao entre o que fazem e como so reconhecidos sinaliza a legitimidade da meritocracia. Esta dissertao avana em termos acadmicos ao comprovar e identificar os traos culturais que influenciam a avaliao de desempenho e a atribuio do mrito. Ao propor um questionrio validado, propicia um instrumento de utilidade tanto para a academia quanto para as empresas, que podem utiliz-lo no diagnstico de seu processo de meritocracia. Palavras-chave: Meritocracia. Avaliao de desempenho. Mrito. Traos culturais. Cultura brasileira.
ABSTRACT
The theoretical discussion developed in this dissertation has the meritocracy as a central theme, the performance evaluation as an instrument for its execution and the Brazilian culture as an element which influences the process. Meritocracy is understood as a set of values which defines the location of the individual and his work through his performance, rejecting all forms of hereditary or corporate privileges. Meritocracy in organizations can be exercised by means of performance evaluation and merit awards. Research and studies confirm that there are some traces of Brazilian culture that influence the process of evaluating the performance and, consequently, assigning credit. This dissertation aims to identify how the traces of Brazilian culture influence the way of evaluating merits and assigning the Target Company, according to the perception of the individuals. We conducted a descriptive and quantitative case study in the Target Company, which operates in Brazil in the telecommunications sector and implements a system of meritocracy since 2001. The data were collected through company documents, interviews with two executives and interviews with the managers, coordinators and supervisors of the Target Company. There were 232 valid responses, considered representative of the population with a margin of error of 5% and confidence level of 95%. For the data analysis techniques, there were used univariate, bivariate and multivariate analyzes. The results indicate that the performance evaluation and award of merit in the target company are held by the Profit Sharing Program, described in the User Management System Internal Policies. It has purpose, criteria, values and goals clearly stated, linking to the achievement of targets for managers and deployed to the levels of operation, the results reflected in bonuses and awards. Evaluating the perception of the merit is due to the performance, and a possible relationship between the two constructs is considered significant and positive. It was observed that traces of Brazilian culture taken as a reference - ambiguity, personalism and power distance has a little influence in how we evaluate performance and allocate merit in the target company. In turn, the three constructs have high weight in the composition of performance evaluation and merit, pointing out its suitability for measuring them. However, the company must be aware of the impossibility of the total reduction of subjectivity in the process, paying attention to behavioral aspects such as information on the criteria and the relationship between evaluator and evaluated with regard to exchange feedback. In conclusion, the fact that respondents perceive a strong relationship between what they do and how they are recognizes the legitimacy of meritocracy. This dissertation advances in academic terms to confirm and identify the cultural traces that influence the performance evaluation and merit award. By proposing a validated questionnaire, it provides a useful tool both for the academy and for companies that can use it to diagnose the process of meritocracy. Keywords: Meritocracy. Performance evaluation. Merit. Cultural traits; Brazilian culture.
LISTA DE ILUSTRAES Figuras
FIGURA 1 Espao semntico do mrito ............................................................28
FIGURA 2 Fatores que atingem o sistema de desempenho humano ................35
FIGURA 3 - Nveis da cultura propostos por Schein (2007)..................................44
FIGURA 4 Traos culturais brasileiros de integrao dos subsistemas.............59
FIGURA 5 Modelo hipottico da pesquisa .........................................................66
FIGURA 6 - Estatstica t para os caminhos...........................................................82
FIGURA 7 - Modelo estrutural ajustado ................................................................83
FIGURA 8 - Trao ambiguidade x grau de escolaridade.......................................88
FIGURA 9 - Trao distncia do poder x grau de escolaridade..............................90
FIGURA 10 - CHAID para o trao M-ambiguidade................................................94
FIGURA 11 - CHAID para o trao personalismo e tempo de trabalho
na empresa ...........................................................................................................97
FIGURA 12 - CHAID para o trao personalismo e local de trabalho na empresa. 98
FIGURA 13 Influncia dos traos culturais brasileiros na meritocracia............104
Grficos
GRFICO 1 - Eficcia dos gestores no processo de gesto de desempenho......35
Quadros
QUADRO 1 Traos predominantes da cultura brasileira,
segundo Freitas (1997).......................................................................................... 54
QUADRO 2 Traos predominantes da cultura brasileira, segundo Caldas e
Wood Jr. (1999) .....................................................................................................54
QUADRO 3 Pesquisa sobre a influncia dos traos culturais em processos de
transformao cultural............................................................................................ 56
QUADRO 4 Traos da cultura brasileira, segundo Barros e Prates (1996)........ 58
QUADRO 5 Categorizao das questes........................................................... 70
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Caracterizao da amostra ...............................................................77
TABELA 2 - Descrio do modelo ajustado ..........................................................79
TABELA 3 - Cargas cruzadas: construto avaliao de desempenho....................80
TABELA 4 - Cargas cruzadas: construto meritocracia ..........................................81
TABELA 5 - Cargas cruzadas das variveis latentes: avaliao
de desempenho ....................................................................................................81
TABELA 6 - Cargas cruzadas das variveis latentes............................................82
TABELA 7 - Modelo ajustado: coeficientes de caminho e cargas fatoriais ...........84
TABELA 8 - Trao ambiguidade e avaliao de desempenho..............................87
TABELA 9 - Trao distncia do poder x avaliao de desempenho .....................89
TABELA 10 - Trao personalismo x avaliao de desempenho ...........................91
TABELA 11 - Composio do construto avaliao de desempenho.....................92
TABELA 12 - Trao ambiguidade e mrito............................................................93
TABELA 13 - Trao distncia do poder e mrito...................................................95
TABELA 14 - Trao personalismo e mrito...........................................................96
TABELA 15 - Composio do construto meritocracia ...........................................99
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A Ambiguidade
AVE Average Variance Extracted
CHAID Chi-squared Automatic Interaction Detector
DP Distncia do Poder
EC Enfrentar Conflitos
Ent. Entrevistado
GoF Goodness of Fit
HBR Harvard Business Review
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
LISREL LInear Structural RELationships
LP Lealdade s pessoas
PAT Paternalismo
PER Personalismo
PEX Postura de Expectador
PIV Para Ingls Ver
PLS Partial Least Squares
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio
PPR Programa de Participao nos Resultados
SPSS Statiscal Package for Social Science
TQM Total Quality Management
SUMRIO1
1 INTRODUO...................................................................................................13
2 REFERENCIAL TERICO.................................................................................23
2.1 Origem e conceitos de meritocracia................................................................23
2.2 Avaliao de desempenho e a meritocracia...................................................29
2.2.1 Modalidades de avaliao do desempenho e a meritocracia.......................38
2.2.2 Aplicao da meritocracia nas empresas brasileiras ...................................40
2.2.3 Remunerao varivel e o mrito ................................................................41
2.3 Cultura e meritocracia .....................................................................................43
2.3.1 Conceito de cultura organizacional ..............................................................43
2.3.2 Cultura nacional e organizacional: os estudos de Hofstede.........................46
2.3.2.1 Distncia do poder ....................................................................................47
2.3.2.2 Coletivismo e individualismo ....................................................................48
2.4 Traos da cultura brasileira nas organizaes................................................53
2.5 Impactos da cultura coletivista e individualista na meritocracia ......................60
3 METODOLOGIA ................................................................................................64
3.1 Caracterizao da pesquisa............................................................................64
3.2 Modelo de pesquisa ........................................................................................65
3.3 Populao e amostra ......................................................................................67
3.4 Tcnicas de coleta de dados...........................................................................68
3.5 Tcnicas de anlise e tratamento dos dados..................................................71
4 APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ..................................73
4.1 Avaliao de desempenho e mrito na Empresa Alvo....................................73
4.2 Caracterizao da amostra .............................................................................77
4.3 Validao do modelo.......................................................................................78
4.4 Modelo ajustado da pesquisa..........................................................................83
1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortogrficas aprovadas pelo Acordo Ortogrfico assinado entre os pases que integram a Comunidade de Pases de Lngua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a ABNT NBR 14724 de 17.04.2011.
4.5 Traos culturais e avaliao de desempenho .................................................86
4.6 Traos culturais e atribuio do mrito ...........................................................92
5 CONCLUSO ..................................................................................................102
REFERNCIAS...................................................................................................113
APNDICE..........................................................................................................118
13
1 INTRODUO
Ao posicionarem-se estrategicamente diante dos desafios contemporneos, as
organizaes tm verificado que a complexidade das suas operaes vem
aumentando de forma mais veloz do que a sua capacidade para se adaptar ou se
reorganizar. As organizaes modernas esto revendo os seus modelos de
gesto de forma abrangente, focando nos seus clientes e organizando os seus
processos para se tornarem mais adequados s exigncias de sobrevivncia do
negcio. Para tal, necessitam de profissionais com competncias diferenciadas,
com amplo domnio no conhecimento sobre o negcio, de forma que possam ter
autonomia para assumir responsabilidade em cenrios complexos (SANT'ANNA,
2008).
Nesse contexto, o fator humano, diferencial para a competitividade das
organizaes, tem se destacado como um ponto limitador do aproveitamento das
oportunidades de negcio, seja pela escassez, falta de qualificao ou
rotatividade (DUTRA, 2007).
A disputa por recursos humanos qualificados, as dificuldades para mant-los
motivados e o aumento do turnover tm ampliado o interesse das organizaes
por estratgias de gesto de pessoas. Embora, em qualquer cenrio, o papel das
pessoas seja essencial na gerao de resultados e diferenciais que definem o
posicionamento competitivo, essa viso torna-se mais clara nos momentos de
restrio, principalmente quando as perdas de oportunidades se do pela falta
e/ou inadequao das pessoas. Com base nesse contexto, Davel e Vergara
(2010) propem aos gestores uma reflexo: quanto maior a dependncia da ao
do ser humano na realizao dos resultados, maior ser a necessidade de
compreender a sua complexidade.
Seria mais simples se o desafio se limitasse procura de pessoas competentes
para preenchimento das vagas, mas h ainda a necessidade de que elas estejam
comprometidas e dispostas a contribuir para os propsitos das organizaes que
14
as empregam. Segundo Ulrich e Ulrich (2010), o baixo comprometimento tambm
um fator crtico, que, devido a vrias causas, levam as pessoas a um
desempenho insatisfatrio ou mesmo ao desligamento do emprego. Para
fundamentar tal afirmativa, os autores citam a pesquisa realizada pelo Saratoga
Institute com mais de 19 mil trabalhadores norte-americanos de 17 setores, a qual
revela que 72% dos empregados que pediram demisso o fizeram por falta de
reconhecimento ou porque no se sentiam respeitados e apoiados por seus
lderes. Outra pesquisa realizada pela Employee Engagement Index do Gallup
Management Journal concluiu que apenas 29% dos empregados esto
ativamente envolvidos em seus empregos. Tambm no Reino Unido pesquisas do
YouGov, com mais de 40 mil empregados, mostram que apenas 51% se sentem
plenamente envolvidos em sua empresa (ULRICH; ULRICH, 2010).
Nesse mbito, as organizaes que j vivenciaram declnio de resultados ou
limitao de crescimento do negcio pela dependncia de pessoas competentes
perceberam que a reteno e o seu comprometimento requerem uma nova forma
de administrao e de solues adequadas a esse perfil demandado. Essas
pessoas sinalizam que no so atradas por estabilidade e salrio fixo, mas pelas
oportunidades de conquistar posies e remunerao, de forma diferenciada, em
funo do desempenho. A questo que se impe como diferenci-las utilizando
parmetros que avaliem os seus nveis de desempenho e que permitam
reconhec-las de forma compatvel e satisfatria. As organizaes pblicas e
privadas cobram das cincias da administrao solues que equilibrem a sua
necessidade de resultados, cada vez mais arrojados, com as aspiraes de
pessoas competentes para alcan-los (HERZOG, 2009).
Essa demanda traz o tema meritocracia para o foco e o destaca entre as solues
debatidas tanto no meio corporativo como no acadmico, pelo seu potencial de
ajudar a reter talentos em mercados competitivos, revelando os melhores e
desafiando-os a mostrar o seu melhor. Ao se basear no mrito para reconhecer e
remunerar de forma compatvel com a entrega dos resultados, a gesto de
pessoas busca conciliar e satisfazer as expectativas das pessoas e das
organizaes (BARBOSA, 1999).
15
Embora no seja um conceito novo, a meritocracia vem despertando o interesse,
de forma crescente, das organizaes pblicas e privadas. Segundo Barbosa
(1999), o termo foi cunhado pelo socilogo Young, na dcada de 50, para expor a
ideia de uma sociedade na qual os papis sociais e as recompensas so
distribudos de acordo com a capacidade de realizaes e desempenho
demonstrado. Embora o autor tenha embalado as suas crticas em um misto de
utopia e stira sobre o sistema meritocrtico praticado na Frana, conseguiu
inspirar o debate sobre a justia social, com base no mrito.
Em uma verso mais contempornea, Barbosa (1999, p. 22) definiu meritocracia
como um conjunto de valores que rejeita toda e qualquer forma de privilgio
hereditrio e corporativo, permitindo que os indivduos sejam avaliados e
valorizados independentemente de suas trajetrias e biografias sociais. Assim
sendo, a projeo social, crescimento, reconhecimento e promoes so
condies conquistadas por meio do mrito de cada um e avaliadas por critrios
preestabelecidos (BARBOSA, 1999).
O modelo meritocrtico, quando concebido de forma sistmica, permeia todas as
etapas da relao do indivduo com a organizao, desde a forma como
recrutado, selecionado, alocado, promovido, reconhecido ou mesmo demitido.
Aps a sua admisso, o indivduo passa a se revelar diante da cultura e dos
estmulos que lhe so oferecidos e a o seu desempenho pode ser avaliado e
direcionado para o mrito. O pensamento de que o desempenho deva ser o fator
que indica o mrito compartilhado principalmente por Barbosa (1999), Falconi
(2009), Tenret (2008) e Young (2008), entre outros, e para isso tm sido utilizados
vrios instrumentos para avali-lo. Esse processo, denominado na maioria das
vezes de avaliao de desempenho, definido por Dutra (2007) como a medio
das entregas e resultados do empregado para a organizao, conforme a sua
capacidade de resposta diante da complexidade dos desafios. O autor apresenta
esse processo de forma mais abrangente, defendendo uma abordagem de gesto
por competncias que no se restringe aos aspectos convencionais de uma
avaliao de desempenho, mas considera as dimenses de desenvolvimento,
esforo e comportamento. Para ele, todas as formas de avaliar o desempenho
16
apresentam a dificuldade de avaliar por meio de critrios que diferenciem a
contribuio individual e sejam, ao mesmo tempo, aceitos pelos envolvidos.
Esse um dos pontos delicados, pois, para Barbosa (1999), a avaliao e a
atribuio do mrito, embora sejam etapas que concretizem o modelo
meritocrtico, so, tambm, as que o fragilizam. Segundo a autora, as pessoas
concordam quanto aos critrios utilizados, mas desconfiam da forma como so
aplicados.
Enquanto a meritocracia se apresenta como um modelo e ainda est no plano
terico, conta com a adeso dos envolvidos, conforme afirma Barbosa (1999). O
dilema comea a se delinear a partir do momento em que ela sai do papel e
comea a acontecer de fato. como se, at ento, as pessoas a vissem como um
modelo ideal e desejvel, pois promove a igualdade, condio nobre da qual se
orgulham de ter como princpio. Quando esse princpio comea a ser aplicado
para a prpria pessoa ou para outros de sua relao, descobre-se que o seu
significado igualitrio restringe os prprios privilgios, ou seja, ele no serve
somente para regular os privilgios dos outros. A descoberta da perda dos
padrinhos, do status diferenciado e de que no h mais a blindagem pelo tempo
de casa, provoca a tomada de conscincia do lado mais concreto da meritocracia,
podendo disparar um processo de rejeio. Esse o ponto de encontro da
inteno com a realidade, aquele que tira a organizao do plano discursivo e a
introduz no processo de execuo. A face consensual da meritocracia se desfaz e
entra em cena a desconfiana quanto interpretao dos critrios, utilizao
honesta dos pesos e ponderaes e das prprias decises sobre a distribuio do
mrito (BARBOSA, 1999).
Concordando com essa afirmativa, Falconi (2007) observa que a posio
favorvel meritocracia permanece at que as pessoas tomem conscincia da
sua execuo, ponto crtico no qual a maioria das instituies malsucedida.
Segundo ele, a meritocracia no pode se limitar aos postulados e discursos, mas
deve ser praticada com coragem. E define a meritocracia como a prtica da tica
no trabalho, consistindo em privilegiar e promover os melhores,
independentemente de raa, credo, ideologia, relacionamento familiar ou
17
amizade. A deciso pelo modelo meritocrtico exige que a organizao seja
coerente e que d a todos a mesma oportunidade. Caso permita privilgios ou
excees, perder a confiana do grupo e os talentos se desligaro, por no
aceitarem que o mrito seja atribudo sem que a ele se faa jus.
Essa dificuldade de se praticar a meritocracia tem sido discutida no plano da
administrao, mas, tambm, j estudada h algum tempo em outras cincias.
Ao analis-la sob a perspectiva da Sociologia, Bell (1974) listou a inteligncia
gentica, a classe social e a casualidade do local onde o indivduo nasce e se
educa como aspectos influenciadores do nvel de coerncia da execuo da
meritocracia. Uma pessoa que nasce, por exemplo, nos Estados Unidos, j
recebe compulsivamente uma cultura que privilegia o desempenho.
Nesse sentido, tomando o desempenho como o fator que direciona a
meritocracia, Barbosa (1999) ressalta a dificuldade da sua legitimidade social,
pois, para isso, as pessoas deveriam estar inseridas em um cenrio que lhes
desse condies de serem avaliadas exclusivamente pelas suas realizaes, sem
que fatores externos como relaes familiares ou sociais, poder econmico
status, etc interferissem na sua avaliao.
Comparando essa questo a uma competio esportiva, Dubet (2004) considera
que a justia meritocrtica seria uma realidade se as regras fossem conhecidas
igualmente por todos, se o campo tivesse condies semelhantes e se os juzes
fossem imparciais. Por essas razes, o socilogo defende a necessidade de se
desenvolver um sistema meritocrtico em que todos tenham as mesmas
oportunidades, embora acredite que mesmo assim o modelo continuar criando
mais vencidos do que vencedores.
Mesmo nos Estados Unidos, onde a meritocracia encontra cultura favorvel e
amplamente aplicada, McNamee e Miller Jr. (1994) identificam uma lacuna entre o
que as pessoas afirmam que funciona e como o sistema realmente funciona, ao
que denominam de mito da meritocracia. A afirmativa de que o sistema distribui
a renda e a riqueza de acordo com o mrito dos indivduos superestimada pela
18
ideologia do american dream2. Tambm na sociedade americana h vrios
fatores que inibem o sistema meritocrtico de funcionar conforme se deseja. Essa
viso compartilhada por Lawson (1993), ao tratar a questo da dissimulao da
meritocracia com prticas que geram a percepo de igualdade para a sociedade.
Tomando como base o ensino britnico, ele faz uma reflexo sobre as vantagens
que continuam para aqueles que j so privilegiados e os obstculos para
aqueles que no o so. Nesse sentido, a meritocracia vista por McNamee e
Miller Jr. (1994) como um mito que coloca as prticas com igualdade para todos,
mas com chances desiguais.
As experincias de vrias culturas e as diferentes perspectivas sociolgicas e
administrativas reforam as dificuldades de implantao da meritocracia e alertam
quanto s implicaes culturais. Para Barbosa (1999), os casos de insucesso da
aplicao da meritocracia nem sempre tm solues satisfatrias, pela tendncia
da organizao a focar nos instrumentos de avaliao e ignorar os elementos
culturais, nos quais, geralmente, se concentram as causas fundamentais do
problema. Como afirma Schein (2007), a indiferena cultura pode levar perda
de recursos e de avanos na mudana que se est implantando.
Ao desconsiderar a cultura, ignora-se uma realidade que, segundo DaMatta
(1984, p. 23), construda pelo transitar das pessoas entre a rua e a casa,
influenciando e sendo influenciadas, mutuamente, pela convivncia. Essa
concepo utilizada por ele para traduzir a cultura brasileira, marcada pelas
relaes pessoais e construda no dia-a-dia pelas atitudes, pelas instituies e
pelos comportamentos sociais. Esses traos da cultura so transportados,
influenciam e promovem a reproduo cultural nas organizaes, conforme
afirmam Barros e Prates (1996).
A partir dos pressupostos da administrao e da antropologia, pretende-se, nesta
dissertao, estabelecer uma ponte entre as vrias perspectivas, tendo a
meritocracia como tema central, a avaliao de desempenho como instrumento
para sua execuo e a cultura brasileira como o elemento influenciador do
2 Sonho americano traduo da autora.
19
processo. desafiador promover um dilogo entre essas teorias, ancorado por
duas cincias - a antropologia e a administrao - cujo histrico de proximidade
ainda muito recente. Igualmente desafiador tratar, no mbito da cultura
brasileira, a meritocracia dos processos de avaliao de desempenho que no
podem ser vistos apenas como tecnologias gerenciais, por trazerem em seu bojo
os valores que vo atestar a sua credibilidade. Ao enlaar as duas cincias em
um mesmo estudo, Barbosa (1999) prope o termo cultura administrativa, por
entender que, juntas, abrigam diferentes tecnologias gerenciais, que se
desdobram em termos de significados e interpretaes, conforme os panoramas
organizacionais em que forem sendo aplicados.
Embora a meritocracia ainda no seja uma prtica amplamente difundida nas
organizaes brasileiras e apresente lacunas naquelas que a implantaram, h
instituies que a aplicam e atestam a sua contribuio para os empregados e
empregadores (EXAME, 2011). Isso instiga um aprofundamento na anlise dos
fatores culturais que limitam a sua adequada aplicao.
O ponto delicado que se destaca, nessa questo, como avaliar o desempenho,
pois a desconfiana dos avaliados se concentra na forma de se interpretar os
critrios para se tomar a deciso do mrito. Pesquisas e estudos de Barbosa
(1999), Barros e Prates (1996), DaMatta (1984), Tanure (2005) e Freitas (1997)
confirmam que existem caractersticas da cultura brasileira que influenciam esse
processo de se avaliar o desempenho e, por consequncia, a atribuio do
mrito.
A meritocracia, a despeito de trazer resultados que conciliam os objetivos
organizacionais com os interesses dos funcionrios, tem apresentado dificuldades
em ser implementada plenamente, apresentando uma lacuna entre a linha
ideolgica e a linha da execuo.
Assim, considerando-se que: a) autores como Barbosa (1999), Bellat (2006),
Tenret (2008) e Young (1994), entre outros, afirmam que a meritocracia deve ser
determinada pelo desempenho e que essa relao nem sempre plenamente
efetiva; e b) pesquisas de Barbosa (1999), Barros e Prates (1996), Caldas e
20
Wood Jr (1999), Freitas (1997), Hofstede (1984) e Tanure (2005) revelam que as
prticas administrativas so influenciadas pela cultura brasileira, delineia-se a
pergunta desta dissertao: em que medida a avaliao de desempenho e a
atribuio do mrito so afetadas pelos traos da cultura brasileira na Empresa
Alvo (nome fictcio da empresa pesquisada)?
A escolha da Empresa Alvo foi motivada pelo fato de atender ao pr-requisito de
adotar uma gesto meritocrtica e pela possibilidade de encontrar nela elementos
representativos da diversidade cultural brasileira. A empresa, fundada em 1975,
foi reestruturada no final dos anos 90, tendo passado por diversas mudanas,
sendo uma delas a transio de estatal para o segmento privado. Atua no setor
de telecomunicaes e emprega cerca de 17.000 funcionrios diretos, distribudos
em dez estados e no Distrito Federal.
Frente essa realidade e a partir da questo estabelecida, define-se como objetivo
geral: identificar em que medida os traos da cultura brasileira influenciam a forma
de avaliar e de atribuir o mrito na Empresa Alvo, segundo a percepo dos
avaliados.
Como objetivos especficos, pretendem-se:
Validar o modelo de pesquisa proposto;
Caracterizar o processo de avaliao de desempenho e a forma de atribuir
mrito na Empresa Alvo;
Identificar a relao entre os traos da cultura brasileira e a forma de
avaliar o desempenho na Empresa Alvo;
Identificar a relao entre os traos da cultura brasileira e a forma de
atribuir o mrito na Empresa Alvo;
Avaliar se o mrito consequncia do desempenho, sob a perspectiva dos
avaliados.
Para atingir tais objetivos, foi realizado um estudo de caso de carter quantitativo
na Empresa Alvo, por meio da aplicao de questionrios a uma amostra de 232
gerentes, coordenadores e supervisores das unidades regionais. Foram tambm
21
coletados dados primrios e secundrios sobre o sistema de meritocracia da
Empresa Alvo, por meio de entrevistas com dois executivos, das reas de gesto
e de recursos humanos, e de anlise documental.
Ao abordar a relao da cultura brasileira com o desempenho e a meritocracia,
este estudo poder ampliar o conhecimento sobre o tema, uma vez que, segundo
Barbosa (1999), a despeito de ser do interesse de todos os stakeholders3, o
conceito ainda pouco divulgado ou entendido. Ao contribuir para a melhor
compreenso da maneira como os traos culturais interferem na avaliao do
desempenho e na aferio do mrito, a pesquisa poder salientar a preocupao
de se estudar os traos da cultura brasileira que podem restringir ou facilitar a
implementao dessa prtica nas empresas. Para a empresa pesquisada, este
estudo poder contribuir com o diagnstico do processo de avaliao implantado,
ressaltando aspectos da interferncia de fatores culturais na meritocracia.
Para a academia, este estudo se prope a oferecer subsdios anlise da
combinao da cultura e das tcnicas gerenciais, denominada por Barbosa (1999)
de cultura administrativa, despertando o interesse em aprofundar na temtica da
meritocracia que, a despeito da sua atratividade, ainda desafia os pesquisadores
com questes relativas a influncia dos traos culturais. H, entretanto, poucos
estudos sistemticos que integrem a meritocracia no ambiente da antropologia e
da administrao. Considerando o nvel de interesse, espera-se fundamentar e
inspirar novas pesquisas que reforcem a relevncia e a aplicabilidade da
meritocracia, conforme os seus pressupostos.
Aps esta introduo, na qual se apresentam o tema, o problema e os objetivos
da dissertao e sua justificativa, passa-se a descrever, no captulo 2, a teoria
norteadora deste estudo, a partir de conceitos e vises dos principais autores que
ajudaram a estabelecer um painel de entendimento para a pesquisa. Discorre-se
sobre a origem e a concepo terica da meritocracia, vises sobre o
desempenho e sua relao com o mrito, apresentando um painel sobre traos da
cultura, a partir dos estudos da cultura nacional e organizacional. O captulo 3
3 Partes interessadas.
22
descreve a metodologia a qual detalha a caracterizao e modelo da pesquisa, a
definio da populao e amostra, as tcnicas e instrumentos da coleta de dados
e como estes foram analisados e tratados. O captulo 4 aborda os resultados da
pesquisa e no captulo 5 so registradas as concluses, sendo includas ao final
as referncias e os apndices utilizados na coleta de dados.
23
2 REFERENCIAL TERICO
Esta dissertao aborda os eixos da avaliao de desempenho e atribuio do
mrito, influenciados por traos da cultura brasileira. Considerando-se que
existem pesquisas demonstrando a influncia da cultura brasileira nas prticas
gerenciais, sero analisados os traos mais frequentes indicados pelos autores,
combinando os pressupostos da antropologia e da administrao.
2.1 Origem e conceitos de meritocracia
A meritocracia tem sido, por dcadas, alvo de interesse da humanidade nas
vrias culturas. No incio do sculo XXI, Weber (1967) j mencionava a
meritocracia em seus escritos sobre a sociologia da religio, criticando a
discriminao que impedia a seleo dos judeus para as universidades. Segundo
ele, o fato de a sociedade ignorar o mrito dos judeus e de outras raas por
preconceito aos atributos hereditrios traria prejuzos, reforando o
apadrinhamento e o favoritismo para as promoes sem mrito. Weber (1967)
explicava o desenvolvimento do capitalismo pela religio, considerando o
protestantismo o responsvel por estabelecer as bases econmicas e racionais
da sociedade ocidental. Para ilustrar o seu pensamento sobre essa
interdependncia entre religio e capitalismo, o socilogo costumava utilizar a
parbola do senhor que confiou o seu dinheiro aos empregados e, ao retornar,
diferenciou-os pelo resultado, rejeitando aquele que no se esforou para frutificar
os talentos recebidos.
Embora concordasse com as ideias de Weber (1967), o socilogo Parsons (1971)
associou a sociologia a outros campos da cincia para ampliar o entendimento
sobre a cultura e os sistemas, numa abordagem mais atualizada dos ltimos
cinquenta anos. Para ele, o sculo XX, a partir da Revoluo Industrial, trouxe
uma nova ideologia em que o valor passou a se deslocar para o indivduo e sua
24
capacidade de conquistar o mrito por seus prprios atributos, substituindo
aqueles herdados pela famlia e pela origem social.
A viso de Parsons (1971) sobre a meritocracia e a avaliao de desempenho
pode ser entendida no ponto em que ele se refere necessidade de que os
sistemas sociais definam um status daquilo que se espera da parte do outro e que
possa servir como referncia para se fazer posteriormente uma distino entre os
participantes e os no participantes. Em segundo lugar, deve haver uma
diferenciao entre os participantes em relao ao seu status e funes, de forma
que algumas categorias faam algumas coisas no esperadas de outras. Outro
ponto enfatizado por Parsons (1971) que a educao um fator determinante
nos ambientes meritocrticos, pois influenciam as competncias e
responsabilidades que iro diferenciar as pessoas na seleo para os empregos,
nas suas avaliaes e nos salrios. O autor considera que a revoluo
educacional conseguiu ampliar as oportunidades na sociedade norte-americana e
permitiu a institucionalizao de um padro basicamente igualitrio. Alm dela, o
fato de ter a liberdade como um valor fez com que os Estados Unidos se
destacassem em relao aos demais pases na criao de um campo favorvel
meritocracia, por dar ao cidado o direito de adquirir as competncias necessrias
para ter direito s oportunidades e garantir a igualdade de ser reconhecido pelo
mrito.
O termo meritocracia relativamente novo, cunhado pelo socilogo britnico
Young (2008), e mistura razes latinas e gregas em uma combinao de termos
que significam ganho, salrio digno e esforo. Fazendo uma projeo da
sociedade em 2033, Young (2008) descreveu um conflito entre princpios
ambguos, evidenciando a vitria do mrito sobre o parentesco e a emergncia de
uma nova ordem social na qual todas as pessoas poderiam ascender pelos
atributos do esforo e do talento. Segundo a sua projeo, pela primeira vez a
sociedade se orgulharia em contemplar a ascenso dos brilhantes pelos seus
prprios mritos, e no por herana ou relacionamento (YOUNG, 2008).
Young (2008) analisa a origem da meritocracia na Frana em 1793, estudando a
Constituio, e na Inglaterra, por volta de 1890, avaliando a rea da educao.
25
Faz uma ressalva quanto cultura americana, por reconhecer que a meritocracia
j existia como uma ideologia inerente ao pas, desde a sua formao. Em 1958,
o socilogo publicou um estudo com o objetivo de criticar a sociedade da poca
por permitir a ascenso de pessoas pelas suas origens e riquezas e pela
influncias dos pais a lhes propiciar as melhores escolas, viagens ao exterior, etc.
Segundo ele, o castigo seria que, a despeito de obterem posies privilegiadas e
status, essas pessoas no poderiam se orgulhar nem se sentir os melhores, pois
sabiam que no haviam conquistado essas posies por mrito e que existiam
subordinados que se destacariam como iguais ou melhores, se tivessem em
condies semelhantes.
A essncia dessa crtica compartilhada por Tenret (2008), para quem as
recompensas e as posies sociais no ambiente meritocrtico somente deveriam
ser concedidas pelas qualificaes e habilidades do indivduo e de forma no
tendenciosa. Mas reconhece que, apesar de dar a todos iguais oportunidades, a
meritocracia ameaada pelas diferenas sociais, uma vez que alguns indivduos
saem na frente por serem privilegiados pela sua origem, enquanto outros
comeam a sua luta como perdedores por terem nascido em lares de pessoas
com pouca ou nenhuma instruo, frequentarem escolas piores e terem pouco
acesso a viagens, eventos culturais, entre outros estmulos.
Esse um fenmeno que, na viso de Bellat (2006), vem desafiando as
sociedades democrticas desde o final do sculo XIX, pois a meritocracia ainda
no plenamente legitimada como parte integrante das suas normas e valores. O
desejo sempre foi faz-la funcionar como um sistema para distribuir de forma
justa, lugares desiguais, diferenciando os indivduos, independentemente de
atributos herdados.
Tambm no Brasil, a cultura meritocrtica vem sendo sinalizada desde a primeira
Constituio de 25 de maro de 1824, art. 179, na qual se lia que os talentos e
virtudes, sem outra diferena, seriam os nicos critrios vlidos para que o
cidado fosse admitido aos vrios cargos pblicos. Tal ponto na Constituio
mereceu destaque nas narrativas de missionrios norte-americanos que,
admirados, documentaram que a lei brasileira concedia aos homens negros e
26
mulatos, uma vez livres e possuidores de energia e talento, o direito de erguerem-
se s mais altas posies sociais, das quais a raa estava excluda nos Estados
Unidos (TUNA, 2003). No entanto, embora a meritocracia j se fizesse presente
na primeira Constituio, j eram percebidos sinais de no efetividade, pois no
eram fornecidos critrios para identificar os talentos e virtudes requeridos, ficando
a cargo dos diferentes rgos do governo. Tambm havia contradies nos
artigos 92-95, que estabeleciam ao mesmo tempo a igualdade de todo cidado
perante a lei e exclua do direito de voto os criados, religiosos e pessoas com
restrio de renda.
O tema meritocracia abordado nesta dissertao em duas dimenses, conforme
proposto por Barbosa (1999): a primeira, no nvel ideolgico, como um conjunto
de valores em que as posies dos indivduos devem ser consequncia do mrito.
Nesse nvel, o mrito atribudo de forma coerente com os critrios,
independentemente das trajetrias, tempo de casa, biografias dos indivduos,
sobrenomes, rejeitando-se os privilgios herdados ou concedidos.
As situaes relatadas confirmam com fatos a dupla face da meritocracia
apresentada por Barbosa (1999): uma representando a teoria que a postula e a
outra a prtica que a torna visvel. A primeira representa o consenso entre os
envolvidos, na qual todos concordam que as posies dos indivduos na
sociedade devem ser consequncia do mrito. O mrito atribudo de forma
coerente com os critrios, independentemente de trajetrias, tempo de casa,
biografias dos indivduos, sobrenomes, rejeitando-se os privilgios herdados ou
concedidos. Segundo a autora, essa a linha ideolgica que sustenta os
discursos e as representaes. Se, teoricamente, essa primeira dimenso
aceita, na segunda o consenso no ocorre. A segunda a linha da execuo na
qual o mrito anunciado atribudo. Nesse caso, espera-se que ele seja decidido
em funo do desempenho individual, como o critrio bsico de avaliao de
talento, habilidades e esforos. Apesar do critrio determinante do mrito ser
desempenho, o processo de avali-lo suscita desconfiana. As pessoas
desconfiam das diferentes interpretaes que os avaliadores fazem dos critrios e
da forma como o relacionam ao mrito.
27
Na primeira perspectiva, a meritocracia apresentada de forma apreciada pela
sociedade, pois, conforme Tenret (2008), responde ao desejo de justia presente
nas pessoas. Como enfatiza Barbosa (1999), as divergncias emergem quando
se coloca em prtica o principal instrumento para definio do mrito: a avaliao
de desempenho. A subjetividade no entendimento do mrito faz surgir a
desconfiana quanto aos aspectos determinantes para a legitimao da
meritocracia, tais como: as interpretaes sobre as variveis que compem a
avaliao de desempenho, dvidas sobre a composio do mrito, o que foi
considerado para defini-lo, dvidas sobre a igualdade de aplicao dos critrios,
se as oportunidades sero realmente para os que tiveram a melhor pontuao, a
traduo em bnus, remunerao, promoes, entre outras. A coliso entre as
duas dimenses pode gerar a interrupo da aplicao da meritocracia, em
funo de um discurso sobre uma prtica inexistente.
Ao se referir meritocracia de forma terica, ela se mostra atraente e parece ser
razovel sua aceitao e efetivao. Sua complexidade se revela no mbito das
organizaes, quando o mrito estabelece correlaes com outros conceitos com
os quais interage para compor o seu significado. Essas implicaes emaranhadas
demandam por uma cultura meritocrtica que, segundo Bellat (2006), uma
iniciativa que vem desde o final do sculo XIX, mas ainda no conseguiu ser
plenamente legitimada como parte integrante das normas e valores das
sociedades democrticas.
Os valores, de acordo com Parsons (1971), so essenciais para regular os
compromissos sociais e devem estar includos nas normas que, por sua vez,
devem integrar os sistemas, determinar as funes e orientar as pessoas sobre
como devem exercer os seus papis. Os papis so as formas como os
indivduos, dentro de expectativas recprocas, contribuem para a coletividade. O
socilogo estabelece a interdependncia entres esses elementos, afirmando que
a coletividade e os papis devem ser gerenciados por valores e normas e que
estas necessitam da execuo dos papis pela coletividade para serem
institucionalizadas.
28
Os componentes apresentados por Parsons (1971) como condio para
institucionalizar uma prtica social coincidem com a observao de Tenret (2008).
O significado da meritocracia mais profundo e abrangente do que o termo que a
define tem conseguido comunicar. Isso porque, segundo a autora, as implicaes
de cunho sociolgico e psicolgico coexistentes em seu bojo apenas se
manifestam durante a sua execuo. Nesse momento, pode-se ver quantos
elementos se correlacionam e precisam ser harmonizados para que possam
cumprir a funo de relacionar o mrito performance das pessoas, conforme se
pode visualizar na FIG. 1.
FIGURA 1 Espao semntico do mrito
Fonte: Dicionrio de sinnimos da lUniversit de Caen, 2008.
Fonte: lUniversit de Caen (2008).
A FIG. 1 expressa a complexidade da meritocracia, ilustrando por meio do mapa
semntico as correlaes do mrito com vrios outros elementos que tambm se
desdobram e se influenciam mutuamente. por esse motivo que a meritocracia
no pode ser entendida de forma simples e corriqueira, pois contm um sentido
de justia de cunho sociolgico. O conhecimento dessa complexidade pode
contribuir para a melhor compreenso das dificuldades das instituies para medir
Perfeio
Capacidade
Comprometimento Talent o
Qualidade
Fora
Virtude
Moral Honestidade
Honra
Orgulho
Superioridade
Distino
Mrito
Grandiosidade
Utilizao
Remunerao
Brlho
Louvor
Classe
Valor
29
objetivamente o resultado da meritocracia e fazer com que a origem do indivduo
no influencie o destino e que a posio ocupada por ele seja definida pelas suas
qualificaes (TENRET, 2008).
Reforando a viso da autora, McNamee e Miller Jr. (2004) observaram que tanto
os franceses como os americanos so influenciados por diversas foras sociais
que atuam para restringir os objetivos da meritocracia, a despeito do mrito
individual. Um dos pontos que confirmam isso, segundo os autores, o prprio
nascimento do indivduo, que j d a ele a vantagem de sair na frente, o que
sempre ter maior peso do que o mrito.
Utilizando a expresso loteria gentica, Bell (1974) tambm faz aluso
condio natural das pessoas que nascem em lares privilegiados e que so
beneficiadas desde o incio de suas vidas, herdando diferenciais. Isso faz com
que a meritocracia nunca seja pura, pois sempre haver aqueles cujas posies
sero herdadas, e no conquistadas.
Tais preocupaes provocam importante reflexo sobre a funcionalidade do
desempenho na meritocracia, pois, de acordo com Young (2008), Barbosa (1999),
Bellat (2006) e Tenret (2008), a partir dele que o mrito poder ser atribudo
com justia. Como estabelecer os prmios, bnus ou remuneraes variveis,
selecionar as pessoas e decidir suas posies, realizar as promoes, admisses
e demisses, entre outras movimentaes, sem um processo de avaliao de
desempenho coerente? Esse o ponto no qual os estudiosos sobre o assunto
assentam as suas preocupaes e buscam estratgias para tornar os
instrumentos de avaliao do desempenho coerentes com os objetivos da
meritocracia.
2.2 Avaliao de desempenho e a meritocracia
Enfatizando que o desempenho um fator determinante para se estabelecer a
meritocracia, Barbosa (1999) afirma que ele ainda uma prtica polmica nas
organizaes brasileiras. Como exemplo, a autora cita que a simples cobrana e
30
mensurao de resultados costumam ser o suficiente para classificar o lder como
autoritrio, deixando-o desconfortvel para avaliar o desempenho e atribuir o
mrito. E que a falta de uma ideologia meritocrtica amplamente estabelecida na
sociedade a principal causa da dificuldade de se efetivar os critrios de forma
igualitria para avaliar o desempenho e decidir, em funo do resultado, o tipo de
recompensa ou reconhecimento do empregado.
Embora reconhea tais dificuldades, Barbosa (2006) defende o processo de
avaliao de desempenho como o instrumento mais adequado para a execuo
da meritocracia. Compartilhando dessa viso, Falconi (2009) afirma que a melhor
maneira de se executar a meritocracia ter um bom sistema de avaliao de
desempenho que avalie a pessoa quanto sua capacidade de realizar resultados
(atingir metas ou resolver problemas) e quanto sua conformidade aos valores da
empresa. A forma de torn-la mais impessoal permitir que uma pessoa seja
avaliada por vrias outras e no apenas por amigos ou pelos mesmos chefes
sempre. Sem um instrumento de avaliao atrelado ao mrito, a organizao
poder reter os colaboradores menos empenhados e perder os melhores, o que
pode comprometer a sobrevivncia do negcio.
Para reforar essa afirmativa, Osso (2010) cita o exemplo de dois empregados de
mesmo nvel hierrquico, salrio, benefcios e exigncias iguais de entregas. Um
deles entrega no prazo, com qualidade e de acordo com os valores da
organizao, enquanto o outro no atende conforme o esperado. Tomando a
justia como ponto focal, Osso (2010) afirma que sem critrios meritocrticos o
segundo ser recompensado, porque ganha o mesmo salrio que o outro,
entregando menos. Essa situao sinalizar a tolerncia aos baixos
desempenhos e a indiferena ao reconhecimento daqueles que fizeram jus ao
mrito.
Na tentativa de evitar essas situaes, algumas organizaes ainda utilizam o
mtodo da escolha forada. Esse mtodo parte do princpio de que os
desempenhos se diferenciam para pior ou para melhor em relao ao padro
requerido pela organizao (LOPES, 2009). A partir de parmetros, os
avaliadores identificam 20% de pessoas que superam o padro, 70% daquelas
31
consideradas vitais para manter o negcio e 10% que no atendem, formando,
assim, a chamada curva de desempenho. O mrito e as demais consequncias
so decididas em funo dessa classificao. O autor concorda que sempre
haver desempenhos diferentes, mas alerta para as distores em funo dos
traos da cultura e para a desmotivao das pessoas quanto s equipes de alta
performance.
O efeito obtido pelo mtodo da curva forada aproxima-se da viso de Barbosa
(1999), ao afirmar que no universo meritocrtico as nicas hierarquias legtimas e
desejveis so aquelas baseadas na seleo dos melhores, para quem devem
ser destinados o prestgio, honra, status e bens materiais. A autora enfatiza que
toda sociedade reconhece a existncia das desigualdades individuais, mas que
nem sempre tm mecanismos para legitimar a meritocracia, garantindo s
pessoas a igualdade das condies para se revelarem.
Conforme Siqueira (2002), qualquer que seja o instrumento, a avaliao de
desempenho deve ser sempre uma anlise crtica sobre a lacuna existente entre
a expectativa de desempenho, seja da organizao ou do indivduo, e o seu real
desempenho, realizada a partir de critrios e orientao para o mrito,
disseminados e entendidos pelo pblico envolvido. Ainda assim, de acordo com
Barbosa (1999), o processo est sujeito a divergncias e desconfianas quanto
interpretao dos avaliadores sobre as habilidades e esforos, quanto aos
critrios e mtricas estabelecidos e quanto igualdade de oportunidades.
Isso pode ocorrer devido face subjetiva do processo, que pode levar ao risco de
parcialidade e de desvio do foco do desempenho. Segundo Lopes (2009), no
Brasil predominam processos de avaliao de desempenho tendenciosos, que
priorizam os sentimentos e traos da personalidade em detrimento das aes
concretas e resultados entregues. Tais aspectos subjetivos, que vm sendo
observados por dcadas, retratam fatores da cultura brasileira, expressa nos
traos de paternalismo, de apadrinhamento, de formalismo, conforme pesquisado
por Barbosa (1999), Barros e Prates (1996), Caldas e Wood Jr. (1999) e Freitas
(1997).
32
H organizaes que se apoiam em laudos psicolgicos, como exposto por Lopes
(2009), atendo-se a aspectos da personalidade do avaliado. Embora a sistemtica
de avaliao de desempenho venha se modificando ao longo dos anos, a autora
reporta que muitas vezes alteram-se os nomes e cdigos, mas no as prticas,
prevalecendo o papel do julgador, e no o de avaliador, sem se cumprir os
objetivos aos quais o instrumento se prope. Tal ocorrncia percebida quando o
avaliador utiliza as escalas de traos da personalidade em detrimento da relao
de competncias definidas pela organizao. A autora cita como exemplo o fato
de um gerente de perfil centralizador avaliar a proatividade de um avaliado como
algo negativo, por contrapor-se a um dos seus traos, embora seja essa uma das
competncias descritas pela empresa como desejvel.
Essas caractersticas na realizao da avaliao de desempenho ainda refletem o
histrico da administrao, cujo foco foi, durante muitos anos, nos aspectos de
carter controlador e punitivo. O importante era saber se as pessoas estavam
trabalhando e quanto, como indicam Barbosa (1999) e Milkovich e Boudreau
(2000). Com a emergncia da escola das relaes humanas, passou-se a cobrar
novos objetivos, por meio desse mesmo instrumento, visando atender
necessidades organizacionais e dos indivduos.
Os objetivos da avaliao de desempenho vm sendo ampliados ao longo do
tempo, desencadeando novas expectativas quanto s suas funes. Entretanto,
ao reunir em um nico instrumento uma diversidade de objetivos, a avaliao de
desempenho pode se tornar to controversa, a ponto de no conseguir
corresponder. Tomando como exemplo os dois objetivos mais comuns, o de
melhorar e o de recompensar o desempenho do empregado, j se pode identificar
algum tipo de conflito entre eles (MILKOVICH; BOUDREAU, 2000).
O primeiro objetivo direciona o olhar do avaliador para o futuro e para o indivduo,
pois busca identificar necessidades especficas para estabelecer aes e ajudar a
melhorar os pontos de desempenho insatisfatrios. J o segundo direciona o
avaliador para o passado e para as comparaes, pois visa a identificar o que foi
realizado e diferenciar quem dever receber a recompensa. Nesse ngulo, a
avaliao responde expectativa de direcionar para o mrito, pois a partir das
33
informaes sobre o desempenho que os indivduos podero ser diferenciados e
o mrito atribudo (MILKOVICH; BOUDREAU, 2000).
A despeito do redirecionamento dos objetivos e do esforo para fazer de seus
resultados uma fonte para o crescimento e desenvolvimento humano, a avaliao
de desempenho continua provocando atritos, insatisfaes e desconforto, tanto
entre avaliadores como avaliados. Essa situao faz com que os gerentes no
gostem de avaliar e, para evitar os conflitos, o que um comportamento
caracterstico da cultura brasileira, preferem avaliar todos positivamente
(BARBOSA, 1996).
A autora ilustra sua concluso expondo o resultado de uma pesquisa realizada
como parte de um projeto de anlise cultural tomando, como amostra, 432
questionrios aplicados em uma empresa estatal:
O tipo de sistema de avaliao, o processo, o modo como realizado, os avaliadores, tudo criticado. A desconfiana acerca do sistema total. Ningum confia nos resultados. Verifiquei que as pessoas normalmente consideram injustos os critrios (79,1%), o mesmo valendo para os avaliadores (50,7%). Em regra, os mais bem-avaliados so vistos como apadrinhados, puxa-sacos dos chefes, etc., mesmo que sejam reconhecidos como bons profissionais, de alto desempenho. Ou seja, quem no recebe boa avaliao, em geral, no legitima a boa avaliao alheia. Quarto, descobri que a antiguidade como critrio de ascenso vertical vista como mal necessrio por 54,8%, na medida em que corrige as injustias da avaliao de desempenho. Ao mesmo tempo, vista como incentivo acomodao do funcionrio, uma vez que, trabalhando ou no, o funcionrio promovido (BARBOSA, 1999, p. 61).
Essas crticas e insatisfaes avaliao de desempenho se arrastam, conforme
Gil (2009), desde a Segunda Guerra Mundial, pela inadequao de sua
metodologia s novas realidades empresariais. Uma das explicaes para o
descontentamento com a avaliao de desempenho dada por Deming (1990),
que a define como uma das pragas das prticas administrativas que desagregam
equipes e machucam as pessoas, estimulam a rivalidade e levam as pessoas a
disputar resultados em curto prazo, sem se preocuparem com a melhoria do
sistema em longo prazo. E considerada, ainda, um evento perturbador do clima
organizacional. Segundo ele, impossvel realizar uma avaliao justa, sendo
que o desempenho da pessoa apenas uma entre as vrias foras que o
34
compem, tais como equipamentos, clientes, condies ambientais, a chefia, os
colegas e outros recursos. Sua anlise que apenas 15% dos problemas de
desempenho so de responsabilidade do trabalhador e 85% se encontram no
sistema, sendo, portanto, de responsabilidade gerencial. O autor alerta que o erro
que a avaliao de desempenho ou classificao por mrito leva em conta
apenas o produto final e no a liderana que poderia melhorar as pessoas
durante o processo. Segundo ele, a promessa feita com a classificao por mrito
fascinante, mas o resultado o oposto, pois estimula a corrida da pessoa com
foco nela mesma, no se importando com os resultados da instituio.
Compartilham dessa afirmativa Rummler e Brache (1992), que tambm atribuem
ao sistema a maior parte da responsabilidade pelos resultados, sustentando que
a se encontram 80% das oportunidades de melhoria. Essa premissa os leva a
defender a necessidade de que o desempenho contemple variveis nos nveis da
organizao, do processo e do trabalhador. Nessa linha de raciocnio, referem
que se a avaliao focar apenas o desempenho humano, pode-se pensar que
possvel ter o resultado satisfatrio de um trabalhador, mesmo que as suas
funes sejam inadequadas, as estratgias mal definidas, os produtos ou servios
direcionados para clientes no prioritrios, etc. Para eles, preciso levar em
conta a competncia das pessoas contratadas e o ambiente no qual se insere o
desempenho. Dessa forma, cabe aos gerentes a responsabilidade de estabelecer
e comunicar as especificaes de desempenho de forma que as pessoas as
compreendam, removendo as barreiras que esto fora da sua autonomia. Alm
disso, preciso estruturar as consequncias para reforar o alcance dos objetivos
e fornecer feedback regular sobre as rotas do desempenho, para que o
empregado redirecione sua atuao. A FIG. 2 descreve o modelo de relao do
trabalhador com o fluxo do trabalho e os fatores que afetam o Sistema de
Desempenho Humano, desenvolvido por Rummler e Brache (1992).
35
FIGURA 2 Fatores que atingem o sistema de desempenho humano
Fonte: Adaptado pela autora a partir de Rummler e Brache (1992).
Segundo Rummler e Brache (1992), a prtica de uma avaliao de desempenho
responsvel capaz de oferecer subsdios para atribuir o mrito, seguindo-se o
modelo em seis etapas. A etapa da entrada, com a especificao do
desempenho, deve receber dos gerentes os cuidados necessrios para reduzir ao
mximo as interferncias no trabalho do executor. Segue-se a etapa de
consequncias, enfatizando a necessidade de que os executores sejam
comunicados dos efeitos do seu trabalho e saibam o seu significado. Alimenta-se
todo o fluxo de desempenho com o feedback. Complementando o processo, os
autores mostram a etapa de conhecimento, habilidades, condies fsicas,
mentais e emocionais dos executores. As vises de Rummler e Brache (1992) e
de Deming (1990) reforam a ideia de que no se pode atribuir ao avaliado a
ENTRADA EXECUTOR
INTERFERNCIA NA TAREFA Verifica-se se o executor pode reconhecer a entrada
que exige ao, se a tarefa pode ser feita sem
interferncia de outras, se os procedimentos e o fluxo
do trabalho so lgicos e se existem recursos
adequados para o desempenho
ESPECIFICAES DE DESEMPENHO Verificam-se a existncia e o nvel de
conhecimento dos padres por parte
dos executores e ainda se estes os
consideram realizveis
CONHECIMENTO/ HABILIDADE
Verifica-se a suficincia
dos conhecimentos e
habilidades dos
executores, a conscincia
do grau de importncia do
que fazem e a capacidade
fsica, mental e emocional
FEEDBACK Verifica-se se os
executores recebem
informaes sobre o seu
desempenho, se estas so
oportunas e contribuem em
relevncia, especificidade
e facilidade de
entendimento.
CONSEQUNCIAS Verifica-se o alinhamento
das consequncias para
apoiar o desempenho
desejado, se os
executores as percebem
como significativas e se
so oportunas.
CONSEQUNCIAS SADA
FEEDBACK
2
4 5
1
3
36
responsabilidade pelo seu desempenho sem que as condies sistmicas tenham
sido atendidas pelos lderes.
Tambm na percepo de Gil (2009), os fatores que mais distanciam a avaliao
de seus objetivos esto predominantemente sob a responsabilidade do sistema,
tais como objetivos indefinidos ou muito gerais, levando os avaliadores a
cumprirem uma formalidade, preenchendo os formulrios. O processo de
avaliao pode perder a sua funo na atribuio do mrito e reforar a
desconfiana no seu uso, pela baixa eficincia no cumprimento de alguns fatores,
como os citados a seguir:
Baixo nvel de envolvimento da alta administrao;
despreparo para administrar pessoas restringindo-se parte burocrtica;
avaliao como um evento de um dia especfico;
influenciada pelos acontecimentos mais prximos;
no envolvimento do empregado no processo de discusso das suas
prprias melhorias, restringindo-se a comunicar-lhe o resultado.
Esses fatores so de responsabilidade gerencial e o cumprimento insatisfatrio
enfraquece os objetivos do processo de avaliao de desempenho, impedindo a
identificao das pessoas que fazem jus ao mrito. A pesquisa de Lins (2010),
realizada no Brasil com 51 empresas de grande porte que so referncias em
prticas de gesto e abrangem em torno de 600.000 empregados, indica que 58%
delas utilizam o processo de avaliao de desempenho de cinco a 10 anos e que
mesmo nesse patamar de maturidade elas ainda no atendem adequadamente
s etapas que so crticas para a meritocracia.
37
GRFICO 1 - Eficcia dos gestores no processo de gesto de desempenho
5%
35%47%
12%1%
No Efetiva Pouco efetiva
Efetiva Muito Efetiva
No papel do gestor
Acordar planos de desenvolvimento individual
7%
54%32%
5% 2%
No Efetiva Pouco efetiva
Efetiva Muito Efetiva
No papel do gestor
Acompanhar contrataes de desenvolvimento
2%
45% 45%
8%0%
No Efetiva Pouco efetiva
Efetiva Muito Efetiva
No papel do gestor
Gerenciar expectativas
15%
54%
21%5% 5%
No Efetiva Pouco efetiva
Efetiva Muito Efetiva
No papel do gestor
Atuar como coach, mentor, counsellor
0%
28%
53%
19%
0%
No Efetiva Pouco efetiva
Efetiva Muito Efetiva
No papel do gestor
Fornecer feedback
Fonte: Lins (2010).
Observa-se, pelos resultados da pesquisa, que etapas essenciais como gerenciar
expectativas, acompanhar contrataes de desenvolvimento e atuar como coach,
mentor ou counsellor no foram cumpridas satisfatoriamente pelos gestores,
reduzindo as chances de melhor desempenho. Esses dados reforam o
pensamento de Deming (1990) e Rummler e Brache (1992), quando se referem
ao fato de os avaliados no serem totalmente responsabilizados pelos resultados,
se o sistema no proveu as condies.
Complementando essa viso da necessidade da gesto do sistema, Lopes (2009)
ressalta a importncia do princpio da mensurabilidade, ou seja, da necessidade
de se estabelecerem parmetros para os resultados a serem gerados. Assim,
atender-se-ia condio exigida pela meritocracia, demonstrando,
quantitativamente, a relao entre a execuo do processo e os efeitos
provocados nos resultados organizacionais. Com base em dados e informaes
38
suficientes e confiveis, seria possvel aferir o mrito, de forma coerente, com o
nvel agregado pelo desempenho ao negcio.
Para tal, de acordo com Oakland (1994), preciso que as organizaes revejam a
forma de avaliar, recomendando-se metodologia mais participativa, que inclua as
pessoas no processo e no desenvolvimento de medidas, o que pode aumentar as
chances do comprometimento e promover mais compreenso e aceitao.
2.2.1 Modalidades de avaliao do desempenho e a meritocracia
A meritocracia exige uma forma de avaliar mais abrangente, atrelada s
estratgias do negcio e aos valores organizacionais. Nesse sentido, Dutra (2007)
defende a adequao da metodologia e dos instrumentos utilizados para avaliar
as pessoas no contexto atual, estimulando comportamentos mais autnomos e
com iniciativa, comprometidos com o negcio e com trocas justas na agregao
de valor. O autor acredita que a gesto pelas competncias oferece um modelo
adequado a essa demanda, pois aborda importantes dimenses para medir as
entregas e resultados da pessoa para o negcio. As trs dimenses do modelo
so: desenvolvimento, esforo e comportamento.
O desenvolvimento uma dimenso que deve ser mensurada por uma escala de
complexidade cuja variao define o grau de competncia da pessoa na
execuo das atividades. A avaliao consiste no estabelecimento de uma tabela
contendo variveis diferenciadoras e os valores que permitam diferenciar os
indivduos mais competentes para alocao em atividades complexas. Em geral,
essa dimenso remunerada na modalidade fixa, em funo dos desafios
alcanados e das expectativas atendidas. A dimenso do esforo normalmente
remunerada de forma varivel, pois se trata de algo contingencial, estimulado por
condies externas que provocam nas pessoas uma ao motivada. J o
comportamento avaliado a partir de um padro de conduta relacionado aos
valores da organizao, utilizando critrios que possam reduzir tendncias e
subjetividade, no envolvendo remunerao (DUTRA, 2007).
39
Dessa forma, o mrito pode ter critrios distintos de mensurao e, ao mesmo
tempo, caracterizar de forma integrada a competncia do indivduo, fornecendo
subsdios objetivos para se pactuar a troca da contribuio pelo reconhecimento e
a recompensa. H a tendncia das organizaes a se concentrarem no esforo e
no comportamento e a se restringirem a um valor de curto prazo, o que no ajuda
a construir padres de diferenciao justos que possam avaliar as entregas feitas.
A exigncia de critrios de diferenciao mensurveis que ajudem a discernir a
contribuio de cada um, aceitos como justos e adequados e que estejam
disponveis de forma transparente para todos, mesmo em tempos de crise
(DUTRA, 2007).
Corroborando essa proposio de melhorar a forma como vem sendo realizada a
avaliao, segundo Carvalho e Nascimento (1997), a aplicao da avaliao 360
pode reduzir a subjetividade e cumprir mais amplamente os seus objetivos. A
dinmica implica a avaliao do indivduo por pessoas de diferentes nveis
hierrquicos pares, chefes e subordinados e por diversas reas internas e
externas organizao com as quais ele tem contato. Assim, um gerente, alm
de elaborar a sua prpria avaliao, analisado por sua equipe, pela hierarquia
superior e equivalente, por representantes de outros departamentos, pelos
clientes e fornecedores externos, caso tenha contato externo.
Na modalidade 360o h mais chance de a organizao demonstrar efetivamente
que o desempenho o fator que define o mrito. Segundo a Revista Harvard
Business Review (2008), a forma mais bem-sucedida tem sido aquela em que a
avaliao se estende a todas as gerncias e se baseia nas metas estratgicas
mensuradas pelos indicadores financeiros e operacionais. Podem-se incluir outras
variveis de gerenciamento, evitando-se que sejam apresentados dados irreais
que possam comprometer o negcio em longo prazo, inclusive a distribuio de
bnus. Dessa forma, todos os nveis so avaliados por um instrumento e com
critrios conhecidos que garantem a igualdade de condies para alcanarem o
mrito de forma justa para as pessoas e para o negcio (HARVARD BUSINESS
REVIEW, 2008, capa).
40
2.2.2 Aplicao da meritocracia nas empresas brasileiras
A avaliao do desempenho pode ser um conector da estratgia organizacional
com as prticas do dia-a-dia, alinhando os sistemas de reconhecimento,
recompensa e gesto de carreiras aos critrios meritocrticos. Entrevistas
envolvendo as melhores e maiores empresas do Brasil pelos critrios da Revista
Exame mostram a satisfao das pessoas e das organizaes com a
meritocracia, salientando que possvel atender aos interesses organizacionais e
das pessoas, por meio de uma investigao de desempenho que contempla os
aspectos comportamentais relevantes para o negcio e o resultado financeiro
(EXAME, 2011).
H empresas que somente priorizam os resultados financeiros. Porm, a
pesquisa realizada por Lins (2010) envolvendo 51 empresas de grande porte dos
segmentos indstria, energia, tecnologia e servios revela que 86% das empresas
utilizam um sistema de avaliao de desempenho que no apenas foca metas,
mas as associa aos indicadores qualitativos. Para analisar quantitativamente,
adotam metas estratgicas que se desdobram em todos os nveis gerenciais de
forma individual. A base operacional, exceto as reas comerciais, vem recebendo
metas para serem atingidas em equipe. Para os aspectos qualitativos, a maioria
das empresas tem utilizado o sistema de competncias de liderana e
competncias tcnicas. Segundo a pesquisa, os resultados da gesto de
desempenho, nessas empresas, tm sido utilizados para decises relacionadas
meritocracia, diferenciando os resultados das metas e a evoluo das pessoas
nas competncias desejadas. Os resultados relativos s metas direcionam a
remunerao varivel. E a evoluo das competncias influencia
predominantemente os aspectos relativos carreira, demisses e plano de
sucesso. Entretanto, mesmo contemplando aspectos objetivos, a concluso de
que a subjetividade, embora possa ser reduzida, continuar presente no processo
(LINS, 2010).
O anurio da Revista Exame (CORREA, 2009), em parceria com a revista Voc
S/A., vem apresentando o crescimento do interesse das organizaes brasileiras
em utilizar o desempenho e adotar os critrios meritocrticos. Sua pesquisa
41
revela que crescente o nmero de empresas que adotam prticas como
remunerao varivel, promoes e outras oportunidades, que diferenciam os
profissionais pelo seu desempenho nas empresas classificadas como as
melhores para se trabalhar (CORREA, 2009).
Na edio de 2010 da pesquisa (EXAME, 2010), a categoria satisfao e
motivao foi citada por 41,8% dos 137.000 respondentes como o fator que
decide a entrada e a permanncia dos funcionrios na empresa. Ao tomar
conhecimento dos fatores mais valorizados pelos funcionrios, a organizao
pode direcionar as estratgias motivacionais, como reconhecimento, remunerao
e benefcios, para aqueles que tiveram o melhor desempenho, conforme os
critrios da meritocracia. A incoerncia entre o mrito e o desempenho tem sido
uma das principais causas de desmotivao, fato este citado por Osso (2010)
como recorrente nas empresas de micro a grande porte. Segundo ela, a prtica
da meritocracia auxilia a reverter tal situao, na medida em que se busca
recompensar e reconhecer a contribuio dos profissionais para o negcio, de
forma diferenciada e criteriosa. Barbosa (1999) tambm afirma que a meritocracia
uma prtica que atrai principalmente os profissionais mais jovens, pois permite
desafi-los a revelar o seu potencial e recompens-los independentemente do
tempo de empresa.
2.2.3 Remunerao varivel e o mrito
A vinculao da remunerao varivel ao desempenho considerada forte fator
motivacional, principalmente para atrair e reter os profissionais (WOOD JR.;
PICARELLI, 2011). A adoo de prticas gerenciais como a meritocracia, que
promove a vinculao de recompensa ao esforo e ao resultado, tendncia
global, por estarem as organizaes mais complexas e precisarem empregar e
reter trabalhadores mais competentes.
A remunerao varivel tem o objetivo de alinhar e convergir esforos para
melhorar a empresa e pode ser classificada em curto e longo prazo. A primeira,
remunerao em curto prazo, direcionada para o alcance dos resultados de
42
metas estabelecidas para o ano e geralmente vinculada a um sistema de bnus
que ser distribudo conforme os critrios especficos de cada organizao. A
remunerao varivel em longo prazo visa perenizao do negcio e ao
comprometimento dos profissionais em permanecer e desenvolver a organizao.
Pode ser paga com bnus, com participao acionria e seus indicadores
transcendem o ano fiscal. Ambas as modalidades tm a mesma premissa de
autossustentao, ou seja, preciso que as metas e indicadores sejam definidos
de forma a gerar condies de pagar o benefcio. O mercado tem utilizado os
gatilhos, expresso que significa o valor definido para os indicadores financeiros
que precisam ser atingidos para disparar o pagamento de benefcios (WOOD JR.;
PICARELLI, 2011).
A remunerao varivel, segundo Hiplito (2002), insuficiente, levando-se em
conta que a maioria das metas da organizao coletiva e a meritocracia
voltada para o indivduo. As modalidades de remunerao por competncias e por
habilidades no operam com medidas convincentes que identifiquem a relao do
desempenho com o valor agregado aos resultados. O autor reconhece a
contribuio de tais modalidades nos indicadores de desenvolvimento das
pessoas e as classifica como qualitativas. Ele defende que ambientes dinmicos
requerem reviso dos critrios que estabelecem a remunerao fixa e que no se
pode prescindir dela, porque a base para se calcular a parcela varivel, caso
seja essa a opo. Por fim, Hiplito (2002) chama a ateno para a possibilidade
de a remunerao varivel frustrar os profissionais e at estimular turnover,
contrariando os objetivos que a sustentam.
Robbins (2009) apresenta uma pesquisa realizada com empresas norte-
americanas que ilustra tal perspectiva. Verificou que 70% das empresas
pesquisadas adotam alguma modalidade de remunerao varivel, mas que a
maioria dos trabalhadores revelou que no consegue associ-la ao seu
desempenho. Outro fator crtico abordado pelo autor o fato de as pessoas
contarem automaticamente com as bonificaes anuais como se fossem um
direito adquirido, reduzindo o sentido motivacional que norteia a meritocracia.
43
Segundo a Revista Exame (2012), o modelo de participao nos resultados por
meio de metas est sendo amplamente praticado no Brasil e no exterior. O artigo
ratifica a vantagem de atrelar uma remunerao que varia conforme o alcance de
metas preestabelecidas, embora estimulem os gestores a priorizar os resultados
de curto prazo, uma vez que as metas so anuais. Se, por um lado, os gestores
aceleram os resultados anuais, ficam livres para negociar com a concorrncia ao
final do ciclo, agravando o problema de turn over, conforme abordado na
introduo dessa dissertao. Conforme o artigo, 80% das empresas limitam-se a
copiar modelos da concorrncia sem analisar e elaborar algo que contemple o
seu perfil.
Por mais que os fatores e critrios de avaliao sejam semelhantes no tocante
meritocracia nos vrios pases, autores como Hofstede (1984) e Morgan (1996)
alertam para o erro de se descartar as diferenas culturais entre as naes.
Ambos ressaltam a influncia da cultura nacional nos estilos e filosofia das
organizaes, destacando que a origem do indivduo tambm cria uma marca
forte na sua trajetria de vida. A prxima seo trata dos aspectos culturais,
iniciando-se com a pesquisa de Hofstede (1984) sobre a cultura nacional, que
inspirou vrios estudiosos e ampliou a compreenso sobre os pensamentos,
sentimentos e comportamentos em diferentes pases.
2.3 Cultura e meritocracia
2.3.1 Conceito de cultura organizacional
A cultura, segundo Schein (2007, p. 35), um fenmeno constitudo por valores,
crenas e certezas aprendidos em conjunto, que so compartilhados e tidos como
corretos medida que a organizao continua a ter sucesso. As interaes da
equipe, a influncia do lder, a estrutura, normas e outros elementos que modelam
o comportamento vo sendo aprendidos em conjunto e aos poucos sendo
incorporados e compartilhados como modelos mentais.
44
s vezes, a cultura mostra-se mais visvel, o que o autor qualifica como o nvel
dos artefatos e criaes; s vezes, no nvel mais consciente dos valores; e, s
vezes, se mostra no nvel dos pressupostos. Para ilustrar essa ideia, Schein
(2007) apresenta um modelo em trs nveis (FIG. 3) e enfatiza a sua preocupao
no sentido de que a cultura seja compreendida alm das suas representaes
cotidianas, tais como comunicao, relacionamento gerente-colaborador, grau de
autonomia e outros que costumam conduzir elaborao de programas pouco
eficazes de mudana de cultura.
FIGURA 3 - Nveis da cultura propostos por Schein (2007)
Fonte: Schein (2007, p. 32).
Conforme demonstram os estudos de Schein (2007), a cultura difcil de ser
alterada, porque os elementos que fazem a diferena esto em uma camada mais
profunda e invisvel, representando os modelos mentais construdos, aceitos e
compartilhados por determinado grupo. As ideias, princpios, valores e crenas de
uma organizao so influenciados pelos seus fundadores. Segundo Schein
(2007), eles vo conseguir influenciar a estrutura, na medida em que esses
fatores forem sendo vivenciados e os resultados comprovarem os acertos, sendo
validados e internalizados pelo grupo. possvel observar, em ambientes
diversos, como as atitudes das pessoas se parecem ao protegerem as suas
certezas tcitas, pois foram aprendidas e aceitas no dia-a-dia e, por isto, lhes do
segurana e fora para lutarem contra uma mudana que ameaa a estabilidade.
Artefatos, Estruturas Processos Organizacionais
Visveis, mas nem sempre decifrveis
CRENAS E VALORES EXPOSTOS
CERTEZAS BSICAS FUNDAMENTAIS
Valores, crenas e valores aprendidos em conjunto. Percepes,
pensamentos e sentimentos pressupostos
Alto nvel de conscincia
Tidos como certos invisveis - inconscientes
45
As camadas mais profundas podem alojar as explicaes para inconsistncias
encontradas por Schein (2007) em algumas organizaes, como, por exemplo,
nas equipes de trabalho em que a filosofia de cooperao e outros valores que as
fundamentam costumam contrapor-se s regras que privilegiam o individualismo e
promovem a competitividade interna. Ao explicar a cultura a partir desses trs
nveis, Schein (2007) se preocupa em evitar que ela seja tratada de forma
superficial. Essa preocupao pertinente, em se tratando da meritocracia, pois
sendo um instrumento utilizado para responder s exigncias dos padres globais
de eficincia, nem sempre as organizaes percebem que a efetividade do seu
gerenciamento est condicionada cultura que as permeia (SCHEIN, 2007).
Nesse sentido, Freitas (1997) indaga por que novas prticas ou programas so
implementados sem se identificar e analisar os fatores que podero influenci-los,
uma vez que j se constatou que a cultura brasileira impacta o dia-a-dia das
organizaes. Quanto mais se conhecer os fatos relacionados histria do pas,
aos fundadores, trajetria das organizaes ao longo do tempo e,
principalmente, aos traos da cultura brasileira, maior ser a chance de sucesso
da prtica gerencial.
Atualmente, esse conhecimento tem se tornado mais disponvel com pesquisas
de vrios autores brasileiros, que ancoram as questes administrativas no bojo de
outras cincias, como a antropologia. Pesquisa desenvolvida no Brasil pela
antroploga Barbosa (1999) coerente com as ideias apresentadas e refora que
a meritocracia no pode ser implementada sem se considerar a cultura. At h
bem pouco tempo, esse assunto no era debatido na administrao; a cultura ,
agora, reconhecidamente presente em vrias disciplinas, tais como
comportamento do consumidor e propaganda, no desempenho econmico de
longo prazo (KOTTER; HESKETT, 1994), na deciso dos gerentes (HOFSTEDE,
1984), entre outros. Portanto, h indicativos de que o conhecimento da cultura
brasileira e sua interferncia desde o incio da implementao de um modelo
meritocrtico poder reduzir os con
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